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Guias e Dicas
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Enraizando a Comunicação Evangélica na Cultura Local, Notas de aula de Teologia

Este documento discute a importância de adaptar a comunicação do evangelho às culturas locais, enfatizando a necessidade de enraizar a mensagem bíblica na teologia revelada nas escrituras sagradas. Além disso, avisa sobre os perigos do pragmatismo e a necessidade de se basear na fidelidade bíblica na comunicação intercultural. O texto também apresenta a importância da revelação de deus em toda a escritura e a necessidade de uma apresentação mais abrangente e unificada do evangelho.

O que você vai aprender

  • Por que a aceitação ou rejeição do evangelho pelo público não deve ser baseada em sua compreensão?
  • Qual é a necessidade de se usar uma apresentação mais abrangente e unificada do evangelho?
  • Qual é a fonte de verdade sobre o evangelho de Deus?
  • O que é o segundo perigo na comunicação intercultural?
  • Qual é a importância de enraizar a comunicação do evangelho na teologia bíblica?

Tipologia: Notas de aula

2022

Compartilhado em 07/11/2022

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usuário desconhecido 🇧🇷

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Análise cultural e
teologia bíblica temática
Uma abordagem de comunicação do evangelho
em ambiente intercultural
Ronaldo Lidorio
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Análise cultural e

teologia bíblica temática

Uma abordagem de comunicação do evangelho

em ambiente intercultural

Ronaldo Lidorio

Este artigo não reflete, necessariamente, a posição do Centro de Reflexão Missiológica Martureo. Representa uma parte do pensamento evangélico brasileiro e/ou mundial em relação a diferentes aspectos da Missão e publicamos aqui com o intuito de contribuir para a nossa reflexão como movimento missionário.

de de Deus sobre o ser humano e sua socie- dade, como revelado nas Escrituras (2 Tm 3.16);

  • multicultural, pois atrai a Cristo pessoas de todas as nações e culturas (Ap 5.9);
  • intercultural, pois essas pessoas, redimidas, formam a igreja, um só corpo no Senhor Jesus (Cl 3.11);
  • cultural, pois foi revelado em Jesus, Deus encarnado, em nossa história e tempo (Jo 1.14);
  • transcultural, pois deve ser levado de uma cultura para outra cultura pela obra mis- sionária (At 1.8);
  • e contracultural, pois encontra e confronta o ser humano, promovendo verdadeira e eter- na transformação (At 26:18).

No intento de comunicar o evangelho de for- ma teologicamente fiel e almejando a inteli- gibilidade e aplicabilidade cultural, há dois movimentos que precisam ser estabelecidos: da salvaguarda teológica e da contextualização.

Quanto à salvaguarda teológica, h átrês perigos quando o evangelho écomunicado sem uma fundamentação teológica. O primeiro é a imposição, que ocorre quando as palavras do evangelho são inseridas como moeda de tro - ca com o povo local, proclamando a bandeira institucional e não a Palavra; a liderança ecle - siástica e não a Cristo. As consequências são desastrosas, sendo o sincretismo e o nominalis- mo talvez as mais comuns. O segundo perigo é o pragmatismo, sobretudo quando iniciativas missionárias são definidas pelo resultado, não pela fidelidade bíblica; pelo alvo numérico do projeto e não pela expectativa do evangelho transformar vidas. Iniciativas pragmáticas vi - sam adesão social, enquanto as bíblicas têm como alvo a transformação pessoal. O tercei - ro perigo éo hedonismo, que ocorre quando a igreja usa uma interpretação puramente so - ciológica, e não a Palavra, para compreender as necessidades humanas. Nesse caso, os temas

culturais e não teológicos modelam a aborda - gem missionária e, assim, o desejo por justiça social ultrapassa os valores e alvos do evange- lho. Nesse caso, a bandeira éa sociedade e não Cristo (Lidorio 2007:60). Quanto à contextualização, apesar de o evan - gelho ser multicultural e transtemporal, as per- guntas humanas às quais o evangelho responde são formuladas e experimentadas no ambiente da cultura (Newbigin 1989:141-142). Contex- tualizar o evangelho écomunic á-lo de forma que o senhorio de Cristo não seja apenas um princípio abstrato, mas um fator determinante da vida em todas as suas dimensões (Nicholls 1983:73-74).

A comunicação do evangelho deve acontecer de forma inteligível, tendo em mente os códigos linguísticos e culturais do público. As pessoas devem perceber o evangelho como mensagem de Deus para eles, em seu próprio mundo, vi - são de mundo e vidas diárias. Assim, a aceitação ou rejeição do evangelho pelo público não deve acontecer por ter sido mal compreendido, mas, inversamente, por ter sido plenamente com- preendido, debaixo da graça e vontade de Deus. A comunicação do evangelho deve ser avaliada à luz de sua qualidade, a fidelidade à Palavra, e, ao mesmo tempo, deve ser plenamente aplicá - vel e reproduzível para quem o ouve (Nicholls 1983:73-75; Hiebert 1999:186-190). Este estudo possui dois pressupostos essenciais sobre o assunto. Primeiramente, o evangelho é suficiente para todos, seja em contexto urbano ou tribal; do passado ou presente; acadêmico ou não acadêmico. Segundo, o evangelho é apresentado pelas Escrituras Sagradas e somen- te elas são a fonte de verdade sobre o evangelho de Deus.

Este estudo primeiramente abordará a comu - nicaçã o intercultural, apresentando uma estru - tura funcionalista-interpretativista a ser usada para a aná lise cultural no estudo de caso, o

povo Konkomba de Gana. Logo depois, serã o apresentados três modelos missioló gicos para a comunicaçã o intercultural do evangelho, destacando quatro semelhanç as entre os mo - delos que serã o utilizadas no desenvolvimento da abordagem de comunicaçã o do evangelho proposta.

2. Comunicação intercultural

Shaw e Van Engen (2003: 103) defendem que os missionários, muitas vezes, perdem a cone - xão entre a proclamação do evangelho e as teo - rias da comunicação, e afirmam a necessidade crucial de se estudar e praticar sua missão va - lendo-se dos princípios culturais e comunica- cionais.

A comunicação intercultural éuma linha de es - tudo que pertence tanto à teoria da comunica- çã o quanto à análise cultural, pois combina as duas áreas. Ting-Toomey (1999: 272) propôs que a comunicação intercultural ocorre quando indivíduos, influenciados por diferentes comu- nidades culturais, negociam significados.

Gudykunst (2003: 163-166) explicou que al- guns estudiosos se referem à comunicação in - tercultural como um fenômeno que ocorre expressamente entre pessoas de diferentes na- cionalidades, enquanto outros ampliam o con- ceito à comunicação que ocorre entre represen - tantes de diferentes grupos étnicos, religiosos ou regionais. Os autores desse último grupo defendem que qualquer encontro de indivíduos pode ser compreendido como um encontro in- tercultural.

A atual definição da comunicação intercultu - ral foi alterada ao serem inseridos valores aca- dêmicos, antropológicos e científicos em sua conceituação e experiência, conforme expresso em obras como Beyond Culture [ Além da Cul- tura ] (Hall 1976), Communicating with Stran- gers [ Comunicação com Estranhos ] (Gudykunst and Kim 1997), Communicating across Cultures

[ Comunicação entre Culturas ] (Ting-Toomey 1999), Handbook of Intercultural and Interna- tional Communication [ Manual de Comunica- ção Intercultural e Internacional ] (Gudykunst and Bella 2002) and Cross-Cultural and Inter- cultural Communication [ Comunicação Intercul- tural e Intercultural ] (Gudykunst 2003). Segundo Hiebert (2008: 14-15), a intercultu- ralidade emerge do movimento entre culturas, não necessariamente da diversidade cultural. Desse modo, a interculturalidade pode ser en- tendida como tudo o que ocorre a partir do encontro de culturas. Por um lado, o encontro de culturas édestacado por meio da construção das ciências sociais, da medida da diferenciação linguística e sociocultural dentre os diferentes grupos; mas, por outro lado, também coloca em discussão as suas semelhanças.

A construção do conceito da comunicação in - tercultural encontra lugar comum junto à base de conhecimento sobre os conceitos de cultura e semiótica para explicar os fundamentos teó - ricos da comunicação entre culturas com suas trocas de símbolos e ideias. Assim, entende-se que a comunicação intercultural éo processo de uma troca de movimentos simbólicos, en - volvendo diferentes padrões culturais, que re- sulta no entendimento mútuo.

2.1 Estrutura funcionalista-interpretativista No ambiente da interculturalidade, Schultz e Hatch, no artigo “Vivendo com Múltiplos Para- digmas: O Caso da Interação Paradigmática nos Estudos de Cultura Organizacional” (1996), re- fletiram nos estudos de Burrell e Morgan (1979), Gioia e Pitre (1990), Hassard (1988), Parker e McHugh (1991), Weaver e Gioia (1994) e Will- mott (1990), e apresentaram uma nova estra- tégia chamada Paradigm Interplay [Interação entre Paradigmas], sugerindo que os paradig- mas para estudos culturais não só poderiam ser comparados como também aplicados de manei- ra intercambiável em diferentes áreas.

do evangelho; e dos destinatários contempo - râneos. Ele foi projetado para colaborar com uma hermenêutica eficaz para se comunicar o evangelho em um contexto intercultural (Shaw e Van Engen 2003: 82-95).

Quatro horizontes são destacados: (1) Deus, (2) o contexto particular no qual Deus falou, (3) o contexto do comunicador e, finalmente, (4) o contexto dos novos destinatários. Esse mode - lo afirma que novas informações de contextos específicos podem trazer novas perspectivas co- municacionais e aplicativas para os textos bíbli- cos (Shaw e Van Engen 2003: 97). Os autores afirmam que o evangelho sempre será comuni - cado em um contexto particular, e entendido em uma matriz cultural específica, de modo que todos os horizontes devem ser levados em consideração ao proclamar o evangelho (Shaw e Van Engen 2003: 98).

O segundo modelo foi desenvolvido por Chris- teena Alaichamy (1997), denominado Modelo Tridimensional. Ela propõe que a comunicação deve ocorrer em três partes: acoplamento, co- munalidade e ponte. O acoplamento conecta a mensagem às suposições dos destinatários, me - diando entre o conteúdo e os destinatários. A comunalidade identifica o que écomum ao au - tor e ao público: visão de mundo, história, su - posições ou outros elementos comuns. A ponte cria uma conexão entre a mensagem pretendida e o contexto do destinatário, sendo o autor ou o tradutor o principal responsável para fazer isso (Shaw e Van Engen 2003: 117).

A estrutura técnica do método ébaseada em três partes: análise, síntese e apresentação da mensa - gem. Assim, a comunicação do evangelho deve acontecer como uma iniciativa deliberada de se analisar a mensagem a ser comunicada, resumi- da em uma estrutura de comunicação acessível e apresentada de uma maneira que seja plena- mente compreensível e aplicável ao contexto do destinatário.

O terceiro modelo éuma perspectiva herme - nêutica da leitura das Escrituras como sendo uma grande história. É o resultado de v ários estudos conduzidos por vários teólogos, mis - siólogos e estudiosos, e consiste basicamente na compreensão teológica de que a mensagem bíblica (qualquer mensagem ou passagem nas Escrituras) faz parte de uma grande história unificada e deve ser comunicada como tal. Esse conceito hermenêutico ébaseado em três movimentos principais. O primeiro éabordar e abraçar a Escritura como a narrativa que dá sen - tido a toda a história humana. Newbigin (1986:

  1. argumenta que a fé cristã éa lente pela qual devemos observar e entender toda a história, não apenas a religião cristã. A Escritura, por - tanto, não éuma história restrita aos cristãos, mas a única narrativa universal verdadeira para o mundo inteiro. Para N.T. Wright (1992: 6), a Bíblia éum drama que consiste em eventos que expõem a verdade sobre Deus e sobre a hu- manidade, especialmente ao narrar a história da redenção. O reformador João Calvino (1846: 48-49) afirma que a realidade da criação e o seu significado são compreendidos apenas pela re- velação de Deus, pela fé. Embora a criação seja uma manifestação de Deus, ela não éautoex - plicativa, pois só pode ser completamente en - tendida por meio da revelação de Deus pela fé; portanto, toda a Escritura écrucial para guiar a humanidade a toda a verdade de Deus. Goheen (2011: 204) afirma que a proclamação do evan - gelho deve ser narrativa, centrada em Cristo e missionária; e deve ser comunicada como uma narrativa integrada, pois as Escrituras revelam uma história que se desenrola, que éa verdadei - ra história do mundo.

O segundo movimento éo de abordar a his - tória humana e o contexto humano sob uma perspectiva profética e apologética, contrastan - do a visão de mundo e seu conceito secular, seus valores, princípios, convicções, religiões e

comportamento com a verdadeira história re - velada por Deus nas Escrituras, e tendo a igreja como a sua mensagem viva. Kevin Vanhoozer (2016: 17) afirma que o drama da doutrina ex- põe a igreja diante do mundo para testemunhar a verdade de Deus por meio da proclamação do evangelho e do impacto do testemunho da igreja. Goheen (2011: 215-217) apresenta uma explicação completa desse entendimento, de - fendendo a combinação de palavras e ações. Ele define evangelismo como uma comunicação verbal do evangelho (vida, morte e ressurreição de Jesus), e afirma que a proclamação sem uma vida cristã pública saudável prejudica a comu - nicação do evangelho, que ambas, palavras e ações, devem trabalhar juntas, apresentando o evangelho de forma aplicável e verossímil.

O terceiro movimento éuma combinação dos dois primeiros, aplicado a um contexto local. Trata-se da criação de uma parceria com a po - pulação local visando facilitar a sua pr ópria compreensão e aplicação da verdade bíblica em seu contexto. Goheen chama a atenção para esse ponto, e chama de evangelismo orgânico o esforço da igreja que vive e proclama o evan - gelho na vida cotidiana de uma maneira que faça sentido para as perguntas cotidianas. Ele defende que essa abordagem exige intenciona- lidade e paciência por parte do comunicador, que deve ouvir, interagir e dialogar com o pú- blico, prestando atenção concentrada na per - gunta: “Quais são as fomes mais profundas para as quais o evangelho oferece resposta?” (2011: 9, 216).

Existem quatro semelhanças nos três métodos apresentados que são relevantes e aceitas neste estudo. A primeira semelhança éo reconheci - mento da mensagem original contida nas Es- crituras, que jamais deve ser alterada, e que deve ser fielmente comunicada. Qualquer al- teração da mensagem bíblica original, seja por qualquer motivo, deturpará a comunicação do evangelho. A segunda semelhança vem do reco -

nhecimento de uma tensão – ou de um desa - fio – ao lidar com a mensagem bíblica aplicada em um contexto cultural humano. Três desses contextos são destacados: o contexto no qual as Escrituras foram reveladas, Antigo e Novo Testamentos; o contexto do comunicador; e o contexto do público. É preciso conhecer os contextos para uma comunicação inteligível e aplicável do evangelho. A terceira semelhança é a convicção de que Deus está agindo e guian - do a comunicação de sua mensagem dentro do contexto humano. É Deus quem promove a comunicação do evangelho. A quarta seme- lhança éa necessidade de se usar uma apresen - tação mais abrangente e unificada do evange - lho; que o evangelho não écomposto de poucas frases com significado específico, mas de toda a revelação de Deus em toda a Escritura.

3. O povo Konkomba de Gana

A análise cultural do povo Konkomba de Gana combina a avaliação etnográfica de segmentos e funções da cultura em uma abordagem fun - cionalista e também busca por conexão, signi - ficado e implicações que v ão além da realidade local, sob uma perspectiva interpretativista.

3.1 Visão geral Embora o povo Konkomba seja percebido pe- los estrangeiros como sendo um só grupo, eles se veem como um grupo que possui diferentes divisões socioculturais, cada uma com perfis culturais e dialetos distintos. Segundo Tait, as tribos Konkombas mais conhecidas sã o os “Be - tshabob, o Bemokpem, o Benafiab, o Begbem, o Besangma e o Bekwom” (1961: 151). Seu territó rio localiza-se no nordeste de Gana e no noroeste do Togo, cuja populaçã o estimada, em 2019, era de mais de 1 milhã o. De acor - do com o Ethnologue, os principais dialetos Konkombas sã o Komba, Lichabol, Ligbeln, Likoonli (Likonl, Liquan), Limonkpeln, Linafiel e Nalong. Eles fazem parte do grupo

3.2.1 Dimensão histórica Início. Na perspectiva do povo Konkomba, o início dos tempos não éclaro, mas está re - lacionado ao criador de tudo e aos primeiros ancestrais. Os mitos mencionam um tempo antigo, quando a primeira família rompeu seu relacionamento com o criador. Os mitos den- tre os Konkombas são basicamente mitos rela- cionados à origem, renascimento e renovação, seres espirituais apotropaicos e transformação. Não existem mitos messiânicos ou soteriológi - cos conhecidos, embora exista uma forte crença na vida após a morte em uma espécie de casa de Deus, Uwumbordo. Existem centenas de mitos sobre heróis, os quais são basicamente ancestrais; e existem diferentes mitos totêmicos, particularmente ligando as origens dos clãs com tipos específicos de animais (Lidorio 2001: 93, 115; Tait 1961: 59, 226; Opoku 1978: 26).

Criação e ancestralidade. Uwumbor éidentifi - cado como o criador de tudo e éuma entidade pessoal. Ele ébom e misericordioso. Ele está em toda parte e pode ver tudo, mas não interage com as pessoas. Não está claro como ele permite ou interage com o mal, pois a vida também pode ser tomada por espíritos malignos. Ancestrais míti- cos são os espíritos de anciãos importantes que morreram. Eles estão conectados a Uwumbor e a uma influência totêmica; e tambm continuamé a se conectar com suas famílias e são reverencia - dos, comunicando-se através dos anciãos vivos. Acredita-se que tenham grande poder e sabedo- ria, uma vez que agora estão no mundo invisível (Tait 1961: 43, 54; Lidorio 2001: 86-87, 115; Lévi-Strauss 1983: 290; Opoku 1978: 10, 36- 37; 54-56, 60).

Território e terra. O território está conectado aos ancestrais de um grupo, e todos os clãs, seg - mentos, linhagens ou famílias traçam sua histó - ria até o território de seus ancestrais. Acredita - -se que esses territórios forneçam e transfiram poder espiritual para as pessoas. A identidade Konkomba está conectada à sua terra, ao con -

ceito de território e principalmente à formação de suas casas. Esses não são apenas locais de re - sidência e cultivo, mas áreas com significados sociais e espirituais sob a influência protetora geral dos ancestrais (Tait 1958: 180; Tait 1961: 14; Dawson 2009: 84; Lidorio 2001: 16-17).

3.2.2 Dimensão ética Tradição. Um dos valores mais importantes éa capacidade de entender e manter tradições. As principais tradições dizem respeito ao conheci - mento de mitos, relações com ancestrais, uso da linguagem e realização de ritos familiares, incluindo funerais. Todas as tradições são man - tidas pelo grupo e não por um indivíduo, pois os Konkombas se veem como uma comunidade que envolve não apenas os vivos, mas também os mortos, suas memórias e influência (Lidorio 2001: 12, 17, 18, 42-43; Opoku 1978: 35-36; Fortes 1987: 66-67).

Rupturas. Lealdade, recompensa, vergonha e honra são valores do grupo que estão conecta - dos de modo especial às tradições. Negligenciar a realizao de um funeral aos pais, de acordo comçã a expectativa da sociedade, évisto como uma de - sonra à sua memória. Negligenciar o sacrifício ou derramamento de libao tambçã ém évisto como desonra à família. Em certo sentido, o pecado é percebido como qualquer tipo de abandono dos principais elementos tradicionais, especialmente aqueles que envolvem os ancestrais ou a linha- gem patriarcal (Tait 1961: 59; Lidorio 2001: 51; Evans-Pritchard 1966: 326). Identidade tribal. Embora exista um senso de unidade baseado na genealogia, a força dos gru - pos encontra-se nos clãs, descendência, linha - gens e famílias. Eles se consideram diferentes das tribos no-Konkombas, e estã ão profundamen - te conectados com a sua terra e território. Sua identidade ébaseada principalmente no enten - dimento e na manutenção das tradiões tribais,ç com ênfase na manutenção e na formao dosçã clãs e também na relação mística com os ances -

trais e totêmica com a natureza (Tait 1958: 180; Talton 2010: 1; Fortes 1987: 66-67).

3.2.3 Dimensão social Autoridade social. A principal autoridade so- cial do grupo são os idosos, vivos e mortos, in - cluindo os ancestrais. Essa autoridade éusada para criar e manter os clãs, descendências, li - nhagens e famílias juntas. Outra camada de au- toridade deriva de uma chefia que pode tomar decisões ou reunir os anciãos com o mesmo ob - jetivo. Uma terceira camada pode ser encontra- da nos líderes espirituais, adivinhos, guardiões de totens, feiticeiros e bruxos. Uma última au- toridade social pode ser encontrada no consen- so do grupo, sempre que se julgar apropriado, o qual normalmente surge da conciliação de al - gumas das demais camadas de autoridade (Tait 1961: 34, 61, 77-78; Assimeng 2007: 36, 167; Lidorio 2001: 45, 56-60; Opoku 1978: 36-37).

Família. Uma família Konkomba tradicional é extensa, patrilinear (a organização familiar se dá pela linhagem paterna), patrilocal (a família/ clã permanece na terra pertencente ao patriar - ca), monogâmica ou poligâmica, e formada por um grupo residencial composto por uma série de parentes pró ximos da linha patrilinear, onde homens dessa mesma linhagem dividirão o es - paço com suas esposas e filhos. O casamento acontece mediante acordo, consentimento ou troca em um formato monogâmico ou poli- gâmico, e sempre envolve negociação formal. Todos os casamentos ocorrem dentro de um sistema de herança patrilinear. O casamento por acordo se dá a partir de um acordo formal entre duas famílias mediante o nascimento dos filhos. Tornam-se, assim, prometidos um para o outro ainda na infância. O casamento por tro- ca conecta indivíduos em um sistema binário: um homem dará sua irmã, sobrinha ou prima a seu futuro cunhado para receber uma esposa em troca. Ambos relacionamentos permanecem interligados, e a ruptura de um produz a quebra

do outro. Ultimamente, o casamento também pode ocorrer mediante consentimento mútuo, quando um rapaz e uma moça se propõem a ca - sar, e o rapaz apresenta aos sogros o dote reque- rido que envolve, normalmente, alguns anos de trabalho na roça do sogro e uma certa quanti - dade de inhame; bem como panos, barras de sabão e panelas para a sogra. Também dinhei - ro. De todo modo, o casamento éum longo processo formal ao redor de acordos familiares (Tait 1961: 93-94, 160-162; Lidorio 2001: 12, 70-71). Os clãs. Existem três tipos principais de clãs: o unitário, o familiar e a forma especial do fa - miliar, o contraponto. A formação de clãs éum fator definidor da organização da vida entre os Konkombas, pois estabelece possibilidades e acordos de casamento, dimensões de lealda- de em vários níveis, chefia, padrões familiares, cerimônias religiosas, direitos à terra e várias outras especificidades sociais. A estrutura social Konkomba baseia-se em poderosas lealdades é tnicas aos clãs e acordos interclânicos, mas também ocorrem divisões em novos clãs, bem como disputas e guerras (Olson: 1996: 296; Tait 1961: 69; Lidorio 2001: 65).

3.2.4 Dimensão fenomenológica Ritos e cerimônias. Existem ritos e cerimônias para todos os momentos importantes da vida. Após o nascimento, a criança recebe um medi - camento tradicional para protegê-la dos maus espíritos. Durante a adivinhação, ofertas são dadas aos antepassados para agradecê-los por sua orientação. Sacrifícios de animais são fei- tos para agradar aos antepassados e buscar sua ajuda. A qualquer momento que um ancião julgar ser apropriado, libação (oferta mediante derramamento de líquido) éusada para pres - tar respeito e agradar aos ancestrais, bem como validar alguma ação ritualística. Cerimônias se - guidas de sacrifícios são usadas para proteção contra feitiçaria e bruxaria. Os sacrifícios que

cos são usados pelo grupo para proteger, atacar ou matar pessoas, e podem ser fabricados tanto por pessoas comuns como por homens espiri- tuais. Feiticeiros e bruxos são conhecidos por fazer tipos específicos de medicamentos místi- cos, incluindo venenos. Objetos sagrados são usados para proteger crianças, mulheres grávi - das e aqueles que estão cultivando, construin - do ou viajando. Os medicamentos místicos são usados principalmente para curar aqueles que estão doentes e para proteger alguém dos espí - ritos malignos. A fim de impedir que bruxos, mágicos, feiticeiros e outros poderes malignos prejudiquem alguém, uma pessoa pode ser co - locada sob a proteção de uma entidade espi - ritual usando seus talismãs e jujus. Podem ser usados no pescoço ou, no caso de mulheres, na cintura ou no pulso, ou pendurados no baten- te da porta da casa. Yenho são amuletos feitos pelo unhodaan , um curandeiro, para diferentes propósitos: proteção contra cobras e venenos, ou ainda para aumentar a produção agrícola e dar força extra durante um período de conflito. Bikpuaniib éum pano que écolocado do lado de fora quando um kebek (um instrumento tra- dicional) étocado, invocando espíritos adivi - nhos para se fazer previsões (Lidorio 2001: 88- 90; Tait 1961: 232-233; Evans-Pritchard 1966: 322; Opoku 1978: 147 -149).

Morte e funeral. Existem três níveis diferen- tes de funeral: likpuul , realizado três ou quatro dias após a morte; ubua , que pode ser repetido algumas vezes dependendo da idade, do clã e do status social da pessoa morta; e ubuarja , o funeral final. O funeral possui muitos significa- dos e funções diferentes: manter a tradição e a unidade familiar, homenagear publicamente a importância da pessoa morta, mostrar o status da família na sociedade e guiar cerimonialmen- te o espírito da pessoa morta para a libertação (Sundermeier 2002 : 10; Lidorio 2001: 76, 84; Opoku 1978: 135; Matsunami 1998: 64; Sar- pong e Adusei 2012: 71-72; Fortes 1949: 323).

3.3 Perfil sociocultural e algumas implicações fundamentais para a comunicação do evangelho A partir da abordagem funcionalista-interpreta- tivista da identidade cultural do povo Konkom- ba de Gana, a organização dos dados em uma perspectiva histórica, ética, social e fenome - nológica, quinze pontos serão destacados, os quais, em boa medida, apontam para o perfil sociocultural do grupo, passando-se, logo após, a uma reflexão sobre algumas implicações fun - damentais para a apresentação do evangelho ao povo em questão.

INFORMAÇÃO CULTURAL KONKOMBA

  1. Estrutura existencial: históricos, tradicio - nais e teofânicos.
  2. Estrutura de origem: criação e criador defi - nidos.
  3. Sistema familiar: clânicos com famílias es- tendidas, monogâmicas ou poligâmicas.
  4. Sistema social: multicultural e multilingual.
  5. Sistema de linhagem: patrilocal e patrilinear.
  6. Fundamentos de valor: lealdade, recom- pensa, vergonha e honra.
  7. Atos da vida: Nascimento, nomeação, casa - mento e funeral.
  8. Atos da providência: autoridade espiritual dos ancestrais e rituais místicos.
  9. Atos de adoração: adivinhamentos, sacrifí - cio animal, libação, consagração de ídolos, objetos e lugares especiais.
  10. Categorias humanas: anciãos, chefes, con - selheiros, guardiões de ídolos, guardiões de espíritos, feiticeiros e bruxos.
  11. Categorias espirituais: deus, ancestrais míticos, ancestrais, espíritos, espíritos da mata, anões místicos, espíritos transforma- cionais, espíritos de lugares sagrados, espí- ritos de ídolos.
  12. Força mantenedora da vida: mecânica, to - têmica, mágica e amoral em submissão às forças espirituais pessoais.
  13. Magia: talismãs, amuletos, objetos místicos para proteção, ataque ou morte, por ções

místicas e objetos de proteção de lugares sagrados.

  1. Mitos de cosmogonia: casa de deus ( uwum- bordo ), céu ( paacham ) e ancestrais míticos ( eldertiib ).
  2. Ritos: expiatórios e apotropaicos conduzi - dos pelos anciãos.

A seguir, algumas implicações iniciais para a apresentação do evangelho para o grupo pe - rante o seu perfil sociocultural condensado nos quinze pontos mencionados.

3.3.1 Estrutura existencial: históricos, tradi- cionais e teofânicos Como históricos e tradicionais, o grupo se inte - ressa pelas narrativas bíblicas históricas e seus sig - nificados. Tem especial apreço pelas narrativas da criação, dos patriarcas e das alianas entre Deusç e os homens. Como teofânicos, o grupo tende a ser aberto à aceitação da Bíblia como a revela - çã o de Deus. A falta de clara distinção entre os conceitos de deus, espíritos e ancestrais apresenta um desafio que deve ser respondido com clara e frequente exposição bíblica sobre a natureza e os atributos de Deus, natureza e ações dos anjos e demônios, e uma minuciosa exposição sobre a criação dos seres humanos. A relação espiritual do grupo com seus ancestrais em uma perspec- tiva teofânica, bem como dos ancestrais com o universo em uma perspectiva totêmica, podem apresentar as maiores barreiras para a compreen- são da singularidade de Cristo.

3.3.2 Estrutura de origem: criação e criador definidos A percepção cultural da origem do universo, que envolve uwumbor como criador, éum ca - minho aberto para a apresentação da verdade bíblica da criação e do Criador. Como uwum- bor éum espírito desconhecido, conectado na crença do grupo diretamente com a criação, com poder absoluto e, diferente dos demais espíritos aéticos (bons e maus) évisto como

é tico (totalmente bom), não havendo sobre ele qualquer outra narrativa além da criação do universo e de ter levado consigo o céu ( paa- cham ) quando percebeu a desobediência do homem que criou, indica um termo seguro na língua local para ‘Deus’ na tradução bíblica. É essencial que nos fundamentos da apresentação do evangelho se desenvolva uma ampla exposi- çã o bíblica sobre Deus, sua natureza e atributos.

3.3.3 Sistema familiar: clânicos com famílias estendidas, monogâmicas ou poligâmicas O grupo, formado por uma estrutura clânica com famílias estendidas, busca por respostas na comunidade, não nos indivíduos. Também pos - sui uma dinâmica naturalmente competitiva na relao interclânica. Assim, a apresentaçã ção do evangelho para o grupo deve, desde um primei- ro momento, abranger todos os clãs e categorias familiares, não ficando restrito a alguns. Os an - ciãos são a parte central da sociedade, à frente de todos os processos de decisão. A apresentação do evangelho aos anciãos éum passo importante. Perante a complexidade das relações familiares, torna-se essencial uma completa apresentação da teologia bíblica sobre a família.

3.3.4 Sistema social: multicultural e multi- lingual É crucial ter a Bíblia traduzida para as línguas Konkombas, bem como facilitar a alfabetização dos Konkombas para a leitura da Palavra. Ou- tros meios orais para o uso das Escrituras po- dem e devem ser usados, e todos os meios co- municacionais devem ser abrangentes tendo em vista a diversidade de línguas e culturas dentro dos grupos e subgrupos Konkombas. Anciãos devem ser especialmente introduzidos na leitu- ra da Palavra e meditação na Palavra para que, por meio deles, suas famílias sejam também encorajadas a acessar e ler as Escrituras. Expo- sições bíblicas sobre a missão, Deus chamando pessoas de todas as línguas e culturas em Cristo Jesus, devem ser feitas desde o início.

Há necessidade de haver um ensino de longo prazo sobre a teologia do pacto, sob a qual a re- lação entre Deus e os homens éapresentada. De - ve-se destacar a singularidade do poder de Deus na condução da história entre os cristãos e não cristãos, no mundo visível e invisível. No surgi - mento da igreja, deve-se valorizar os anciãos e seus conselhos, em uma perspectiva bíblica.

3.3.11 Categorias espirituais: deus, ances- trais míticos, ancestrais, espíritos, espíritos da mata, anões místicos, espíritos transfor- macionais, espíritos de lugares sagrados, es- píritos de ídolos Perante o panteão de seres espirituais, em sua maioria aéticos e com diferentes naturezas, for - ç a e funções, éessencial a apresentação prolon - gada da teologia bíblica da criação, da singula - ridade de Deus (e seus atributos) e a teologia bíblica sobre anjos e demônios. Deve-se obser- var que a visão do grupo em relação aos seres espirituais mais conhecidos éaética e amoral, portanto o aspecto ético e moral dos anjos e demônios deve ser exposto com clareza.

3.3.12 Força mantenedora da vida: mecâni- ca, totêmica, mágica e amoral em submissão às forças espirituais pessoais A influência totêmica é construtora de uma cosmovisão elaborada de relação e interdepen - dência entre os homens, a natureza e os animais em uma perspectiva binária. Torna-se impor - tante o ensino bíblico de longo prazo sobre a criação, submetendo tudo e todos a Deus e sua vontade criadora, bem como o ensino de longo prazo sobre a redenção, expondo que a respos - ta cósmica à quebra universal não se encontra nos achados binários de relação entre os seres vivos, mas na morte de Cristo para salvação de todo aquele que crê, e também no juízo final de Deus, que julga todas as coisas. Assim, os inúmeros tabus gerados pela percepção totêmi - ca, em busca de proteção, provisão e vingança, devem ser diretamente confrontados.

3.3.13 Magia: talismãs, amuletos, objetos místicos para proteção, ataque ou morte, por- ções místicas e objetos de proteção de lugares sagrados Os processos de magia são tentativas de mani - pular o invisível em benefício do humano, o que deve ser contraposto biblicamente. No surgi- mento da igreja, éessencial expor e praticar o ensino bíblico da oração, fazendo clara distinoçã entre a orao e a magia. Assim, a oraçã ção, como ato de submissão e diálogo com Deus em Cristo Jesus, deve permear toda a vida da igreja, nas ca- sas e no culto público, perante as alegrias, enfer- midades e tragédias, e em todas as circunstâncias da vida. Deve-se dar atenção especial à oração pelos enfermos em todos os ajuntamentos cúlti- cos e tambm orando por eles em suas casas.é 3.3.14 Mitos de cosmogonia: casa de deus (uwumbordo), céu (paacham) e ancestrais míticos (eldertiib) A escatologia bíblica deve ser parte de um ensi- no de longo prazo com claras respostas sobre o que vem após a morte, onde estão os ancestrais e a diferença entre a casa de Deus ( uwumbordo ) e o lugar sagrado ( paacham ).

3.3.15 Ritos: expiatórios e apotropaicos con- duzidos pelos anciãos A Teologia bíblica sobre o bem e o mal éne - cessária para responder às perguntas relativas ao sofrimento humano. Visto que a maior parte dos ritos apotropaicos se dedica à proteção, seja física ou espiritual, a teologia bíblica da singula- ridade do poder de Deus, bem como a sua von- tade e provisão, gerando profunda dependência do Senhor, deve ser ensinada frequentemente.

4. Abordagem Kerygma para Investigação Sociocultural e Comunicação do Evangelho Este artigo utiliza a expressão ‘teologia bíblica temática’ para se referir a uma teologia bíblica descrita e organizada por temas nas Escrituras, percebendo-a como uma só história.

A abordagem proposta, abreviadamente cha- mada de Abordagem Kerygma, orienta a apli- cação de teologias bíblicas temáticas para tratar melhor as questões culturais destacadas pela es- trutura das quatro dimensões em uma perspec- tiva funcionalista-interpretativista; e apresen- ta temas bíblicos com base em uma estrutura missiológica fornecida por elementos da abor - dagem do Modelo dos Quatro Horizontes, do Modelo Tridimensional e da Grande História em uma perspectiva hermenêutica, envolven- do as principais questões culturais previamente identificadas, respondendo-as biblicamente e abordando o público com uma aplicabilidade abrangente.

4.1 Visão geral A Abordagem Kerygma foi desenhada para fa- cilitar a comunicação do evangelho entre po - vos, grupos e subgrupos de alta complexidade comunicacional, especialmente aqueles que não foram expostos (ou foram minimamente) ao contexto e valores cristãos. Esse estudo com - preende que a análise sociocultural em uma estrutura funcionalista-interpretativista, orga- nizada e analisada em quatro dimensões, tem a capacidade de fornecer conclusões etnográfi - cas seguras quanto ao grupo alvo. Além disso, a utilização das quatro semelhanças entre os mo - delos missiológicos propostos tem o potencial de desenvolver a identificação de respostas bí - blicas temáticas que venham a abordar e tratar as questões existenciais fundamentais do grupo alvo. Assim, a expectativa éque tal abordagem fomente e facilite a comunicação do evangelho em ambiente intercultural, de forma teologica- mente fiel e culturalmente aplicável.

A Abordagem Kerygma está organizada em sete estágios:

(1) Coletar e organizar os dados culturais ob- tidos por pesquisa de campo ou literatura. (2) Revisar a Abordagem Kerygma, seus con- ceitos e roteiro.

(3) Preencher o questionário sugerido, compos- to por 215 questões culturais.^2 (4) Fazer a referência dos dados utilizados com sua fonte. (5) Construir um perfil cultural em quatro di- mensões, analisando as informações de cada dimensão; e identificar as teologias bíblicas temáticas que abordam os principais temas levantados. (6) Resumir o perfil cultural em 15 tópicos, considerando as implicações para a comuni- cação do evangelho em cada um; e preparar as teologias bíblicas temáticas relacionadas a cada perfil cultural. (7) Apresentar as teologias bíblicas temáticas em cinco passos. As apresentações de teologias bíblicas temáticas são distribuídas em um sistema progressivo de cinco etapas:

  1. Escolhe-se uma porção (ou porções) da Escri- tura relacionada à teologia bíblica temática.
  2. A explicação da narrativa é preparada e divi- dida em duas partes: o contexto original (que envolve o contexto do texto original e o público original) e a mensagem pretendida pelo texto.
  3. As lições centrais relacionadas à narrativa são colocadas como parte da grande história bíblica e conectadas com as demais partes das Escrituras que lidam com o tema.
  4. Os contrastes e as semelhanças entre as cren- ças culturais do público atual e as perspec- tivas bíblicas são investigados para que as perguntas atuais sejam respondidas biblica- mente de forma clara.
  5. É promovida a interação com o público com aplicações das verdades bíblicas no co- tidiano das pessoas, tendo em mente a aná- lise cultural e as respostas bíblicas em áreas específicas do tema.

2 O autor desenvolveu um questionário com 215 questões divididas em quatro dimensões (histórica, ética, social e fe - nomenológica) para possibilitar o processo de coleta, organi - zação e análise dos dados culturais.

mir as pessoas foi motivado desde o início pelo amor, em sua própria vontade, culminando no sacrifício do Filho de Deus, Jesus Cristo.

4º passo, os contrastes e semelhanças são ex- postos Na busca por semelhanças e contrastes entre a maneira tradicional dos Konkombas e a revela- çã o bíblica de entender a redenção, dois aspec - tos se destacam.

O primeiro éa fonte da redenção. A semelhan - ç a éo entendimento, tanto pela cultura tradi - cional Konkomba quanto pelos ensinamentos bíblicos, de que o agressor, ele ou ela, não pode se redimir, pois precisa de um poder espiritual para perdoar, redimir e resolver a crise huma- na. O contraste éencontrado no fato de que os Konkombas buscam a redenção por meio de ritos sociais e espirituais que são realizados pela sociedade com a participação comunitária e de especialistas na sociedade tribal: anciãos, líderes de clãs, feiticeiros e outros. Na perspectiva bí - blica, a fonte da redenção épuramente Deus. Ele équem, por amor, escolhe e convida seu povo a ser transformado e libertado do pecado e da morte. Foi ele quem iniciou o movimento da libertação humana. Foi Deus quem enviou o Salvador, Jesus Cristo, para morrer pelos que pecaram, trazendo de volta os que creem.

O segundo aspecto éo mecanismo da redenção. A primeira semelhança entre os ritos Konkom - bas e a perspectiva bíblica éo reconhecimento de um universo quebrado nas dimensões moral, espiritual e legal. Ambos concordam que a re- deno (em qualquer forma e tempo)çã éneces - sária, pois existe um mal na sociedade humana, no coração humano e no universo em geral. A segunda semelhança éa postura pessoal daqueles que buscam a redenção. Ambos retratam pessoas com uma atitude humilde. Aqueles que estão oferecendo sacrifícios para entidades espirituais no mundo Konkomba, bem como sacerdotes e pessoas comuns que sacrificam ao Senhor no An-

tigo Testamento, possuem uma postura humilde e necessitada. O principal contraste no mecanis- mo da redenção está claramente definido. Para os Konkombas, a redenção (que éapenas parcial, não para sempre) éo resultado do desempenho humano, de sacrifícios bem conduzidos por enti- dades espirituais específicas, feitas por especialis- tas com os elementos corretos. O mecanismo de redenoçã épromovido pelo ofensor, e conduzido por especialistas. Na perspectiva bíblica, o meca- nismo da redenção está inteiramente nas mosã de Deus, na vontade de Deus e na iniciativa de Deus. Com a morte voluntria de Jesus na cruz,á Deus revelou seu ato legal para perdoar os pe- cados daqueles que creem. Aconteceu por meio do sacrifício substitutivo de Cristo no lugar dos ofensores. E esse sacrifício divino não pode ser recebido por mérito humano, nem por esfor ço e nem mediante pagamento, mas apenas pela fé. A validade da redenção também éum contras - te. Para os Konkombas, não existe o conceito de redenção plena (para toda a vida ou para a eternidade), mas práticas que redimem as pes - soas parcialmente, mantendo-as afastadas da vingança dos espíritos. Nas Escrituras, a valida - de da redenção éeterna, de uma vez por todas. Como o sacrifício de Jesus foi universal e eter- no, aqueles que creem são convidados para uma vida de total e eterna liberdade.

5º passo, a mensagem bíblica temática é apli- cada A mensagem pretendida por Paulo (Romanos 3.20-26) édividida em três partes. A primeira é o efeito universal do pecado na humanidade. Ele explica que não há diferença entre gentios e judeus porque «todos pecaram» (v. 23). Pau- lo ensina sobre o aspecto universal do pecado, que não faz distinção de pessoas e vai além de línguas, culturas, territórios e tempos. Toda a Palavra éunificada no ensino da queda e pe - cado humano, como se vê em Gênesis 3, Isaías 59.20-21 e Hebreus 8.

A Escritura está convidando os Konkombas a ver e a tomar conhecimento da realidade do efeito universal do pecado, começando com a percepção dos efeitos do pecado na existência Konkomba (doenças, conflitos, falta de chuva e morte) e expandindo a visão para os efeitos universais dentre todas as culturas e nações de todos os tempos. Portanto, a crise diária vivida pelo povo Konkomba em diferentes níveis da vida faz parte do quadro geral, e a mesma dor é sentida por outras pessoas em diferentes luga - res, povos e contextos.

A segunda parte éa solução de Deus para essa crise, que é histórica, universal e espiritual. Paulo explica a crise, afirmando que “não há diferença” entre judeus e gentios (v. 22), pois “todos pecaram” (v. 23), e apresenta a solução afirmando que “todos são justificados” (v. 24). Ele ensina que essa solução éum ato de Deus, motivado pela graça de Deus. É gratuita e acon - tece por intermédio de Jesus (v. 24). Toda a Pa - lavra corrobora essas afirmações, como também se vê nos seguintes textos: Salmos 98.1-3, Lucas 2.1-14, 1 Pedro 1.18-20 e Apocalipse 5.1-10.

O povo Konkomba busca a redenção por meio de ritos sociais e espirituais, sacrifícios, libações e remédios místicos, todavia nenhum desses es - forços év álido. Por isso, eles são convidados por Deus a aceitar, pela fé e ação de graças (crendo e louvando), a solução única e eterna em Jesus Cristo. Essa solução não éparcial e nem tempo - ral (como os sacrifícios e as libações fornecidas, que exigem novos atos a cada estação), mas é total e eterna. Não éconduzida pelo ofensor, anciãos ou especialistas, mas sim por Deus, portanto, não há erro ou fraqueza em nenhuma parte do processo ou do resultado.

A terceira parte diz respeito ao mecanismo da salvação. Paulo usa termos jurídicos para ex - pressar esse mecanismo em um cenário judicial. O pecado contaminou a história humana e o coração humano, tornando todas as pessoas in -

justas diante dele, como expresso no versículo 10: “Não há um justo, nem um sequer”. Então, Deus se tornou carne em Jesus Cristo, foi tenta- do, mas não pecou, sendo justo, pagou na cruz o que a humanidade deveria pagar, a morte. A Palavra revela esse mecanismo de salvação de forma detalhada como se vê em Gênesis 22, Le- víticos 4.3-35, Efésios 1.7-8 e Hebreus 8. Ten - do em mente o universo Konkomba quanto à salvação, ritos e cerimônias não podem salvar, pois não há ninguém justo. Os especialistas que lideram as cerimônias, os anciãos que fazem os sacrifícios, os ancestrais que viveram nos tem- pos antigos e os mortos para os quais os fune- rais são realizados são todos injustos, pois todos buscam pureza e redenção. Somente por meio de Jesus, o puro e justo Filho de Deus, éque o preço foi pago, o sacrifício aceito, e as pessoas libertas, podendo, assim, entrar na Uwumbor- do , a casa de Deus.

5. Conclusão O problema levantado neste artigo foi como a cultura poderia ser analisada e organizada, e como as descobertas culturais poderiam ser usa- das para facilitar a evangelização transcultural por meio da teologia bíblica temática em con - textos semelhantes ao do povo Konkomba de Gana. O objetivo era explorar e gerar ideias e princípios para integrar a análise cultural e as teologias bíblicas temáticas para melhor comu - nicar o evangelho em contextos semelhantes.

O artigo apresentou uma abordagem antropo- lógica para a análise cultural em uma estrutura funcionalista-interpretativista defendida pela teoria Paradigm Interplay (Paradigma da “Ação Recíproca”), organizando as descobertas cul- turais em quatro dimensões (histórica, ética, social e fenomenológica) com base em um es - tudo de caso do povo Konkomba de Gana. Em seguida, apresentou uma estrutura missiológica fornecida por elementos do Modelo dos Qua-