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Antropologia Evolutionista: Um Olhar Crítico por Leif Grunewald, Notas de aula de Antropologia

Neste texto, leif grunewald reflete sobre as teorias evolucionistas na antropologia, especificamente sobre as posições anti-evolutionistas e relativistas. Ele critica as mal-entendidas na análise acadêmica que retorna aos princípios da teoria evolucionista. O autor propõe reavivar o horizonte deste movimento teórico, com comentários incisivos sobre os pontos frequentemente mal-compreendidos.

O que você vai aprender

  • Quais são as posições teóricas criticadas no texto?
  • Qual é a importância do texto para a compreensão da história da antropologia?
  • Quais são as principais ideias expostas no texto sobre a teoria evolucionista na antropologia?
  • Quais são as críticas feitas pelo autor sobre as posições anti-evolutionistas na antropologia?
  • Qual é a intenção do autor ao escrever este texto?

Tipologia: Notas de aula

2022

Compartilhado em 07/11/2022

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Luiz_Felipe 🇧🇷

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GRÜNEWALD, Leif. Anti anti-evolucionismo. In: SINAIS - Revista Eletrônica - Ciências
Sociais. Vitória: CCHN, UFES, Edição n.02, v.1, Outubro. 2007. pp.243-53.
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Anti – Anti Evolucionismo
Leif Grünewald 1
Resumo: Anti – Anti Evolucionismo, assim como no artigo de Clifford Geertz – Anti-anti
relativismo, reflete sobre posturas teóricas sem obrigatoriamente defendê-las. No mesmo
espírito, este artigo tem como objetivo refletir acerca das obras clássicas do evolucionismo
escritas por Morgan, Tylor e Frazer, sem obrigatoriamente defender a corrente evolucionista.
O título deste trabalho não é por acaso. Assim como no artigo do saudoso
professor Clifford Geertz intitulado “Anti – Anti Relativismo”, no qual Geertz
ataca as posições teóricas anti-relativistas sem obrigatoriamente defender o
relativismo, neste tentarei através de comentários rabugentos a propósito de
pontos que freqüentemente são mal-compreendidos quando a análise
acadêmica retorna aos preceitos de uma teoria evolucionista, re-iluminar o
horizonte deste movimento teórico. Devo confessar que não é a minha intenção
resgatar qualquer resquício de uma antropologia evolucionista, uma vez que
através de todos esses anos, já foi exposto pelos antropólogos de plantão à
impossibilidade e a parcial incoerência deste momento de produção intelectual.
Impregnado da certeza transmitida pelo comentário do professor Marshall
Sahlins, ao afirmar que ao que concerne a antropologia só existem duas
certezas, a longo prazo: a primeira é a de que estaremos todos mortos; mas a
outra é a de que estaremos todos errados. O objetivo deste é,
verdadeiramente, um pedido de desculpas, especialmente a James Frazer,
Lewis Morgan e Edward Tylor, por durante todo este tempo acusarmos
1 Leif Grunewald é discente de Ciências Sociais da UFES. É bolsista do NAV - Núcleo
Audiovisual para os cursos de Filosofia e Ciências Sociais. Também desenvolve – em conjunto
com a Profª Drª Mirela Berger – atividades de estudo e pesquisa em teoria antropológica,
antropologia visual, identidade, representação e fotografia.
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Anti – Anti Evolucionismo

Leif Grünewald 1

Resumo: Anti – Anti Evolucionismo, assim como no artigo de Clifford Geertz – Anti-anti relativismo, reflete sobre posturas teóricas sem obrigatoriamente defendê-las. No mesmo espírito, este artigo tem como objetivo refletir acerca das obras clássicas do evolucionismo escritas por Morgan, Tylor e Frazer, sem obrigatoriamente defender a corrente evolucionista.

O título deste trabalho não é por acaso. Assim como no artigo do saudoso professor Clifford Geertz intitulado “ Anti – Anti Relativismo ”, no qual Geertz ataca as posições teóricas anti-relativistas sem obrigatoriamente defender o relativismo, neste tentarei através de comentários rabugentos a propósito de pontos que freqüentemente são mal-compreendidos quando a análise acadêmica retorna aos preceitos de uma teoria evolucionista, re-iluminar o horizonte deste movimento teórico. Devo confessar que não é a minha intenção resgatar qualquer resquício de uma antropologia evolucionista, uma vez que através de todos esses anos, já foi exposto pelos antropólogos de plantão à impossibilidade e a parcial incoerência deste momento de produção intelectual.

Impregnado da certeza transmitida pelo comentário do professor Marshall Sahlins, ao afirmar que ao que concerne a antropologia só existem duas certezas, a longo prazo: a primeira é a de que estaremos todos mortos; mas a outra é a de que estaremos todos errados. O objetivo deste é, verdadeiramente, um pedido de desculpas, especialmente a James Frazer, Lewis Morgan e Edward Tylor, por durante todo este tempo acusarmos

(^1) Leif Grunewald é discente de Ciências Sociais da UFES. É bolsista do NAV - Núcleo Audiovisual para os cursos de Filosofia e Ciências Sociais. Também desenvolve – em conjunto com a Profª Drª Mirela Berger – atividades de estudo e pesquisa em teoria antropológica, antropologia visual, identidade, representação e fotografia.

veemente as teorias destes autores de essencializantes, ou de irremediavelmente incoerentes, sem estarmos imerso plenamente na chama do contexto histórico na contribuição antropológica que elas forneceram. Assim, é nesse espírito reconciliador que ofereço à seguinte pasticherie^2 como um sincero pedido de desculpas.

Um dos principais argumentos contra a coerência das culturas e a impossibilidade de se implementar uma análise sistemática e integradora das mesmas através da etnografia, é que, assim como em um certo rio filosófico, as culturas estão sempre mudando.

O fluxo é de tamanha intensidade que é impossível mergulhar duas vezes na mesma cultura, nem ao menos tentar traçar uma linha progressiva cujo principal objetivo seria indicar a trajetória obrigatória deste rio cultural. Entretanto, a não ser que alguma identidade e consistência sejam simbolicamente impostas às práticas culturais, e ao próprio rio que estão imersas, se torna inviável tanto a possibilidade de se falar em sociedade quanto a capacidade dos antropólogos e das pessoas em geral de manterem a sanidade. Dessa forma, a única alternativa para a descrição de qualquer “rio cultural” consiste na sua comparação com a ordem significante de todos os outros rios.

A mesma lógica rege a etnografia, já que nenhuma boa etnografia é autocontida. Implícita ou explicitamente, ela é sempre um ato de comparação. È justamente devido a esta comparação que a descrição etnográfica torna-se objetiva. Não no sentido ingênuo de uma construção isolada - justo o contrário,

(^2) A palavra pastiche descreve um gênero artístico – e também literário. A ela compreendem 2 significados: o primeiro corresponde ao termo inglês hodge-podge , cunhado na Inglaterra no fim do século XIX para designar a mistura de diversos ingredientes. Etimologicamente se refere à versão francesa do termo greco-romano pasticcio - uma referência a certo tipo de torta feita com diversos ingredientes; o segundo significado compreende a técnica literária utilizada para imitar em tom jocoso – mas não desrespeitoso - um outro estilo. Emprega-se aqui o primeiro significado.

locais conhecidos, como as ruínas de Stonehenge, e vários utensílios toscos de pedra, que iam sendo descobertos com a construção de estradas e outras escavações, à teoria que atribuía a criação da Terra a uma época relativamente recente. Uma datação amplamente aceita, calculada pelo Dr. John Lightfoot, da Universidade de Cambridge, em 1654, situava esse acontecimento no dia 23 de outubro do ano 4004 A.C. às 9 horas da manhã. Também os geólogos, entre outros, reconheciam a vasta idade da Terra e apresentavam em ordem cronométrica, inclusive a seqüência dos períodos glaciais, abrangendo aproximadamente o período do desenvolvimento primitivo do homem. Uma comissão científica do governo dinamarquês já havia estabelecido (1836), através de pesquisas feitas em sambaquis, uma seqüência de materiais das idades da Pedra, do Bronze e do Ferro. Uma seca ocorrida entre 1853 – 1854 abaixou o nível dos lagos suíços e revelou os esteios e outros restos de vilas lacustres da Era Neolítica (Idade da Pedra Polida). Examinando utensílios da Era Paleolítica (Idade da Pedra Lascada) e esqueletos fósseis, os antropólogos se arriscaram a recuar um milhão de anos, ou mais.

Talvez fosse inevitável, em vista da profunda impressão da teoria da evolução orgânica no mundo científico que o pensamento dos fins do século XIX relativamente a cultura e a sociedade fosse monopolizado por teorias análogas de evolução social e cultural. Essas teorias surgiram facilmente de idéias anteriores, nas quais informações sobre povos não ocidentais eram utilizadas para explicar o progresso desde o selvagem primitivo ao homem europeu educado. Partia-se do pressuposto de que o comportamento dos intelectuais do século XIX (os próprios autores da teoria) representava o grau mais alto da escala evolutiva, de modo que os costumes dos outros povos que diferiam desse comportamento representavam “sobrevivências“ de estágios primitivos de “barbarismo” e, abaixo disso, de “selvageria”. Essa interpretação tentadora, mas muito simplificada da história geral do desenvolvimento e diferenciação cultural foi refutada pelos antropólogos no início do século XX. O trabalho científico de campo tornou-se preocupação crescente do antropólogo

profissional. Em 1879, o governo norte-americano criou um “Departamento de Etnologia Americana”. A criação desse órgão é um dos marcos do desenvolvimento de um grupo profissional de cientistas dedicados unicamente à Antropologia, intitulando-se antropólogos e fazendo, na linguagem da ciência, “trabalho de campo”. O registro antropológico não podia ficar mais na dependência de observações causais de viajantes ou de trabalhos acidentais de funcionários, missionários, mercadores e outros.

Quando tomou forma a primeira teoria antropológica referente à cultura, o seu grande objetivo era estabelecer, se possível, grandes “leis” como as que constituíam marcos em outras ciências, sobretudo nas ciências exatas: a lei de empuxo do grego Arquimedes: as leis Newtonianas que haviam revolucionado as bases da física clássica e a lei da hereditariedade de Mendel. Os pensadores dos princípios do século XIX buscaram particularmente alguma idéia ou seqüência que pudesse explicar de alguma forma, o panorama geral do “progresso” humano, alicerçado sobre as concepções de indivíduo e pessoa, que passavam aquém da complexidade significativa de categoria nativa, em voga na época.

O norueguês Henrik Steffens, por exemplo, frequentemente tachado como o mais excêntrico e o pioneiro do grupo formulou uma noção de raça fundada sobre metáforas e abstrações a respeito da definição racial a partir de 4 elementos químicos essenciais e 4 sistemas corporais. Em decorrência dessa combinação, estaria determinado 4 possíveis padrões de comportamento, transformando o compasso da diversidade cultural em uma escada evolutiva, porém sem nunca ter desassociado natureza de cultura. Pela lógica de Steffens, quanto mais a raça humana pudesse produzir, mais a natureza poderia produzir, uma vez que a acentuação desta produção é a recapitulação do propósito da humanidade. A noção de raça serviu meramente como o veículo de evolução cultural, o verdadeiro propósito de toda humanidade.

uma teoria referente a cultura e a sociedade não poderia ter tido nenhuma outra ênfase exceto a evolucionária. Este período de intensificação do processo colonizador localizado sobretudo no século XIX deu-se forjado sobre a doutrina fundamental do racismo que consistia sobretudo na consciência da identidade cultural própria de cada povo, a introdução de graus hierárquicos nestas culturas e, conseqüentemente, o estabelecimento de relações de domínio entre esses povos. À afirmação da superioridade de certas civilizações sobre as outras se adicionou, nos séculos XIX e XX, as teorias que assimilam esta hierarquia a um determinismo natural fundamentado no próprio conceito de raça que recheava qualquer formulação antropológica construída na época. Assim, o vocabulário característico dessa interpretação torna-se possível o reconhecimento quase imediato. Além do termo chave evolução, há uma preocupação com origens e estágios. Elementos de culturas modernas que parecem persistir do passado distante são “ sobrevivências”. Se bem possa haver uma “degeneração”, na qual o processo “evolucionário” sofre recuos, a tendência dos “organismos” culturais e sociais é ascendente do “simples” para o “complexo”, A grande estruturação dos estágios é tríplice: selvageria, barbarismo e civilização; os dois primeiros, representantes não apenas no passado, mas também em culturas contemporâneas “primitivas” que ainda não evoluíram além de um ou outro desses estágios.

Erroneamente classificados como meros compiladores cuja produção nunca passou pelo crivo do trabalho de campo e herdeiros de Bachofen, Maine e McLennan e seu Primitive Marriage (1865). Morgan, Frazer e talvez, o mais brilhante dentre todos eles, Tylor, consolidaram-se como os expoentes de uma teoria antropológica evolucionista devido ao interesse que foram capazes de despertar nos teóricos europeus. Morgan desenvolveu exaustivamente as bases para o que viria a se tornar a escola antropológica americana, profundamente arraigada sobre a formulação teórica de conceitos para as abstrações relativas aos dados recolhidos durante o trabalho de campo que, até então, continham todos os trabalhos antropológicos cujos objetivos eram uma reconstituição objetiva do passado.

A orientação evolucionária do século XIX é muitas vezes referida em retrospecto como uma espécie de “super-história” (teoria do progresso) e o “sistema cultural significativo” (Keessing, 1972:257). Este estudo tende sempre a ser a totalidade da cultura a partir da origem – o que levou o evolucionismo a duras críticas, já que esse ponto de vista quase não leva em conta os fatos específicos referentes as culturas com sistemas específicos e locais, por insistir no emprego de um método comparativo grosseiro para extrair supostas “sobrevivências” dos modernos acervos de costumes em todo o mundo e em seguida dispunha-os arbitrariamente em seqüência de estágios regressivamente até às origens. A evolução, então, era um fio unilinear através de toda historia cultural, já que teria raízes em uma vaga unidade psíquica pela qual todos os grupos humanos teriam potencialmente a mesma capacidade de desenvolvimento evolucionário, embora alguns estivessem adiantados devido a fatores geográficos ou climáticos.

Cada linha descrita pelos teóricos evolucionistas apenas reflete o momento político descrito em sua época. A criação de um outro, seja-o “Metafísico” como Comte afirmava, ou “Selvagem”, expressa, essencialmente, a criação de um Outro, que não está necessariamente localizado em uma categoria oposta a categoria do “Eu” antropológico. Repousa, intacto ou não, na mesma categoria, apenas em um lado diferente, para que do diálogo entre a “tese antropológica” e a “antítese nativa”, mesmo buscando-se o entendimento a partir da auto- referência, floresça o entendimento de algo novo, e de certa forma independente a ambos, a alteridade.

O difícil acesso às obras destes antropólogos devido a erudição imensa e a longa extensão e numerosos volumes, além do pesadelo lingüístico derivado da carência de traduções das obras destes pensadores contribuí para o surgimento de um império “logocêntrico”. Frazer no prefácio de The Golden

Lewis Morgan, na década de 1840 desenvolve e estabelece um grupo chamado “Grande Ordem dos Iroqueses” incentivando um melhor conhecimento desta tribo e a garantia de sua permanência, incentivo este que culminaria na campanha contra a Ogden Land Company, na qual acreditava-se estar privando os Índios Seneca de suas terras, Da briga com a Ogden Land Company floresceria uma intensa amizade com Ely S. Parker, um dos índios Seneca.

Esses pontos parecem ter escapado da análise dos críticos mais ferrenhos a tese evolucionista quando colocaram a produção do trabalho sistemático de campo como rito de passagem para o ofício antropológico. Esqueceram de ver que, apesar das insistentes críticas, a manutenção de uma antropologia organizada lingüisticamente em termos como “eu” e “você”, “aqui” e “ali”, “agora” e “então” transmite o mesmo sentimento opressor atribuído ao evolucionismo, uma vez que aquele que usa o pronome “eu” constitui dessa maneira o espaço, o tempo e os objetos de seu ponto de vista – egotismo e vontade de poder, afirmando sua autoridade constitutiva do mundo.

Agradecimentos à turma de Biblioteconomia e aos calouros 2007/1 do curso de Ciências Sociais da UFES, Mãe, Pai e Buio. Ao Tuchinho, pois é a lembrança carinhosa que sempre a me ancora neste mundo, Ao grupo Etnocidades e sobretudo aos professores Sandro José da Silva e Mirela Berger, pois sem a ajuda, debates, carinho e a orientação deles em todos os momentos em que cada um desses pés queria sair do chão, nenhuma dessas linhas teria sido escrita. Ao professor Claudio Marcio, sempre pelas preciosas indicações e - imensamente - a Isadora, dádiva de Ísis, pela eterna cumplicidade.

Referências

FRAZER, J. G. Le rame d’or. Paris: Bouquins, 1998.

HERSKOVITS, M J. Antropologia cultural: man and his works. São Paulo: Mestre, 1963-69.

KESSING, F. M. Antropologia cultural. A ciência dos costumes. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1972.

LINTON, Ralph. Cultura e personalidade. São Paulo: Mestre Jou, 1979.

MORGAN, L. M. Ancient Society. Arizona: University of Arizona Press, 1985.

SAHLINS, M. Esperando Foucault, ainda. São Paulo: Cosac & Naify, 2004.

MORGAN, Lewis. Spartacus educational. Disponível em: http://www.spartacus. schoolnet.co.uk/wwmorganL.htm. Acesso em: 11/07/2007.