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ANÁLISE ESTILÍSTICA DO TEXTO “GIGOLÔ DAS PALAVRAS ..., Esquemas de Estilística

Não merecem o mínimo respeito. Um escritor que passasse a respeitar a intimidade gramatical das suas pa- lavras seria tão ineficiente quanto um gigolô que se ...

Tipologia: Esquemas

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Florentino88
Florentino88 🇧🇷

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DEPARTAMENTO DE LETRAS
SOLETRAS, Ano VII, N° 14. São Gonçalo: UERJ, jul./dez.2007
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ANÁLISE ESTILÍSTICA
DO TEXTO “GIGOLÔ DAS PALAVRAS”,
DE LUIS FERNANDO VERÍSSIMO26
Janaína Oliveira (UERJ)
Patrícia Graeff Viana (UERJ)
Priscilla de Souza Cruz (UERJ)
INTRODUÇÃO
Objetiva-se, neste estudo, proceder a uma análise estilística do
texto de Luís Fernando Veríssimo, intitulado “Gigolô das Palavras”.
Busca-se, sobretudo, verificar os recursos estilísticos presentes na crôni-
ca, que contribuem para o envolvimento do leitor e possível adesão à tese
nela defendida. Para tanto, a análise do “corpus” que ora se apresenta
subdivide-se em dois momentos, a saber: (1) o ensino de gramática; (2) o
estilo irônico do autor.
CORPUS
O gigolô das palavras
Quatro ou cinco grupos diferentes de alunos do Farroupilha estiveram lá
em casa numa mesma missão, designada por seu professor de Português: saber
se eu consid erava o estudo da gramática indispensável para aprender e usar a
nossa ou qualquer outra língua. Cada grupo portava seu gravador cassete, cer-
tamente o instrumento vital da pedagogia moderna, e andava arrecadando opi-
niões. Suspeitei de saída que o tal professor lia esta coluna, se descabelava di-
ariamente com suas afrontas às leis da língua, e aproveitava aquela oportuni-
dade para me d esmascarar. Já estava até preparando, às pressas, minha defesa
("Culpa da revisão! Culpa da revisão!"). Mas os alunos desfizeram o equívoco
antes que ele se criasse. Eles mesmos tinham escolhido os nomes a serem en-
trevistados. Vocês têm certeza que não pegaram o Veríssimo errado? Não. En-
tão vamos em frente.
Respondi que a linguagem, qualquer linguagem, é um meio de comunica-
ção e que deve ser julgada exclusivamente como tal. Respeitadas algumas re-
gras básicas da gramática, para evitar os vexames mais gritantes, as outras são
dispensáveis. A sintaxe é uma questão de uso, não de princípios. Escrever bem
é escrever claro, não necessariamente certo. Por exemplo: dizer "escrever cla-
ro" não é certo mas é claro, certo? O importante é comunicar. (E quando pos-
26 Uma versão deste trabalho foi apresentada n a I Jornada Nacional de Estudos Filológicos e Lin-
güísticos da Língua Portuguesa, no dia 5 de novembro de 2006, em comemoração ao Dia Nacional
da Língua Portuguesa.
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DEPARTAMENTO DE LETRAS ANÁLISE ESTILÍSTICA DO TEXTO “GIGOLÔ DAS PALAVRAS”, DE LUIS FERNANDO VERÍSSIMO^26 Janaína Oliveira (UERJ) Patrícia Graeff Viana (UERJ) Priscilla de Souza Cruz (UERJ) INTRODUÇÃO Objetiva-se, neste estudo, proceder a uma análise estilística do texto de Luís Fernando Veríssimo, intitulado “Gigolô das Palavras”. Busca-se, sobretudo, verificar os recursos estilísticos presentes na crôni- ca, que contribuem para o envolvimento do leitor e possível adesão à tese nela defendida. Para tanto, a análise do “corpus” que ora se apresenta subdivide-se em dois momentos, a saber: (1) o ensino de gramática; (2) o estilo irônico do autor. CORPUS O gigolô das palavras Quatro ou cinco grupos diferentes de alunos do Farroupilha estiveram lá em casa numa mesma missão, designada por seu professor de Português: saber se eu considerava o estudo da gramática indispensável para aprender e usar a nossa ou qualquer outra língua. Cada grupo portava seu gravador cassete, cer- tamente o instrumento vital da pedagogia moderna, e andava arrecadando opi- niões. Suspeitei de saída que o tal professor lia esta coluna, se descabelava di- ariamente com suas afrontas às leis da língua, e aproveitava aquela oportuni- dade para me desmascarar. Já estava até preparando, às pressas, minha defesa ("Culpa da revisão! Culpa da revisão!"). Mas os alunos desfizeram o equívoco antes que ele se criasse. Eles mesmos tinham escolhido os nomes a serem en- trevistados. Vocês têm certeza que não pegaram o Veríssimo errado? Não. En- tão vamos em frente. Respondi que a linguagem, qualquer linguagem, é um meio de comunica- ção e que deve ser julgada exclusivamente como tal. Respeitadas algumas re- gras básicas da gramática, para evitar os vexames mais gritantes, as outras são dispensáveis. A sintaxe é uma questão de uso, não de princípios. Escrever bem é escrever claro, não necessariamente certo. Por exemplo: dizer "escrever cla- ro" não é certo mas é claro, certo? O importante é comunicar. (E quando pos- (^26) Uma versão deste trabalho foi apresentada na I Jornada Nacional de Estudos Filológicos e Lin- güísticos da Língua Portuguesa, no dia 5 de novembro de 2006, em comemoração ao Dia Nacional da Língua Portuguesa.

FACULDADE DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES sível surpreender, iluminar, divertir, mover... Mas aí entramos na área do ta- lento, que também não tem nada a ver com gramática.) A gramática é o esque- leto da língua. Só predomina nas línguas mortas, e aí é de interesse restrito a necrólogos e professores de latim, gente em geral pouco comunicativa. Aquela sombria gravidade que a gente nota nas fotografias em grupo dos membros da Academia Brasileira de Letras é de reprovação pelo Português ainda estar vi- vo. Eles só estão esperando, fardados, que o Português morra para poderem carregar o caixão e escrever sua autópsia definitiva. É o esqueleto que nos traz de pé, certo, mas ele não informa nada, como a gramática é a estrutura da lín- gua, mas sozinha não diz nada, não tem futuro. As múmias conversam entre si em gramática pura. Claro que eu não disse isso tudo para meus entrevistadores. E adverti que minha implicância com a gramática na certa se devia à minha pouca intimida- de com ela. Sempre fui péssimo em Português. Mas – isso eu disse – vejam vocês, a intimidade com a gramática é tão indispensável que eu ganho a vida escrevendo, apesar da minha total inocência na matéria. Sou um gigolô das palavras. Vivo às suas custas. E tenho com elas exemplar conduta de um cáf- ten profissional. Abuso delas. Só uso as que eu conheço, as desconhecidas são perigosas e potencialmente traiçoeiras. Exijo submissão. Não raro, peço delas flexões inomináveis para satisfazer um gosto passageiro. Maltrato-as, sem dú- vida. E jamais me deixo dominar por elas. Não me meto na sua vida particu- lar. Não me interessa seu passado, suas origens, sua família nem o que outros já fizeram com elas. Se bem que não tenho também o mínimo escrúpulo em roubá-las de outro, quando acho que vou ganhar com isto. As palavras, afinal, vivem na boca do povo. São faladíssimas. Algumas são de baixíssimo calão. Não merecem o mínimo respeito. Um escritor que passasse a respeitar a intimidade gramatical das suas pa- lavras seria tão ineficiente quanto um gigolô que se apaixonasse pelo seu plan- tel. Acabaria tratando-as com a deferência de um namorado ou com a tediosa formalidade de um marido. A palavra seria a sua patroa! Com que cuidados, com que temores e obséquios ele consentiria em sair com elas em público, al- vo da impiedosa atenção dos lexicógrafos, etimologistas e colegas. Acabaria impotente, incapaz de uma conjunção. A gramática precisa apanhar todos os dias pra saber quem é que manda. ANÁLISE DOS DADOS O ensino de gramática A gramática pretende mostrar a superior unidade da língua portu- guesa dentro de sua natural diversidade (Celso Cunha, 1985). Sua função é estudar e registrar os fatos da língua geral ou padrão, normatizando-a e estabelecendo regras para o seu uso oral e escrito. Logo, considerando estes conceitos e principalmente o texto “Gigolô das palavras”, percebe- se que a gramática exerce a preocupação com a parte intelectiva da lín- gua. Embora possua as regras de funcionamento da linguagem, ela se en-

FACULDADE DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES O estilo irônico de Luis Fernando Veríssimo Observa-se que Veríssimo age ironicamente ao afirmar que com a sua escrita comete “afronta às leis da língua”. O que o cronista deseja ex- pressar através da sua fala é que tais “afrontas”, ou seja, os desvios à norma culta, constituem um traço estilístico e não um erro gramatical. Is- so se explica pelo fato de Veríssimo ser um escritor renomado e, portan- to, conhecedor das regras gramaticais. Suas “afrontas” funcionam como ferramentas, através das quais pode-se comprovar que ele consegue es- crever, sem portanto, fazer uso correto das regras gramaticais, além de obter êxito na transmissão da mensagem dirigida ao leitor. Logo, seus desvios são intencionais, utilizados como estratégias discursivas, visando obter maior expressividade. Esse desvio intencional pode ser exemplifi- cado no seguinte excerto: “Escrever bem é escrever claro, não necessari- amente certo. Por exemplo: dizer escrever claro não é certo, mas é claro, certo? O importante é comunicar.” Com este fragmento do texto em questão é possível notar que Veríssimo é conhecedor das normas grama- ticais, porém optou neste caso pela expressividade. Desse modo, com- preende-se que o uso das normas gramaticais é importante, mas não es- sencial, e a Estilística, ligada à parte emotiva, em muito contribui à parte intelectiva da língua. CONCLUSÃO Considerando estas observações com relação a estilo e norma, vê- se que o primeiro direciona-se ao aspecto individual do falante. Há neste caso, a intenção de expressividade, em que o falante utiliza estratégias lingüísticas com o objetivo de afetar, sensibilizar o leitor ou ouvinte. A segunda está relacionada a um âmbito sistemático da língua, restrito a padrões gramaticais comuns aos falantes. Deste modo, desviar- se da norma é errar e fazer mau uso da língua. Apesar destas diferenças estabelecidas entre norma e estilo, não significa afirmar que elas estão em campos afastados, pelo contrário, há uma ligação entre estes aspectos. A Estilística, na verdade, não é contra as normas gramaticais, mas sim um complemento destas normas. No sen- tido de interação, estilo vem para facilitar a expressão do indivíduo como falante ou escritor, não se restringindo a um padrão de uso da língua e sim a variação.

DEPARTAMENTO DE LETRAS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS MONTEIRO, José Lemos. A estilística : manual de análise e criação do estilo literário. Petrópolis: Vozes, 2005, p. 43-59. BOTELHO, José Mário. Estudos de estilística. Fundação Educacional de Duque de Caxias. Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. Curso de Letras, [s.d.]. VERÍSSIMO, Luís Fernando. O gigolô das palavras. 8ª ed. Porto Ale- gre: L&PM, 1982. CUNHA, Celso F. & CINTRA, Luís F. Nova gramática do português contemporâneo. 2ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.