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Comparação entre 'Nascer o Mundo' e 'Jesusalém' de Mia Couto: Estudo da Gênese, Notas de aula de Literatura

Este artigo realiza uma análise comparativa entre as obras literárias 'nascer o mundo' e 'jesusalém' de mia couto, examinando as personagens, a intertextualidade bíblica e as temáticas de gênese e humanidade. A obra de couto apresenta a realidade enquanto é apresentada embutida na ficção, repleta de experiências sensoriais e percepções de realidade. Jesusalém representa o indizível, o mais íntimo dos sentimentos e a maior sensação de perda da humanidade. O artigo propõe uma reflexão sobre a gênese do mundo, relatando o início da existência humana na terra, através da literatura de mia couto e da bíblia.

O que você vai aprender

  • Quais são as principais temáticas exploradas na análise comparativa entre 'Nascer o Mundo' e 'Jesusalém'?
  • Como as obras de Mia Couto 'Nascer o Mundo' e 'Jesusalém' abordam a ideia de gênese e humanidade?
  • Qual é a importância da intertextualidade bíblica nas obras de Mia Couto 'Nascer o Mundo' e 'Jesusalém'?
  • Como as personagens de 'Nascer o Mundo' e 'Jesusalém' representam a gênese do mundo e da humanidade?
  • Qual é a representação simbólica de Jesusalém em 'Nascer o Mundo' e 'Jesusalém'?

Tipologia: Notas de aula

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Pernambuco
Pernambuco 🇧🇷

4.2

(45)

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ANTES DE NASCER O MUNDO
RESUMO:
O presente artigo realiza uma análise comparativa entre a obra literária
nascer o mundo ou
Jesusalém
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omes das personagens do romance,
romance a ficção nos é apresentada embutida na realidade, repleta de experiências sensoriais
c
om percepções de realidade. O construto do enredo nos permite entender o aspecto existencial
vivido pelas personagens, na busca de identidade e memória. A luta de cada personagem é
existencial, cada qual tenta entender sua origem e encontra no vazio de
de si mesmo. Jesusalém
representa o indizível, o mais íntimo dos sentimentos e a maior
sensação de perda da humanidade. A perda da memória, da origem e da tradição.
nascer o mundo
a memória foi negada a princípio, mas reestabelecida na construção narrativa.
A alegoria da Gênese da b
através da intertextualidade.
fronteiras, que desliza de uma a outra margem sem, contudo, se fixar em lugar nenhum,
representando os entre-
mundos, a terceira margem, por meio das personagens de periferia
apresentadas na obra coutiana
numa
representação simbólica dos textos em análise
PALAVRAS-CHAVE:
MIA COUTO. GÊNESE. JESUSALÉM. JERUSALÉM.
Este artigo se propõe a uma reflexão sobre a gênese do mundo, a qual,
contada milhares de anos no intuito da
relatando o início da existência humana na Terra. O livro de Gênesis, que é o primeiro
livro da bíblia, possui uma na
literatura explicativa da origem do universo e
literatura bem estruturada
, sua base literária re
primeira parte a história da criação, da gênese, na qual nos ateremos para aproximarmos
dois textos literários da gênese humana
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a criação de Eva a partir de um membro do
assim a união entre homem e mulher
ANTES DE NASCER O MUNDO
: JESUSALÉM E A GÊNESE DE
SILVESTRE VITALÍCIO
Léia da Silva Gomes Torres
Vera Lúcia da Rocha Maquêa
O presente artigo realiza uma análise comparativa entre a obra literária
Jesusalém
do escritor Mia Couto e narrativas da bíblia
, com o estudo
omes das personagens do romance,
apostando no intertexto entre o romance e
romance a ficção nos é apresentada embutida na realidade, repleta de experiências sensoriais
om percepções de realidade. O construto do enredo nos permite entender o aspecto existencial
vivido pelas personagens, na busca de identidade e memória. A luta de cada personagem é
existencial, cada qual tenta entender sua origem e encontra no vazio de
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usalém
representa o indizível, o mais íntimo dos sentimentos e a maior
sensação de perda da humanidade. A perda da memória, da origem e da tradição.
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e as identidades constituídas instigaram esta vertente
O olhar desta pesquisa é voltado para o indivíduo
fronteiras, que desliza de uma a outra margem sem, contudo, se fixar em lugar nenhum,
mundos, a terceira margem, por meio das personagens de periferia
apresentadas na obra coutiana
e nas narrativas bíblicas. Temos nessa pe
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representação simbólica dos textos em análise
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MIA COUTO. GÊNESE. JESUSALÉM. JERUSALÉM.
Este artigo se propõe a uma reflexão sobre a gênese do mundo, a qual,
contada há milhares de anos no intuito da
compreensão da cultura judaico
relatando o início da existência humana na Terra. O livro de Gênesis, que é o primeiro
livro da bíblia, possui uma na
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: JESUSALÉM E A GÊNESE DE
Léia da Silva Gomes Torres
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vivido pelas personagens, na busca de identidade e memória. A luta de cada personagem é
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representa o indizível, o mais íntimo dos sentimentos e a maior
sensação de perda da humanidade. A perda da memória, da origem e da tradição.
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a memória foi negada a princípio, mas reestabelecida na construção narrativa.
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O olhar desta pesquisa é voltado para o indivíduo
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Este artigo se propõe a uma reflexão sobre a gênese do mundo, a qual,
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ANTES DE NASCER O MUNDO

RESUMO: O presente artigo realiza uma análise comparativa entre a obra literária nascer o mundo ou Jesusalém nomes das personagens do romance, romance a ficção nos é apresentada embutida na realidade, repleta de experiências sensoriais com percepções de realidade. O construto do enredo nos permite entender o aspecto existencial vivido pelas personagens, na busca de identidade e memória. A luta de cada personagem é existencial, cada qual tenta entender sua origem e encontra no vazio de de si mesmo. Jesusalém representa o indizível, o mais íntimo dos sentimentos e a maior sensação de perda da humanidade. A perda da memória, da origem e da tradição. nascer o mundo a memória foi negada a princípio, mas reestabelecida na construção narrativa. A alegoria da Gênese da bíblia através da intertextualidade. fronteiras, que desliza de uma a outra margem sem, contudo, se fixar em lugar nenhum, representando os entre-mundos, a terceira margem, por meio das personagens de periferia apresentadas na obra coutiana numa representação simbólica dos textos em análise

PALAVRAS-CHAVE: MIA COUTO. GÊNESE. JESUSALÉM. JERUSALÉM.

Este artigo se propõe a uma reflexão sobre a gênese do mundo, a qual, contada há milhares de anos no intuito da relatando o início da existência humana na Terra. O livro de Gênesis, que é o primeiro livro da bíblia, possui uma na literatura explicativa da origem do universo e literatura bem estruturada, sua base literária re primeira parte a história da criação, da gênese, na qual nos ateremos para aproximarmos dois textos literários da gênese humana Antes de nascer o mundo ou Segundo relatos da b divinas, depois vem a criação de Eva a partir de um membro do assim a união entre homem e mulher

ANTES DE NASCER O MUNDO : JESUSALÉM E A GÊNESE DE

SILVESTRE VITALÍCIO

Léia da Silva Gomes Torres Vera Lúcia da Rocha Maquêa O presente artigo realiza uma análise comparativa entre a obra literária Jesusalém do escritor Mia Couto e narrativas da bíblia, com o estudo omes das personagens do romance, apostando no intertexto entre o romance e romance a ficção nos é apresentada embutida na realidade, repleta de experiências sensoriais om percepções de realidade. O construto do enredo nos permite entender o aspecto existencial vivido pelas personagens, na busca de identidade e memória. A luta de cada personagem é existencial, cada qual tenta entender sua origem e encontra no vazio de Jesusalém representa o indizível, o mais íntimo dos sentimentos e a maior sensação de perda da humanidade. A perda da memória, da origem e da tradição. a memória foi negada a princípio, mas reestabelecida na construção narrativa. íblia e as identidades constituídas instigaram esta vertente O olhar desta pesquisa é voltado para o indivíduo fronteiras, que desliza de uma a outra margem sem, contudo, se fixar em lugar nenhum, mundos, a terceira margem, por meio das personagens de periferia apresentadas na obra coutiana e nas narrativas bíblicas. Temos nessa perspectiva personagens representação simbólica dos textos em análise.

MIA COUTO. GÊNESE. JESUSALÉM. JERUSALÉM.

Este artigo se propõe a uma reflexão sobre a gênese do mundo, a qual, contada há milhares de anos no intuito da compreensão da cultura judaico relatando o início da existência humana na Terra. O livro de Gênesis, que é o primeiro livro da bíblia, possui uma narrativa didática e cronológica que nos apresenta uma literatura explicativa da origem do universo e da origem humana. A bíblia é um livro de , sua base literária reforça mensagem específica, tem primeira parte a história da criação, da gênese, na qual nos ateremos para aproximarmos dois textos literários da gênese humana, o primeiro livro da bíblia – Gênesis ou Jesusalém em título original, de Mia Couto. egundo relatos da bíblia Adão é o primeiro ser humano criado pelas mãos a criação de Eva a partir de um membro do corpo de Adão, selando assim a união entre homem e mulher_._ No relato bíblico Eva trai a confiança de Adão ao

: JESUSALÉM E A GÊNESE DE

Léia da Silva Gomes Torres (UNEMAT) Vera Lúcia da Rocha Maquêa (UNEMAT) O presente artigo realiza uma análise comparativa entre a obra literária Antes de , com o estudo dos apostando no intertexto entre o romance e a bíblia. No romance a ficção nos é apresentada embutida na realidade, repleta de experiências sensoriais om percepções de realidade. O construto do enredo nos permite entender o aspecto existencial vivido pelas personagens, na busca de identidade e memória. A luta de cada personagem é usalém o esvaziar-se representa o indizível, o mais íntimo dos sentimentos e a maior sensação de perda da humanidade. A perda da memória, da origem e da tradição. Em Antes de a memória foi negada a princípio, mas reestabelecida na construção narrativa. e as identidades constituídas instigaram esta vertente analítica, O olhar desta pesquisa é voltado para o indivíduo que habita fronteiras, que desliza de uma a outra margem sem, contudo, se fixar em lugar nenhum, mundos, a terceira margem, por meio das personagens de periferia rspectiva personagens

MIA COUTO. GÊNESE. JESUSALÉM. JERUSALÉM.

Este artigo se propõe a uma reflexão sobre a gênese do mundo, a qual, tem sido compreensão da cultura judaico-cristã, relatando o início da existência humana na Terra. O livro de Gênesis, que é o primeiro nos apresenta uma bíblia é um livro de força mensagem específica, tem em sua primeira parte a história da criação, da gênese, na qual nos ateremos para aproximarmos Gênesis – e a obra em título original, de Mia Couto. umano criado pelas mãos corpo de Adão, selando No relato bíblico Eva trai a confiança de Adão ao

comer o fruto proibido e dá-lo a Adão para que também o coma. Ao comerem o fruto são expulsos do paraíso e passam a arcar com a responsabilidade do sustento, da dor e da morte. Deus os castiga pela desobediência e os submete um ao outro. Na literatura de Mia Couto, através do romance Antes de nascer o mundo , temos a negação da origem humana através da concepção do nascimento oriundo de uma mulher, desconstruindo a ideia da gênese do cristianismo. A personagem criadora de um outro mundo, de um mundo paralelo é um homem, Silvestre Vitalício, que diz que parira os seus filhos e ao mesmo tempo recria um mundo a margem de conceitos pré- estabelecidos. Essa nova gênese nos é apresentada de forma desordenada e desconexa. O mundo acabara e surge uma nova humanidade através de cinco homens em idades diversas. Silvestre Vitalício é o inventor de um novo mundo, de um novo modo de pensar que nos leva a uma reflexão sócio-política e cultural, quando a origem pode não ser tão importante quanto o estabelecido. Mesmo que de forma autoritária e às avessas, essa desconstrução identitária leva o indivíduo a repensar identidades e lugar de pertencimento, pois no romance a ordenação de uma nova criação é humana. A ficção romanesca nos é apresentada embutida na realidade, repleta de experiências sensoriais com percepções de realidade. O construto do enredo nos permite entender o aspecto existencial vivido pelas personagens, na busca de identidade e memória. A luta de cada personagem é existencial, cada qual tenta entender sua origem e encontra no vazio de Jesusalém o esvaziar-se de si mesmo. A construção das personagens não é ao acaso, mas sim didaticamente estudada, na primazia da representação semântica do texto e na alcunha do intertexto da gênese bíblica. O romance, nega a memória em sua narrativa, mas a resgata na nominação das personagens e lugar, uma boa comparação é o título da obra Jesusalém em alusão a cidade de Jerusalém. No título da obra Jesusalém com foi publicado em Portugal, Mia Couto realiza construção simbólica de um espaço de conflito ideológico na alusão do nome da cidade de Jerusalém. Em Jesusalém Silvestre Vitalício nega a existência da humanidade e da figura feminina e em Jerusalém vive-se até os dias de hoje o conflito religioso entre o Judaísmo, o Islamismo e o Cristianismo. Antes de nascer o mundo é uma obra dividida em três livros, no primeiro temos a humanidade representada pelos habitantes de Jesusalém, o segundo livro trata da visita da portuguesa Marta a Jesusalém e o terceiro livro que nos traz o desfecho da obra no

Jesusalém é um lugar de negação do passado, é a demarcação de um novo espaço, um espaço vazio a ser preenchido pelo nada, pois a memória foi negada. O interdito é constante na falta de diálogo, na construção do afinador de silêncio. Silvestre Vitalício proibiu aos seus sonhar, lembrar, chorar e rezar. E assim, instaura um “novo mundo” e uma nova “humanidade”. A narrativa é enredada por diversas temáticas, como toda a obra coutiana. O conflito psicológico das personagens, margeia o real e o imaginário na construção do conflito existencial e na busca de uma identidade a ser revelada. Silvestre Vitalício foge do mundo real que lhe traz tanto sofrimento, o mesmo sofrimento que o povo moçambicano traz na alma e na reconstrução do país. Jesusalém representa o indizível, o mais íntimo dos sentimentos e a maior sensação de perda da humanidade. A perda da memória, da origem, da tradição do povo moçambicano, sob a interferência da cultura europeia por meio do processo de colonização. A tentativa autoritária de negação da memória por Silvestre Vitalício é fadada ao fracasso, pois rastros identitários se alastraram por toda Jesusalém. Ntunzi traz consigo esses rastros de identidade ao fantasiar o que poderia ter sido vivido por ele e pelos outros antes de se ausentarem da cidade na fuga para Jesusalém. A memória de um povo, de uma nação não se apaga. O próprio existir já representa uma identidade.

O renascer aos olhos de Silvestre Vitalício na alegoria do nome das personagens

Ian Watt (2010), no texto “O realismo e a forma do romance”, relata a estruturação do texto romanesco quanto ao tempo e espaço e nos remete à engenhosidade dos escritores e filósofos dos séculos XVI a XVIII na escolha do nome das personagens e sua construção identitária. O autor afirma que no gênero romance a tradição coletiva é substituída pela experiência individual, e as personagens são constituídas a partir dessa premissa. A nominação das personagens se dá em nome e sobrenome, situação em que o nome pode vir da ficção, mas o sobrenome vem da tradição. Há que se pensar ainda nas personagens que não possuem nomes: qual a sua significação na narrativa? Reportemo- nos ao romance que se firmou a partir do século XVIII. A constituição do nome e sobrenome não segue mais normas rígidas e os escritores agem com liberdade na

escolha do nome das personagens, todavia, os nomes escolhidos representam a identidade particular de cada indivíduo. E é isso que vemos na obra Antes de nascer o mundo, de Mia Couto, a nominação de suas personagens, que mesmo fazendo alusão a personagens bíblicos, constitui identidades particulares e individuais. A construção dessas personagens se dá a partir de suas origens – Portugal e Moçambique – e dos espaços físico, psicológico e histórico no construto da narrativa coutiana, além do tempo cronológico e psicológico vivido na coutada e na cidade. No estudo dos nomes das personagens de Antes de nascer o mundo, apostamos no intertexto entre o romance e a bíblia, na correlação de nomes e personagens às avessas. As personagens de Antes de nascer o mundo relevantes para este estudo são: Silvestre Vitalício, Dordalma, tio Aproximado, Mwanito, Ntunzi, Zacaria Kalash, Marta e Jezibela, a jumenta. Observemos como cada personagem fará menção a um momento histórico ou social que o autor quer destacar. Silvestre Vitalício possui nome composto. Silvestre é uma palavra que se origina do latim e se refere a algo que descende do mato. É selvagem e bravio. Vitalício se refere a algo que dura a vida inteira. São características que aludem à personagem de Mia Couto, que é forte, autoritário e constrói um espaço inimaginável para velar a dor do ultraje que sua esposa Dordalma passou e a levou ao suicídio. Uma dor que se perpetuará por toda a sua existência. A mesma dor sentida pelo povo moçambicano, no ultraje do processo colonial. Dordalma é a representação da dor mais intensa da humanidade. Uma dor incontida, que só a conhece, quem a tem. A dor d’alma é uma ferida que dói escondida no fundo da alma, ninguém vê nem pode tocar, mas ela está lá. A personagem Dordalma tem em seu nome a saga da mulher africana, que em tempos de colonização e de guerra tem o seu corpo ultrajado e o seu amor violado. Os filhos de Dordalma representam o povo moçambicano, nos nomes de dialetos da terra e na esperança da reconstrução, Mwanito e Ntunzi. Para Silvestre Vitalício, Jesusalém é um lugar de negação, que faz homens e animais desaparecerem da terra, como no episódio da bíblia que relata o dilúvio e o surgimento de uma nova humanidade, (A BIBLIA DA MULHER, 2008, p. 17). A personagem Silvestre Vitalício defende a ideia do surgimento de uma nova humanidade em Jesusalém, mas algo incompreensível, pois não houve nenhum acontecimento que justificasse a sua teoria. Sem arca como no dilúvio, sem rasgão de clarão ou fogo, como

Jeruzalém é um lugar de disputa de tentativa de sobreposições de culturas e religiões. Uma situação insuperável ainda hoje. É também lugar por onde Jesus passou em sua peregrinação na terra, segundo o livro da bíblia de Mateus, capítulo 21, versículos 1 e 2: “Quando se aproximaram de Jerusalém e chagaram a Betfgé, ao monte das Oliveiras, enviou Jesus dois discípulos [...]” (A BIBLIA DA MULHER, 2008, p. 1193). O conflito ideológico e de identidades é a semelhança entre a cidade de Jerusalém e a coutada Jesusalém na obra de Mia Couto. É uma cidade considerada santa, pois toda a história de Jesus narrada na bíblia nos dá conta de que ele peregrinou por Jerusalém e arredores até a sua morte e ressurreição. Segundo a bíblia, no livro de II Samuel, capítulo 05, os Jebuseus dominaram a cidade durante duzentos anos, quando o rei Davi a conquistou. No reinado de Davi, Jerusalém se torna a capital de Israel, do povo de Deus. É o lugar para onde foi elevada A Arca da Aliança. “Edificou ali Davi ao SENHOR um altar, e apresentou holocaustos e ofertas pacíficas. Assim, o SENHOR se tornou favorável para com a terra, e a praga cessou de sobre Israel” (A BIBLIA DA MULHER, 2008, p. 440). A cidade de Jerusalém é palco de grandes acontecimentos históricos e religiosos. Na bíblia há vários relatos de visitas de Jesus a Jerusalém:

Desperta, desperta, veste-te da tua fortaleza, ó Sião, veste-te das tuas roupagens formosas, ó Jerusalém, cidade santa, porque não mais entrará em ti nem incircunciso nem imundo. Sacode-te do pó, levanta- te e toma assento, ó Jerusalém: solta-te das cadeias de teu pescoço, ó cativa filha de Sião. Porque assim diz o Senhor: Por nada fostes vendidos; e sem dinheiro sereis resgatados. Porque assim diz o Senhor DEUS: O meu povo no princípio desceu ao Egito, para nele habitar, e a Assíria sem razão o oprimiu. Agora, que farei eu aqui, diz o Senhor, visto ter sido o meu povo levado sem preço? Os seus tiranos sobre ele dão uivos, diz o Senhor; e o meu nome é blasfemado incessantemente todo o dia. Por isso, o meu povo saberá o meu nome; porquanto, naquele dia, saberá que sou eu quem fala: Eis-me aqui que formosos são sobre os montes, os pés do que anuncia as boas novas, que faz ouvir a paz, que anuncia coisas boas, que faz ouvir a salvação, que diz a Sião: O teu Deus reina! Eis o grito dos teus atalaias! Eles erguem a voz, juntamente exultam; porque com seus próprios olhos distintamente vêem o retorno do SENHOR Sião. Rompei em júbilo, exultai à uma, ó ruínas de Jerusalém; porque o SENHOR consolou o seu povo, remiu a Jerusalém (A BÍBLIA DA MULHER, 2008, p. 911). Jerusalém é a terra do povo de Israel, povo guerreiro, povo denominado como povo de Deus, enquanto em Jesusalém temos um lugar de desterro e exílio. Uma construção de Jerusalém às avessas, uma reconstrução humana do mundo pela

personagem Silvestre Vitalício. Jesusalém é um espaço de reconstrução identitária. No campo psicológico, representa ainda, a reconstrução identitária do povo moçambicano. No mundo criado por Silvestre Vitalício surge uma visitante, Marta. Ela vai a Jesusalém em busca de seu marido. De origem portuguesa e vindo de sua terra natal causa estranheza em um mundo habitado por homens. O nome dessa personagem nos reporta a uma personagem bíblica, a Marta, irmã de Lázaro e Maria, que na passagem bíblica hospeda Jesus em sua casa e a Marta da obra Antes de nascer o mundo, é quem se hospeda em Jesusalém. Marta, personagem bíblica, vê o irmão Lázaro muito doente e pede a Jesus que venha depressa para curá-lo. Jesus demora dois dias e quando chega à casa de Marta, Lázaro já estava morto. Marta lamenta e chora aos pés de Jesus. Então ele vai ao túmulo de Lázaro e o ressuscita.

Indo eles de caminho, entrou Jesus num povoado. E certa mulher, chamada Marta, hospedou-o na sua casa. Tinha ela uma irmã, chamada Maria, e esta quedava-se assentada aos pés do Senhor a ouvir-lhe os ensinamentos. Marta agitava-se de um lado para o outro, ocupada em muitos serviços. Então, se aproximou de Jesus e disse: Senhor, não te importas de que minha irmã tenha deixado que eu fique a servir sozinha? Ordena-lhe, pois, que venha ajudar-me. Respondeu-lhe o Senhor: Marta! Marta! Andas inquieta e te preocupas com muitas coisas. Entretanto, pouco é necessário ou mesmo uma só coisa; Maria, pois, escolheu a boa parte, a qual não lhe será tirada (A BIBLIA DA MULHER, 2008, P. 1274). A personagem Marta que chega a Jesusalém também busca algo, tem uma identidade deslocada, indo ao encontro de uma memória perdida, tentando entender o porquê o marido – colonizador – não retornou a Portugal. Marta vai a Moçambique para reencontrá-lo, mas descobre que ele está morto.

Sou mulher, sou Marta e só posso escrever. Afinal, talvez seja oportuna a tua ausência. Porque eu, de outro modo, nunca te poderia alcançar. Deixei de ter posse da minha própria voz. Se viesses agora, Marcelo, eu ficaria sem fala. A minha voz emigrou para um corpo que já foi meu. E quando me escuto nem eu mesma me reconheço. Em assuntos de amor só posso escrever. Não é de agora, sempre foi assim, mesmo quando estavas presente. (COUTO, 2009, p. 131). Zacaria é outro personagem que faz alusão a um personagem bíblico. Zacaria Kalash é um ex-militar que serve a Silvestre Vitalício em cumplicidade a um passado angustiante que as duas personagens negam lembrar. As lembranças que Zacaria Kalash permitia, eram apenas as de que sentia orgulho, como as marcas de balas no corpo em

habitavam com Nabote. E escreveu nas cartas, dizendo: Apregoai um jejum, e trazei Nabote para a frente do povo. Fazei sentar defronte dele dois homens malignos, que testemunhem contra ele, dizendo: Blasfemaste contra Deus e contra o rei. Depois, levai-o para fora, e apredejai-o para que morra. E os homens da sua cidade, os anciãos e os nobres que nela habitavam fizeram como Jezabel lhes ordenara, segundo estava escrito nas cartas que lhes havia mandado (A BIBLIA DA MULHER, 2008, p. 4770. Bíblia, I Reis 21: 5 – 11). A personagem bíblica Jezabel e a personagem de Mia Couto, Jezibela trazem consigo a insubmissão e o rompimento com as convenções sociais, num dialogo textual de alegoria. Jezibela foi assassinada, já a rainha fenícia teve o seu corpo despedaçado por cães. O escritor engendra uma construção alusiva na nominação de seus personagens e na construção identitária de cada um deles, trabalhando proximidades e afastamentos entre as personagens de sua narrativa e as personagens da bíblia. As identidades representadas na obra de Mia Couto constituem a identidade do povo moçambicano, por meio de personagens que representam tradição e modernidade, identidade individual e identidade plural, além da representação da intelectualidade de um povo que se reconstrói no caos da guerra colonial e da guerra civil, permeando rastros identitários de colonizador e colonizado.

REFERÊNCIAS

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