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Guias e Dicas
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Leibniz, Newton e os Infinitésimos: Origens do Cálculo Infinitesimal, Manuais, Projetos, Pesquisas de Matemática

Este artigo analisa o desenvolvimento do cálculo infinitesimal, explorando as origens dos infinitésimos e contrastando as concepções de leibniz e newton. Aborda a importância das ideias de leibniz para o desenvolvimento de extensões não-clássicas do cálculo infinitesimal, como o cálculo diferencial paraconsistente. O artigo também discute a evolução histórica dos infinitésimos, desde seu ressurgimento com newton e leibniz até sua aceitação moderna.

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

2022

Compartilhado em 07/03/2025

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Educ. Mat. Pesqui., São Paulo, v. 8, n. 1, pp. 13-43, 2006
Sobre Leibniz, Newton e infinitésimos,
das origens do cálculo infinitesimal
aos fundamentos do cálculo
diferencial paraconsistente
TADEU FErnAnDES DE CArvAlhO*
ITAlA M. lOFFrEDO D’OTTAvIAnO**
resumo
Tratamos, neste artigo, do desenvolvimento do cálculo infinitesimal, incluindo breves notas
históricas relativas às origens dos infinitésimos e contrapondo as magnitudes infinitesimais de
Leibniz às de Newton. Incluímos, também, notas sobre a análise não-standard de Robinson,
que reintroduz os números infinitesimais nos domínios da matemática. Destacamos, ainda,
a importância das idéias de Leibniz para o desenvolvimento de extensões não clássicas do
cálculo infinitesimal, como o cálculo diferencial paraconsistente.
Palavras-chave: infinitésimo; cálculo diferencial; lógica paraconsistente.
Abstract
In this paper we present the development of the infinitesimal calculus, including short historical
remarks about the origins of the infinitesimals, and comparing Leibniz’s and Newton’s conceptions of
infinitesimal magnitudes. We include brief notes about Robinson’s non-standard analysis, which
reinstates the infinitesimal numbers in the domains of mathematics. In addition, we highlight
the importance of Leibniz’s ideas for the development of non-classic extensions of the infinitesimal
calculus, like paraconsistent differential calculus.
Key-words: Infinitesimal; Differential calculus; Paraconsistent logic.
* Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Matemática. Centro de Ciências Exatas,
Ambientais e de Tecnologias – Faculdade de Matemática. Pontifícia Universidade
Católica de Campinas – PUC-Campinas. E-mail: tadeu_fc@puc-campinas.edu.br
** Grupo de Lógica Teórica e Aplicada CLE/IFCH. Centro de Lógica, Epistemologia e
História da Ciência e Departamento de Filosofia. Universidade Estadual de Campinas-
Unicamp. E-mail: itala@cle.unicamp.br
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Sobre Leibniz, Newton e infinitésimos,

das origens do cálculo infinitesimal

aos fundamentos do cálculo

diferencial paraconsistente

*TADEU FErnAnDES DE CArvAlhO ITAlA M. lOFFrEDO D’OTTAvIAnO****

resumo Tratamos, neste artigo, do desenvolvimento do cálculo infinitesimal , incluindo breves notas históricas relativas às origens dos infinitésimos e contrapondo as magnitudes infinitesimais de Leibniz às de Newton. Incluímos, também, notas sobre a análise não-standard de Robinson, que reintroduz os números infinitesimais nos domínios da matemática. Destacamos, ainda, a importância das idéias de Leibniz para o desenvolvimento de extensões não clássicas do cálculo infinitesimal, como o cálculo diferencial paraconsistente. Palavras-chave: infinitésimo; cálculo diferencial; lógica paraconsistente.

Abstract In this paper we present the development of the infinitesimal calculus , including short historical remarks about the origins of the infinitesimals, and comparing Leibniz’s and Newton’s conceptions of infinitesimal magnitudes_. We include brief notes about Robinson’s non-standard analysis, which reinstates the_ infinitesimal numbers in the domains of mathematics. In addition, we highlight the importance of Leibniz’s ideas for the development of non-classic extensions of the infinitesimal calculus, like paraconsistent differential calculus_._ Key-words: Infinitesimal; Differential calculus; Paraconsistent logic.

  • (^) Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Matemática. Centro de Ciências Exatas, Ambientais e de Tecnologias – Faculdade de Matemática. Pontifícia Universidade Católica de Campinas – PUC-Campinas. E-mail: tadeu_fc@puc-campinas.edu.br ** (^) Grupo de Lógica Teórica e Aplicada CLE/IFCH. Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência e Departamento de Filosofia. Universidade Estadual de Campinas- Unicamp. E-mail: itala@cle.unicamp.br

Tadeu Fernandes de Carvalho e Itala M. Loffredo D’Ottaviano

Introdução

Isaac Newton (1642-1727) e Gottfried Wilhelm von Leibniz (1646- 1716), ainda lembrados como protagonistas da histórica disputa acerca da paternidade do cálculo diferencial e integral, estão no foco de várias outras questões conflitantes, tanto dos domínios da matemática quanto dos domínios da física, da lógica e da filosofia. É o caso de sua concepção de magnitudes infinitesimais e de magnitudes infinitas, cujas aparentes inconsistências e contradições são ainda objetos de estudo e discussão. Pretendemos, no presente trabalho, analisar e discorrer sobre alguns dos aspectos inconsistentes dos infinitésimos, inclusive sob a ótica da lógica paraconsistente do brasileiro Newton Carneiro Affonso da Costa. Mas o que são os infinitésimos? Desprezando certas sutilezas que distinguem suas diferentes concepções, podemos, conforme Bell (1998, pp. 1-5), considerá-los como “a menor parte na qual se poderia fracio- nar um continuum – como, por exemplo, a linha reta”. Ou, conforme a Stanford Encyclopedia of Philosophy , em “Continuity and Infinitesimals”, p. 3, “an infinitesimal may be thought of what remains after a (genuine) con- tinuum has been subjected to an exaustive methaphysical analysis...”. As quantidades (ou magnitudes ) infinitesimais , por outro lado lado, referem-se ao que poderíamos entender como “números” indefinidamente pequenos – menores do que qualquer número real. Newton e Leibniz introduziram concepções distintas para essas entidades: os infinitésimos de Leibniz estão fortemente associados com a lógica e a metafísica, enquanto que os infinitésimos de Newton apresen- tam forte motivação e conexão com a física e os fenômenos naturais. Suas origens são comuns, porém, remontando à época de Leucipo de Mileto (que viveu no século V a.C, mas do qual não temos informações precisas sobre o período de vida), criador da doutrina atômica (ou atomismo), e de seu discípulo Demócrito de Abdera (460-370). A doutrina atômica de Leucipo e Demócrito contrapunha-se à doutrina dos eleáticos, como Parmênides de Eléia (530-460), seu funda- dor, e Zenão de Eléia (495-430), caracterizada pela crença na unicidade e indivisibilidade das entidades verdadeiras e reais , ou seja, pela crença na continuidade e homogeneidade do espaço, do ser e de seus constituintes. Zenão,^1 a propósito, através de seus conhecidos paradoxos, torna-se autor

1 Os paradoxos de Zenão dizem respeito, basicamente, à questão da multiplicidade de unidades constituintes do continuum , e ao argumento de que o tempo não é mais do

Tadeu Fernandes de Carvalho e Itala M. Loffredo D’Ottaviano

até que novas lógicas surgissem no século XX. Lógicas que, associadas a novas teorias físicas e matemáticas, propiciaram o ressurgimento dos infinitésimos na matemática em bases talvez mais sólidas.

Leibniz, Newton e os infinitésimos

A noção de infinitésimo , como anteriormente dito, relaciona-se diretamente com as propriedades do contínuo^2 e remonta à Grécia antiga, por volta do século V a.C, aparecendo, por exemplo, na matemática e na filosofia dos Pitagóricos, de Anaxágoras de Clazomene (499-428), do filósofo atomista Demócrito e de Aristóteles. Mas aparece, de forma mais explícita e relacionada com as propriedades do cálculo, em trabalhos de Eudoxo e Archimedes (ver Boyer, 1974; Lintz, 1999). Eudoxo, com base no lema

Se de uma grandeza qualquer se subtrair uma parte não menor do que sua metade, e do resto se subtrair não menos do que sua metade, e assim se prosseguir, restará ao final, uma grandeza menor do que qualquer grandeza da mesma espécie,

desenvolve seu método da exaustão , através do qual mostra ser possível trabalhar de forma finita e precisa no cálculo de comprimentos, áreas e volumes. Archimedes, cerca de um século depois, ao utilizá-lo em O método (Archimedes, 1950), antecipa-se às idéias fundamentais da teoria de limites, diferenciação e integração, que seriam desenvolvidas apenas a partir do final do século XVII.

Os infinitésimos aparecem no tratado O método , sem magnitude, por não derivarem da divisão de entes geométricos, e pela crença de Archimedes em suas potencialidades, visto já não gozar, à época, da con- fiança de filósofos e matemáticos. Sua reintegração à matemática ocorre, de forma mais efetiva, nos séculos XVI e XVII, graças, em parte, aos trabalhos de Johannes Kepler (1571-1630), de Galileu Galilei (1564-1642), e de um de seus mais

2 Referimo-nos, aqui, ao contínuo matemático , embora a noção de infinitésimo, ou quanti- dade infinitesimal, possa igualmente ser associada ao contínuo físico relativo ao espaço, tempo e movimento.

Sobre Leibniz, Newton e infinitésimos, das origens do cálculo infinitesimal

destacados discípulos – e sucessor na Universidade de Pisa –, Evangelista Torricelli (1608-1647) (ver Torricelli, 1644), que aplicaram, com relativo sucesso e rigor, o método infinitesimal à física e à matemática. Kepler (1615, pp. 551-646), utiliza transformações geométricas e métodos infinitesimais no cálculo do volume de inúmeros sólidos de revolução, em particular, no cálculo do volume de tonéis de vinho. Suas falhas conceituais são compensadas pelo pioneirismo de suas idéias. Galilei (1638) utiliza propriedades dos infinitésimos no estudo de problemas da mecânica e da dinâmica, como no movimento de projéteis e na queda livre de corpos. Um dos resultados obtidos, por exemplo, assegura que “a área delimitada por uma curva dada pela velocidade de um móvel em função do tempo é a distância percorrida pelo mesmo, no intervalo de tempo considerado”. Nessa obra é sugerida a existência de objetos compostos por partículas minúsculas de dimensões infinitesimais , unidas entre si por uma infinidade de pequenos vazios , o que caracteriza uma espécie de “atomismo matemático”. Galileu, como podemos ver em Galilei (1890-1909), foi, também, um dos primeiros a utilizar o termo indivisível , cujo uso mais extensivo, porém, ocorre com seu discípulo Bo- naventura Cavalieri (1598-1647). Este, em Cavalieri (1966), desenvolve, mesclando o método da exaustão e o método infinitesimal de Kepler, um novo processo para o cálculo geométrico de áreas e de volumes, pelo qual pode ser considerado um dos mais representativos precursores do cálculo diferencial e integral.^3 Aspectos obscuros de sua obra seriam elucidados por Torricelli, que em Torricelli (1644) apresenta, de forma pioneira, os conceitos de derivada e de integral. Podemos destacar ainda, entre os precursores do cálculo diferen- cial e integral, René Descartes (1596-1650), Pierre Simon de Fermat (1601-1655) e John Wallis (1616-1703) (ver Boyer, 1974; Lintz, 1999).^4

3 Baron (1969) apresenta uma comparação entre o método de integração com recursos geométricos de Cavalieri e a integração clássica. 4 Wallis, o mais eminente matemático inglês anterior a Isaac Newton, em 1655, aritme- tiza, num certo sentido, os indivisíveis de Cavalieri (ver Wallis, 1693; Baron, 1969), substituindo as razões geométricas de Cavalieri por somas de séries de potências inteiras de números naturais; Fermat (1679, ver também Fermat, 1891-1922), volume 2, introduz a representação gráfica de funções e estuda problemas de máximos e míni- mos e de tangência; e Descartes, em La géométrie (ver Descartes, 1686) – tratado que integra, praticamente como anexo, a obra Descartes (1637) –, cria a geometria analítica e estuda, algebricamente, propriedades de funções, com o auxílio do cálculo.

Sobre Leibniz, Newton e infinitésimos, das origens do cálculo infinitesimal

a divisão por “momentos”, desconsiderando-os na seqüência dos cálculos, como se fossem nulos. Tendo assim procedido sem maiores explicações, sujeitou-se às críticas daqueles que consideraram ter ocorrido, nos referidos cálculos, de alguma forma, a divisão por zero. Em Method of fluxiones , Newton apresenta uma nova abordagem para o cálculo, explicitando que suas variáveis quantitativas são geradas pelo movimento e definindo as entidades denominadas fluxões e fluentes. As quantidades infinitesimais são, pois, trabalhadas cinematicamente, de tal modo que as variações infinitesimais da variável tempo tornam-se parte do processo que gera magnitudes geométricas. As quantidades variáveis x recebem o nome de fluentes , e o conceito de derivada é obtido a partir

da noção de fluxão x&^ do fluente x: x&^ é a fluxão do fluente x; &x&^ é a fluxão

do fluente x&, etc, enquanto que inversamente, x

| é o fluente do qual x é a fluxão. O momento de um fluente x é definido como o acréscimo ocorrido em x em um período indefinidamente pequeno (o) de tempo, e

denotado por o x&.

Newton introduz, através dessas entidades, dois tipos clássicos de problemas do cálculo. O primeiro deles equivale a encontrar a flu- xão associada a fluentes dados, a partir de relações conhecidas entre os mesmos, o que corresponde ao processo de diferenciação do cálculo usual. O segundo, um processo inverso do primeiro, equivale à determinação da relação entre as fluxões de dois fluentes, dada a equação que traduz a relação existente entre tais fluentes, o que corresponde ao processo de integração do cálculo usual. Com a persistência de inconsistências no processo, Newton, como terceira alternativa, utilizou as chamadas “ prime and ultimate ratios ” (pri- meiras e últimas razões), que se aproximam de uma teoria cinemática de limites. Contudo, seu trabalho com fluxões e fluentes é considerado o de maior relevância e brilho^6.

Leibniz, por volta de 1673, em Paris, recorre a trabalhos de Des- cartes, de Nicholas Mercator (1620-1687), de Wallis, James Gregory (1638-1675) e de Henry Oldenburg (1618-1677) para aprofundar seus

6 Fleuriot e Paulson (1998), usando infinitésimos, conceitos da análise não-standard, e recursos do aplicativo Isabelle – utilizado para a demonstração automática de teoremas –, desenvolvem uma geometria denominada geometria infinitesimal , com a qual é aprofundada a análise dos resultados introduzidos por Newton em Principia Mathematica.

Tadeu Fernandes de Carvalho e Itala M. Loffredo D’Ottaviano

conhecimentos matemáticos e dar início ao seu projeto de formalização do cálculo. Assim como Newton, Leibniz pretendia encontrar um modo de quantificar fenômenos que variam uniformemente com o tempo, mas seus objetivos gerais eram diferentes dos de Newton. Leibniz pretendia dar maior sustentabilidade lógica ao cálculo, e se Newton apresentava uma maior precisão técnica em seu trabalho, Leibniz apresentava um maior refinamento lógico e filosófico. É do que se vale para incluir em seus trabalhos, uma reflexão profunda sobre o conceito lógico de igualdade ou identidade , intimamente relacionado com o conceito de verdade. Por ter sido o primeiro a formalizá-lo, a Leibniz é creditada a autoria do Princípio da Identidade dos indiscerníveis: “dois objetos que são indistinguíveis, no sentido de possuírem exatamente as mesmas propriedades, não podem ser, na verdade, dois objetos”. Dito de outra forma, esse princípio esta- belece que “se X possui uma propriedade que Y não possui, então X é diferente de Y”.

Sua teoria da verdade, por outro lado, está em conexão com o Prin- cípio da (não-) contradição e o Princípio da razão suficiente , e impregnada por sua profunda fé e religiosidade. Em Leibniz (2006, Prop. 47), por exemplo, assim se manifesta sobre a relação entre Deus e as criaturas:

Assim, pois, Deus apenas é a unidade primitiva ou substância simples originária, e todas as mônadas criadas ou derivadas são produções suas; e nascem, por assim dizer, por fulgurações con- tínuas de sua divindade, de momento em momento, limitadas pela receptividade da criatura, caracterizada pelo atributo de ser essencialmente limitada.

Sobre a questão da composição do continuum , em particular do continuum geométrico, ou da reta, sua posição é a de Aristóteles: trata-se de uma entidade que não pode ser resultante da composição de pontos, meros constituintes das extremidades de segmentos. E como extensão possível de segmentos, não pode ser, ela própria, considerada uma “u-nidade”. Mais que isso, o continuum geométrico é considerado por Leibniz uma entidade “ideal”, em razão de suas propriedades aparente- mente contraditórias ou inconsistentes.

Igualmente caracterizadas por propriedades “inconsistentes”, do ponto de vista da lógica clássica, são as magnitudes infinitesimais associa- das ao espaço e ao tempo. Leibniz atribui à matéria , em contrapartida, um

Tadeu Fernandes de Carvalho e Itala M. Loffredo D’Ottaviano

Em De geometria recondita et analysi indivisibilium atque infinitorum (Leibniz, 1686, ver Leibniz, 1983), Leibniz sistematiza o cálculo integral, estabelecendo a notação básica definitiva para o mesmo, como a notação

∫ x^ , depois modificada para^ ∫ x^ dx, para a integração usual.

Embora o cálculo de Newton seja, conceitualmente falando, equi- valente ao de Leibniz, este último acabou sendo universalmente adotado, em função de sua maior adequação notacional – situação que perdura ainda hoje. Dentre os críticos do cálculo infinitesimal, o bispo anglicano Geor- ge Berkeley (1685-1753) foi o mais notório. Prova disso é que Berkeley (1734, The analyst), mesmo não sendo a obra que concentra as discussões mais profundas sobre as inconsistências do método infinitesimal, é a mais citada. O Item VI de The analyst , de Berkeley (2002) ilustra bem a aversão de Berkeley a tais entidades e ao uso que delas fazem os seus adeptos, que pejorativamente classifica como “modernos analistas”:

VI. And yet in the calculus differentialis , which Method serves to all the same Intents and Ends with that of Fluxions, our modern Analysts are not content to consider only the Differences of finite Quantities: they also consider the Differences of those Differences, and the Differences of the Differences of the first Differences. And so on ad infinitum_. That is, they consider Quantities infinitely less than the least discernible Quantity; and others infinitely less than those infinitely small ones; and still others infinitely less than the preceding infinitesimals, and so on without end or limit. Insomuch that we are to admit an infinite succession of infinitesimals, each infinitely less than the foregoing, and infinitely greater than the following. As there are first, second, third, fourth, fifth &c. Fluxions, so there are Differences, first, second, third, fourth, &c. in an infinite Progression towards nothing, which you still approach and never arrive at. And (which is most strange) although you should take a Million of Millions to the least given Quantity, it shall be never the bigger. For this is one of the modest_ postulata of our modern Mathematicians, and it is a corner-stone or Ground-work of their Speculations.

Críticas como as de Berkeley, contra as quais se insurgiram sim- patizantes da nova análise de Newton, como James Jurin (1684-1750) (ver Jurin, 1734, 1735) e Benjamin Robbins (1707-1751) (ver Robins, 1735), não impediam a divulgação dos trabalhos de Newton e de Leibniz. Os matemáticos suiços Jacques Bernoulli (1654-1705) e Jean Bernoulli

Sobre Leibniz, Newton e infinitésimos, das origens do cálculo infinitesimal

(1667-1748), irmãos que mantiveram assídua correspondência com Leibniz,^7 foram os seus primeiros divulgadores (ver Bernoulli, 1744). Jean foi professor do Marquês Guillaume F. A. de l’Hospital (1661-1704), entre 1690 e 1692, a quem teria cedido, supõe-se que por via de um obscuro acordo, descobertas que seriam usadas na redação do primeiro livro so- bre o cálculo infinitesimal, de de l’Hospital (1696). Nessa obra é dado o melhor tratamento, até então, ao caráter inconsistente das quantidades infinitesimais, graças à axiomatização utilizada por l’Hospital, da qual destacamos os postulados seguintes.

  • Pode-se tomar, indiferentemente, qualquer uma de duas quantidades que diferem entre si por uma quantidade infinitamente pequena.
  • Uma linha curva pode ser considerada como uma coleção de infinitos segmentos, todos de comprimento infinitesimal, ou seja, pode ser aproximada por uma linha poligonal com quantidade infinita de lados, todos de comprimento infinitesimal.

Nesse trabalho fica clara a relação que existe entre a equação da reta tangente a uma curva, em um de seus pontos, e os incrementos infinitesimais considerados. Porém, nem todo esforço dispendido por Newton e Leibniz no tratamento formal dos infinitésimos e os avanços obtidos com a obra de l’Hospital seriam suficientes para garantir a adequação dos infinitésimos como base segura para a construção do cálculo diferencial e integral. É o que mostram matemáticos e filósofos da Academia Real de Ciências de Paris, cujas opiniões divergentes sobre o tema dariam início a um longo ciclo de discussões entre adeptos e contrários à nova teoria matemática de Newton e Leibniz. Destacam-se entre os seus simpatizantes, Pierre Varignon (1654,-1722) e Joseph Saurin (1659-1737), e entre seus oposi- tores, Michel Rolle (1652-1719). Foram estes os protagonistas dos maiores debates sobre o cálculo na Academia Real de Ciências de Paris, entre os anos de 1700 e 1706. Varignon, por acreditar na existência real dos infinitésimos – ao que parece crendo ser esta também uma convicção de Leibniz –, apresenta uma defesa frágil contra os argumentos de Rolle, nos debates que travaram entre 1700 e 1701 (ver Pin, 1987; Joven, 1997).

7 A denominação cálculo integral , sugerida por Jacques Bernoulli, foi acatada por Leibniz.

Sobre Leibniz, Newton e infinitésimos, das origens do cálculo infinitesimal

primeira edição publicada em 1966) apresenta uma nova teoria para a análise matemática, baseada nos infinitésimos e com o uso da teoria de modelos. Esboçada em 1960, essa teoria é apresentada em novembro do mesmo ano em seminário realizado na Universidade de Princeton, Estados Unidos, e depois, em janeiro de 1961, no encontro anual da Association for Symbolic Logic, quando é, então, publicada nos Proceedings of the Royal Academy of Sciences of Amsterdam (ver Robinson, 1961), sob o título Non- Standard Analysis. Tendo sido editada como livro em 1966, foi revisada por Robinson em 1973, e teve sua segunda edição lançada em 1974 – versão que é reeditada em 1996 (ver Robinson, 1996). O tratamento aí dispen- sado por Robinson às quantidades infinitesimais reflete de forma precisa, segundo Stroyan e Luxemburg (1976), as idéias originais de Leibniz.

Robinson (1996) estabelece um modelo não-standard de ordem superior para a aritmética e um modelo não-standard para a análise, os quais preservam suas operações e propriedades usuais. O primeiro baseia- se numa extensão não standard do conjunto ℕ dos números naturais, denotada por *ℕ, cujos elementos, que incluem números naturais infinitos , são chamados números hipernaturais. O segundo baseia-se numa extensão do conjunto ℝ dos números reais, denotada por *ℝ, que inclui números reais infinitos e infinitésimos , denominados números hiper-reais. Dentre suas principais propriedades, destacamos aquelas expressas pelos dois resultados a seguir, que caracterizam sua relação de ordem e definem os infinitésimos.

Princípio da Extensão

a) O conjunto dos números reais forma um subconjunto do conjun- to dos números hiper-reais, e a relação de ordem x < y para os números reais é um subconjunto da relação de ordem para números hiper-reais.

b) Há um número hiper-real que é maior do que zero, mas menor do que todo número real positivo.

c) Para toda função real f de uma ou mais variáveis, corresponde uma função hiper-real f* com o mesmo número de variáveis, sendo f* denominada uma extensão natural de f.

Uma conseqüência da propriedade (a) é que a reta real é parte da reta hiper-real.

Tadeu Fernandes de Carvalho e Itala M. Loffredo D’Ottaviano

Definição

  • Um número hiper-real b é um infinitésimo positivo se b é positivo e menor do que todo número real positivo.
  • Um número hiper-real b é um infinitésimo negativo se b é negativo e maior do que todo número real negativo.
  • Um número hiper-real b é um infinitésimo se b é um infinitésimo positivo, ou um infinitésimo negativo, ou zero.

Uma conseqüência fundamental dos resultados acima é que pode- mos aplicar funções reais ordinárias, como as que definem as operações aritméticas sobre o conjunto dos reais, a números hiper-reais. É o caso, por exemplo, da adição, +, cuja extensão é denotada por +*.

H. Jerome Keisler (ver Keisler, 1976) utiliza a análise não-standard de Robinson para, em 1969, na Universidade de Wisconsin, elaborar uma proposta experimental para um curso de cálculo baseado no uso de infi- nitésimos, em lugar da teoria de limites, bem aceito e bastante utilizado pelas universidades norte-americanas nos anos 70.

Numa perspectiva distinta da de Robinson, da Costa propõe um cálculo diferencial paraconsistente, como uma das várias teorias inconsis- tentes, mas não-triviais, que podem ser desenvolvidas com o uso da lógica paraconsistente e da teoria paraconsistente de conjuntos, satisfazendo o assim denominado Princípio de l’Hospital (ver da Costa, 2000):

On demande qu’on puisse prendre indifféremment l’une pour l´autre deux quantités qui ne diffèrent entr’elles que d’une quantité infiniment petite: ou (ce qui est la même chose) qu’une quantité qui n’est augmentée ou diminuée que d’une autre quantité infiniment moindre qu’elle, puisse être considérée comme demeurant la même...^8

Pin (1987) analisa as críticas históricas ao método das fluxões de Newton e, especialmente, às idéias de Leibniz, concluindo que a redenção deste último vem, de certo modo, através de Abraham Robinson, em sua análise não standard:

8 Simplificadamente: “duas quantidades finitas, que diferem por uma quantidade infi- nitamente pequena, são iguais”.

Tadeu Fernandes de Carvalho e Itala M. Loffredo D’Ottaviano

unusually complete and coherent system. As the method of studying his views must be largely dependent upon his method of presenting them, it seems essential to say something, however brief, as to his character and circumstances, and as to the ways of estimating how far any given work represents his true opinions. The reasons why Leibniz did not embody his system in one great work are not to be found in the nature of that system. On the contrary, it would have lent itself far better than Spinoza’s philosophy to geometrical deduction from definitions and axioms. It is in the character and circumstances of the man, not of his theories, that the explanation of his way of writing is to be found. For evervthing that he wrote he seems to have required some immediate stimulus, some near and pressing incentive. To please a prince, to refute a rival philosopher, or to escape the censures of a theologian, he would take any pains. It is to such motives that we owe the Theodicee, the Principles of Nature and of Grace and the New Essays, and the Letters to Arnauld. But for the sole purposes of exposition he seems to have cared little. Few of his works are free from reference to some particular person, and almost all are more concerned to persuade readers than to provide the most valid arguments. This desire for persuasiveness must always be born in mind in reading Leibniz’s works, as it led him to give prominence to popular and pictorial arguments at the expense of the more solid reasons which be buried in obscurer writings. And for this reason we often find the best statement of his view on some point in short papers discovered among his manuscripts, and published for the first time by modern students, such as Erdmann or Gerhardt. In these papers we find, as a rule, far less rhetoric and far more logic than in his public manifestoes, which give a very inadequate conception of his philosophic depth and acumen.

De acordo com da Costa (1992), o século XIX foi um dos períodos áureos da matemática, e muito influenciou a cultura e o pensamento em geral do século XX, tendo contribuído, direta ou indiretamente, para o surgimento da lógica matemática e, principalmente, das lógicas não-clássicas.

Os passos essenciais para a introdução do método logístico e da lógica matemática foram dados por Friedrich L. G. Frege (1848-1925) – o verdadeiro fundador da lógica moderna –, em 1977, juntamente com Bertrand Russell (1872-1970) e Alfred N. Whitehead (1861-1947), com Russell, em 1908 e Whitehead e Russell (1910-1913).

Sobre Leibniz, Newton e infinitésimos, das origens do cálculo infinitesimal

Seus trabalhos, juntamente com os trabalhos de Hugh McColl (1837-1909), Janv Łukasiewicz (1878-1956), Nicolaj A. Vasiliev (1880- 1940), Luitzen E. J. Brouwer (1881 – 1966), Alfred Tarski (1902-1983), Stanislaw Jaskowski (1906-1965), Kurt Gödel (1906-1978) e, contempo-v raneamente, de Newton Carneiro Affonso da Costa, foram fundamentais para que se alterasse o panorama da lógica e da matemática no século XX, com a formalização da lógica clássica e o advento e multiplicação das lógicas não-clássicas.

Frege, em Begriffsschrift , apresenta o cálculo proposicional, pela primeira vez, na forma lógica moderna, introduzindo os princípios que iriam delinear a doutrina logicista. No entanto, se consegue alcançar com sua linguagem o rigor que faltava a Cantor, falha na concepção de alguns princípios, como na do Princípio da Compreensão, que implicava uma importante inconsistência, descoberta por Russell, e conhecida como Paradoxo de Russell (ver D’Ottaviano e Feitosa, 2000 e 2003). Com os trabalhos de Frege, Cantor e Russell, principalmente, desencadeia-se a célebre crise dos paradoxos , entre o final do século XIX e o início do século XX, que leva os matemáticos a se conscientizarem da necessidade de uma revisão cuidadosa dos fundamentos da matemática. Russell e Whitehead, com Principia mathematica , consolidam a posição da corrente logicista e formalizam, pela primeira vez, a lógica clássica, como proposta de solução para a chamada crise dos fundamentos da matemática , com enfoques distintos da corrente formalista de Hilbert e da corrente intuicionista de Brouwer.

A formalização da teoria de conjuntos de Cantor e os trabalhos de Zermelo, Skolem, Fraenkel, von Neumann e Gödel, entre outros, tam- bém contribuíram fortemente para o aperfeiçoamento dos fundamentos da matemática, via lógica clássica.

Alguns filósofos e matemáticos, entretanto, buscaram soluções fora do contexto clássico. Łukasiewicz, em 1910^9 e no artigo “Über der satz von widerspru- ch bei Aristoteles” (1910), discute sobre a posição central do Princípio da (não-) contradição na lógica e discorre sobre a conveniência de uma revisão das leis básicas da lógica aristotélica (ver LeBlanc, 2002). Intro- duz, posteriormente, em 1920, um cálculo proposicional trivalente (Ł 3 ),

9 Com o livro: Sobre o princípio da contradição de Aristóteles: estudo crítico.

Sobre Leibniz, Newton e infinitésimos, das origens do cálculo infinitesimal

teorias paraconsistentes. Nas lógicas paraconsistentes, o escopo do princípio da (não-) contradição é, num certo sentido, restrito.

De fato, nas lógicas paraconsistentes, o princípio da (não-) contra- dição não é necessariamente inválido, mas em toda lógica paraconsistente, de uma fórmula e sua negação não é possível, em geral, deduzir qualquer fórmula.

As hierarquias de cálculos proposicionais paraconsistentes C (^) n, de cálculos de predicados paraconsistentes C (^) n^ e de cálculos de predicados paraconsistentes com igualdade Cn=^ de da Costa, 1 ≤ n ≤ ω, foram intro- duzidas em da Costa (1963a, ver também 1974 e 1993). Esses sistemas são apresentados em uma série de artigos, a partir de 1963 (ver Arruda, 1980 e 1989; da Costa e Marconi, 1989; D’Ottaviano, 1990). Sobre a linguagem do cálculo proposicional C 1 de da Costa, ver Kleene (1952), da Costa (1963a, 1963b, 1974 e 1993). A negação básica do sistema C 1 , usualmente denominada “negação fraca”, é denotada por ¬. A negação ¬, denominada “negação forte”, desempenha, nesse sistema, papel equivalente ao da negação clássica. Lê-se ¬A como “negação de A” ou “negação fraca de A”, e ¬*A como “negação forte de A”.

A teoria paraconsistente de conjuntos CHU 1 de da Costa, de forma igualmente simplificada, pode ser vista como uma extensão da teoria de conjuntos CHU (de Church, 1974) – intitulada set theory with universal set –, que corresponde à teoria CHU 0 da hierarquia CHUn , 0 ≤ n ≤ ω de teorias de conjuntos de da Costa. Detalhes sobre essas teorias podem ser encontrados em da Costa (1964c, 1965, 1967, 1971 e 1974); Arruda e da Costa (1964 e 1977); Arruda (1964, 1970a, 1970b, 1975a, 1975b e 1980); Rosser (1953); Forster (1995); da Costa (1986 e 1989), Béziau (1990 e 1993), e Carvalho (2004).

Um cálculo diferencial paraconsistente ℙ, satisfazendo o Princípio de l’Hospital, pode ser construído se adotarmos como teoria de conjuntos subjacente a teoria CHU 1 de da Costa, com sua lógica subjacente C 1 = (ver da Costa, 2000, e da Costa, Béziau, Bueno, 1998, onde esse cálculo é esboçado). Carvalho (2004) e D’Ottaviano e Carvalho (2005) analisam propriedades dos infinitésimos, introduzem resultados sobre continuidade e diferenciabilidade, e demonstram um Teorema de Transferência, mos- trando que esse cálculo estende, efetivamente, o cálculo clássico.

O passo inicial para a obtenção do cálculo ℙ é a construção da extensão algébrica A para o anel ℝ dos números reais, denominada um

Tadeu Fernandes de Carvalho e Itala M. Loffredo D’Ottaviano

hiperanel , com a definição de variáveis infinitesimais e o acéscimo dos infinitésimos aos elementos de ℝ; e de uma outra extensão algébrica de ℝ, o quase-anel A∗, que contém, além dos elementos de A, também elementos infinitos. Os elementos de A e de A∗^ são denominados nú- meros hiper-reais, reais generalizados, ou, simplesmente, g-reais, dentre os quais incluem-se os números reais usuais: ℝ ⊂ A ⊂ A∗. Os números infinitesimais e números infinitos são definidos como a seguir. Definição 2.1. Fixados o intervalo I ⊆ ℝ e o ponto a pertencente ao interior de I, definimos uma variável infinitesimal como uma função real

f: I ⊆ ℝ → ℝ, tal que x a

lim →

f(x) = 0^10. Com o conjunto das variáveis infinitesimais, que denotaremos por V, podemos definir o conjunto dos números hiper-reais. Definição 2.2. Fixado o intervalo I ⊆ ℝ e a ∈ I, o conjunto dos números hiper-reais , denotado por A, é assim definido: A = (^) def {〈r, f〉 : r ∈ ℝ e f ∈ V}.

Na definição acima, quando a variável infinitesimal f é a função nula, o hiper-real correspondente, 〈r, 0〉, pode ser identificado com o real standard r. Definição 2.3. Chama-se infinitésimo a todo número hiper-real da forma 〈0, f〉, em que f é uma variável infinitesimal. Definição 2.4. Uma variável infinita é uma função v, v: I ⊆ ℝ → ℝ, tal que

= ∞ →

limv(x) x a

Definição 2.5. Um número hiper-real infinito , ou simplesmente um g- real infinito , é um par da forma 〈v, 0〉, em que v é uma variável infinita. Definição 2.6. O conjunto dos números hiper-reais estendidos , denotado por A∗, é definido por A∗^ = {a: a ∈ A ou a é um hiper-real infinito}.

Essas são as estruturas clássicas para a construção do cálculo dife- rencial paraconsistente P.

10 Igualmente podem ser usados limites laterais na definição das variáveis infinitesimais, observando-se que o conceito de limite aqui utilizado é o clássico.