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Este documento discute a contribuição do amicus curiae no direito processual civil brasileiro, explicando sua origem, função e importância na sociedade e no estado. O texto também aborda as modalidades de intervenção de terceiros e a relação entre o direito processual individual e coletivo.
O que você vai aprender
Tipologia: Notas de estudo
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Brasília ano 48 n. 190 abr./jun. 2011 111
Sumário
Em 2009, o Presidente do Senado Fe- deral instituiu uma Comissão de Juristas para elaborar o Anteprojeto de um novo Código de Processo Civil. Presidida pelo Ministro Luiz Fux, tendo Teresa Arruda Alvim Wambier como relatora, e composta por Adroaldo Furtado Fabrício, Benedito Cerezzo Pereira Filho, Bruno Dantas, Elpí- dio Donizete Nunes, Humberto Theodoro Junior, Jansen Fialho de Almeida, José Miguel Garcia Medina, José Roberto Santos Bedaque, Marcos Vinicius Furtado Coelho e Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, os resul- tados daquele trabalho tomaram corpo em Anteprojeto que foi entregue no final do 1o semestre de 2010 àquela Casa Legislativa. No âmbito do Senado Federal, o An- teprojeto converteu-se no Projeto de Lei do Senado (PLS) 166/2010 e o Senador
Cassio Scarpinella Bueno é Mestre, Doutor e Livre-docente em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito da PUC-SP. Professor de Direito Processual Civil nos cursos de Gradua- ção, Especialização, Mestrado e Doutorado da Faculdade de Direito da PUC-SP. Membro e Diretor de Relações Institucionais do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Advogado.
Cassio Scarpinella Bueno
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nomeado para relatá-lo, Valter Pereira, nomeou Comissão Especial não só para a revisão do Anteprojeto mas também – se- não principalmente – para analisar, uma a uma, as centenas e centenas de propostas de aperfeiçoamento enviadas àquela Casa, não só pelos próprios Senadores mas prin- cipalmente pelos mais diversos segmentos da sociedade brasileira e das instituições nacionais. Essa Comissão foi formada por Athos Gusmão Carneiro, Dorival Renato Pavan, Luis Henrique Volpe Camargo e pelo autor deste breve ensaio. Com diversas modificações, o Senado Federal acabou por aprovar, no final do mês de dezembro de 2010, substitutivo ao PLS 166/2010 que, enviado de imediato à Câmara dos Deputados, para os fins do art. 65, parágrafo único, da Constituição Fede- ral, lá tramita sob o número 8.046/2010 e que, quando do fechamento do presente trabalho, não tinha, ainda, relator desig- nado. O Projeto, tal qual aprovado no Senado Federal, disciplina expressamente a inter- venção do amicus curiae e o faz entre as modalidades de intervenção de terceiros já conhecidas pelo direito processual civil brasileiro, embora com alterações que, em outra oportunidade, são merecedoras de considerações. Eis o texto, tal qual projetado pelo Sena- do Federal, para o amicus curiae : “Art. 322. O juiz ou o relator, con- siderando a relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia, poderá, de ofício ou a requerimento das partes, solicitar ou admitir a manifestação de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com representativida- de adequada, no prazo de quinze dias da sua intimação. Parágrafo único. A intervenção de que trata o caput não importa alteração de competência, nem autoriza a interpo- sição de recursos.”.
A redação proposta para a mesma in- tervenção pela Comissão de Juristas era a seguinte: “Art. 320. O juiz ou o relator, con- siderando a relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da lide, poderá, por despacho irrecorrí- vel, de ofício ou a requerimento das partes, solicitar ou admitir a mani- festação de pessoa natural, órgão ou entidade especializada, no prazo de dez dias da sua intimação. Parágrafo único. A intervenção de que trata o caput não importa altera- ção de competência, nem autoriza a interposição de recursos.”.
O Anteprojeto elaborado pela Comissão de Juristas, como visto no n. 1, supra , já pro- punha disciplina expressa da intervenção do amicus curiae. Trata-se, irrecusavelmente, de uma importante contribuição feita por aque- le grupo de trabalho, o de explicitar , dando disciplina jurídica no Código de Processo Civil, a uma modalidade diferente de inter- venção de terceiros. Até para que ninguém possa negar que, mesmo sem lei expressa , era não só possível, mas necessário , admitir aquela intervenção de forma generalizada; não havendo qualquer razão, analisando- -se o tema, como deve ser analisado, da perspectiva do “modelo constitucional do direito processual civil”^1 , para limitar aquela modalidade interventiva aos casos de con- trole concentrado da constitucionalidade^2. (^1) Oportuníssimo, a propósito, o art. 1o (^) do Projeto de novo Código de Processo Civil, que já constava do Anteprojeto apresentado pela Comissão de Juristas: “O processo civil será ordenado, disciplinado e inter- pretado conforme os valores e os princípios funda- mentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código”. (^2) Para a discussão do tema, v. Bueno (2008, p. 621-627).
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não tem referencial na nossa história jurí- dica e, por isso, fica carente de verdadeira identificação. É insuficiente a “tradução vernacular” daquela expressão; é mister encontrar o seu referencial e seu contexto de análise no direito brasileiro. Ela, mesmo quando traduzida, não tem referencial na nossa história jurídica e, por isso, fica carente de verdadeira identifi- cação. É o mesmo que traduzir a palavra “table” para o português. Se não se sabe o que é uma “mesa”, para que ela serve, como ela se parece, é inócua a tradução. Falta referência. E mais: quando se faz referência a “table” é bem provável que se pense que está sendo empregada a palavra inglesa para referir-se a “mesa”. Mas não necessa- riamente. “Table” também é palavra que, em francês, significa a mesma coisa. E mais: tanto em inglês como em francês, “table” também pode ser usado como “quadro si- nótico” e, por isso, a busca do “referencial” a que fizemos alusão há pouco redunda necessariamente na busca do adequado contexto do uso da palavra. Em busca desses referenciais, é impor- tante equiparar o amicus curiae , sobretudo em alguma de suas manifestações, a uma das funções que, entre nós, o Ministério Pú- blico sempre exerceu e continua a exercer, a de fiscal da lei ( custos legis ) e, em menor escala, ao perito ou, mais amplamente, a um mecanismo de prova no sentido de ser uma das variadas formas de levar ao magistrado, assegurada, por definição, sua imparcialidade, elementos que, direta ou indiretamente, são relevantes para o pro- ferimento de uma decisão. Nesse sentido, uma verdadeira prova atípica traduzida na atuação de um terceiro interveniente, uma intervenção de terceiro cuja finalidade últi- ma é a de ampliar, aprimorando-o, o objeto de conhecimento do juiz com informações relativas a interesses metaindividuais (os “interesses institucionais ” referidos de iní- cio) que serão afetados, em alguma medida, pela decisão a ser proferida: uma interven- ção de terceiros com finalidade instrutória ,
portanto^5. Trata-se, por isso mesmo, de uma intervenção por inserção^6. É como se se dissesse que o amicus curiae faz as vezes de um “fiscal da lei” – e não do fiscal da lei que o direito brasileiro conhece, que é o Ministério Público – em uma socie- dade incrivelmente complexa em todos os sentidos; como se ele fosse o portador dos diversos interesses existentes na sociedade civil e no próprio Estado e que, de alguma forma, tendem a ser atingidos, mesmo que em graus variáveis, pelas decisões juris- dicionais. Ele, o amicus curiae , tem que ser entendido como um adequado representante desses interesses que existem na sociedade e no Estado (“fora do processo”, portanto) mas que serão afetados, em alguma medi- da, pela decisão a ser tomada “dentro do processo”. O amicus curiae , nesse sentido, atua em juízo para a tutela desses interesses, e é por isso mesmo que sua admissão em juízo depende sempre e em qualquer caso da comprovação de que ele se apresenta no plano material como um “adequado repre- sentante destes interesses” (v. n. 1, supra ). Trata-se, neste sentido, de um inegável ponto de contato entre o “direito processual civil individual ” e o chamado “direito pro- cessual coletivo ” na exata medida em que as decisões jurisdicionais tendem a afetar cada vez mais pessoas ou grupos que não parti- cipam diretamente do processo no próprio plano processual. É o que se dá, de forma muito evidente, com os chamados “efei- tos vinculantes” e, de forma ampla, com qualquer “precedente jurisprudencial” 7. Mas não só. Justificativa importante que legitima a intervenção do amicus curiae reside também no plano material, máxime nas situações disciplinadas por normas jurídicas que se caracterizam pela abertura de sua tessitura textual 8. (^5) Para uma mais detida análise da questão, v. Bueno (2008, p. 430-447). (^6) Trata-se de critério classificatório que tem como inspiração a doutrina de Athos Gusmão Carneiro, (2009, p. 85). (^7) A respeito, v. Bueno (2008, p. 36-39; 475-493). (^8) Cf. BUENO (2008, p. 17-36).
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Nestas condições, o amicus curiae , no direito brasileiro, tem tudo para desem- penhar um papel paralelo e complementar à função exercida tradicionalmente pelo Ministério Público como fiscal da lei porque uma das características mais marcantes da sociedade e do Estado atuais é o pluralis- mo. O transporte para o plano do processo desse pluralismo é providência inarredável sob pena de descompasso entre o que existe “fora” e “dentro” dele. Como esses inte- resses não são necessariamente “subjetivá- veis” nos indivíduos – por isso eles serem propriamente denominados “interesses” e não “direitos” –, faz-se mister encontrar quem o direito brasileiro reconhece como seu legítimo portador. É este o contexto adequado de análise do amicus curiae. Não é diverso, de resto, com o que a história jurídica nacional recente experimentou relativamente com o “direito processual coletivo”: quem tem condições de atuar em nome de uma dada coletividade em juízo? Quem tem “legitimidade” para tutelar, em juízo, interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos? Neste contexto de análise, não há como recusar ser, o amicus curiae , agente do contraditório. “Contraditório” no sentido de “cooperação”, de “coordenação”, de “colaboração”, em consonância, pois, com o “modelo constitucional do direito pro- cessual civil brasileiro”. Um contraditório cujo exercício amplo encontra fundamento normativo também nos arts. 339 e 341 do Código de Processo Civil vigente e encontra eco seguro nos arts. 364 e 366 do Projeto. Trata-se, em suma, de um “contraditório presumido ”, um “contraditório institucionali- zado ”: contraditório que deve ser entendido e aplicado à luz de uma sociedade e de um Estado plural como fator decisivo e essencial para a tomada de decisões pelo Estado no exercício de qualquer uma de suas funções, inclusive, como interessa para cá, o exercício da função jurisdicional. O amicus curiae deve ser entendido como um especial terceiro interessado que, por
iniciativa própria (intervenção espontânea ) ou por determinação judicial (intervenção provocada )^9 , intervém em processo pendente com vistas a enriquecer o debate judicial sobre as mais diversas questões jurídicas, portando, para o ambiente judiciário, valo- res dispersos na sociedade civil e no próprio Estado, que, de uma forma mais ou menos intensa, serão afetados pelo que vier a ser decidido, legitimando e pluralizando, com a sua iniciativa, as decisões tomadas pelo Poder Judiciário. A afirmação de que o amicus curiae é um terceiro, contudo, não o torna, ao contrário do que se lê em boa parte da doutrina que se manifestou sobre o assunto, um “assis- tente”, nem, tampouco, um “assistente sui generis ”. É que a razão pela qual o amicus curiae intervém em um dado processo alheio não guarda nenhuma relação com o que motiva e justifica, perante a lei processual civil, o ingresso do assistente, seja na forma simples , seja na litisconsorcial. Também não guarda nenhuma relação com as demais modalida- des de intervenção de terceiros conhecidas pelo direito brasileiro. O que enseja a intervenção desse “ter- ceiro” no processo é a circunstância de ser ele, desde o plano material, legítimo por- tador de um “interesse institucional ”, assim entendido aquele interesse que ultrapassa a esfera jurídica de um indivíduo e que, por isso mesmo, é um interesse metaindivi- dual, típico de uma sociedade pluralista e democrática, que é titularizado por grupos ou por segmentos sociais mais ou menos bem definidos. O amicus curiae não atua, assim, em prol de um indivíduo ou uma pessoa, como faz o assistente, em prol de um direito de alguém. Ele atua em prol de um interesse , que pode, até mesmo, não ser titularizado por ninguém, embora seja compartilhado difusa ou coletivamente por um grupo de (^9) Uma vez mais, fazendo eco às considerações da nota 7, empregamos o critério classificatório proposto por Athos Gusmão Carneiro (2009, p. 85).
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vez, quer permitir que o terceiro atue ao lado de uma das partes para obter decisão favorável. Fenômeno típico da “etapa de conhecimento”, portanto. No entanto, há diversas outras mo- dalidades de intervenção de terceiro no Código atual e no projetado que estão dispersas nele e, nem por isso, perdem essa característica e finalidade. É o que ocorre com o “incidente da desconsideração da personalidade jurídica” (disciplinado pelos arts. 77 a 79 do Projeto localizados no Livro I); com os “embargos de terceiro” (disci- plinados pelos arts. 660 a 667 do Projeto localizados no Livro II, mas em seu Título III, entre os “procedimentos especiais” [de jurisdição contenciosa]); com os arts. 863 e 864, quando, ao levantamento do dinheiro, concorrerem vários credores, e quando se alegar a insolvência do executado (art. 865), que estão, essas duas últimas hipóteses, no Livro III, que traz as normas disciplinado- ras da execução de título extrajudicial. A importância de tratar de todas as modalidades de intervenção de terceiros na Parte Geral do Código reside na de- monstração de que elas não pertencem a uma etapa do processo, ainda que, pela sua finalidade, possam ter maior aplicação em uma dada etapa mais que em outra. Com relação ao amicus curiae , isso é tanto mais importante porque é o próprio Projeto que se refere a ele em mais de um dispositivo, tornando vazia de significado sua localiza- ção ao lado das “tradicionais” modalidades interventivas. De qualquer sorte, a prevalecer a pro- posta atual, não há razão para entender, máxime diante das mencionadas outras disposições do Projeto, que o amicus curiae não é – e nem pode ser – modalidade de intervenção de terceiros confinada à etapa de conhecimento do processo. Sua aplica- bilidade na etapa recursal; no “incidente de demandas repetitivas”; em incidentes cognitivos do “cumprimento de sentença” e da execução fundada em título extraju- dicial é inegável. Aliás, é essa a sua razão
de ser no direito estrangeiro e, mormente à luz da disciplina que se propõe para ele, também para nós de lege lata (Cf. BUENO, 2008, 87-108).
4.2. Hipóteses de intervenção A intervenção do amicus curiae depende, consoante dispõe o art. 322 do Projeto, de o “juiz ou relator” constatar a presença dos seguintes elementos: (i) relevância da matéria, (ii) a especificidade do tema objeto da demanda ou (iii) a repercussão social da controvérsia. Como escrito acima, o Projeto acolhe (corretamente) a orientação de que o amicus curiae é portador de interesses relevantes que residem fora do processo para dentro dele. Por isso, a correção dos referenciais exigidos pelo dispositivo.
4.3. Modalidade da intervenção O art. 322 do Projeto, ao admitir que o “juiz ou relator” “poderá, de ofício ou a requerimento das partes, solicitar ou admi- tir” a intervenção, agasalha a intervenção provocada e a intervenção espontânea do amicus curiae (v. nota 7, supra ). Assim, o amicus curiae poderá, ele pró- prio, tomar a iniciativa da intervenção, formulando pedido para o magistrado nesse sentido. É a hipótese, aliás, mais encontradiça no foro. Poderá também o amicus ser intimado para se manifestar em juízo, hipótese na qual, de acordo com o mesmo dispositivo projetado, terá o prazo de quinze dias para se manifestar.
4.4. Quem pode ser amicus curiae O art. 322 do Projeto admite, como amicus curiae , “pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada”. Trata-se de regra bastante ampla e adequada para ampliar a possibilidade de atuação de terceiros sob aquelas vestes e que merece ser interpretada levando em conta as con- quistas da doutrina e da jurisprudência sobre o mesmo tema no âmbito do “direito
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processual coletivo” (BUENO, 2008, p. 646- 655). A regra, ao admitir a pessoa física para atuar na qualidade de amicus curiae , merece aplausos. É providência que encontra eco em diversas “audiências públicas” que o Supremo Tribunal Federal vem realizan- do em sede de controle concentrado de constitucionalidade e que, rigorosamente, devem ser entendidas como casos de amicus curiae. 12 A exigência de “representatividade adequada” é fundamental para o sucesso da intervenção. Até mesmo para justificar a razão de ser dessa modalidade interven- tiva. É que se o amicus curiae não a possuir, não há razão nenhuma para ele atuar no processo. Ele deve representar interesses e representá-los adequadamente; ter repre- sentatividade perante aqueles que não têm legitimidade para atuar (e que são, por isso mesmo, representados ), ainda que sob algu- ma modalidade interventiva no processo. Ter representatividade adequada não significa que o amicus curiae precise levar ao processo a manifestação unânime daqueles que representa. A legitimação democrática que justifica a sua intervenção não é – e nem pode ser nas democracias representativas – sinônimo de unanimidade. O que se quer é debate sobre pontos de vista diversos, sobre valorações diversas em busca de consenso majoritário ; não a unanimidade. É pertinente, nesse sentido, a lembrança da Súmula 630 do STF segundo a qual: “A entidade de classe tem legitimação para o mandado de segurança ainda quando a pretensão veiculada interesse apenas a uma parte da respectiva categoria”.
4.5. Prazo para intimação O art. 322 do Projeto reserva o prazo de quinze dias para a manifestação do amicus curiae. A hipótese só tem sentido nos ca- sos em que é o magistrado quem toma a iniciativa da convocação. São os casos de “intervenção provocada ”, portanto.
(^12) Para essa demonstração, v. Bueno (2008, p. 130-176).
O prazo deve ser contado levando-se em conta o seguinte: a partir da juntada, aos autos, do comprovante de intimação (art. 248 do Projeto) e os quinze dias devem ser contados em dias úteis (art. 179, caput , do Projeto).
4.6. Competência O parágrafo único projetado contém duas regras diversas. À primeira delas volta-se o presente número. Nele se lê que a intervenção do amicus curiae não acarreta alteração de compe - tência. A regra é importante porque ela ex- plicita que eventuais entes federais que intervenham no processo para fornecer informações, dados, elementos, em suma, elementos de convicção mas que não titu- larizam direito no processo, apenas interesse institucional , não são bastantes para o des- locamento da competência para a Justiça Federal. Coerentemente, o art. 1.007 do Projeto, tal qual aprovado no Senado, revoga ex- pressamente o art. 5o^ da Lei n. 9.469/1997, que impunha o deslocamento da compe- tência “para fins recursais”, dispositivo de difícil compatibilização com o “modelo constitucional” e que não era poupado de diversas e contundentes críticas da doutri- na que sobre ele se voltou 13. É certo que a escolha , tal qual feita, pode receber censura do mesmo quilate, quando confrontado o que se propõe com o art. 109, I, da Constituição Federal. Sem pretender fechar posição sobre a matéria – a reflexão e o amadurecimento sobre o que consta do Projeto e sobre o que a ele será incorporado pela Câmara dos Deputados é, antes de tudo, uma necessidade –, a questão tem tudo para ser respondida com a mesma (simplista) solução usualmente dada àquele dispositivo constitucional: como ele não se refere ao amicus curiae , a intervenção àquele título não modifica a competência. Fosse (^13) Para essa demonstração, v. Bueno (2008 p. 221-250).
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o papel a ser desempenhado por aqueles intervenientes no processo, confrontando-o com as demais modalidades interventivas conhecidas pelo nosso direito, inclusive quando analisado em perspectiva histórica, a hipótese só pode ser de amicus curiae , fi- gura que desempenha aquele mesmo papel no direito estrangeiro^17.
O art. 322 não diz o que pode fazer o amicus curiae. Diz, embora com a discordância do n. 4.7 supra , o que ele não pode fazer, recorrer. Ao que parece, a intenção é permitir ao amicus curiae que intervenha no processo apenas e tãosomente para expor o seu ponto de vista sobre a questão debatida, destacando os elementos que, não fosse pela sua intervenção, muito provavelmente não seriam levadas em conta para o profe- rimento da decisão. A perspectiva é correta e não há por que discordar dela. Mas o atuar no processo não necessariamente se resume a uma simples manifestação. Há o antes e o depois; há os desdobramentos e as consequências da sua intervenção; há, como proposto, a conta- gem do prazo; há a dificuldade em se saber se o amicus curiae precisa ser representado por advogado; há a dificuldade em saber o que ocorre se o amicus , convocado, apre- senta sua manifestação fora dos quinze dias que lhe dá a lei ou se não se manifesta; nos casos de intervenção espontânea, até quan- do ele pode-se manifestar; e tantos outros assuntos de igual importância^18.
(^17) Demonstramos o acerto da afirmação do texto em Bueno (2008, p. 126-129; 621-627), rechaçando a ideia, bastante difundida, quanto a ser bastante, do ponto de vista científico, atestar que o amicus curiae é um terceiro. Ser terceiro diz muito pouco sobre a real identidade do amicus curiae , além de não permitir sua distinção de qualquer outro terceiro. Dizer que se trata de terceiro sui generis é desconhecer a experiência que o estudo do direito estrangeiro pode oferecer ao nosso. (^18) Em Bueno (2008, p. 655-666), apresentamos, de lege lata , respostas a todas essas questões que, diante do que escrevemos no texto, mostram-se como bons pontos de partida para a investigação que se fará ne-
Muito há, portanto, a se pensar sobre o assunto mesmo que seja aprovado pela Câmara dos Deputados o art. 322 do Projeto de Lei n. 8.046/2010. Nada, contudo, é tão importante quan- to a seguinte observação: a fixação de um precedente jurisdicional , no sentido correto da expressão, não se pode basear na quantidade do que é julgado. E sim, bem diferentemen- te, na qualidade do que se julga. Na exata medida em que o Projeto de novo Código de Processo Civil expressamente assume a necessidade de a jurisprudência dos Tri- bunais vincular os órgãos jurisdicionais a ele subordinados, toda a disciplina daí decorrente não pode ser vista, apenas e tão somente, como regra voltada, única e exclusivamente, à agilização do processo jurisdicional. Os resultados desejados para tal fim, queridos desde o art. 5o, LXXVIII, da Constituição Federal, o “princípio da eco- nomia e eficiência processuais”^19 , são muito mais a consequência do que a causa que ex- plica a razão de ser daqueles dispositivos. Os procedimentos projetados para se atingir aquele fim (v., em especial, o n. 5, supra ), com especial destaque à viabilidade de abertura à manifestação do amicus curiae , devem ser observados para fomentar um, tão necessariamente amplo como inarre- dável, debate acerca das teses jurídicas opostas que justificam a manifestação de nossos Tribunais criando condições para que suas decisões sejam ótimas e aceitáveis democraticamente^20.
Referências
BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. 7. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
cessária com a aprovação do novo Código de Processo Civil nos moldes como proposto. (^19) É a expressão que vimos empregando em Bueno (2011, v. 1, p. 179-184). (^20) Para a relação entre “democracia”, “consenso/ dissenso” e observância às “regras do jogo” (“procedi- mentos”), v., por todos, Bobbio (2000, p. 30-33; 73-76).
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BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direi- to processual civil. 5. ed. São Paulo, Saraiva, 2011. v. 1, 2.
______. Amicus curiae no processo civil brasileiro : um terceiro enigmático. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
Carneiro, Athos Gusmão. Intervenção de terceiros. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, Os agravos no CPC brasileiro. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.