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Star Wars: Reflexo da Sociedade Americana dos Anos 60 e 70, Notas de aula de Cultura

Este documento analisa a trilogia star wars como uma representação alegórica da sociedade, política e cultura dos eua durante as décadas de 1960 e 1970. O autor examina como os filmes dialogaram com eventos históricos, como a guerra do vietnã, o movimento beatnick e o movimento hippie. O texto destaca a importância de estudar filmes como ferramentas para compreender a realidade social.

Tipologia: Notas de aula

2022

Compartilhado em 07/11/2022

VictorCosta
VictorCosta 🇧🇷

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ANÁLISE DA TRILOGIA STAR WARS COMO RETRATO DO CONTEXTO
SÓCIO-POLÍTICO DOS ESTADOS UNIDOS NA DÉCADA DE 1970¹
Marília Soares Leite2
RESUMO
O cinema hollywoodiano sempre foi um território contestado enquanto representação da
realidade, com ideologias políticas conflitantes mostradas através de cenários e
personagens diversos. A produção cinematográfica dos Estados Unidos a partir dos anos
1960 pode ser considerada uma manifestação artística rica para retratar a realidade
social, política e cultural do país. O presente trabalho analisa a trilogia Star Wars (1977
a 1983) como representação alegórica de toda a efervescência social, cultural,
econômica e política dos Estados Unidos das décadas de 1960 e 1970. O argumento é
que a trilogia reflete os movimentos contraculturais beatnick e hippie, a luta pelos
direitos civis liderada por Martin Luther King Jr., a Guerra do Vietnã e os protestos que
ela gerou.
Palavras-Chave: Star Wars, cultura, Estados Unidos, década de 1960, década de 1970,
contracultura, Guerra do Vietnã.
ABSTRACT
Hollywood cinema has always been a contested territory as a representation of reality,
with conflicting political ideologies shown through various scenarios and characters.
The film production of the United States can be considered a rich artistic manifestation
to portray the social, political and cultural reality of the country. The present work
analyzes the original Star Wars trilogy from 1977 to 1983 as an allegorical
representation of all the social, cultural, economic and political effervescence of the
United States in the 1960s and 1970s, with the beatnick and hippie countercultural
movements, the struggle for civil rights led by Martin Luther King Jr., the Vietnam War
and the protests it generated.
Keywords: Star Wars, culture, United States, 1960s, 1970s, counterculture, Vietnam
War.
1. INTRODUÇÃO
Filmes são elementos de linguagem, que nos transmitem sentimentos, emoções,
ideias, elementos históricos, dentre outros. Sendo assim, se configuram como
importantes mediadores no processo de construção do homem e de sua sociedade.
Acerca da linguagem cinematográfica, Peruzzolo escreve:
¹Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como pré-requisito para a obtenção do título de Bacharel
em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Uberlândia. Orientador: Prof. Dr. Aureo de
Toledo Gomes.
2Graduanda do curso de Relações Internacionais pela Universidade Federal de Uberlândia.
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ANÁLISE DA TRILOGIA STAR WARS COMO RETRATO DO CONTEXTO

SÓCIO-POLÍTICO DOS ESTADOS UNIDOS NA DÉCADA DE 1970¹

Marília Soares Leite^2

RESUMO O cinema hollywoodiano sempre foi um território contestado enquanto representação da realidade, com ideologias políticas conflitantes mostradas através de cenários e personagens diversos. A produção cinematográfica dos Estados Unidos a partir dos anos 1960 pode ser considerada uma manifestação artística rica para retratar a realidade social, política e cultural do país. O presente trabalho analisa a trilogia Star Wars ( a 1983) como representação alegórica de toda a efervescência social, cultural, econômica e política dos Estados Unidos das décadas de 1960 e 1970. O argumento é que a trilogia reflete os movimentos contraculturais beatnick e hippie, a luta pelos direitos civis liderada por Martin Luther King Jr., a Guerra do Vietnã e os protestos que ela gerou.

Palavras-Chave: Star Wars, cultura, Estados Unidos, década de 1960, década de 1970, contracultura, Guerra do Vietnã.

ABSTRACT

Hollywood cinema has always been a contested territory as a representation of reality, with conflicting political ideologies shown through various scenarios and characters. The film production of the United States can be considered a rich artistic manifestation to portray the social, political and cultural reality of the country. The present work analyzes the original Star Wars trilogy from 1977 to 1983 as an allegorical representation of all the social, cultural, economic and political effervescence of the United States in the 1960s and 1970s, with the beatnick and hippie countercultural movements, the struggle for civil rights led by Martin Luther King Jr., the Vietnam War and the protests it generated.

Keywords: Star Wars, culture, United States, 1960s, 1970s, counterculture, Vietnam War.

1. INTRODUÇÃO

Filmes são elementos de linguagem, que nos transmitem sentimentos, emoções, ideias, elementos históricos, dentre outros. Sendo assim, se configuram como importantes mediadores no processo de construção do homem e de sua sociedade. Acerca da linguagem cinematográfica, Peruzzolo escreve:

¹Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como pré-requisito para a obtenção do título de Bacharel em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Uberlândia. Orientador: Prof. Dr. Aureo de Toledo Gomes. 2 Graduanda do curso de Relações Internacionais pela Universidade Federal de Uberlândia.

Criada a linguagem, torna-se esta não apenas o instrumento da comunicação e, decorrentemente, da organização complexa da sociedade; mas também o patrimônio cultural portador do conjunto dos conhecimentos e das práticas da sociedade, constituindo-se num sistema generativo de alta complexidade sem o qual essa complexidade ruiria (PERUZZOLO, 2006, p.138). Tomando esse pressuposto como nosso ponto de partida, a meta do artigo é desenvolver uma análise da primeira trilogia Star Wars. Star Wars é o título de uma franquia de ficção científica estadunidense idealizada por George Lucas. A franquia conta com uma série de sete filmes – o oitavo será lançado em dezembro de 2017 – e um spin-off. O primeiro filme da série foi lançado apenas com o título Star Wars em 25 de maio de 1977 e, apesar de ser primeiramente desacreditado pela crítica, se tornou um sucesso inesperado, conquistando fãs por todo o mundo.

A trilogia clássica (1977-1983) será trabalhada neste artigo, devido à sua importância para a cultura popular estadunidense e todo seu impacto ao redor do mundo. Objetiva-se analisar como a trilogia retrata a efervescência cultural, política e social dos Estados Unidos das décadas de 1960 e 1970, à luz do pensamento crítico de Douglas Kellner no livro Cinema Wars: Hollywood Film and Politics in the Bush- Cheney Era (2010).

Segundo Russo (2014), além de sua representatividade histórica, a trilogia dinamizou a economia cinematográfica, dado que teve uma arrecadação total de US$ 4,538 bilhões, com uma média de US$ 378,2 milhões por filme, contando todas as suas produções, filmes e animações. A partir destes dados, evidenciava-se naquele período uma nova época em Hollywood, com um novo processo cultural e uma nova representatividade e importância do cinema no cotidiano das pessoas.

O gênero dos filmes é, de certa maneira, controverso. O autor da saga, George Lucas, classificou-os como “ópera espacial” e, nos sites especializados em cinema do mundo todo, vemos Star Wars classificada tanto como ficção-científica como fantasia espacial, justamente por ter elementos dos dois gêneros, ou por ser uma mescla de ambos. De uma forma geral, o enredo de Star Wars conta com os sombrios seres malignos conhecidos como Sith, os quais orquestram a derrubada da república democrática que comandava a galáxia, transformando-a em um Império fascista e opressor, enquanto uma rebelião tenta combatê-los com a ajuda das contrapartes

mídia nos Estados Unidos tem sido um campo de batalha entre grupos sociais concorrentes, com alguns filmes que promovem posições liberais ou radicais, e outros reproduzindo visões conservadoras. A dinâmica cultural atua de diferentes maneiras e possui várias dimensões em todas as áreas da sociedade internacional, relacionando-se como uma mistura de diversos elementos estruturais de base no processo das relações internacionais. Segundo Kellner (2010), muitos filmes, no entanto, são politicamente ambíguos, exibindo uma mistura contraditória de motivos políticos ou até tentando ser apolíticos. Por este motivo, um estudo cultural das relações internacionais, tendo como objeto uma produção artística de um país tão relevante no sistema internacional como os Estados Unidos, se faz justificado à medida que revela como a cultura reflete e afeta o desenvolvimento humano.

Teoricamente, nossa hipótese articula-se a partir da obra de Douglas Kellner (2010), tendo em vista um dos apontamentos de seu livro que se refere à eleição fraudulenta de 2000, que causou oito anos de políticas de extrema direita no governo dos Estados Unidos, cujas consequências ainda são sentidas pelos americanos. O autor cita que a má gestão do governo Bush culminou na crise econômica de 2008, com a Guerra ao Terror, a incompetência estatal na época do Furacão Katrina e a malsucedida guerra do Iraque. Assim, toda a turbulência política, social e cultural do período foi mostrada nos filmes hollywoodianos dos anos 2000, de acordo com Kellner.

Tomando por base os apontamentos supracitados, este trabalho será orientado pela hipótese de que os filmes Star Wars são um retrato alegórico de seu tempo e traduzem de forma cinematográfica a agitação social, cultural e política dos EUA nas décadas de 1960 e 1970, como os movimentos beatnick e hippie, a Guerra do Vietnã, o movimento dos direitos civis, dentre outros acontecimentos importantes. Por terem sido lançados num período de tamanha conturbação cultural, podemos identificar metáforas nos episódios IV, V e VI da franquia, como, por exemplo, a juventude da contracultura representada pela Aliança Rebelde e os guerreiros Jedi, visto que, tanto na realidade quanto na ficção, temos um grupo que luta por ideais de paz. Da mesma forma, o temido Império Galáctico pode ser encarado como o próprio governo dos EUA, visto que ambos possuem os recursos econômicos, tecnológicos e militares para exercer hegemonia sobre o lugar em que estão inseridos.

Objetiva-se, de forma geral, analisar e debater o argumento de Kellner em sua obra, aplicando-o às décadas de 1960 e 1970 nos Estados Unidos, representadas de

forma simbólica na trilogia original Star Wars, de George Lucas. Descritos como “complexos, com múltiplas camadas e abertos a várias leituras” pelo autor, os filmes Star Wars figuram como “indicadores sociais das realidades de uma era histórica, à medida que cineastas usam de eventos, medos, fantasias e esperanças de uma era, dando expressão cinemática a experiências sociais e realidades” (KELLNER, 2010, p. 4).

O presente trabalho será disposto da seguinte maneira. Primeiramente introduziremos nossa fundamentação teórica explicitando os processos e ferramentas bibliográficas utilizadas para a produção do artigo. Em seguida, apresentaremos uma breve contextualização histórica dos Estados Unidos na época de produção e lançamento dos filmes. Logo após tal contextualização, conduziremos a análise de cada um dos filmes, relacionando cada um com o seu período histórico. Finalmente, apresentamos as considerações finais.

  1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA E METODOLÓGICA Segundo Cornachioni (2016), o cinema contemporâneo teve o filme Tubarão, de 1975, como um ponto de inflexão. O filme de Steven Spielberg foi o primeiro blockbuster da história do cinema e criou conceitos que começaram a redefinir a sétima arte, como produção voltada para o entretenimento, além do investimento pesado no marketing para promover a obra. Entretanto, a chamada revolução em “antes e depois” do cinema só se completou em 1977, quando George Lucas lançou Star Wars Episódio IV: Uma Nova Esperança que, na época, se chamava apenas Star Wars. Tubarão, Star Wars e a saga dos Jedi criou o costume existente até hoje de se “consumir” um filme em outros formatos e outras mídias, além de implementar novos comportamentos na sociedade moderna no que tange à forma como as pessoas se relacionam com o entretenimento. Além de estruturar seus filmes de forma não usual e que caiu no gosto do mundo todo, George Lucas ainda embasou sua história no conceito – hoje comum – do Monomito, ou, como também é conhecido esse postulado, a Jornada do Herói, o que ajudou ainda mais a saga a tornar-se um sucesso e angariar fãs de todas as idades e classes sociais. No seu artigo O conceito de monomito como ferramenta de análise narratológica, Otávio Xavier (2009) aponta que a Jornada do Herói é um conceito de rito cíclico estabelecido pelo mitólogo Joseph Campbell em seu livro O Herói de Mil Faces (The Hero with a Thousand Faces – 1949). Na obra, Campbell basicamente

significante e significado. Desse modo, dizemos que o homem não se defronta imediatamente com a realidade, pois a sua percepção é gerenciada pelo simbolismo que o faz se relacionar com a realidade pelas representações que dela faz. Então, dizemos que a realidade social humana é construída em processos de semiose (CASAROLI E PERULOZZO, 2008, p.5). No livro Cinema Wars, Kellner (2010) apresenta múltiplas abordagens cinematográficas do cinema hollywoodiano, para assinalar as similaridades entre filmes, política e as particularidades da sociedade e cultura norte-americanas. Assim escreve:

Cinema Wars apresenta o cinema de Hollywood, a cultura e a sociedade dos EUA como um terreno contestado e tenta elucidar os conflitos políticos da era. Além de discutir filmes que articulam o conservadorismo e o militarismo de Bush-Cheney, envolve filmes que apresentam crítica e oposição à administração reinante Bush-Cheney e destaca batalhas políticas sobre a política e a sociedade, incluindo a guerra, o terrorismo, o meio ambiente, as corporações e o estado, além da política da raça, do gênero e da sexualidade. Desde a década de 1960, todas essas questões foram suscitadas nos Estados Unidos e se tornaram cada vez mais consequentes à medida que as políticas de administração de Bush-Cheney aumentaram as diferenças entre os ricos e pobres, e reduziram os programas ambientais, os programas de assistência social e os direitos das mulheres, pessoas de cor, gays e lésbicas, enquanto desencadearam o militarismo e violaram o direito internacional em nome da luta contra o terrorismo. À medida que a administração Bush-Cheney assumiu uma agenda agressivamente de direita e militarista que dividiu profundamente a sociedade dos EUA, houve uma maior contestação para e contra as políticas ultraconservadoras, lutas evidentes nos filmes de Hollywood do período (KELLNER, 2010, p.33, tradução nossa). A maior contribuição teórica desta obra para a constituição da presente análise está centrada na importância de se estudar filmes como ferramentas para a compreensão da realidade social. De acordo com Kellner (2010), filmes são um indicador social particularmente esclarecedor das realidades de um período histórico, uma vez que uma enorme quantidade de recursos é investida na pesquisa, produção e comercialização dos mesmos. Os roteiristas e diretores trabalham com fatos, medos, fantasias e esperanças de uma época e dão expressão artística para experiências e realidades sociais. Em alguns casos, as narrativas são inventadas particularmente para representar figuras políticas e eventos da era em que são criados. Para o referido autor, enquanto filmes populares e premiados geralmente colocam nos seus enredos informações sobre a dinâmica sociopolítica do momento, às vezes filmes menos convencionais apresentam problemáticas ideológicas e são socialmente reveladores, retratando fenômenos não aceitáveis no cinema convencional, como violência e sexualidade. Pode-se também encontrar insights progressivos em filmes apontadamente reacionários e momentos conservadores em filmes relativamente liberais. De uma forma geral, o cinema é uma forma de visão que oferece formas

alternativas de se compreender a realidade, seja reproduzindo modos convencionais de se ver e experimentar o mundo, ou permitindo que alguém perceba coisas que a maioria não viu ou experimentou. Existe também uma importante dimensão auditiva para os filmes, de modo que o público às vezes pode enxergar, ouvir e experimentar as coisas de forma diferente, de outra perspectiva, ampliando assim a sua gama de visão e experiência do contexto em que está inserido. Kellner (2010) ainda aponta que o cinema enquadra o mundo e traz para sua obra uma fala cunhada por Cavell em 1971 de que o cinema oferece para seus espectadores "um mundo visto", representando ação e movimento e, portanto, fornece panoramas de tempo e vistas da história. O cinema pode enfocar a visão em aparências externas, ou fornecer críticas e visões mais profundas de seres humanos, relações sociais ou processos históricos, assim como fizeram muitos dos melhores filmes contemporâneos. A interpretação alegórica crítica requer a busca das condições sociais e experiências por trás da sua representação cinematográfica. De acordo com Walter Benjamin (1969), formas culturais como filmes podem fornecer "imagens dialéticas" que iluminam seus ambientes sociais. Os filmes proporcionam, assim, iluminação do momento contemporâneo através de suas imagens, cenas e narrativas; são movimentos de estilo, inovação, contestação e resistência, portanto, suas leituras podem envolver-se com a dimensão estética que varia desde a análise da forma e do estilo cinematográfico até filosofia e visões da vida. Kellner também discute em sua obra que, em virtude de seu estilo e forma, filmes inovadores podem apresentar visões de uma vida melhor, além de fornecer uma visão crítica do momento presente, ou iluminação filosófica da existência humana. Os filmes, potencialmente, têm uma dimensão utópica que permite que o público transcenda as limitações de sua vida e tempos atuais para prever novas formas de ver, viver e ser. Eles também podem projetar visões idealizadas de um mundo melhor, fornecendo ideias que, quando criticamente descodificadas, podem gerar insights sobre as problemáticas e lutas ideológicas de sua era. Em suma, filmes são uma parte crucial das culturas contemporâneas e são incorporados nas dimensões econômicas, políticas, sociais e culturais fundamentais de um período atual. Eles levantam questões e podem provocar debates sobre relevantes preocupações do momento presente. Os filmes contemporâneos, por exemplo, levantam importantes debates sobre tecnologia de vigilância, política de identidade,

linguagem é uma maneira imparcial de se descrever a realidade. Esse método admite o poder da linguagem de construir socialmente os discursos políticos que movem diferentes épocas da história mundial. Com relação à abordagem analítica do trabalho, empreende-se uma análise de imagens em movimento. O audiovisual engloba imagens, símbolos e diversas técnicas para se analisar o conteúdo e forma de um filme, por exemplo. O processo envolve a ação de traduzir, o que pode acabar em uma simplificação do que é proposto na obra em questão. Segundo Gill (2002), é um trabalho que envolve escolhas, tomadas de decisão que resultam em incluir e excluir elementos de roteiro, efeitos especiais, entre outros, dependendo da orientação teórica que está sendo seguida.

Como em toda análise está envolvida uma interpretação, é praticamente impossível ser totalmente fiel ao apresentado nas imagens e sons, portanto o analista deve explicitar os recursos utilizados na simplificação feita. Por representar uma interação entre a linguagem e o referencial de codificação, a análise torna-se, então, uma tradução de uma língua para outra. Dentre os vários métodos para o estudo de imagens em movimento, temos a transcrição da fala, com elementos de inflexão e cadência, mas também a análise de elementos visuais – as dimensões não verbais – da comunicação. Para Gill (2002), há uma série de passos na análise de textos audiovisuais:

Escolher um referencial teórico e aplicá-lo ao objeto empírico; selecionar um referencial de amostragem com base no tempo ou no conteúdo; selecionar um meio de identificar o objeto empírico no referencial de amostragem; construir regras para a transcrição do conjunto das informações visuais e verbais; desenvolver um referencial de codificação baseado na análise teórica e na leitura preliminar do conjunto de dados que inclua regras para a análise, tanto do material visual, como do verbal, que contenha a possibilidade de desconfirmar a teoria, que inclua a análise da estrutura narrativa e do contexto, bem como das categorias semânticas; aplicar o referencial de codificação aos dados, transcritos em uma forma condizente com a translação numérica; construir tabelas de frequências para as unidades de análise, visuais e verbais; aplicar estatísticas simples, quando apropriadas e selecionar citações ilustrativas que complementem a análise numérica (GILL, 2002, p. 362). Assim, com base na fundamentação teórica e metodológica acima apresentadas, podemos enfim partir para a contextualização histórica dos Estados Unidos nas décadas de 1960 e 1970.

  1. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA Segundo o historiador Hobsbawm, em sua obra A Era dos Extremos: o breve século XX (1914-1991), a grande singularidade da Guerra Fria era que não existia perigo

de outra guerra mundial, pois os governos das duas grandes potências daquele período, URSS e EUA, haviam aceitado a divisão de poderes, mesmo que de forma desigual, sem contestação. No que se refere a este contexto político, esclarece:

A URSS controlava uma parte do globo, ou sobre ela exercia predominante influência — a zona ocupada pelo Exército Vermelho e/ou outras Forças Armadas comunistas no término da guerra — e não tentava ampliá-la com o uso de força militar. Os EUA exerciam controle e predominância sobre o resto do mundo capitalista, além do hemisfério norte e oceanos, assumindo o que restava da velha hegemonia imperial das antigas potências coloniais. Em troca, não intervinha na zona aceita de hegemonia soviética (HOBSBAWM, 1995, p. 223). Desta forma, o autor afirma que houve um período de estabilidade política e manutenção da paz mundial, em que as duas superpotências tentavam resolver suas questões territoriais sem motivar suas Forças Armadas. Entretanto, segundo o historiador, ambos os países desenvolveram suas armas nucleares e “utilizaram da ameaça nuclear por muito tempo, para acelerar algumas negociações: os EUA na negociação de paz na Coreia e no Vietnã (1953-54) e a URSS para forçar a Grã- Bretanha e França a retirar-se de Suez em 1956” (HOBSBAWM, 1995, p. 226). Foram muitos anos de tensão para várias gerações, mas, segundo o historiador, os EUA estavam mesmo preocupados em cuidar para que não houvesse outra Grande Depressão muito mais do que tentar evitar uma outra guerra. Ademais, segundo Hobsbawm, alimentar a ideia de um inimigo externo era conveniente ao governo dos EUA, que precisava ganhar votos no Congresso para as eleições presidenciais e parlamentares. A questão política não era o medo da dominação mundial comunista, mas a manutenção da supremacia americana concreta. De forma geral, Hobsbawm afirma que:

Os anos 60 e 70 na verdade testemunharam algumas medidas significativas para controlar e limitar as armas nucleares: tratados de proibição de testes, tentativas de deter a proliferação nuclear (aceitas pelos que já tinham armas nucleares ou jamais esperaram tê-las, mas não pelos que estavam construindo seus próprios arsenais nucleares, como a China, a França e Israel), um Tratado de Limitação de Armas Estratégicas (SALT) entre os EUA e a URSS, e mesmo alguns acordos sobre os Mísseis Antibalísticos (ABMS) de cada lado. Mais objetivamente, o comércio entre os EUA e a URSS, politicamente estrangulado de ambos os lados por tanto tempo, começou a florescer à medida que os anos 60 desembocavam nos 70 (HOBSBAWM, 1995, p. 239). Neste contexto de ameaça constante de guerra, surgiram diversos movimentos pelo mundo todo, tendo como pauta a luta contra as armas nucleares e contra o recrutamento de jovens americanos para a guerra no Vietnã (1959-75). Segundo Luís

eram tomados por jovens hippies e, pouco tempo depois, um dos mais conhecidos, Woodstock (1969), marca o auge do movimento da contracultura e do movimento hippie nos EUA (Groppo, 2004). Segundo Groppo (2004, p. 71):

Para muitos, realizou-se uma acomodação definitiva entre a dialética da juventude e a sociedade capitalista contemporânea, ou “pós-moderna”. Contudo, outras mobilizações socioculturais autônomas da juventude, nem sempre com a mesma publicidade conquistada pelos hippies, iriam se dar, muitas vezes rejeitando exatamente esta absorção funcional da revolta juvenil pelo mercado de consumo e pela indústria cultural, proclamando uma necessária retomada criativa dos espaços para o lazer. Da violência dos punks nos anos 1970 às raves em ruas públicas protagonizadas pelo “Reclaim the Streets” (Retome as ruas) nos anos 1990 (...). Ademais, cabe ressaltar ainda o surgimento e fortalecimento do movimento negro que também se institui sob a filosofia da contracultura entre as décadas de 1960 e 70 nos EUA, e lutava contra a violência nos guetos, o racismo e as injustiças sociais contra a população negra. De acordo com a historiadora Neliane Maria Ferreira (2005), em seu artigo intitulado Paz e Amor na Era de Aquário: a Contracultura nos Estados Unidos, uma das principais características do movimento negro foi usar da religião e do canto gospel para manifestar as injustiças sofridas:

Entre os negros, a religião tinha basicamente duas funções: levar conforto e relaxamento e, ao mesmo tempo, dar força para enfrentar situações. Martin Luther King utilizava de seus sermões para aprimorar a cultura dentro da realidade em que viviam. As igrejas também constituíam um espaço para se discutir suas condições de vida. Foi nesse âmbito, do canto gospel, que a musicalidade negra se desenvolveu, surgindo dali o blues e o jazz, músicas de lamentos e histórias de vidas. Além da música, foi também a partir da religião que os negros começaram a politizar-se e a lutar contra sua realidade, formando grupos para sua própria defesa e começando a se interessarem mais por seus direitos e deveres (FERREIRA, 2005, p.75). Ademais, a autora afirma que o contexto da contracultura pretendia ser contra- revolucionário, mas foi, ao mesmo tempo, revolucionário, e o aspecto revolucionário se justifica pela luta dos negros, mestiços, estudantes, beatniks, hippies e intelectuais da juventude estadunidense. Foi nesse contexto social, político e cultural que George Lucas começou a idealizar a franquia Star Wars. Tendo seu primeiro filme lançado em 1977, logo após a derrota para o Vietnã, temos que o momento histórico conturbado foi, de alguma forma, traduzido na saga de maneira brilhante e inovadora, como será mostrado na seção seguinte do artigo.

  1. ANÁLISE E DISCUSSÃO No Episódio IV: Uma Nova Esperança, temos a história da princesa Leia Organa, que é presa por fazer parte da resistência e também por roubar os planos do

projeto secreto imperial, a Estrela da Morte. Mas antes que Darth Vader consiga pegar os planos, Leia os coloca no dróide R2-D2 e, ao lado de C-3PO, ele vai atrás de Obi- Wan Kenobi. É nesse momento que conhecemos Luke Skywalker, um jovem que sempre quis sair de Tatooine e conhecer o universo, mas foi impedido pelos tios, que temiam que o garoto se tornasse como o seu pai, Anakin Skywalker. Mais tarde, nos outros filmes da franquia, Luke é treinado pelo mestre Yoda e se torna um grande Jedi. Com um roteiro futurista, Star Wars conquistou o público mundial não somente pela história, mas por apresentar um universo surreal e transformá-lo em algo verossímil aos olhos do público. Além disso, personagens humanos se misturam com outras criaturas de maneira convincente, como é o caso de Han Solo e o seu companheiro, Chewbacca. Há também a presença de muitos personagens com perfil carismático, como é o caso de Luke, o herói do filme, Leia e também os droides. Até mesmo Darth Vader, um vilão icônico para o mundo do cinema, consegue transparecer certo carisma. Ele é um vilão que, na verdade, também pode ser considerado um herói. Isso se deve ao fato de como sua trajetória se desenvolve ao longo da história contada na trilogia prequela. Anakin é mostrado como um talentoso jedi aprendiz, que é seduzido pelo lado negro da força por motivos passionais. Ele se considera incompreendido pelo mestre Obi-Wan Kenobi e tem seu título de cavaleiro jedi rejeitado pelo conselho de mestres. Insatisfeito, ele é convencido pelo imperador Palpatine a se juntar ao lado negro da força. Porém, fica sugerido no enredo que Anakin só seguiu o conselho de Palpatine para tentar salvar sua esposa – a princesa Padmé – a qual aparecia para ele em sonhos, correndo perigo. Assim, por ter se tornado mau por um motivo aparentemente nobre, Anakin (ou Darth Vader) figura como um tipo incomum de vilão. A saga Star Wars consegue alcançar pessoas de diferentes orientações políticas. Seu apelo é universal e, por isso, conquistou fãs no mundo todo. Na época do lançamento do primeiro filme, críticos de cinema e o próprio estúdio não acreditaram em seu potencial, chegando a declarar que o projeto estava fadado ao fracasso. Contudo, ele acabou sendo um sucesso, rendendo dois filmes na sequência, além da trilogia dos anos 2000 e uma nova trilogia a partir de 2015, tendo seu segundo filme a ser lançado no final de 2017. Um filme independente da história principal também foi lançado em 2016, Rogue One. Seu enredo é importante para se entender e contextualizar os acontecimentos do Episódio IV Uma Nova Esperança, o primeiro a ser lançado.

vista como uma antecipação do conservadorismo e militarismo do regime Reagan, bem como sua articulação entre religião e política. Até o empreendedorismo individual do período tem espaço nos filmes, sendo representado pela figura de Han Solo. De acordo com sua biografia, a personagem nasceu no planeta Corellia durante os anos da República Galáctica. Ele ficou órfão em uma idade bastante jovem, tendo como alternativa uma vida de crime a fim de sobreviver os perigos da galáxia. Em algum momento, ele adquire uma nave estelar e se torna um piloto excepcional. Solo começa a trabalhar fora das leis do Império Galáctico, iniciando uma carreira em contrabando. Ele eventualmente encontra Chewbacca, que se torna primeiro oficial em sua nave e grande amigo de Han Solo. Ambos, em algum momento, conhecem o auto-proclamado "empresário galáctico" Lando Calrissian, de quem ganham a nave Millennium Falcon. A nave se torna o grande bem de Han Solo e, ao lado de Chewbacca, ele se engaja em muitas operações perigosas e arriscadas de contrabando. Além de possuir esse histórico, Han é retratado nos filmes como um trabalhador autônomo, que tem iniciativa, assume riscos e exerce liderança em vários momentos da trilogia. Por esses motivos, ele pode ser considerado como uma representação do empreendedorismo individual dos Estados Unidos da década de 1970.

A primeira trilogia veio depois da derrota para o Vietnã, num período de exacerbação da Guerra Fria. Nesse contexto, George Lucas foi capaz de prover narrativas que colocaram essas questões contemporâneas, como medos, preocupações, conflitos sociais, de uma maneira a atrair a audiência das massas. Nesse sentido, após esses comentários gerais, podemos nos debruçar sobre cada um dos filmes.

4.1.Episódio IV Uma Nova Esperança O primeiro episódio lançado da saga não consiste no início da história que estava sendo contada. Assim, fez-se necessária uma contextualização dos acontecimentos do filme, para esclarecimento dos espectadores. No letreiro, que explica o contexto da história, temos que o período é de guerra civil e de luta dos rebeldes contra o maligno Império Galáctico. Esta consiste numa metáfora para o contexto dos Estados Unidos e do mundo nas décadas de 1960 e 1970: instabilidade política, guerra do Vietnã, movimento hippie e dos direitos civis, protestos e um governo corrupto nos Estados Unidos, o de Richard Nixon, que acabou sofrendo o impeachment.

Uma cena importante é a que mostra Luke Skywalker, órfão, morando com os tios, num diálogo em que expressa seu descontentamento em morar num planeta quase deserto, apenas ajudando-os com a colheita. Ele queria se mudar de lá, estudar em outro planeta, participar da rebelião contra o Império, como seus amigos. Mas seu tio insiste que ele permaneça lá, auxiliando-o.

Figura 1 – Diálogo entre Luke e seus tios

Fonte: Star Wars, Lucasfilm, 1977

Esse momento pode ser interpretado como fazendo alusão ao descontentamento da juventude norte-americana na década de 1960, o que deu origem ao movimento beatnik, construído por um grupo de jovens que subvertem o padrão literário estabelecido. O movimento teve como destaques Allen Ginsberg e Jack Kerouac. De acordo com Groppo (2004), na sua obra chamada On the road, Kerouac escreve em prosa espontânea, uma técnica que ele denomina como fluxo de consciência, característica que a geração beat tenta adaptar à sua produção artística. O livro parte da ideia de liberdade, viajando pelas regiões dos EUA e do México. A obra de inspiração autobiográfica transporta o leitor para uma profunda análise perceptiva de valores, conceitos, indagações, filosofia, antropologia entre outras questões, imerso no mais profundo hedonismo, utilizando álcool, drogas e apreciando os prazeres sexuais. Esse conceito foi mais tarde incorporado pela geração hippie, na década de 1970.

Figura 2 – Luke e Obi-Wan encontram Han Solo na cantina

Fonte: Star Wars, Lucasfilm, 1977

Assim surge Han Solo, um conhecido contrabandista e ótimo piloto, representando a figura do empreendedor norte-americano. Incentivados pela pouca burocracia e pela facilidade de se obter boas linhas de crédito, os americanos não tem medo de se arriscar e empreender, sendo que a nação tem como uma de suas marcas a “cultura do empreendedorismo”. Na metade final do filme, o foco está na trajetória do grupo rebelde na nave imperial Estrela da Morte, onde está o agente supremo do Império, Darth Vader. Os personagens Luke Skywalker, Obi-Wan Kenobi, Han Solo e seu parceiro fiel Chewbacca, além dos dróides R2-D2 e C-3PO, estão infiltrados na missão de resgatar a prisioneira Princesa Leia e levá-la à base da chamada Aliança Rebelde, tendo em mãos a planta da Estrela da Morte, de modo que os rebeldes encontrem o ponto fraco da estação espacial, possibilitando sua destruição. Assim, o foco da história recai, nesse momento do filme, na rebelião contra o Império Galáctico, que pode ser visto como uma representação dos movimentos rebeldes nos Estados Unidos a partir do início da Guerra do Vietnã, que englobam tanto os movimentos beatnick e hippie, quanto às rebeliões estudantis de 1968 e a luta do movimento negro e dos direitos civis da década de 1960, perdurando até a década de 1980.

Figura 3 – Luke Skywalker e Han Solo resgatam a Princesa Leia na Estrela da Morte

Fonte: Star Wars, Lucasfilm, 1977

No seu livro O Mundo Segundo Star Wars (2016), Cass R. Sunstein traz que a franquia enfoca a natureza e destino das rebeliões. Muitos rebeldes começam com elevados ideais. Contudo, ao alcançarem o poder, podem acabar substituindo o idealismo por pragmatismo ou pela busca pelo poder. Na seção “Rebeldes Conservadores”, ele compara o ativista dos direitos civis Martin Luther King Jr. com o personagem Luke Skywalker, dizendo que ambos são rebeldes do mesmo tipo, conservadores, mas que são eficazes porque tocam o coração das pessoas, conectando- as a seu passado e ao que elas mais apreciam. Martin Luther King Jr. buscou uma mudança fundamental, mas conhecia muito bem o poder das relações entre as gerações. Martin Luther King Jr. alegou continuidade com as tradições, enquanto ajudou a produzir radicalmente novos capítulos da história dos Estados Unidos. Esse importante líder também pode ser comparado com o personagem Obi-Wan Kenobi, que na sua luta com o vilão Darth Vader, é “morto”, porém continua vivo numa forma que transcende a matéria, ainda guiando Luke Skywalker na sua jornada. Mesmo assassinado em 4 de abril de 1968, seus ideais continuaram inspirando as gerações seguintes. E mesmo tendo tomado um rumo diferente nas décadas de 1970 e 1980, o movimento negro sempre teve como pai a figura do pastor e ativista. As personagens que ganham destaque no final do filme representam os diversos tipos de pessoas que participaram dos movimentos rebeldes nos Estados Unidos a partir