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Análise do filme O que você faria? à luz da discussão de Richard Sennet sobre o capitalismo contemporâneo. Cristiane Garcia Pires.
Tipologia: Esquemas
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Análise do filme O que você faria? à luz da discussão de Richard Sennet sobre o capitalismo contemporâneo
Cristiane Garcia Pires
Na tentativa de desvendar a sociedade contemporânea e em especial a forma que tomou o capitalismo a partir dos anos 1980, Richard Sennett pode ser destacado como um autor importante no exame das relações entre o trabalho e a subjetividade. De certo modo partindo de um pressuposto marxista – de que as relações materiais de trabalho são a base para as outras relações sociais – o autor nos mostra como a flexibilização produziu efeitos importantes nas características pessoais dos indivíduos. Em especial se considerarmos as qualidades produzidas a longo prazo, como a responsabilidade, a confiança, o compromisso e, nesse sentido, o caráter , se o tomarmos como “os traços pessoais a que damos valor em nós mesmos, e pelos quais buscamos que os outros nos valorizem” (SENNETT, 2012, p. 10) Assim, mesclando um tema típico da Sociologia Clássica – o trabalho – com outro mais característico da Sociologia Contemporânea – a subjetividade - A corrosão do caráter de Richard Sennett, publicado em 1998, é um livro que examina o capitalismo contemporâneo a partir de situações individuais narradas pelo autor. Nesse texto busco refletir um pouco sobre as considerações propostas pelo livro de Sennett em relação às novas exigências de transformações na subjetividade, fazendo um comparativo de seus personagens com os que aparecem no filme O que você faria? (2005), de Marcelo Piñeyro. A discussão feita aqui leva em consideração apenas a questão do caráter e subjetividade de um determinado grupo social, os trabalhadores de grandes empresas, os quais são os sujeitos da discussão do filme e de maior parte dos exemplos de Sennett. O tema colocado se refere, portanto, as práticas propostas pela nova ética do trabalho e como os personagens lidam com ela. Ele permite questionar, em certo sentido, a qualificação de ilegível, proposta por Sennett para classificar o novo capitalismo. Isso porque ela não admite a possibilidade de identificação com a nova ética do trabalho, a qual, pelo exemplo dos personagens do filme, é legitimada em todo o grupo de executivos. Desse modo, concluo que o novo capitalismo hoje busca universalizar uma certa forma de legitimação.
O filme O que você faria?^1 expõe um processo de seleção de executivos para empregarem-se em uma grande empresa. O título em espanhol, El método , já nos indica que a trama gira em torno de um método de seleção bastante curioso, ao mesmo tempo também bastante cruel com seus participantes. A história não possui personagem principal: são, a princípio, sete candidatos com perfis diferentes, mas todos eles já empregados em alguma empresa, buscando, portanto, apenas a ascensão na carreira. Eles devem passar, coletivamente, por diversos tipos de prova, cujo objetivo é analisar sua habilidade nas relações interpessoais em situações muitas vezes limite. Ao discutir a questão da nova ética do trabalho, Sennett assinala a importância atribuída ao trabalho em grupo. Segundo ele, a ênfase no saber ouvir e saber cooperar, presente nessa nova ética, está longe de significar uma humanização do trabalho. Ao contrário, representa quase como uma obrigação social de manipular as aparências e comportamentos com os outros. Assim, as relações passam a se consistir de uma “superficialidade degradante” (SENNETT, 2012, p. 120) a fim de garantir a cooperação e, portanto, a produtividade do grupo. No filme, fica claro que há uma espécie de “expressão obrigatória de sentimentos” (MAUSS, 1). Sorrisos, incentivos, e gestos são utilizados, por exemplo, por parte de Montse, a secretária que da empresa, em situações específicas. Há uma cena bastante significativa em relação a isso: quando os candidatos vão almoçar, a comida servida tem um gosto ruim. Sorrindo, Montse lhes pergunta se algo está errado, mas nenhum deles tem coragem de dizer que não gostou da comida. Isso porque os candidatos estavam cientes de que deveria haver um clima de cordialidade entre eles e a empresa (considerando ainda que nem mesmo eram empregados efetivos). Montse, entretanto, não é a coordenadora das provas. Ao contrário, os candidatos ficam presos em uma sala, saindo algumas poucas vezes. A avaliação é feita a partir de uma filmagem, que, por meio de uma cena no final do filme, descobrimos que se dá nos mínimos detalhes. Além disso, em certa altura da história um dos candidatos se revela, na verdade, um psicólogo/ator, responsável por observar mais de perto a interação do grupo.
(^1) Filme lançado em 2005, dirigido por Marcelo Piñeyro.
e não diante deles, Fernando, foi também o único que chegou ao ponto de agredir uma concorrente diante de uma situação desfavorável a ele^2 , sendo eliminado por isso. De outro lado, aos personagens que se sentiam mais a vontade no trabalho coletivo, como Julio e Enrique, o teste limite para eles foi justamente examinar como reagiam sendo colocados em contrário a coletividade. Nenhum deles soube como agir nessa situação^3 , por isso também foram eliminados. Na lógica do método Grönholm, portanto, exige-se tal grau de falseamento entre os personagens que em algumas situações nós mesmos, expectadores, ficamos aturdidos sem saber se acreditamos ou não no que é dito. Um exemplo é o real papel de Ricardo e Montse. No fim, quando restam apenas dois concorrentes, Carlos e Nieves, eles se revelam... para o concorrente Carlos, eles se apresentam como os dois psicólogos criadores do método, e para a concorrente Nieves, dizem que ambos são atores, orientados por uma equipe de psicólogos. Não sabemos se ambos estão mentindo, ou se uma das opções é de fato verdadeira. Como aponta o próprio Sennett, a transposição dessa perfomance de si nas relações pessoas se torna desastrosa. No caso exposto pelo autor, o personagem Rico não consegue evitar transpor a lógica de “trabalho em equipe” em suas conversas com os filhos em casa. O resultado é que, para os jovens, todos os valores que Rico busca transmitir são passados para eles como ideias soltas, e não como práticas efetivas dos pais. Já no filme, há o caso dos personagens Nieves e Carlos. Eles restaram como os dois últimos concorrentes do processo seletivo, e já se conheciam antes por terem tido um caso amoroso. No final, ambos ficam em dúvida sobre a sinceridade do outro (e de si mesmo) em relação ao que é dito: o disseram porque queriam ficar juntos ou porque queriam passar no teste? Entretanto, em momentos distintos, ambos percebem a estratégia do outro para fazê-los reprovar na seleção, e, ainda que fiquem magoados, estão dispostos a se conformar com a situação e reconhecer que o mundo do trabalho flexível funciona daquela maneira. Em outras palavras, não apenas no caso de ambos, mas de todos, existe o reconhecimento de suas próprias falhas no debate, e, mais do que isso, da
(^2) Tratava-se de uma prova em que os outros personagens começaram a falar em línguas estrangeiras, sendo que Fernando não conhecia nenhuma outra língua além do espanhol. 3 No caso de Julio, foi pedido aos seus concorrentes que avaliassem o fato dele ter denunciado a empresa na qual trabalhava por motivos ambientais. No caso de Enrique, ele tinha posse de uma informação desfavorável sobre o candidato Ricardo, e, ao ser abordado por Montse sobre essa informação, ficou completamente desorientado sobre o que se esperava que ele fizesse.
legitimidade do próprio método de avaliação. Nesse sentido, ainda que do ponto de vista das relações pessoais, não apenas os perdedores, mas também o vencedor (Carlos) tenham se sentido entristecidos e, em alguns casos, ofendidos e humilhados, todos reconheceram que, na lógica das relações de trabalho, deveriam ter sido capazes de controlar os sentimentos.
A análise de Richard Sennett parte do pressuposto de que o capitalismo moderno é difícil de entender. Para ser mais preciso, ele se utiliza da noção de ilegibilidade do sistema. Como exemplos, ele mostra a dificuldade de alguns personagens, como Rose, de entenderem a lógica das relações de trabalho. No caso de outros, como os padeiros de Boston, a ilegibilidade do sistema está no fato de não se identificarem com o trabalho, justamente porque as qualificações exigidas para a padaria seriam as mesmas que para outras profissões de baixa remuneração. Há ainda o exemplo de trabalhadores de alta tecnologia, da IBM, que foram demitidos e buscam entender o motivo. A noção de ilegibilidade nos parece problemática, ao menos se considerarmos os personagens do filme. Isso porque, como já afirmamos anteriormente, mesmo os que eram eliminados do processo seletivo, perceberam, no momento seguinte do “deslize”, o motivo porque perderam. A candidata Ana, por exemplo, após ouvir a sugestão de que era demasiado velha para o cargo, ofendeu verbalmente seu concorrente, parando abruptamente em seguida. Percebera que tinha se descontrolado e, por isso, perdido. Ou ainda podemos nos utilizar do exemplo de Nieves, no final do filme. Deixando-se levar pela crítica de Fernando de que era solitária e só se preocupava com o trabalho, abandonou sua chance de vencer o seu último concorrente, Carlos. Quando ele estava prestes a ganhar o jogo, porém, ela já tinha percebido o que ocorrera, voltando a exibir sua expressão impassível do início do processo. Conformara-se, afinal. Em outras palavras, o que estamos tentando dizer é que, ao menos para esse grupo de trabalhadores - os executivos – não se pode falar em ilegibilidade do sistema. Por mais que os efeitos de corrosão do caráter também os atinjam, na opinião de todos eles o processo de seleção foi certamente legítimo. De fato, Ricardo, o psicólogo/ator da prova, diz que, em outras seleções, muitos aspirantes ao cargo já lhe agradeceram pelo que aprenderam com o método. O próprio Rico, um dos personagens centrais de