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Proteção Jurídica da Imagem Pessoal: Análise do Conceito no Código Civil Brasileiro, Notas de estudo de Direito

Este documento analisa o conceito de direito à própria imagem no código civil brasileiro, publicado em 2002, e sua compatibilidade com a noção de cidadania. A imagem pessoal é vista como um determinante instrumento de informação e está protegida por questões constitucionais relacionadas à inviolabilidade pessoal e à autonomia individual. O direito à imagem é dividido em imagem-retrato e imagem-atributo, com discussões sobre sua relação com a honra e a identidade pessoal. Além disso, é abordada a proteção post mortem do direito à imagem e a interpretação restritiva do consentimento.

O que você vai aprender

  • Qual é a diferença entre imagem-retrato e imagem-atributo?
  • Como é definido o direito à própria imagem no Código Civil Brasileiro?
  • O que significa a proteção post mortem do direito à imagem?
  • Qual é a regra da interpretação restritiva do consentimento no direito à imagem?
  • Como o direito à imagem se relaciona com a honra e a identidade pessoal?

Tipologia: Notas de estudo

2022

Compartilhado em 07/11/2022

jacare84
jacare84 🇧🇷

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Brasília a. 49 n. 196 out./dez. 2012 27
Sumário
1. Introdução. 2. O direito constitucional à
própria imagem. 3. A redação do artigo 20 do
CC-2002. 4. Anotações conceituais sobre o artigo
20 do CC-2002. 5. Conclusões.
1. Introdução
É manifesta a projeção da imagem na
sociedade do século XXI. A representação
gráfica das evocações visíveis do aspecto
físico externo que tornam reconhecível e
individualizam a figura da pessoa humana
teve uma incomensurável expansão, não
só quantitativa como também qualitativa.
Constata-se essa afirmação com a atual e
crescente preponderância da informação
visual sobre a escrita-verbal. Em um pri-
meiro instante, a informação visual chega
à sensibilidade crítica sem obedecer, ne-
cessariamente, às inflexões do raciocínio,
pois os efeitos visuais cognitivos, a priori,
são indolentes às capacidades intelectuais
e culturais do sujeito receptor. Dadas essas
peculiaridades, a progressiva substituição
do verbal pelo visual pode atenuar os traços
de racionalidade e, via de consequência,
potencializar o descenso e o demérito do
discurso crítico.
A fulgente participação da imagem na
vida social, utilizada seja para informar,
seja como produto de relações comerciais
ou qualquer outra relação jurídica, incita o
juízo sobre os reflexos não só teóricos, se-
Marco Aurélio Rodrigues da Cunha e Cruz
é doutor em Direito Constitucional pela Univer-
sidad de Sevilla. Professor Titular III e pesqui-
sador acadêmico do Núcleo de Pós-Graduação
em Direito (NPGD) da Universidade Tiradentes.
Marco Aurélio Rodrigues da Cunha e Cruz
Anotações sobre o conceito do direito à
própria imagem do Código Civil
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Brasília a. 49 n. 196 out./dez. 2012 27

Sumário

  1. Introdução. 2. O direito constitucional à própria imagem. 3. A redação do artigo 20 do CC-2002. 4. Anotações conceituais sobre o artigo 20 do CC-2002. 5. Conclusões.

1. Introdução

É manifesta a projeção da imagem na sociedade do século XXI. A representação gráfica das evocações visíveis do aspecto físico externo que tornam reconhecível e individualizam a figura da pessoa humana teve uma incomensurável expansão, não só quantitativa como também qualitativa. Constata-se essa afirmação com a atual e crescente preponderância da informação visual sobre a escrita-verbal. Em um pri- meiro instante, a informação visual chega à sensibilidade crítica sem obedecer, ne- cessariamente, às inflexões do raciocínio, pois os efeitos visuais cognitivos, a priori , são indolentes às capacidades intelectuais e culturais do sujeito receptor. Dadas essas peculiaridades, a progressiva substituição do verbal pelo visual pode atenuar os traços de racionalidade e, via de consequência, potencializar o descenso e o demérito do discurso crítico. A fulgente participação da imagem na vida social, utilizada seja para informar, seja como produto de relações comerciais ou qualquer outra relação jurídica, incita o juízo sobre os reflexos não só teóricos, se-

Marco Aurélio Rodrigues da Cunha e Cruz é doutor em Direito Constitucional pela Univer- sidad de Sevilla. Professor Titular III e pesqui- sador acadêmico do Núcleo de Pós-Graduação em Direito (NPGD) da Universidade Tiradentes.

Marco Aurélio Rodrigues da Cunha e Cruz

Anotações sobre o conceito do direito à

própria imagem do Código Civil

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não também prático-jurídicos da aplicação desse direito. O protagonismo da imagem como um determinante instrumento de informação para a sociedade, a habitual associação da própria imagem com outros bens da personalidade, e sua influência nos meios de publicidade, servem de mote para que se teorize sobre sua proteção jurídica, o que se fará a seguir. Com efeito, a evolução da sociedade agrária do século XIX à sociedade urbana e industrial do século XX e a transição desta à sociedade digital do século XXI, a maior participação dos indivíduos no exercício do direito de sufrágio e o conseguinte fe- nômeno da “repersonalização” do Direito outorgaram um significativo destaque e coadjuvaram à consequente proteção constitucional da inviolabilidade pessoal. Influenciada pelas Constituições portugue- sa e espanhola, a Constituição brasileira estabeleceu expressamente que a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem são direitos invioláveis da pessoa. Decerto, a articulação entre o desenvolvimento social e o direito individual à própria imagem levou à sua inclusão no texto constitucional, e é de se anotar que a força normativa da Constituição possibilitou a deferência à sua autonomia, além de favorecer seu estudo pelos outros ramos do Direito. Nesse sentido, não basta o direito à própria imagem incursionar na norma nor- marum , pois, dada sua congênita imanência social, também há de ser observado dentro do contexto da legislação infraconstitucio- nal. Passados dez anos da publicação da Lei no^ 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (CC-2002) e quase completos dez de sua vigência, o presente texto tem por objeto o exame do conceito do direito à própria imagem nesse diploma normativo, com a finalidade de se perquirir qual interpretação conceitual do direito a própria imagem do Código Civil melhor se compatibiliza com a Cidadã. Para tal fito, pautado no método dedutivo, o curso metodológico deste trabalho inicia-se com o oferecimento de algumas precisões

conceituais, contextualiza-se o texto legal com fuclro no método hermenêutico clás- sico e nos elementos de exegese (genético, histórico, filológico, teleológico e sistemáti- co) aplicáveis à espécie, elabora-se um juízo sobre uma possível interpretação reducio- nista que beire a inconstitucionalidade, e ao final são feitas as conclusões.

2. O direito constitucional à

própria imagem

Nada mais pedagógico que se buscarem as origens conceituais antes de desenvolver qualquer tema a ser pesquisado. Nesse sentido, convém aduzir que a necessidade de proteção contra a arbitrária publica- ção da imagem humana deriva de uma vindicação individual, segundo a qual a pessoa deve ser o sujeito que consente com a possibilidade de se representar graficamente a sua própria imagem. A própria individualidade cria dois aspectos na configuração jurídica de tal direito: por um lado, uma de exigência de circunspec- ção, de reserva, de exclusão; e, de outro, estabelece a autonomia jurídica individual e a autodeterminação do indivíduo para projetar socialmente sua figura humana. A primeira garante a exclusão dos demais nesse âmbito individual, protegendo, pois, a inviolabilidade pessoal. Com a segunda, assegura-se a exteriorização da liberdade do indivíduo nas relações sociais: o direito à própria imagem emerge, nessa linha, como uma manifestação concretizada da autonomia privada. Ambas as perspectivas incluem-se no valor da dignidade da pessoa humana e são reforçadas com a proteção constitucional dos direitos fundamentais. O conceito do direito fundamental à pró- pria imagem transita na essência, portanto, sobre estas duas ideias. Configura-se, dessa forma, uma reali- dade jurídica na que a imagem humana se afirma como um bem jurídico eminen- temente pessoal no plano teleológico e no material-axiológico, com estrutura de

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mo objeto de proteção jurídica ou se existe diferença conceitual entre elas. Apesar de não poder discorrer de forma aprofundada no espaço facultado a este trabalho, é inevi- tável admitir que o conceito constitucional do direito à própria imagem é único, e não bi ou tripartite (CRUZ, 2008, p. 661). Ao analisar as três citações no texto constitucional, pode-se conjecturar que, de fato, a intenção do constituinte ao tratar a imagem no inciso X do art. 5o^ foi inseri-la no contexto da inviolabilidade pessoal, junto com os demais direitos da personalidade ali localizados: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. Por outra parte, segundo entendimen- to doutrinário (ASCENSÃO, 1984, 1987, 1992; CHAVES, 1982; COSTA NETTO, 1981; RABELLO, 1978; SANTIAGO, 2005; TERREL, 2003), no inciso XXVIII, alínea “a”, do artigo 5 o^ , a mensagem principal deste dispositivo é a proteção da imagem de uma pessoa, de forma subsidiária, no contexto do direito de arena, pois se protege o titular da imagem que contribuiu em uma obra coletiva ou espetáculo: “são assegura- dos, nos termos da lei: a) a proteção às par- ticipações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas”. Seguindo essa linha de pensamento, a proteção do disposto no inciso V do art. 5 o da Norma Máxima se relaciona com o di- reito de resposta: “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano moral, material ou à imagem”. O iter constituinte ao se referir ao “dano a imagem” não criou nova fórmula de indenização, porquanto essa espécie de dano se insere no dano moral. Pretendeu sim garantir, de modo eloquente, o direito de resposta e ao mesmo tempo a indeniza- ção pela violação ao direito à própria ima- gem, conferindo a este um papel relevante. Com efeito, a interpretação que se deve

fazer, considerando-se a Constituição um texto normativo articulado, sistematizado e lógico, é que os citados dispositivos consti- tucionais aludem a um unívoco conceito: a faculdade de aproveitar (positiva) ou de ex- cluir (negativa) a representação gráfica das expressões ou evocações pessoais visíveis do aspecto físico externo que singularizam e tornam reconhecível a figura da pessoa humana (CRUZ, 2008, p. 661). Sem embargo, a doutrina majoritária brasileira divide o direito à própria imagem em imagem-retrato, que coincide com a proteção das exteriorizações visuais cogni- tivas da personalidade humana; e imagem- -atributo, que consiste na tutela do conceito de imagem social do indivíduo, procedente do desenvolvimento de suas relações sociais (ARAÚJO, 1996, 2003, 2006; BAP- TISTA; VALLE, 2004; BONJARDIM, 2002; DINIZ, 2002b, JABUR, 2000, 2004; NETTO FRANCIULLI, 2004; RODRIGUES, 2005; SOUZA, 2003). Contudo, ao examinar as argumentações da expressiva maioria dou- trinária, comprova-se que grande parte dos autores, alguns de maneira manifestamente explícita, e outros por via obliquamente reflexa, aproximam ou confundem o con- ceito de imagem-atributo com a concepção fática de honra, bem como com o moderno conceito do direito à identidade pessoal. Efetivamente, a fragilidade da referida tese reside em não delimitar, de modo convincente, o objeto do direito à própria imagem nem aclarar seus objetivos, en- trelaçando, de forma confusa, o que seria ofensivo à suposta figura jurídica com as vulnerações à honra e à identidade pesso- al. Muitos consideram que os conceitos de “reputação” e “fama” estão protegidos pelo direito à imagem-atributo, não obstante tais figuras serem inerentes ao bem jurídico hon- ra. Já dizia Beccaria (2005, p. 47) que honra é uma das palavras sobre as quais se fizeram os mais brilhantes raciocínios, sem se fixar uma ideia precisa. A concepção fática de honra leva a entendê-la como o conjunto de valores, qualidades morais, intelectuais que

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determinam o mérito do indivíduo no meio em que vive; é a projeção pessoal a partir da consideração alheia. Representa o valor social do indivíduo, pois está conectado à sua aceitação ou aversão dentro dos círcu- los sociais em que se desenvolve (CRUZ, 2008, p. 216). A honra possui, porém, um duplo aspecto: o subjetivo, compreensivo das representações que o sujeito tem de si mesmo e a vontade de afirmar o próprio valor, e o objetivo, que seria a boa reputação ou fama; isto é; a honra pode ser considera- da como a estima/sentimento que a pessoa tem de si mesma e a reputação que cada pessoa goza na sociedade ou grupo ao qual pertence (GONZÁLEZ PEREZ, p. 32-33). Na tese que conecta a imagem-atributo a esses conceitos, portanto, predomina, por certo, o conceito vulgar de imagem, ou seja, concepção que não é científica. De outro lado, não se pode pretender tampouco incluir no conceito de imagem- -atributo a verdade pessoal, a história pessoal, a identidade genética ou o “ser você mesmo’, isto é, a exigência de não ver distorcido o perfil individual-social da personalidade da pessoa, pois são bens jurídicos que constituem o objeto do direito constitucional à identidade pessoal. O mo- derno direito à identidade tem sua gênese positivo-constitucional na Constituição portuguesa de 1976. A doutrina consti- tucional autorizada tende a conceituá-lo como o direito de a pessoa exigir que sua personalidade não seja representada de maneira infiel, tergiversada, desnaturali- zada ou alterada por meio de imputação de condutas, atributos ou qualidades que não tem relação com ela ou pela omissão das características determinantes para sua configuração: o direito a não ver alterado o próprio perfil, psicossomático, intelectual, político, social, religioso, ideológico e pro- fissional (GARCIA, 2001; CUNHA E CRUZ, 2012). Assim, caso se ligue o direito à imagem-atributo a tais conteúdos, não pode ser ele considerado autônomo, porquanto carece de objeto jurídico, não tem regras

próprias, nem se determina por si mesmo, subsumindo-se ou no conceito do direito à honra ou no direito à identidade pessoal. Em síntese: não pode prevalecer a “hí- brida” concepção de imagem-atributo, que ora compartilha imanentes raízes concei- tuais com a teoria do direito à honra, ora converge com os fundamentos do moderno direito à identidade pessoal, pois suas bases doutrinais, que sustentam sua hipotética configuração conceitual constitucional, não apresentam consistência teórico-jurídica. Apesar de instado em algumas opor- tunidades, o Supremo Tribunal Federal não discutiu a aqui combatida distinção conceitual do direito à própria imagem (retrato-atributo), talvez porque não se chegou a suscitar essa delimitação. O que se denota, com uma análise percuciente, é que o Máximo intérprete da Constituição ainda mescla, em suas decisões (RE-91328; RE- 95872; RE-101280; RE-115838; HC-76689; RE-215984; MS_MC-24832; HC-89429; MS-21468; HC-70668; HC-72212; HC-82405; HC-84778; INQ-496; MS-24405; RE-426561; Rcl-QO-2040), os conceitos de imagem, honra e intimidade^1.

3. A redação do artigo 20 do CC-

Atendo-se a uma exegese histórica, a Lei n o^ 10.406 (CC-2002), diferentemente da Lei n o^ 3.071 (CC-1916), dedicou-se a proteger, de forma expressa, alguns direitos da per- sonalidade. A inserção desta categoria de direitos deve-se à influência que o Código Civil italiano de 1942 (CCI-1942) teve na redação do correlato brasileiro. Basta uma simples análise comparada dos preceitos referentes a este tema no CCI-1942 para se constatar a similitude com os do anteproje- to de Orlando Gomes (art. 35) e do Projeto

(^1) Em curso ante a Primeira Turma do STF (RE- 438406, Relator Min. Luiz Fux) um interessante caso sobre o consentimento para a representação gráfica das expressões ou evocações pessoais visíveis do aspecto físico externo que singularizam e tornam reconhecível a figura da pessoa humana.

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meticulosa entre os direitos que protegiam a integridade moral. O que se pode concluir que não se considerava ou estudava o direito à própria imagem de modo autô- nomo, porque subsumida a sua violação unicamente se houvesse ofensa à honra de uma pessoa. Ainda que arquivado, o An- teprojeto de 1963 teve densa influência na redação do posterior CC-2002, e, por certo, serve de apoio para uma correta explicação deste texto. Por seu turno, voltando a uma exegese histórica, a Lei no^ 10.406, de 10 de janeiro de 2002, é um resultado tardio do Projeto de Lei no^ 634/75, o qual foi capitaneado, a prin- cípio, por Miguel Reale em 1972, e revisado por uma Comissão em 1973, sendo pro- posto na Câmara dos Deputados em 1975. Tramitou no Congresso Nacional durante vinte e sete anos, e, desde o término do seu período de vacatio legis é a lei genérica para as relações civis do Brasil. É considerado mais moderno e inovador que o Antepro- jeto Orlando Gomes; entretanto, absorveu a confusão técnico-jurídica quando trata o direito à própria imagem. Uma exegese meramente gramatical do artigo que versa sobre o direito à própria imagem pode levar ao questionamento sobre sua autonomia: “Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a difusão de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a expo- sição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais. Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes le- gítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os des- cendentes.” Este preceito não foi modificado, nem pelo Senado Federal, tampouco pela Câma-

ra dos Deputados durante a tramitação do mencionado projeto (DINIZ, 2002c, p. 31- 33; PASSOS; LIMA, 2012a, p. 7). Por isso, ao se fazer um contraste entre o artigo 35, do “Anteprojeto Orlando Gomes” e a redação do artigo 20, do CC-2002, observa-se que a mensagem informadora do conteúdo ma- terial do direito à própria imagem dos dois textos é basicamente a mesma. A diferença manifesta é a inserção dos limites do direito à própria imagem e a forma de redigir a linguagem técnica do artigo 20. Apesar das apontadas confusões concei- tuais com a honra/integridade moral, nas duas redações o conceito do direito à pró- pria imagem converge, indisputavelmente, com aquele ofertado no apartado anterior: a faculdade de aproveitar (positiva) ou de ex- cluir (negativa) a representação gráfica das expressões ou evocações pessoais visíveis do aspecto físico externo que singularizam e tornam reconhecível a figura da pessoa humana.

4. Anotações conceituais sobre o

artigo 20 do CC-

Ab initio , ressalte-se que, ante o uso dos elementos de exegese (genético, histórico, filológico, teleológico e sistemático), a imagem à qual se refere o legislador civil é a representação gráfica das evocações ou expressões visíveis do aspecto físico exter- no que singularizam e tornam reconhecível a figura da pessoa humana, pois todo o contexto que precede a palavra imagem leva a essa inexorável dedução. Com efeito, o dispositivo estabelece a regra da limitação voluntária do consenti- mento quando afirma “salvo se autoriza- das”, e prevê alguns limites jurídicos na pri- meira parte da redação “ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública”. Sem embargo, deve ser estimada como incompleta a regulação desses dois institutos, pois, por um lado, não diz o texto se a autorização há de ser inequívoca, tácita ou expressa, onerosa ou

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gratuita, tolerante ou autorizante. Omite, também, a possibilidade da revogação e seus efeitos. É conveniente dizer, no entanto, que há a regra da interpretação restritiva do consentimento, que não necessariamente tem de ser explícita em tal artigo, pois tal signo interpretativo é inerente a qualquer interpretação que se faça dos direitos da personalidade, direitos que desenvolvem o valor da dignidade da pessoa humana (BARBOSA, 1989; CASAS VALLÈS, 1989; CLAVERÍA GOSÁLBEZ, 1994; GITRAMA GONZÁLEZ, 1962; IGARTUA ARREGUI, 1991; SANTIUMENGE I FARRÉ, 1990). Por outro lado, é elogiável que o CC-2002 haja incluído a palavra “necessária” preceden- do os limites do direito à própria imagem, pois o requisito da necessidade, de certa forma, limita o mal uso ou a utilização incondicionada. Não obstante, o texto legal descreve duas possibilidades de limitar o direito à própria imagem, deixando uma ampla margem para o labor do hermeneuta nesses casos. Não que se diga que fosse exigível uma previsão que incorporasse todos os casos nos que o direito à própria imagem costuma estar em conflito com o interesse público, mas a redação poderia estar, quiçá, mais bem elaborada. Para corroborar esta assertiva, noticia-se, enquanto redigidas estas linhas, que a Associação Nacional dos Editores de Livros (Anel) ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.815 no STF com o propósito de questionar uma interpretação que se faz dos artigos 20 e 21 do CC-2002, para afastar a necessidade de consentimento do biografado ou demais retratados para a publicação de obras lite- rárias ou audiovisuais, pois em confronto com a liberdade de expressão (EDITORES PEDEM..., 2012). Essas omissões no artigo 20 do CC- guardam uma grande congruência interna com os demais elementos ali descritos. A circunstância mais criticável é o modo como está concebida a imagem: o seu conceito.

Da redação gramatical, conclui-se que só se protege a imagem da pessoa humana quando sua utilização não seja consentida e [se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais]. Efetivamente, um exame apressado e exclusivamente literal do artigo 20 do CC- 2002 pode dar guarida a uma interpretação de que a proteção da imagem do titular está condicionada, a par dos limites e da vulneração do consentimento, à violação concomitante de pelo menos um dos quatro requisitos: 1) ofensa à honra; 2) intromissão ilegítima na boa fama; 3) conspurcação da respeitabilidade ou 4) exploração comercial da imagem sem permissão. De pronto, é iniludível identificar uma impropriedade técnico-jurídica na redação do preceito, pois se o legislador queria frisar honra, ou somente honra como sinô- nimo das demais expressões substantivas nucleares, não deveria citar boa fama e respeitabilidade. Entretanto, com uma leitura imediata, a principal discrepância que se deve apontar é a desconsideração da autonomia do direito à própria imagem. Observa-se, todavia, que houve neste artigo um direto influxo do “Anteprojeto Orlando Gomes”, o qual, como visto, ratificava, de modo explícito, a subsunção do direito à própria imagem na proteção jurídica da honra. Esta inferência “subsumida” é perigo- sa, pois incompatível com a “vontade da Constituição” (VERDÚ, 1985, p. 06; HESSE, 1991, p. 19). Pelo modo como foi redigido o aludido texto normativo, por exemplo, Francisco Amaral (2006, p. 43-55) interpre- tou que tal norma pode ser traduzida como “A honra, a boa fama e a respeitabilidade são protegidos pelo art. 20, segundo o qual poderão ser proibidos a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa.” Não que a honra não esteja ali também protegida; contudo, se prevalente um entendimento unicamen-

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mais bem feitas que sejam não abrangem nunca toda a realidade que avança sempre além da norma. Captada a essência das mudanças, como no caso está, é de reco- mendável técnica legislativa reservar ao saber dos doutrinadores e à objetividade da jurisprudência a depuração, no tempo, dos aspectos demasiados polêmicos e de minúcias excessivas. O Projeto de Código Civil reflete essa imagem de segurança e flexibilidade, no tocante aos direitos da personalidade, como no conjunto de suas disposições. ” Ante tais circunstâncias, é pertinente fazer algumas ponderações. De um lado, tanto o supervisor do projeto embrionário como o relator-geral no Senado Federal afirmam que o CC-2002 não regula de for- ma completa o tema dos direitos da perso- nalidade, nos quais está inserto o direito à própria imagem. De outro, pode-se separar a última parte dessa explicação, na qual se afirma que a doutrina e a jurisprudência ajudarão no labor de concretizar os direitos da personalidade. É patente, portanto, que o CC-2002 não trata com profundidade o tema dos direitos da personalidade, e que tampouco foi exaustivo quando regulou o direito à própria imagem, pois não era essa a mens legislatoris , e não é essa sua exegese histórica. O que se deve inferir, portanto, é que o texto do artigo 20 do CC-2002 trata de exemplos abertos ( numerus apertus ) das formas de violação – e consequentemente de proteção – do direito à própria imagem. Em outras palavras, o que se quer frisar com este trabalho é que há uma vívida e periclitante possibilidade de imputar uma inconstitucio- nalidade ao artigo 20 do CC-2002: quando interpretado tendo em mente um conceito do direito à própria imagem sem a auto- nomia que a Constituição outorgou. Para que se faça uma interpretação in harmony with the Constitution (CANOTILHO, 2003, p. 1310 et seq.) do dispositivo normativo objeto desse texto, deve-se examiná-lo aplicando os elementos de exegese genético, histórico,

teleológico e sistemático, o que, por certo, recairá no entendimento de que o artigo 20 do CC-2002 somente exemplifica algumas das possibilidades de ofensa à imagem humana, não as considera taxativas, exaus- tivas, fechadas, enclausuradas ou absolutas. Por derradeiro, que a redação do texto legal admite tantas outras mais possibilidades de violações ao direito à própria imagem quantas forem as constitucionalmente ade- quadas, pois esta é a teleologia do preceito.

5. Conclusões

As conclusões podem ser condensadas em três tópicos: a) O artigo 20 do CC-2002 tratou o direi- to à própria imagem como a faculdade de aproveitar (positiva) ou de excluir (negati- va) a representação gráfica das expressões ou evocações pessoais visíveis do aspecto físico externo que singularizam e tornam reconhecível a figura da pessoa humana; b) Numa interpretação conforme a Constituição, a qual confere indevassável autonomia ao direito à própria imagem, deve prevalecer o entendimento de que o artigo 20 do CC-2002 somente exemplifica algumas das possibilidades de ofensa à imagem humana, não as considera taxa- tivas, exaustivas, fechadas, enclausuradas ou absolutas; e c) A redação do artigo 20 do CC- admite tantas outras mais quantas forem as constitucionalmente adequadas, pois esta é a teleologia do preceito.

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