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Uma crítica à representação arquitetônica convencional e a introdução da arquitetura visionária como uma alternativa para espaços autônomos e interativos. O texto aborda exemplos de arquitetos contemporâneos, como lebbeus woods e naja & deostos, e sua abordagem de projetos especulativos e contextuais. Além disso, o documento discute a importância da análise crítica do contexto histórico-espacial e a exploração de condições específicas de um local para especular alternativas ao status quo espacial.
O que você vai aprender
Tipologia: Notas de aula
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Dissertação apresentada ao curso de Mestrado da Escola de Arquitetura da Universidada Federal de Minas Gerais, como requisito à obtenção do título em Mestre em Arquitetura. Área de concentração: Análise crítica e histórica da arquitetura Orientador: Dr. Stéphane Huchet
I am an architect, a constructor of worlds, a sensualist who whorships the flesh, the melody, a silhouette against the darkening sky. I cannot know your name. Nor you can know mine. Tomorrow, we begin together the construction of a city. (WOODS, 1993)
A presente dissertação de inicia pelo esclarecimento do termo arquitetura visionária, que denomina um gênero da disciplina focado na concepção de projetos inconstruíveis, pretendendo estabelecer um posicionamento crítico a partir da criação espaços imaginários, fictícios ou fantásticos. Seu objetivo é desenvolver críticas ao status quo e à própria arquitetura, além de oferecer outras possibilidades de criação do espaço que vão além do limite restritivo da realidade. Como principais exemplos, foram expostas e investigadas as obras de arquitetos contemporâneos que optaram por projetar em conjunturas de crise ou trauma, como Lebbeus Woods em “Underground Berlin” e “Berlin Free-zone”, logo após a queda do muro da capital alemã, e nos projetos pós-cerco de Sarajevo, além de NaJa & DeOstos em “Cemitérios Suspensos de Bagdá” e “Ilhas Grávidas”, desenvolvido no contexto da inundação da reserva de Tucuruí.
Para chegar até essas obras, foi realizada uma breve revisão histórica de arquitetura visionárias prévias, passando por três arquitetos relevantes em seus períodos históricos: Piranesi e a série Carceri no século XVIII, Sant’Elia e o Manifesto Futurista no início do século XX e o grupo Archigram na retomada das utopias na contracultura sessentista. Logo após, foi feita uma crítica à autoridade e à redução dimensional da representação arquitetônica convencional, e uma apresentação da arquitetura visionária como porta para outros tipos de representação que buscam a autonomia do “usuário” e a participação do interlocutor na interpretação do espaço. Para isso, foi elaborada também uma narrativa sobre o processo criativo da autora na concepção e representação de uma cidade futurista, em um workshop orientado. Ainda, foi feita uma análise da conjuntura sócio-espacial contemporânea que condiciona a produção espacial, e das tendências acadêmicas que nos anos noventa rejeitaram arquitetura crítica e retomaram a idéia das utopias (no sentindo de Karl Mannheim) e da teoria como instrumentos críticos nas duas últimas décadas.
Palavras-chave: utopia; realidade; arquitetura visionária; crítica; experimental.
A arquitetura visionária denomina um gênero da disciplina no qual se produz projetos ou planos inconstruíveis, concebidos a partir da teoria crítica do espaço aplicada na criação de espaços imaginários. Enfrentou um período de marginalização após os anos setenta e foi encarada com certo preconceito pelos intelectuais dos anos dois mil em diante, quando passou a predominar o pensamento americano-holandês que define o projeto realista e anti-teórico como o último paradigma da arquitetura. Idealizar cidades e edifícios sem o intuito de materializá-los, em uma época cada vez mais dinâmica e comprometida tanto com a tecnologia quanto com o mercado, por vezes é uma atividade interpretada como desperdício de tempo e de produtividade.
[...] o mais novo foco recai sobre o pragmatismo americano e sobre as “novas práticas emergentes”. Para ele [Michael Speaks] o novo desafio da arquitetura consiste em desenvolver práticas capazes de sobreviver num mercado global ferozmente competitivo. (GRAAFLAND, 2013[2006], p.305)
A intenção dessa dissertação é justamente apontar que, se por um lado a arquitetura ficcional não é considerada resolutiva porque não pretende oferecer respostas concretas para solucionar falhas ou resolver problemas, por outro lado é um exercício crítico para a análise da relação e produção do espaço dentro de determinados contextos, principalmente os que envolvem crises ou traumas. Os experimentos de especulação na arquitetura, entrelaçados com a teoria e a análise sensível, podem apresentar caminhos alternativos para a percepção e concepção do espaço e para explorar possibilidades inexistentes, ou quem sabe invisíveis, com o intuito de abrir os horizontes ainda fechados no que se considera a realidade.
[...] a arquitetura é dividida entre os fazedores sistemáticos, insistentes, em perpétuo movimento de cobiça espacial, atrapalhando os lugares, comprando briga com os princípios de um crescimento razoável da cidade, etc. Estes que são majoritários e os outros, legião fascinante,
na qual me situo quando se trata de arquitetar uma abordagem da arquitetura em termos de sensibilidade, sabendo do anacronismo intenso dessa abordagem frente ao mercado da construção que avança com suas tropas potentes acima dos terrenos arrasados da urbanidade. (HUCHET, 2011, p.98)
Utopias e especulações têm sido desenvolvidas como possibilidades alternativas desde a Grécia antiga, quando arquitetos, artistas e pensadores sentiram a necessidade de conceber mundos imaginários que incorporassem, ainda que em um plano intangível, anseios e reflexões sobre outras realidades que escapassem a um contexto histórico-espacial desajustado ideologicamente. Ao longo da história catalogada foram registrados inúmeros tratados e projetos oníricos que vão desde Ledoux e a cidade de Chaux no século XVIII e o manifesto futurista italiano de Sant’Elia no início do século XX, até o metabolismo japonês no ressurgimento das utopias sessentistas e as ilutrações sombrias de Lebbeus Woods no início dos anos noventa. A arquitetura visionária só é possível quando se trata do imaginário, e pode ser categorizada de diversas maneiras de acordo com sua substância.
A utopia original, segundo a etimologia proveniente do grego “ou”(não) e “topos”(lugar) é por excelência o não-lugar, o lugar que não existe. Representa a esfera da idealização de uma sociedade perfeita, ética, equilibrada e comprometida com o bem-estar coletivo. Ou em outras palavras: lugares- fantasia que não se situam em um tempo ou espaço específicos, e que cuja ausência de historicidade os transforma em ilhas isoladas da realidade. A inexistência de conjuntura desconstrói a ideia de um possível percurso evolutivo até a “perfeição”, de forma que elas apenas existem, por si só, no campo do imaginário. São concebidas na forma de cidades que representam o que poderia ser o paraíso terreno, o Éden perdido, o mundo purificado das práticas imorais, injustas e nocivas, em uma espécie de expurgo. A busca incessante pelo ideal é o fio condutor da utopia, que só se sustenta na lógica do inalcançável: quando a sociedade das virtudes existir, deixará de ser o não-lugar.
pretende subverter a ordem social vigente. Mannheim (1986), portanto, compreende a utopia como uma forma de mentalidade que busca transcender o que é denominado por realidade. As utopias são “[...] somente aquelas orientações que, transcendendo a realidade, tendem a se transformar em conduta, a abalar, seja parcial ou totalmente, a ordem de coisas que prevaleça no momento.” (MANNHEIM apud MAZUCATO, 2013, p.193). Julien Freund, no livro Sociologia de Max Weber (1999) citado por Thiago Mazucato, afirma que, para Mannheim, a utopia é uma coleção de pensamentos que fazem exceção à realidade e procuram modificá-la orientando-se para a ação.
Figura 01: Esquema do conceito de utopia para Karl Mannheim Fonte: Silva, D. F. Da. 2014.
Durante a pesquisa, pude identificar que algumas referências bibliográficas que utilizei também consideram a ideia mais ampla de utopia, composta pelo espírito crítico e pela tendência à transformação, de forma que, em alguns momentos, é possível utilizar a expressão como sinônimo do que considero que seja a arquitetura visionária como um todo. Essa pode se desdobrar em outros tipos de arquiteturas além da utópica tradicional (conforme descrita por Morus), como os projetos comentários , os projetos especulativos e a arquitetura experimental.
O projeto comentário , para Peter Cook, autor da expressão que foi designada a princípio para descrever a obra de Lebbeus Woods em Drawing: the motive force of architecture , define uma categoria de arquitetura ficcional situada em um contexto específico. Seu objetivo é revelar uma análise crítica das condições histórico-espaciais dessa conjuntura, ou em outras palavras, expressar uma
opinião aprofundada sobre os desajustes político-sociais desse contexto através da linguagem da arquitetura - desenhos, fluxogramas, diagramas, imagens -, muitas vezes em conjunto com outros métodos de expressão, como a literatura, as artes visuais e a performance. Segundo De Ostos, o objetivo principal é manifestar uma crítica, abrindo a ferida e desvelando o que ainda está invisível segundo uma análise sensível do arquiteto. Por isso, pode ser considerado mais reflexivo do que as utopias não-lugares.
A essa altura, de qualquer forma, a progressão de temas a partir de pequenas tolices, através de cidades aéreas e de projetos “comentários”, nos quais cidades conhecidas e circunstâncias experenciadas (Berlim na década de 90 e Sarajevo durante a Guerra Civil), fizeram o trabalho de Woods tanto extasiado por sua presença quanto desafiador por sua instância. (COOK, 2008, p.115)
Também, em termos de arquitetura visionária, pode-se falar dos projetos especulativos, que antecipam hipóteses referentes a possíveis transformações do espaço a partir do questionamento “e se?”. O principal propósito da especulação na arquitetura é investigar alternativas a um status quo espacial imposto ou estabilizado através de indagações que redirecionam o pensamento tradicional, como por exemplo “por que não pensar, fazer e construir de outro jeito?”. Apesar de também ser um tipo de arquitetura contextualizada, a divergência do projeto comentário se encontra nas proposições realistas para o futuro. Em entrevista a Geoff Manaugh, arquiteto inglês criador do BLDGBLOG^1 especializado em especulações urbanas e futuro das paisagens, Lebbeus Woods afirma:
Eu acho que não há o suficiente sobre esse pensamento hoje em relação às cidades que enfrentaram transformações súbitas e
(^1) BLDGBLOG é um blog de arquitetura especulativa. assinado por Geoff Manaugh – escritor, ensaista e arquiteto e editor contribuinte da Wired UK. Em 2009, lançou um livro chamado The BLDG Blog Book, com o conteúdo do blog desde seu início em 2004. Disponível em: < http://www.bldgblog.com>
papel”, ou seja, da obra imaginária não construída; a Città Nuova de Antonio Sant’Elia e o Manifesto da Arquitetura Futurista, pela sua influência ao Movimento Moderno subsequente; e as cidades utópicas do Archigram, que marcaram a contracultura sessentista. O segundo capítulo aborda uma discussão sobre a representação convencional na arquitetura e as possibilidades alternativas de representação das utopias, partindo de uma crítica à redução dimensional do tempo nos projetos e seguindo pela narrativa do processo criativo de uma cidade fictícia em um workshop orientado por Ricardo de Ostos. O terceiro capítulo aborda os contextos profissionais em que as arquiteturas visionárias são concebidas, considerando a conjuntura da produção do espaço contemporânea influenciada pelo capitalismo, a crise da teoria nos anos oitenta e a necessidade do resgate das utopias para a criação de uma arquitetura crítica frente às produções tecnicistas e sem subjetividade. O quarto capítulo aborda, por fim, a obra de dois arquitetos contemporâneos responsáveis pela concepção de arquitetura fictícias a partir de um corpo teórico denso e coerente e que tratam de temas sensíveis como contextos de traumas urbanos. Lebbeus Woods e NaJa & DeOstos são, no final das contas, responsáveis por responder à questão mais importante dessa dissertação: há algum sentido na produção de uma arquitetura que não será construída?
A história registrou a criação de várias utopias arquitetônicas e outros tipos de arquitetura visionária. Este capítulo se dedica a uma revisão histórica desse gênero a partir de três arquitetos expoentes em seus períodos históricos. O primeiro é considerado o pioneiro da chamada arquitetura “de papel” – Antonio Battista Piranesi, que no século XVIII criou uma série de ilustrações denominadas Carceri, representando prisões imaginárias com o intuito de fazer uma crítica ao sistema opressor da burguesia iluminista. Logo após, há uma abordagem do Manifesto da Arquitetura Futurista e da obra de Antonio Sant’Elia, arquiteto italiano de carreira breve que desenvolveu no início do século XX uma obra densa que incorporava as mudanças socioculturais proporcionadas pela Revolução Industrial. É considerado por alguns autores um dos precursores do Movimento Moderno que tomou forma alguns anos depois. Por fim, esse capítulo investiga a obra do Archigram, grupo que popularizou as utopias na contracultura inglesa da década de sessenta. Sua obra é uma das mais conhecidas no campo, e marcou profundamente não só sua geração, mas todas as subsequentes que sofreram influência do ensino inglês da arquitetura, principalmente na Architectural Association e na Bartlett School of Architecture.
1.1. Carceri e utopia negativa: primeira arquitetura visionária
Considerado por Neil Spiller o primeiro arquiteto “de papel” a desenhar espaços deliberadamente fantásticos (2006, p.11), Giovanni Battista Piranesi foi proeminente ilustrador do século XVIII e visionário ao representar espaços que combinavam fragmentos de material arqueológico, memória da paisagem e certa dose de criatividade. A intenção por trás do domínio formal de suas ilustrações foi essencial para explorar a lacuna entre a representação arquitetônica e o compromisso simultâneo de construir, colocando em xeque os objetivos do desenho de arquitetura que até então operava majoritariamente para sistematizar um projeto a ser edificado ou para registrar o que já fora construído.
gráfico capaz de explorar paisagens teatrais que conduzem sempre à reflexão da transformação pelo tempo.
As vedutas piranesianas pretendiam instituir uma memória da paisagem construída na qual as ruínas romanas – inevitáveis reminiscências da morte que persistem como rastros urbanos de outro tempo – não são apenas resquícios da arquitetura clássica, mas um portal para observação da arqueologia dramática da paisagem.
Essas ruínas falantes preencheram meu espírito com imagens que desenhos precisos, mesmo aqueles como o Palladio imortal, nunca poderiam ter conseguido transmitir, mesmo eu sempre mantendo-o diante dos meus olhos. Portanto, tendo a ideia de apresentar ao mundo algumas dessas imagens, porém não esperando por um arquiteto dessa época que executasse efetivamente alguma delas. (...). O fato é que não temos visto edifícios igualando o custo de um Fórum de Minerva, de um Anfiteatro de Vespasiano ou de um Palácio de Nero; portanto, parece não haver recurso para mim ou qualquer outro arquiteto moderno do que explicar suas ideias através de seus desenhos, e assim tirar da escultura e da pintura a vantagem, como o grande Juvarra disse, que elas possuem sobre a arquitetura, e de forma semelhante, levá-la (a arquitetura) para longe dos abusos daqueles com dinheiro, que nos fazem acreditar que eles próprios são capazes de controlar a execução da arquitetura. (PIRANESI apud NEVEU, 2006, p.11).
Com essa passagem Piranesi deixou claro que os desenhos de arquitetura eram utilizados por ele conscientemente para expressar suas reflexões internas, subvertendo a função original do projeto que passara a ser apenas um instrumento técnico para domínio da burguesia sobre o espaço. As vedutas romanas, apesar de não representarem um espaço estritamente ficcional, eram imagens manipuladas pelo espírito fascinado do gravador, de forma que também não retratavam com fidelidade as ruínas tais como eram. No meio termo entre a realidade e a imaginação, Piranesi criou um estilo de expressão gráfica que o
permitiu exprimir seu assombro diante da suntuosidade da arquitetura clássica fragmentada pela passagem do tempo.
Em 1749, começou a elaborar Carceri d’invenzione , outra sequência de águas- fortes que foi divisora de águas em sua carreira e fundamental para enfim classificar Piranesi como um visionário. Carceri retratava presídios imaginários que nunca existiram nem possuíam correspondência formal direta com os cárceres de sua época, mas também não eram propostas arquitetônicas de uma edificação a ser consumada. Foi com essa obra que o gravador ratificou a ideia de que a criação do espaço não deve necessariamente converter-se em um projeto construível: a arquitetura ficcional é fruto do mesmo processo ao se subtrair a âncora determinista da materialização.
Segundo Manfredo Tafuri (1987, p.25), das treze águas-fortes de Carceri , a placa IX é a que pode sistematizar com mais abrangência a intenção da série. Se trata de uma ilustração que apresenta uma abertura oval no centro – semelhante às obras italianas de Borromini que se constituíam em semelhança às propriedades reflexivas dos espelhos convexos – que, observada em conjunto com a rede de vigas, escadas, paredes de pedra e calçadas suspensas, revelam uma segunda estrutura oval que emerge da imagem em espirais de fumaça, dando um senso de profundidade ao espaço. Nessa placa fica evidente a evocação da arquitetura romana e sua concretude estrutural - associada à ideia do rigor da justiça e das leis, mas também a desconstrução dessa estrutura sem qualquer sentido aparente. Piranesi, ao desenvolver um método de composição insólito, representou metaforicamente contradições conceituais propositalmente complexas e constantemente tensas. Por um lado, há a alusão constante da solidez da arquitetura clássica e a historicidade arquitetônica profundamente estruturada a que ela remete. Por outro, as imagens incorporam a aleatoriedade dos episódios, o entrelaçamento sem regras das estruturas e a insubordinação às leis da perspectiva na representação de elementos espaciais desarticulados e imaginários.