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Este texto explora a importância de duas árvores sagradas, a oliveira e a acácia, na mitologia e religião antiga. A oliveira é vista como símbolo de vida, paz e renascimento, enquanto que a acácia é associada à imortalidade, resistência e propriedades farmacológicas. A texto aborda a presença destas árvores na bíblia e na mitologia grega, além de suas propriedades e significados simbólicos.
O que você vai aprender
Tipologia: Esquemas
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ARCA DE NOÉ: CATÁSTROFE E REDENÇÃO
Maria do Céu Fialho Universidade de Coimbra
Palavras-chave: Acácia, oliveira, imortalidade, salvação, renascimento. Keywords: Acacia, olive, immortality, salvation, rebirth.
Nessa união perdida para o ocidente, entre homens, natureza e divino, esfuma-se, na memória de milénios, a capacidade humana de sentir, na casa ou no caminho da vida, a presença próxima dos deuses na paisagem, nos elemen- tos vegetais, nas grutas, nos rios, nas montanhas. Todos eles podem possuir a densidade dessa presença, que os converte em sinal da mesma, em espaço de aliança oferecida (o Monte Sinai, o bosque de Colono, o Jardim das Oliveiras) ou em espaço que assinala uma outra face do divino: o da distância assinalada de naturezas, do temor e da reverência: o bosque das Erínias-Euménides é astibes (Soph_._ , OC 126), todo o espaço é athiktos ( id. ibid. 39)^1 , são invioláveis os temenoi dos templos, os prados de Ártemis (cf. Eur. Hipp. 73-74; 76-77)^2. Por seu turno, todos os fiéis têm acesso ao templo de Salomão, morada do seu Senhor, mas ao coração dessa morada, o Santo dos Santos, o cerne da Aliança, só o Sumo Sacerdote tem acesso. Aquele inspira a suprema veneração e o supremo temor. A árvore apresenta uma particular constituição e configuração para con- densar essa presença do divino e proximidade ao homem. As suas raízes mergu - lham no mundo dos mortos, aí toma a seiva que a alimenta e a faz crescer para o sol, enquanto vive. Nas de folha caduca, as suas folhas, com o outono, regres- sam à terra^3. Nas de folha perene, a árvore tombará no solo como um todo, ou exibir-se-á seca, como imagem da própria vida que finda e de um círculo que se
(^1) Vide Fialho 1996b:30- (^2) Vide Fialho 1996a: 38-39. (^3) Lembremos o expressivo passo de Ilíada 6. 144-149, em que o recurso ao símile das folhas de árvore que tombam e, ciclicamente, se renovam, traduz o próprio ciclo da vida humana de um genos , no renovar periódico das folhas.
RECEBIDO 31-12-
quebrou. Árvore-vida, árvore-sabedoria constituem uma aliança simbólica que a Bíblia contém e que a Cabala irá tomar e amplificar^4. A árvore é também vida, quando alimenta com o seu fruto, quando proporciona a sua madeira ou goma para construção de utensílios e calafetagem destes. A árvore, por ser vida e vida tutelada pelos deuses, pode também associar-se, com os seus ramos, à cerimónia de materialização da imortalidade pela memória: é o caso da oliveira e do loureiro, entre os Gregos 5. Centro a minha atenção em duas espécies que, entre outras, marcaram civi- lizações antigas da bacia oriental do Mediterrâneo: a acácia e a oliveira. A acácia, nas suas cerca de 1500 espécies, é conhecida da Humanidade há cerca de 5000 anos, como a valiosa fonte de goma arábica, precioso produto que cola, dá consistência e durabilidade aos objectos. Além disso, o seu suco, em particular o da acácia espinosa do Nilo, não o da acácia que povoa a nossa pai- sagem, a acácia australiana, espécie invasiva, era conhecido pelas suas proprie- dades adstringentes, de desinfectante de úlceras e de bálsamo para mordedura de serpentes^6. Os Egípcios reconheceram-lhe eficácia para impedir a putrefacção, pelo que usavam esse suco no processo de mumificação dos seus mortos. Por seu turno, a reconhecida resistência da sua madeira de árvore contumaz, nascida e habituada ao deserto, mostrou-se adequada para a escultura e para a construção de móveis e de sarcófagos que garantiam ao defunto uma navegação segura até um Além onde reencontraria o quotidiano da sua vida, então imortal, no convívio dos deuses. Esta espécie de acácia defende-se de predadores e da perda de água pela adaptação das suas folhas, que tomam um carácter espinhoso. Ainda assim, folhas e flores abrem ao sol e fecham ao cair da noite, pelo que esta acácia era reconhecida como uma árvore solar. A durabilidade, resistência, posse de propriedades farmacológicas, capa- cidade de transportar, como numa embarcação, o homem na sua travessia da morte à vida (assim representam os Egípcios, nas pinturas murais tumulares, a passagem do defunto ao Além), tornam compreensível como a acácia se tornou uma árvore sagrada para os povos do Próximo Oriente. A tradição hebraica, por seu turno, atesta essa mesma relação entre o homem e esta árvore, como o elemento da Natureza em que a aliança com Jahvé se materializa. Aliás, é por, simbolicamente, o primeiro homem e a primeira mulher terem quebrado a sua relação com as árvores do jardim do Éden, consoante a havia determinado o Criador, de fruição ou de proibição, que são expulsos desse espaço primordial. Em Génesis 6, 13 Jahvé manifesta o seu descontentamento com a iniqui- dade humana e o seu propósito de destruir essas gerações afastadas do Criador.
(^4) Cf. Fortune 2010: cps.6, 7, 8. (^5) Lembremos, a propósito do prémio da coroa de oliveira, destinado aos vencedores dos Jogos Olímpicos, Heródoto 8. 26. (^6) Villatoro 2009: cap. 2; https://wol.jw.org/pt/wol/d/r5/lp-t/101976685#h=.
MARIA DO CÉu fIALHO
proximidade entre o Filho de Deus, na Sua humanidade, antes do sacrifício e Deus Pai, mistério e fonte de inspiração. Entre as oliveiras, no alto, se opera essa comunhão entre humanidade e divindade, com amor, angústia, paixão e confiança. Após a Última Ceia, Cristo recolhe-se, ‘como de costume’, diz o Evangelista (22, 39), ao monte das Oliveiras: homem-deus, entra no templo, no Santo dos San- tos, para depor nas mãos do Pai o sofrimento da sua humanidade prestes a ser sacrificada pela redenção dos Homens, e buscar forças numa aliança que lhe é intrínseca, já que Ele é filho do Pai Criador. A oliveira torna-se símbolo da própria imagem do cristão e de símbolo de paz, que a pomba de regresso à arca segurava no bico, converte-se, também, em ramo de esperança e purificação, ostentado no culto para bênção em Domingo de Ramos. Cultivada desde há milhares de anos na bacia do Mediterrâneo, encontra- mos, inclusive, representações milenares desta árvore em grutas no Saara. A sua extrema longevidade converte-a em sinal de memória e em símbolo de perpe - tuação e de resistência. Existem, em Israel, oliveiras milenárias, anteriores à era de Cristo, que o acolheram, talvez, nesta comunhão íntima com o Pai. Entre nós existe um espécime com cerca de 2.800 anos, em Santa Iria da Azóia. Adequada ao fabrico de artefactos (encontramos, a par de peças de mobi- liário de acácia, outras de oliveira, nos túmulos egípcios), a oliveira é fonte de alimento, pelo seu fruto, a azeitona, e pelo azeite, cujas propriedades nutritivas a Humanidade conhece desde há muito, bem como farmacológicas. O azeite é fonte de luz, corta as trevas da noite e ilumina o caminho ou a casa, cria intimidade e viabiliza a mobilidade, sem medos. O azeite torna os atletas mais invulneráveis, na luta, pois é mais difícil prender os seus corpos ungidos. A oliveira reúne todos os predicados para ser considerada, entre os Gre- gos, como uma árvore sagrada, a hiere elaia que Píndaro canta na Olímpica 3, 13. Outras árvores estão associadas ao divino, como se sabe, com o loureiro a Apolo, o carvalho a Zeus, a palmeira a Ártemis^8. Mas no solo grego, de um modo geral não muito generoso, a oliveira é a árvore da vida, a que alimenta. Por isso Zeus Elaios a protege e a torna imune, por isso os Atenienses a associaram à deusa tutelar da cidade, Atena, convertendo-se em ícone simbólico da própria cidade e da Ática, visível a todos do alto da Acrópole. E visível sob duas formas diversas: transportada para a narrativa etiológica gravada no frontão oeste do Pártenon, em que Atena e Poséidon se centram na disputa de prevalência sobre a Ática, de um e de outro lado da oliveira, que Atena teria concedido à terra, e enquanto árvore na paisagem sagrada do Pártenon, arreigada ao solo e estendendo os seus ramos – a oliveira que alimenta os homens, a oliveira fonte de luz. No estásimo III de Medeia , Eurípides constrói um dos mais belos cantos de elogio a Atenas, a cidade protectora e a que nutre a vida, com a sua paisagem de oliveiras sagradas. Trata-se de um canto composto no dealbar da Guerra do Peloponeso, após as hostilidades com Corinto. É bem provável que o poeta ainda acreditasse na dimensão salvífica da hospitalidade ateniense.
(^8) Burkert 1993.
MARIA DO CÉu fIALHO
Porque é fonte de luz, a oliveira adequa-se a ser, enquanto árvore prote- gida de Zeus, aquela que transporta aquilo que é capaz de romper as trevas do esquecimento e da morte e brilhar como uma luz imorredoira, a da memória: os atletas vencedores, nos jogos, são coroados com uma coroa de folhas de oliveira, sinal visível da luz da glória e da fama que alimenta um outro tipo de vida, mais duradoira, aquela que persiste na memória dos homens. Por esta coroa lutam os atletas, porque ela é sinal de perpetuação e de reconhecimento, ilumina-os, confere-lhes luz que brilha em toda a Hélade. Os Persas não compreendem, como nos mostra Heródoto, esta forma subtil de um ouro mais valioso que o das riquezas orientais. Da catástrofe se ergue a oliveira grega do Pártenon, qual Fénix renascida das cinzas ( OC 702), que se converte na materialização bem visível da capacidade que Atenas possui de se auto-regenerar a partir de si mesma, autopoion , da sua natureza posta à prova e purificada na catástrofe do fogo, mas nunca esquecida pelo olhar tutelar dos deuses: o estásimo I de Édipo em Colono , sendo também um dos mais belos hinos entoados em louvor da Ática e de Atenas, recorre, assim, à oliveira renascida das cinzas como uma imagem portadora de esperança no vigor amortecido da pólis, capaz de nova força que a reerga do chão. A oliveira, tal como no contexto bíblico, pode ser, no imaginário grego, expressão e lugar da aliança e intimidade, postas à prova quando tudo parece soçobrar – recuamos ao contexto épico, em que o segredo do tálamo de Ulisses e Penélope, assente num tronco inamovível de oliveira, se converte em prova de reconhecimento e união ( Odisseia 23, 177-204). A associação da acácia a Hermes corre pelo filão obscuro de crenças esoté- ricas, de Hermes Trismegisto, marcadas pela influência egípcia e que assimilam o deus Tot a perspectivas neoplatónicas^9. Serão os Romanos, essencialmente, que tomarão esta dimensão de culto, no tempo de importação de cultos orien- tais e o legarão à Europa, posteriormente. A acácia, como árvore icónica do deus psicopompo, olhada pela perspectiva da origem egípcia do culto, é a árvore de ligação dos mundos. Mas regressando às três matrizes que nos ocuparam – Egipto, Povo hebreu e Grécia – entre a acácia e a oliveira, podemos constatar que a árvore no seu todo, de raízes mergulhadas na terra que o homem pisa e de onde recebe alimento, de tronco erguido e folhagem aberta ao sol representa a própria vida e a natu- reza com que o homem se irmana. A durabilidade da árvore, a sua resistência, propriedades farmacológicas e diversidade de dádivas, de uma, a acácia, a goma arábica, que confere consistência e integridade aos artefactos, que prepara o corpo na mumificação para a imortalidade, que permite a navegação salvadora, que assinala a proximidade possível da eternidade e a aliança do Homem com ela, sob a experiência do divino e do sagrado e de outra das árvores, a oliveira, a sua capacidade de alimentar, de fazer luz, de materializar o renascimento, mas também a intimidade e um outro renascimento – o do regresso a casa (seja a de Ulisses ou a Casa do Pai) – converteu-as em duas companheiras do Homem que
(^9) Mead 2001: 1-11.
áRVORES COMPAnHEIRAS DE HOMEnS