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ARISTOFANES. AS NUVENS. Tradução e notas de Gilda Maria Reale Starzynski. PERSONAGENS. ESTREPSÍADES FlDÍPIDES. ESCRAVO de Estrepsíades.
Tipologia: Notas de aula
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Tradução e notas de Gilda Maria Reale Starzynski PERSONAGENS ESTREPSÍADES FlDÍPIDES ESCRAVO de Estrepsíades DISCÍPULO de Sócrates SÓCRATES CORO das Nuvens Raciocínio JUSTO Raciocínio INJUSTO CREDORI CREDOR II DOIS DISCÍPULOS de Sócrates Cenário — É noite. Uma praça; no centro uma estátua de Hermes. Duas casas; uma, paupérrima, de porta fechada, é a de Sócrates. Na outra, de portas abertas, vêem-se duas camas. Numa, o velho Estrepsíades se agita; na outra, um rapaz dorme profundamente, coberto até as orelhas. Armários, bancos, lamparinas, vasos, etc. A um canto dois escravos roncam. Ouve-se o canto do galo. ESTREPSÍADES (Senta-se no leito e começa a resmungar.)" 1 Ai, ai! Ó Zeus soberano! Como são compridas as noites! Uma coisa interminável !... Nunca mais será dia? E, no entanto, já faz muito tempo que ouvi o canto do galo... Os escravos roncam... Mas não roncariam nos tempos de outrora... Maldiçoada guerra, e por muitas razões, pois não posso nem castigar os meus escravos... 2 (Apontando (^1) Prólogo, vv. 1 - 274. (^2) No início da Guerra do Peloponeso ( 431 a.C), na perspectiva da invasão da Atica pelas tropas lacedemônias, muitos proprietários deixaram suas terras, refugiando-se dentro dos Grandes Muros. Os trabalhos nos campos foram abandonados e os escravos, que deviam acordar com o canto do galo, podiam dormir sossegados. Os senhores abstinham-se de castigá-los e de enviá-los a trabalhar fora da cidade, temendo que desertassem. Apesar disso, as deserções eram freqüentes. Cav., vv. 20 ss.; Tuc. II, 2 , 27.
para o filho.) E nem esse "belo" rapaz que aí está não acorda durante a noite, mas fica peidando, encolhido debaixo de cinco mantas... (Volta-se para os espectadores.) Com sua licença, vamos roncar bem cobertos... (Deita-se. Pausa. De repente, salta do leito, jogando longe os cobertores.) Pobre de mim, não posso dormir, mordido pela despesa, pela estrebaria e pelas dívidas! Tudo por causa desse filho aí; e ele usa cabelos compridos, cavalga, guia uma pare-lha e sonha com cavalos... Eu, eu morro, vendo que a Lua vai carregando o dia vinte; pois os juros correm... 3 (Desperta um escravo.) Escravo, acenda a lamparina e traga-me o livro de contas para eu ver a quantas pessoas estou devendo e calcular os juros. (O escravo traz um livro, que Estrepsíades consulta com cuidado.) Vamos ver o que é que devo? Doze minas a Pásias. Mas por que doze minas a Pásias? Para que as usei? (Pausa.) Foi quando comprei o cavalo de raça... 4 Ai de mim, antes tivesse roçado o olho com uma pedra... 5 FIDÍPIDES (Mexe-se no leito e sonha em voz alta.) Filão, você está trapaceando! Siga a sua raia... ESTREPSÍADES É esse, é esse mesmo o mal que acaba comigo! Até quando dorme, ele sonha com cavalos... FIDÍPIDES Quantas carreiras correm os carros de guerra?... 6 ESTREPSÍADES A mim, o seu pai, é que você faz correr por muitas carreiras... Mas então, que dívida me espera depois de Pásias? Três minas a Amínias por uma boleiazinha e um par de rodas... FIDÍPIDES Leve o cavalo para a cocheira, depois de fazê-lo espojar-se... 7 ESTREPSÍADES (^3) O mês era lunar, dividido em três décadas. O velho teme os dias após o dia vinte, início da terceira década, porque no fim do mês se faziam os acertos de juros ou se saldavam as dívidas. Cf. vv. 1134 - 1222. (^4) Lit. o "koppatias", isto é, o cavalo marcado com a letra "koppa". Era hábito marcar os cavalos de raça com letras do alfabeto, ou para indicar-lhes o preço ou para assinalar vitórias. Assim também havia o cavalo marcado com a letra "san". Cf. v. 122. Estrepsíades que não entende nada de equitação emprega a esmo as palavras que ouve nas conversas do filho. Cf. vv. 120 ss. (^5) Um dos recursos cômicos de Aristófanes são os trocadilhos, que procuramos adaptar na medida do possível. Assim aqui "raça/roçar" e adiante "espojar-se/despojar". Vv. 33 - 34. (^6) Carros que concorriam nos jogos públicos, armados como para a guerra. (^7) Depois da corrida, levavam-se os cavalos para secar o suor, fazendo-os espojarem-se na areia, antes de recolhê-los. Cf. Xen.,Econ„ XI, 18.
Ai! Por que você me acendeu essa lamparina bebedora? 13 Vamos, venha cá apanhar. -. ESCRAVO (Lamentando-se.) Mas por que vou apanhar? ESTREPSÍADES Porque pôs na lamparina um desses pavios muito grossos... (O escravo sai. Estrepsíades continua o monólogo.) Depois disso, quando nós dois tivemos esse filho aí (aponta o filho), eu e minha boa mulher, desde logo brigávamos por causa do nome... 14 Ela lhe ajuntava um "hipo": Xantipo, Caripo, ou Calípides. Eu escolhia o nome do avô, Fidônides. E discutíamos sem cessar! Depois, com o tempo, fizemos as pazes e, de comum acordo, escolhemos Fidípides. Com o filho ao colo, ela o acalentava: "Ah, quando você for grande e conduzir um carro até a cidade, como Mégacles, com a túnica de vencedor!"... E eu dizia: "Não! Ah, quando você conduzir as cabras, vindo do monte Feleu 15 , como o seu pai, coberto com uma pele!"... Mas ele nem sequer deu atenção às minhas palavras e derramou uma "cavalite" sobre os meus bens... Pois agora, pensando a noite inteira sobre um caminho, achei uma única vereda, diabolicamente excelente. Se eu persuadir esse daí a segui-la, estarei salvo! Mas antes quero acordá-lo. Então, como é que poderia acordá-lo de maneira mais suave? (Vai para junto do filho.) Fidípides!? Fidipidesinho?! FIDÍPIDES (Meio acordado.) Que é, meu pai? ESTREPSÍADES Beije-me e dê-me a sua mão direita. FIDÍPIDES Ei-la. Que há? ESTREPSÍADES Diga-me, você gosta de mim? (^13) Durante a Guerra do Peloponeso o preço do óleo subira muito, pois muitas oliveiras haviam sido cortadas pelos invasores. Além disso, era impossível a colheita da azeitona em regiões circunvizinhas. Por economia, evitavam-se as lamparinas de pavio grosso, que consumiam muito óleo. (^14) Em geral, o filho mais velho recebia o nome do avô paterno. As famílias nobres gostavam de dar aos filhos nomes compostos. Eram comuns os compostos em que intervinha o elemento "hippos", ou para celebrar alguma vitória dos antepassados ou para expressar esperanças no futuro da criança, tanto mais que havia, logicamente, uma associação de idéias entre "hippos" (cavalo) e "hippeis" (cavaleiros), os nobres que lutavam na Cavalaria. O nome do pai de Estrepsíades sugere poupança, economia, em contraste com o luxo e as grandezas dos Alomeônidas. Quando o casal chega a um acordo escolhe um nome cômico: Fidípides, "o poupa-cavalos" (^15) Região da Ática, cheia de pedras. Com o tempo, o nome se tornou comum, passando a designar qualquer terreno escarpado, onde se apascentavam cabras.
FIDÍPIDES Sim, por este Posidão, o deus hípico 16 . ESTREPSIADES Não, de modo algum, nem me fale nesse hípico! Esse deus é o causador das minhas desgraças! Mas, se por acaso você gosta de mim de verdade, do fundo do coração, meu filho, obedeça! FIDÍPIDES Mas precisamente em que devo obedecer-lhe? ESTREPSIADES Mude logo os seus hábitos e vá aprender o que eu aconselhar. FIDÍPIDES Então fale, que ordena? ESTREPSÍADES E você obedecerá um pouquinho? FIDÍPEDES Sim, por Dioniso 17 , obedecerei. ESTREPSÍADES Olhe ali (aponta a casa de Sócrates). Você está vendo aquela portinha e aquele casebre? 18 FIDÍPIDES Estou vendo. Papai, de fato o que é aquilo? ESTREPSÍADES (Declamando.) De almas sábias é aquilo um "pensatório"... 19 Lá moram homens que, quando falam do céu, querem convencer de que é um abafador 20 , que está ao nosso redor, e nós... somos os carvões! 21 Se a gente lhes der algum dinheiro, eles ensinam a vencer com discursos nas causas justas e injustas 22 . FIDÍPIDES Mas quem são eles? ESTREPSÍADES Não sei ao certo seu nome 23
. (Solenemente.) São pensadores meditabundos, gente de bem! (^16) A "jeunesse dorée" de Atenas costumava jurar por Posidão (Netuno), deus inventor e protetor da equitação. Já no Hino Homérico Posidão aparece com a ampla atribuição de domar cavalos e salvar navios. (^17) Atendendo aos protestos do pai, o rapaz invoca o deus Dioniso, muito estimado pelo povo. (^18) Aristófanes ridiculariza a pobreza e a insignificância da casa de Sócrates. O próprio Sócrates avaliava toda a sua fortuna, inclusive a casa, em cinco minas ( 500 dracmas). Cf. Xen., Econ., 11 , 3. (^19) É evidente a intenção de parodiar o linguajar solene e complicado dos sofistas. A palavra "psyché" (alma) sugere a idéia de "fantasmas e almas do outro mundo" e é uma alusão à linguagem socrática. Cf. Plat., Rep., I, 353 E. De outro lado, "phrontisterion", que traduzimos por "pensatório", é palavra cômica, talvez forjada por Aristófanes. Depois, o termo perdeu o sentido ridículo e foi empregado por Esquines para designar a escola de retórica de Rodes- (^20) Comparação ora atribuída ao filósofo Hipão, cf. Cratino, Onividentes (Panoptai), ora ao matemático Metâo, Aves, v. 1001 , ora a outros. Provável lugar-comum na crítica da comédia antiga aos que se preocupavam com assuntos de astronomia. (^21) Se o céu envolve a terra como um abafador de brasas, nós, os homens, somos os carvões!... A confusão se justifica, porque filósofos havia, como Xenófanes, que julgavam que os astros brilhavam como carvões. CT. Aécio, II, 13 , 14 ; (Diels-Kranz I, 124 , 30 ). (^22) Era notória a venalidade dos sofistas, principalmente de Protágoras, que se tornou famoso pelas importâncias recebidas de Evatlo. Cf. Plat., Prot., 328 - B, 348 - E; ApoL, 19 - E. Todavia, Sócrates não aceitava nenhum pagamento e censurava os que o faziam.
Mas meu tio Mégacles não há de deixar-me... sem cavalos... 30 Ora, vou entrar! Você pouco me importa... (Fidípides entra. O velho sozinho encaminha-se para a casa de Sócrates.) ESTREPSÍADES Bem, mas não é por ter caído que ficarei no chão.'.. 31 Vou invocar os deuses e instruir-me eu mesmo, freqüentando o "pensatório". (Pára.) Então como é que eu, um velho esquecido e bronco aprenderei as sutilezas das palavras precisas? (Põe-se a andar.) Devo ir. Por que razão todas essas delongas, e não bato à porta? (Afinal, decide-se.) Filho, filhinho! DISCÍPULO (Fala de dentro da casa.) Vá para o inferno! Quem bateu à porta? ESTREPSÍADES (Solene e apavorado.) O filho de Fidão, Estrepsíades de Cicina! 32 DISCÍPULO (Abre-se o "pensatório" e sai um discípulo, pálido e irritado, deixando a porta entreaberta.) Por Zeus, só pode ser um ignorante, você que deu um pontapé na porta, assim tão estupidamente, e fez abortar um pensamento já encontrado... 33 ESTREPSIADES Desculpe-me, eu moro longe, nos campos. Mas fale-me desse negócio que está abortado... DISCÍPULO Não é lícito dizê-lo, só aos discípulos 34 . ESTREPSIADES Então fale, coragem! Pois eu aqui vim ao "pensatório" para ser um discípulo... DISCÍPULO Vou dizê-lo. Mas deve-se considerá-lo um mistério... Há pouco, Sócrates interrogava Querefonte sobre uma pulga. Indagava quantas vezes ela pode saltar o tamanho dos seus próprios pés, porque ela mordeu a sobrancelha de Querefonte e pulou para a cabeça de Sócrates... ESTREPSÍADES Então, como foi que ele mediu? (^30) Chiste; esperava-se "sem casa". (^31) Expressão da linguagem da palestra. O lutador tentava sempre levantar-se ao ser derrubado, pois se fosse atirado três vezes ao chão seria eliminado. Cf. Esq., Eum., v. 589. (^32) A sucessão de nomes próprios é cômica, pois só nos tribunais se nomeavam os indivíduos citando os nomes do pai e do demo. Cf. Dem., Cor., 54. (^33) O susto provoca um aborto mental, como pode fazê-lo fisicamente... Pilhéria que visa diretamente à pessoa de Sócrates, filho da parteira Fenarete, de quem se dizia herdeiro na arte de assistir ao nascimento de novas idéias (maiêutica). Cf. Plat., Teet., 149 - A. (^34) A solenidade da linguagem contrasta com a puerilidade dos pensamentos e indagações em curso no "pensatório".
Com a maior habilidade. Dissolveu cera; depois, tomou a pulga e mergulhou os seus pés na cera. A seguir, quando a pulga esfriou, ficou com umas botinhas à moda pérsica; ele descalçou-as e mediu a distância 35 . ESTREPSÍADES Ó Zeus soberano, que sutileza de pensamento! DISCÍPULO De fato, que diria você se soubesse de um outro raciocínio de Sócrates? ESTREPSÍADES Qual? Conte-me, eu suplico... 36 DISCÍPULO Querefonte de Esfétio perguntou-lhe qual a sua opinião, se os mosquitos cantam pela boca ou pela rabadilha. ESTREPSÍADES E que foi que ele disse a respeito do mosquito? DISCÍPULO Ele dizia que o intestino do mosquito é estreito; como é apertado, o ar passa por ele com violência e se encaminha diretamente para a rabadilha. Ora, como é oco e ligado a esse lugar estreito, o buraco ressoa por causa da violência do sopro. 37 ESTREPSÍADES Ah, então o rabisteco do mosquito é uma trombeta! Seja ele três vezes bem-aventurado, só por essa "intestigação".. , 38
. De fato, numa defesa, facilmente seria absolvido quem conhece a fundo o intestino dos mosquitos... DISCÍPULO Sim, mas há pouco ele foi despojado de um grande pensamento por uma lagartixa... ESTREPSÍADES De que maneira? Conte-me. DISCÍPULO Ele investigava os caminhos da Lua e suas evoluções. 39 Então, como estava de boca aberta, de noite, olhando para cima, uma lagartixa cagou lá do alto do teto... 40 ESTREPSÍADES Gozado que uma lagartixa tivesse cagado em Sócrates!... DISCÍPULO Ontem mesmo, à tarde, não tínhamos o que cear... (^35) A pulga é considerada um ser humano, com dois pés, em que é possível calçar e descalçar botas. É provável que haja um chiste com o preceito de Protágoras "O homem é a medida de todas as coisas". (^36) Essas questões deviam ser objeto de discussões dos filósofos desse tempo. O próprio Aristóteles preocupava-se com a explicação do canto dos insetos. Ar. Hist. An., 1 V. 9 ss. (^37) Note-se o tom dogmático de explicação socrática, com suas etapas bem precisas e bem imaginadas. (^38) Palavra cômica que lembra "investigação". (^39) Referência à tradição segundo a qual o sábio Tales de Mileto caíra num poço, enquanto observava os astros. (^40) Lit. lagarto malhado, tradicionalmente considerado um animalzinho malicioso. Cf. lat. Stelio.
ESTREPSÍADES Não, ainda não! Fiquem, para eu conversar com eles sobre um meu negocinho... DISCÍPULO Mas, eles não podem ficar por muito tempo ao ar livre... (Entram todos. Estrepsíades aproxima-se da mesa e aponta.) ESTREPSÍADES Pelos deuses, que é isso? Diga-me. DISCÍPULO Isto é astronomia. ESTREPSÍADES E isto? DISCÍPULO Geometria. ESTREPSÍADES (Toma uma régua.) E isto então para que serve? DISCÍPULO Para medir a Terra... ESTREPSÍADES Será por acaso a terra loteada?... 47 DISCÍPULO Não, toda ela! ESTREPSÍADES Você diz uma coisa inteligente. Com efeito, a idéia é democrática e útil... DISCÍPULO (Tomando um mapa.) Este é o círculo da Terra 48
. Está vendo? Eis aqui Atenas. ESTREPSÍADES Que diz? Não acredito, pois não vejo os juízes sentados no tribunal... 49 DISCÍPULO Afirmo que este é verdadeiramente o território da Ática. ESTREPSÍADES E onde estão os Cicinotas, meus companheiros de bairro? DISCÍPULO Ei-los aqui. Esta é a Eubéia 50 , como você vê, estendendo-se ao longo, comprida, bem a distância. ESTREPSÍADES Sei, pois foi bem esticada por nós e por Péricles... E a Lacedemônia, onde está? ESTREPSÍADES Como está perto de nós! Pensem bem nisso: afastá-la para bem longe... (^47) No governo de Péricles as terras dos Estados vencidos foram medidas com a colaboração de dez geômetras e distribuídas aos pobres, reservando-se um décimo para os deuses, Tuc, III, 50. Estrep-síades entende que se pretende medir a terra para distribuí-la ao povo, daí a alusão do v. 205. (^48) Os mapas-múndi e cartas geográficas já deviam ser comuns em Atenas. (^49) Crítica à mania judiciária dos atenienses. Aliás, logo depois das Nuvens, Aristófanes dedicou uma comédia a esse assunto: As Vespas. (^50) Eubéia, a maior ilha do mar Egeu. Depois das guerras pérsicas ingressou na Confederação de Delos, da qual pretendeu afastar-se em 446 , numa rebelião esmagada por Péricles. Cf. Tuc, I, 114.
DISCÍPULO Mas não é possível!... ESTREPSÍADES Por Zeus, vocês se arrependerão... (Estrepsíades olha para cima e vê o cesto dependurado.) Ora vejam só! DISCÍPULO Onde está? Ei-la aqui! Quem é esse homem dependurado num cesto, lá em cima? DISCÍPULO "Ele", em pessoa! 51 ESTREPSÍADES "Ele" quem? DISCÍPULO Sócrates. ESTREPSÍADES Sócrates!? — Vá chamá-lo para mim, e bem alto. DISCÍPULO Não, chame-o você; eu não tenho tempo. (O discípulo desaparece.) ESTREPSÍADES Sócrates! Socratesinho! SÓCRATES (Do alto.) Por que me chama, ó efêmero? 52 ESTREPSÍADES Em primeiro lugar, eu lhe peço, explique-me o que está fazendo. SÓCRATES Ando pelos ares e de cima olho o Sol 53 . ESTREPSÍADES Ah, então você olha os deuses aí de cima, do alto de uma peneira 54 e não daqui da terra, se é que se pode... SÓCRATES Pois nunca teria encontrado, de modo exato, as coisas celestes se não tivesse suspendido a inteligência e não tivesse misturado o pensamento sutil com o ar, o seu semelhante 55 .. Se, estando no chão, observasse de baixo o que está em cima, jamais o encontraria. Pois de fato a terra, com violência atrai para si a seiva do pensamento 56
. Padece desse mesmo mal até o agrião... 57 (^51) Aristófanes associa o filósofo aos pitagóricos, daí a expressão "ele em pessoa", isto é, o "Mestre". (^52) Sócrates aparece lá do alto como um "deus ex machina" e por isso pode usar de linguagem apropriada a uma divindade em seu trato com seres humanos. (^53) O filósofo afirma que está meditando sobre o Sol e Estrepsíades, que entende tudo às avessas, pensa tratar-se do deus Hélio (Febo Apoio) e interpreta as palavras de Sócrates como uma ofensa, desprezo à divindade e, por conseguinte, prova de ateísmo (^54) Na verdade, "ciranda, caniçada"; traduzimos "peneira", vocábulo mais conhecido, mais cômico. (^55) Referência aos filósofos, como Anaxímenes, Anaximandro e Diógenes de Apolônia, que identificavam a alma com o ar, um sopro. (^56) Assim como o vapor de água é novamente atraído pela terra voltando sob a forma de chuva (Diog. Apol., Diels-Kranz II, 54 , 28 ), a terra teria o poder de atrair para si a seiva do pensamento, perturbando a reflexão. A propósito do efeito que essas teorias irão produzir no espírito de Estrepsíades, veja vv. 1279 ss
(Com uma coroa nas Mãos). Pois tome aqui esta coroa... 62 ESTREPSÍADES Para que uma coroa? Ai de mim, Sócrates, contanto que vocês não me sacrifiquem como ao pobre Atamante! 63 SÓCRATES Não, mas fazemos tudo isso aos que se vão iniciar. ESTREPSÍADES O que é que ganho eu com isso? SÓCRATES Tornar-se-á escovado na fala, charlatão, uma flor de farinha! (Sócrates, enquanto fala, esfrega as costas de Estrepsíades e esparge farinha sobre a sua cabeça.) Mas, fique quieto! ESTREPSÍADES Por Zeus, você não me vai enganar: de fato, polvilhado, serei uma flor de farinha... SÓCRATES É preciso que o velho fique calado e preste atenção à prece! (Solenemente.) Senhor soberano 64 , Ar incomensurável, que sustentas a Terra suspensa no espaço! 65 Éter brilhante e veneráveis deusas, Nuvens, portadoras do trovão e do raio! 66 Levantai-vos, Senhoras, mostrai-vos ao pensador, suspensas no ar! ESTREPSÍADES Não, ainda não! (Procura cobrir a cabeça com uma ponta do manto.) Antes vou cobrir-me com isto, para não me encharcar... 67 Desgraçado de mim... Sair de casa sem nenhum bonezinho! SÓCRATES Então vinde, Nuvens augustíssimas, para mostrar-vos a este homem 68 . Quer vos assenteis nas sagradas cumeeiras do Olimpo 69 , batidas pelas neves, ou (^62) Paródia das cerimônias de iniciação dos rituais órficos-pitagóricos ou eleusinos. A partir de certa época, essas cerimônias tornaram-se comuns em Atenas, associadas com elementos oriundos de cultos estrangeiros, frígios e egípcios. Era habitual a coroação dos neófitos; como as vítimas dos sacrifícios também eram coroadas, Estrepsíades fica apavorado (^63) Rei da Beócia, salvo graças à intervenção de Hércules, no momento em que ia ser sacrificado por instigação de sua primeira esposa, a deusa Nefele. Muitas tragédias inspiraram-se nessa lenda, inclusive o A tamante Coroado de Sófocles. Observe-se a mudança de tom nesta cena preparatória do párodo (vv. 263 - 274 ). (^64) Sócrates invoca três divindades próximas umas das outras: Ar, Éter e Nuvens. Era comum associar três divindades, tanto nas preces como nos juramentos. A divindade do Ar foi sustentada, entre outros, por Orfeu (Diels-Kranz I, 5 , 6 ), Diógenes de Apolônia (Diels-Kranz II, 61 , 7 ) e Demócrito fr. 6. Os órficos-pitagóricos consideravam o Éter um deus e muitas vezes o identificavam com Zeus. Cf. Orfeu: "O Éter é tudo" (Diels-Kranz I, 46 , 18 ) e também Eur.fr. 869. (^65) Segundo o testemunho de Plutarco, Mor., 869 , Anaxímenes fora o primeiro a afirmar que a Terra estava suspensa e era amparada pelo Ar. Posteriormente essa teoria se tornou muito comum. (^66) Epíteto das Nuvens, forjado por Aristófanes com a inversão da ordem dos elementos de um epíteto muito conhecido de Zeus. Essa delegação de qualificativos corresponde, poeticamente, às novas teorias de explicação física dos fenômenos naturais, antes atribuídos aos poderes de Zeus. Cf. vv. 375 - 411. (^67) Estrepsíades logo associa a idéia de Nuvens com a de chuva e procura proteger-se.
estejais nos jardins do vosso pai Oceano 70 , compondo um coro sagrado para as Ninfas; quer por acaso, nas cabeceiras do Nilo, despejeis de suas águas com jarros de ouro, ou habiteis o lago Meótis 71 ou o rochedo nevoso do Mimante 72
. Recebei o sacrifício, atendei à prece, contentes com as cerimônias sagradas. (Ouve-se ao longe o Coro das Nuvens. Troam trovões.) CORO (Estrofe) 73 Nuvens inesgotáveis 74 , levantemo-nos, visíveis em nossa natureza orvalhada e brilhante! Longe do pai, o ribombante Oceano 75 , vamos aos cimos nas altas montanhas, encabelados de árvores. Contemplemos a distância os picos longínquos, as searas, a Terra sacrossanta e irrigada, veneráveis, fragorosos rios, e o mar que geme com surdos ruídos. Incansável brilha o olho do Éter 76 em esplêndidos raios!... Eia, dissipemos a chuvosa névoa de nossa forma imortal e, com um olho que de longe vê, contemplemos a Terra. SÓCRATES Nuvens muito veneráveis, é evidente que me ouvistes a chamar-vos! (A Estrepsíades.) Você percebeu a sua voz junto com os gemidos do trovão, respeitável como um deus? ESTREPSÍADES Sim, eu vos venero, ó augustíssimas, tanto que desejo responder com peidos aos vossos trovões... Como tremelico diante delas e tenho medo! E quer seja lícito, quer não seja lícito 77 , tenho vontade de aliviar-me agora mesmo... SÓCRATES (Impaciente.) Chega de fazer graça e de agir como esses pobres poetas de borra! 78 Mas fique quieto, pois um grande enxame de deusas se movimenta, cantando. (^68) Sócrates menciona os quatro cantos do globo: o Olimpo representa o norte; Oceano, o oeste; as cabeceiras do Nilo simbolizam o sul e o lago Meótis e o Mimante, o leste. (^69) Olimpo da Tessália, ponto culminante da península grega: o seu pico, sempre coberto de neve, era considerado a morada dos deuses. (^70) Da deificação das Nuvens resulta a necessidade de dar-lhes uma ascendência divina: são invocadas como filhas de Oceano, personificação das águas que envolvem o mundo. Oceano estendia-se de leste a oeste e do norte ao sul da Terra. No extremo oeste, situavam-se os seus jardins, muitas vezes identificados com os Jardins das Hespérides, as ninfas do poente. (^71) Lago da Jônia, nos limites da Europa e Ásia, hoje mar de Azov. (^72) Promontório da Ásia Menor, nas proximidades de Esmirna. (^73) Inicia-se o párodo que se compõe de partes líricas, cantadas pelo coro (estrofe e antístrofe), e de partes dialogadas, com algumas intervenções do Corifeu (vv. 275 - 475 ). (^74) Epíteto adequado às Nuvens, mães das águas. (^75) Epíteto comum de Oceano, pára representar os estrondos do mar. (^76) Expressão poética para designar o Sol. Cf. Eur., If. Taur., v. 194 ; Bsq.fi. 158. (^77) O efeito cômico deriva do contraste entre a solenidade das palavras e a grosseira e incontrolável necessidade de Estrepsíades. (^78) Trocadilho. Aristófanes refere-se aos poetas cômicos, que ainda conservavam vestígios dos tempos ' em que se cobria o rosto de borra de vinho para atirar invectivas contra os participantes e assistentes do "komos". Traduzimos "poetas de borra", expressão que na linguagem popular portuguesa tem sentido depreciativo: "poetas sem nenhum valor, ordinários".
ESTREPSÍADES Até que enfim! E assim mesmo com dificuldade... (Entram as Nuvens, mulheres com vestes esvoaçantes e grandes narizes.) SÓCRATES Agora pelo menos você está vendo, a não ser que tenha umas remelas do tamanho de abóboras! 91 ESTREPSÍADES Sim, por Zeus, eu vejo, ó augustíssimas, pois já ocupam todo o espaço... SÓCRATES E, no entanto, você não sabia que são deusas, não acreditava nelas? ESTREPSÍADES Não, por Zeus, mas pensava que fossem vapor, orvalho e fumaça... SÓCRATES Por Zeus, nada disso! 92 É que você não sabia que elas sustentam a maior parte dos sofistas 93 , adivinhos de Túrio 94 , artistas da medicina 95 , "vadios de longos cabelos que só tratam de anéis e unhas" 96 , torneadores de coros cíclicos 97 , homens charlatães de coisas celestes 98
. Sustentam esses vadios que não fazem nada, porque eles costumam cantá-las em suas obras. ESTREPSÍADES (Declamando.) Ah, então é por isso que cantavam 99 "de úmidas Nuvens de redemoinhos de luz a hostil arremetida", "as trancas de Tifeu 100 de cem cabeças", "dos furacões o violento sopro" e ainda "aéreos úmidos", "aduncos que nadam nos ares" e "aquosas chuvas de orvalhadas Nuvens". E ainda, em troca de tudo isso, engoliam "fatias de bons e grandes murgens e (^90) A entrada da orquestra, por onde devia penetrar o coro. Cf. Av., v. 296. (^91) Expressão proverbial (^92) Note-se que Sócrates invoca um deus cuja existência daqui a pouco vai negar. Essas invocações haviam perdido toda consistência, reduzidas a simples exclamações. (^93) De modo genérico são designados os vários grupos que constituem a classe dos sofistas, Platão também faz Protágoras chamar de "sofistas" todos os poetas, músicos, ginastas etc... Cf. Prot., 316 - D (^94) Referência a Lampão, amigo de Péricles, colaborador na fundação e colonização de Túrio ( 443 a.C), considerada durante muito tempo a Eldorado dos atenienses. (^95) Particularmente Hipócrates de Cós ( 469 - 399 ), contemporâneo de Sócrates, que visitava Atenas com freqüência e que, em suas obras, admitia as influências dos ventos e das Nuvens sobre a saúde e também as relações da astronomia com a arte de curar. (^96) Aristófanes forja uma longa palavra cômica, ou para criticar a vaidade do sofista Hípias de Elis (veja Plat., Hip. Men., 368 - D), ou então para ridicularizar o luxo e os atavios dos citaredos. (^97) Censura aos novos hábitos musicais e rítmicos dos poetas líricos, principalmente nos coros cíclicos. Cf. vv. 970 ss (Frinis); Tesmof., v. 53 (Agatâo); Rãs, v. 153 (Cinésias). (^98) Anaxágoras, Metão, Hípias de Elis, Diógenes de Apolônia e muitos outros. (^99) Paródia do estilo mirabolante da poesia lírica do século V. (^100) Monstro de cem cabeças de dragão, filho da Terra e do Tártaro, derrotado pelos Titãs. Cf. Hes., Teog., 820 ss
carnes voláteis de tordos" 101 . SÓCRATES Sim, é por causa delas. E não é justo? ESTREPSÍADES Diga-me, então, se realmente são nuvens, que lhes sucedeu, por que parecem mulheres? (Aponta para o céu.) Aquelas lá pelo menos não são assim... 102 SÓCRATES Vamos ver, como são? ESTREPSÍADES Não sei bem, mas é certo que têm aparência de flocos de lã desenrolada e não de mulheres. Não, por Zeus, nem um pouquinho!... Estas aqui têm narizes... SÓCRATES Então responda ao que eu perguntar 103 . ESTREPSÍADES Pois diga logo o que quer. SÓCRATES Alguma vez, olhando para o céu, você já não viu uma nuvem semelhante a um centauro, a um leopardo, a um lobo ou a um touro? ESTREPSÍADES Sim, por Zeus, já vi. E que quer dizer isso? SÓCRATES Elas se transformam em tudo o que desejam 104
. Se vêem um fulano de longa cabeleira, um desses selvagens peludos, como o filho de Xenofanto 105 , para ridicularizar a "mania" dele, tomam forma de centauros. ESTREPSÍADES Pois se vêem lá de cima um ladrão dos bens públicos, como Simão 106 , o que é que elas fazem? SÓCRATES Para representar a natureza dele, logo viram lobos... ESTREPSÍADES Ah, então foi por isso que ontem, quando viram Cleônimo 107 , aquele covarde que jogou fora o escudo, quando viram esse superpoltrão, logo se tornaram veados... SÓCRATES E agora, você está vendo, viram Clístenes 108 e por causa disso mudaram- se em mulheres... (^101) Alusão às grandes despesas da "coregia", contribuição voluntária que consistia no preparo duma representação dramática. Aristófanes cita duas iguarias caras e apreciadas para lembrar que ao "corego" competia sustentar os coreutas, os músicos, e até o próprio poeta (^102) Examinando o coro, Estrepsíades observa que as Nuvens são representadas por mulheres bem narigudas e aponta para o céu, onde vê as verdadeiras nuvens (cirros) que se parecem com flocos de lã. (^103) Sócrates inicia a prática das perguntas e respostas, levando o interlocutor às suas próprias conclusões. (^104) Cúmulos, nuvens acinzentadas que tomam formas variadas, conforme a nossa imaginação. (^105) Hierônimo, poeta ditirâmbico, acusado de pederastia. É comparado aos centauros que tinham a parte inferior de um animal (cavalo), eram peludos e lascivos. Cf. Sof., Traquínias. (^106) Desconhecido historicamente. Todavia é criticado também por Eúpolis./r. 220 (^107) Vítima constante de Aristófanes. Cf. Acar., 844 , Paz, 446 , 1295 , Vesp., 19 - 20 etc. O veado é o símbolo da covardia. Cf. Hom., 7 /., I, 225.
(Muito espantado.) De que jeito, homem de todas as audácias... SÓCRATES Quando se enchem de muita água e são obrigadas a mover-se, cheias de chuva, forçosamente, ficam dependuradas para baixo, e, a seguir, pesadas, caem umas sobre as outras, arrebentam e estrondeiam. ESTREPSÍADES Mas quem é que as obriga a mover-se; por acaso não é Zeus? SÓCRATES Absolutamente. É o turbilhão etéreo 114 . ESTREPSÍADES (Estupefato.) Turbilhão? Isso me tinha escapado... Zeus não existe, e no lugar dele agora reina o Turbilhão !... Mas você ainda não me ensinou nada a respeito do estrondo e do trovão... SÓCRATES Então você não me ouviu dizer que as Nuvens, cheias de água, quando caem umas sobre as outras, estrondeiam por causa da densidade? ESTREPSIADES Está bem, mas como acreditar nisso? SÓCRATES Vou explicar-lhe partindo de você mesmo. Nas Panatenéias 115 , quando você se encheu de caldo, depois nunca ficou com o ventre desarranjado? E, de repente, um reboliço não o fez crepitar? ESTREPSIADES Sim, por Apoio, e logo ele me faz um alvoroço terrível e se desarranja... O caldinho estrondeia como um trovão e berra terrivelmente. Primeiro devagar, "pa-pa, pa-pa", depois continuando, "pa-pa-pa, pa-pa-pa", e, quando eu me desaperto, ele troveja de uma vez, "pa-pa-pa-pa-pa", assim como as Nuvens. SÓCRATES Bem, pense bem como você peidou por causa desse ventrezinho tão pequenino ... E este ar, incomensurável, não é razoável que troveje intensamente? ESTREPSIADES Ah! Então é por isso que até os nomes são parecidos, trovão e peidão... 116 Mas, ensine-me isto, de onde provém o raio relampeando fogo, ele que, (^114) Aristófanes cria uma situação cômica, a partir de um qüiproquó com a palavra "turbilhão" (dinos), que tanto podia significar o movimento que dera origem ao universo (cf. Plat., Fed., 99 - B; Aristóteles, Do Céu, II, 13 , 295 - A), como o movimento da rotação do céu ao redor da Terra ou ainda "vórtice, voragem". Eurípides popularizou o termo, aplican-do-o ao movimento das nuvens, e é esse o sentido das palavras de Sócrates. Como a mesma palavra grega, dinos, também pode significar qualquer objeto torneado, um vaso, surge um mal entendido que terá seqüência no fim da peça, w. 1471 ss. (^115) Um dos mais importantes festivais de Atenas. Realizado anualmente no dia 28 do Hecatombeu (julho-agosto) e de quatro em quatro anos com maior pompa (Grandes Panatenéias). Dedicada a Atena, a festa comportava procissão, sacrifícios e jogos. A carne das vítimas era distribuída ao povo que se regalava com esse alimento, caro e pouco acessível.
quando nos fere, fulmina alguns e por outros passa de raspão, deixando-os viver? Pois esse raio, por certo é Zeus quem o atira contra os perjuros... 117 SÓCRATES Mas como, insensato, velho tonto, cheirando a mofo 118 , seu arcaico 119 . Se atira nos perjuros, como é que não fulminou nem Simão nem Cleônimo 120 nem Teoro? E, no entanto, bem que são perjuros... Mas Zeus atira sobre o seu próprio templo, sobre o "Sunio 121 , promontório de Atenas", e sobre os altos carvalhos! Por quê? Pois de fato um carvalho não pode jurar falso... ESTREPSIADES (Hesitante.) Não sei, mas apesar de tudo você parece ter razão... Pois, afinal, que é o raio? SÓCRATES Quando um vento seco, alçado nos ares, fica preso nas Nuvens, lá de dentro fá-las inchar como uma bexiga, e depois, arrebenta-as à força e se precipita para fora, cheio de ímpeto por causa da densidade. Em vista do ruído e da velocidade, ele se incendeia por própria conta 122 . ESTREPSIADES Sim, por Zeus, sem saber eu mesmo já padeci desse mal, certa vez, nas Diásias. Ao assar um bucho para minha família, distraído não lhe fiz uma fenda; então ele inchou, depois, de repente, estourou, emporcalhando-me até os olhos e queimando-me o rosto. CORIFEU (A Estrepsiades.) Ó homem que deseja em nosso convívio a grande sabedoria! Como você será feliz em Atenas e na Grécia, se tem memória, sabe pensar, tem a desgraça na alma e não se cansa, nem de pé, nem parado! Se não se irrita excessivamente com o frio, não deseja almoçar e se abstém de vinho, de exercícios e de outras bobagens 123 , e se pensa que o melhor, como convém a um homem correto, é vencer, agindo, deliberando e combatendo com a língua! 124 ESTREPSÍADES (^116) Trocadilho forçado, talvez uma pilhéria com os gramáticos (Rima). (^117) Zeus também era invocado como "protetor dos juramentos"; por conseguinte, Sócrates está despindo a divindade de mais uma das suas atribuições. (^118) Entenda-se "velho tonto que cheira aos tempos de Crono". O antigo deus Crono muitas vezes é símbolo de "velho, bobo, gagá". (^119) Aristófanes emprega uma palavra intraduzível, mais ou menos equivalente ao nosso "antediluviano". (^120) Criticado em muitas passagens, ora como impostor, ora como ímpio ou adulador. Cf. Acar., 134 ss., 1608 ; Kesp., 42 , 47 , 418 , 519 etc.. (^121) Cf. Hom., Od., 21 %. Promontório no extremo sul da Ática, onde havia as ruínas de um templo jô-nico de Atena e um templo de Posidão (^122) Paródia de alguma explicação dos físicos. Cf. Anaxágoras (Diels-Kranz II, 25 , 21 ): "Quando o quente cai no frio, com o ruído, produz o trovão, e, com o peso e grandeza da luz, o raio." (^123) Exigia-se dos iniciados, notadamente entre os órficos e pitagóricos, a renúncia ao conforto físico como condição do aperfeiçoamento do espírito. Sobre Sócrates, cf. Xen., Mem., Il.l.e IV, 1 , 2. (^124) A essência do ensinamento sofistico, isto é, a capacidade de falar diante do povo, nas assembléias, nos tribunais.