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Algumas figuras de linguagem, Notas de estudo de Poesia

Os oxímoros aparecem constantemente em títulos de obras e poemas; vejamos alguns, ao lado de outros exemplos: Claro enigma. (Carlos Drummond). Page 5. 5.

Tipologia: Notas de estudo

2022

Compartilhado em 07/11/2022

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Algumas figuras de linguagem
Ao tratar da presença das figuras de linguagem no poema (ou na prosa de
ficção), é sempre bom ter em mente que o importante, mais do que saber
exatamente qual o nome de determinada figura, é compreender o que aquela
combinação de imagens criou de expressivo para o verso e o poema como um
todo. Dizendo de outro modo, mais importante do que identificar a figura pelo
nome é compreender por que tal figura é fundamental para o sentido do poema,
mesmo que haja (como muitas vezes há) dúvida quanto a sua exata definição, já
que a terminologia das gramáticas, tratados e poéticas não dá conta da inúmera
variação que a criação de uma imagem pode apresentar nos diferentes
contextos. Ainda assim, vamos a algumas definições, a fim de auxiliar na leitura
do poema.
1. Antítese e oxímoro
A antítese caracteriza-se por apresentar uma formação em dois segmentos que
se opõem ou criam um contraste entre si. É uma figura que aparece
constantemente na formação dos provérbios (os ditados populares), geralmente
compostos em binômio:
Devagar/ se vai ao longe.
Quem tudo quer/ tudo perde.
Depois da tempestade/ vem a bonança.
A antítese supõe uma formação em binômio e, por extensão, uma simetria;
quando essa simetria vem amparada numa rima interna ou externa, ganha
maior ênfase.
Água mole/ em pedra dura
Tanto bate/ até que fura.
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Algumas figuras de linguagem

Ao tratar da presença das figuras de linguagem no poema (ou na prosa de ficção), é sempre bom ter em mente que o importante, mais do que saber exatamente qual o nome de determinada figura, é compreender o que aquela combinação de imagens criou de expressivo para o verso e o poema como um todo. Dizendo de outro modo, mais importante do que identificar a figura pelo nome é compreender por que tal figura é fundamental para o sentido do poema, mesmo que haja (como muitas vezes há) dúvida quanto a sua exata definição, já que a terminologia das gramáticas, tratados e poéticas não dá conta da inúmera variação que a criação de uma imagem pode apresentar nos diferentes contextos. Ainda assim, vamos a algumas definições, a fim de auxiliar na leitura do poema.

  1. Antítese e oxímoro

A antítese caracteriza-se por apresentar uma formação em dois segmentos que se opõem ou criam um contraste entre si. É uma figura que aparece constantemente na formação dos provérbios (os ditados populares), geralmente compostos em binômio:

Devagar/ se vai ao longe.

Quem tudo quer/ tudo perde.

Depois da tempestade/ vem a bonança.

A antítese supõe uma formação em binômio e, por extensão, uma simetria; quando essa simetria vem amparada numa rima interna ou externa, ganha maior ênfase.

Água mole/ em pedra dura Tanto bate/ até que fura.

Quem dá o que tem/ a pedir vem. (do romance São Bernardo )

Fica claro, já em alguns dos exemplos acima, que a antítese não requer a construção em antônimos, mas sim com ideias que se oponham. Na verdade, o mais comum na poesia é justamente o poeta evitar o antônimo direto do termo precedente, a fim de esquivar-se a uma construção previsível. Vejamos alguns exemplos tirados da poesia lírica ou da prosa de ficção (o exemplo acima está em Graciliano, mas é uma expressão da cultura popular):

Temos todos duas vidas: A verdadeira, que é a que sonhamos na infância, E que continuamos sonhando, adultos, num substrato de névoa; A falsa, que é a que vivemos em convivência com outros, Que é a prática, a útil, Aquela em que acabam por nos meter num caixão. (Álvaro de Campos)

No exemplo acima, do poema “Dactilografia”, há oposição direta entre as expressões “vida verdadeira” e “vida falsa”; mas o excerto (bem como o poema todo) vai desdobrar essa oposição em diferentes aspectos, dando-lhe grande complexidade.

Ana dava a tudo, tranquilamente, sua mão pequena e forte [...]. (Clarice Lispector)

Neste exemplo, há um cruzamento suposto, pois a priori se associaria o pequeno ao fraco e o grande ao forte; daí a força expressiva da construção “pequena e forte”, que está supondo o pré-conceito do leitor.

Tive ouro, tive gado, tive fazendas. Hoje sou funcionário público. (Carlos Drummond)

é uma maneira de a poesia apreender a vida na sua condição mais intensa. Observe-se este exemplo:

Ganhei (perdi) meu dia. E baixa a coisa fria também chamada noite [...]. (Carlos Drummond)

Este caso radicaliza a oposição, criando propriamente um “impossível lógico”, pois se o Eu ganhou, não perdeu; se perdeu, não ganhou. Obviamente, a contradição se explica (mas não se anula, enquanto tensão) pela “razão poética”. De um lado, o Eu ganhou o dia, na expressão popular que significa um sentido pragmático da vida, de alguma maneira ligado ao ganho material (e, de fato, ganhou a fração de salário do mês); digamos que aí o Eu está endossando uma voz pública que fala desse sentido “ideológico” do trabalho; mas esse Eu, como sabemos pelo verso do exemplo anterior, é um funcionário público fazendo um serviço burocrático e sem sentido; ou seja, os parênteses (já vimos o sentido deles para a poesia lírica) indicam uma voz interior, subterrânea, uma voz angustiada ou melancólica que traz consigo a consciência do tempo; logo, o segundo termo anula o primeiro, sorrateiramente, anulando o outro de maneira precisa (note-se que são duas dissílabas e oxítonas, terminadas em / i /; e o segundo / i / é mais enfático, já que o primeiro é de um ditongo decrescente, criando uma assonância com o centro de “dia”). Essa oposição do contraditório se duplica no verso seguinte, pois a voz pública, que “ganha o dia”, chama de “noite” ao que a voz subterrânea do Eu lírico chama de “coisa fria” (é de se notar inclusive que “noite” está numa posição inferior, pois “a coisa fria” é “também” chamada noite).

Os oxímoros aparecem constantemente em títulos de obras e poemas; vejamos alguns, ao lado de outros exemplos:

Claro enigma (Carlos Drummond).

“Balada do morto vivo” (Vinicius de Moraes).

“O enterrado vivo” (Carlos Drummond)

Neste caso, “enterrado” é metonímia de “morto”.

“Amar amaro” (Carlos Drummond)

Neste caso, do ponto de vista sonoro forma-se também uma paronomásia perfeita.

dize: “Eu não pude conhecê-la, sua história está mal contada,

mas seu nome, de barca e estrela, foi: “SERENA DESESPERADA”. (Cecília Meireles)

[Ana] atravessara o amor e o seu inferno [...]. (Clarice Lispector)

Entenda-se: atravessara o amor e o inferno do amor.

O mito é o nada que é tudo. (Fernando Pessoa)

então, só essa pintura de que foste capaz, de que excluíste até o nada, por demais, (João Cabral)

em que a primeira parte é formada de comparado mais análogo explícito (lua branca); a segunda, do comparante mais análogo implícito (lírio [branco]), ambas ligadas pelo nexo (como).

Algumas observações complementares: a) a transgressão pode estar nos elementos aproximados, mas pode estar também na qualidade que os liga; b) o análogo, a qualidade que pertence aos dois, pode estar ausente (na poesia, muitas vezes está, como veremos); c) o nexo tem várias formulações: como, tal como, qual, tal qual, assim como, parece, semelha, lembra etc.

Nos exemplos abaixo, vemos que essa formulação elementar tende a se apresentar de maneira menos esquemática:

Minh’alma é triste como a flor que morre Pendida à beira do riacho ingrato; (Casimiro de Abreu)

Nesses versos bastante românticos, temos um símile claro: o comparado e sua qualidade ou condição (o análogo) – “Minh’alma é triste” –; o nexo sintático que liga as duas partes – “como” –; e o comparante que dá a conhecer como a alma do Eu é triste: “a flor que morre pendida à beira do riacho ingrato”. Note-se que o comparante é o todo da imagem; seria incompleto dizer que a alma do Eu é triste como “a flor que morre”.

Minh’alma é triste como o grito agudo Das arapongas no sertão deserto; (Casimiro de Abreu)

Outro símile do mesmo poema, cuja construção é idêntica, não restando dúvida. Cito esses versos por uma curiosidade: eles são do mesmo poema, mas sentimos algo de diferente em relação ao romantismo anterior; os anteriores são bastante românticos, mas estes têm algo de diferente, sem deixar de ser românticos. O segundo par tem um traço brasileiro na formação das imagens, e um traço prosaico; ainda que românticos, estes segundos já têm algo ligeiramente

moderno pelo prosaísmo. Vejamos o mesmo símile agora na voz propriamente de um modernista:

Minha alma corcunda como a avenida São João... (Mário de Andrade)

No exemplo de Mário, o análogo que liga a alma do Eu e a Avenida São João está no verbo “corcunda” (a corcova), que pode também ser lido como adjetivo e, nesse caso, sem verbo. Em qualquer dos casos, o termo “corcunda” nesse exemplo tem um sentido metafórico, já que nem a alma nem a avenida são corcundas.

Sua voz quando ela canta me lembra um pássaro mas não um pássaro cantando: lembra um pássaro voando (Ferreira Gullar)

Neste exemplo de Gullar, o comparado (que o Eu quer dar a conhecer) é “sua voz quando ela canta”, e o análogo está implicado na voz cantante; mas cria-se um jogo, uma brincadeira poética, ao negar o primeiro símile: a voz dela não se parece com a voz do pássaro (o que seria banal) e, sim, com o voo do pássaro. Logo, o sentido do análogo está no cruzamento entre voo e voz cantando: como um canto pode lembrar um voo? A resposta que for dada identificará a analogia (esta poderá passar pelo sentido de suavidade, harmonia, do sublime implicado na altura etc.).

Catar feijão se limita com escrever: (João Cabral)

Neste exemplo de Cabral, o comparado (que se quer conhecer) e o comparante (que dá a conhecer) estão em lugares trocados, já que o interesse é definir o que é o ato de escrever. O nexo sintático é “se limita com”, ao passo que o análogo está ausente, e será desenvolvido ao longo do poema.

  1. Metáfora

A mais importante das figuras de linguagem para a poesia, a metáfora se define propriamente como se define a lírica. Vejamos inicialmente a definição:

A lua é branca como um lírio.

Vimos que uma frase como esta forma um símile, uma comparação poética; mas podemos formular a frase de maneira mais concisa e concentrada, criando uma radicalidade maior da imagem:

A lua é um lírio.

Nesse caso, não se trata de uma comparação; diz-se que a lua é um lírio, o que rompe a lógica, a razão cotidiana, visto que a lua é a lua, e um lírio é um lírio. Não se trata de uma aproximação como no símile, mas de uma afirmação taxativa, dizendo que um ser é o outro ser. Não há comparante nem comparado, não há nexo sintático nem análogo: o um é o outro, o que equivale ao princípio da lírica, o um-no-outro. Talvez possamos definir a metáfora de forma simples, dizendo que sempre que houver um cruzamento semântico de áreas heterogêneas, haverá ali uma metáfora.

No símile, temos uma construção analítica, em que o pensamento cria aproximação: isto, neste sentido, se parece com aquilo; na metáfora, a construção é sintética, um salto: isto é aquilo. Neste sentido, ela é radical, inesperada, criando figurações inusitadas, insólitas. Mas fique registrado desde já: ela não é melhor do que o símile; o que é melhor ou pior é a imagem construída, não o procedimento; sendo assim, há metáforas melhores que determinados símiles, assim como há símiles mais poéticos e radicais do que determinadas metáforas. O que é melhor ou pior é sempre a obra, não o procedimento. A prova disso são os símiles de João Cabral, que os cultiva em função de seu pensamento analítico.

Desse modo, falaremos apenas em termo metaforizado e termo metafórico; ou seja, no exemplo acima, “a lua” é o metaforizado, que se quer dar a conhecer; e “um lírio”, o metafórico, o que possibilita o conhecer. Note-se que a relação estabelecida não está explicada; por isso, a metáfora é mais radical, mais ambígua, mais enigmática na sua construção, já que requer muito mais interpretação: por que a lua é um lírio? Há várias sugestões implicadas na relação entre os termos da metáfora, conforme ficará explicitado em alguns exemplos abaixo.

Outro aspecto a considerar é que a metáfora não é um embelezamento do discurso simplesmente; ela é um instrumento do conhecimento humano; nosso conhecimento do mundo e da vida ficaria enormemente empobrecido sem a metáfora, sem as relações metafóricas; pensemos no tempo: tudo quanto sabemos do tempo tem muito de uma dimensão metafórica. Agora, observe-se o exemplo abaixo:

No céu da noite, um lírio.

Essa formulação é ainda mais radical, pois há somente o termo metafórico (um lírio); o metaforizado está ausente e cria uma ambiguidade maior ainda: o que é esse lírio no céu? Uma lua, uma estrela ou outro ser? Nesse caso, o contexto tende a criar sugestões de interpretação. A tradição retórica chama a essa metáfora de metáfora pura ou em ausência (ausência do metaforizado), diferindo da anterior, que seria a metáfora impura ou em presença. Vejamos alguns exemplos:

E agora, José? Sua doce palavra, seu instante de febre, sua gula e jejum, sua biblioteca, sua lavra de ouro, seu terno de vidro, sua incoerência, seu ódio – e agora?

No exemplo acima, o segundo verso é literal, falando do inverno; o primeiro, metafórico, pois o chão não é coberto por um manto; trata-se claramente da vegetação viçosa renascida com as estações quentes. Alguns comentários: a) veja-se como a metáfora cria sugestões, pois o termo “manto” tem dois sentidos, ao menos: está ligado a cobertor (daí a palavra “manta”), em oposição ao frio da neve; e também é expressão do esplendor da natureza, à medida que manto é uma peça de vestuário ligada à realeza e à divindade; b) o próprio tempo já está metaforizado, criando uma pequena alegoria, à medida que o tempo “cobre” o chão (uma metáfora), pois se trata de uma ação humana (a mãe cobre o filho com o cobertor); c) o segundo verso é literal, pois neve fria (um pleonasmo finíssimo) é literal, e contrasta com o anterior, criando o choque do inesperado no seio do esperado, de que fala Jakobson; ainda assim, o “coberto” contamina de metáfora o início do verso; d) formam também uma antítese, e aqui um comentário importante: uma imagem pode concentrar várias figuras; neste exemplo temos no mínimo: metáforas, metonímias (chão, neve fria), pleonasmo, alegoria, antítese.

Risco nesse papel praia, em sua brancura crítica, (João Cabral)

Duas metáforas: “papel praia”, sem dúvida, em que a folha de papel é associada à areia da praia extensa (veja-se que interessante: o verso é de Frei Caneca no poema Auto do Frade ; o fato de chamar a folha de papel de “praia” e “riscar” seus poemas no papel praia remete à imagem de outro religioso, José de Anchieta). A outra metáfora, muito cabralina, é “brancura crítica”; “crítica” é de outra área semântica, não é um qualificativo de cor (por exemplo, branco alcalino); trata-se do desafio que a folha em branco impõe ao rigor do poeta, na construção de seu verso, uma imagem claramente mallarmiana.

o silêncio paciente vagaroso se infiltra, (João Cabral)

Neste exemplo, chamo atenção para dois aspectos: a) tudo é metáfora nesses versos, pois o poeta alegoriza o silêncio; e aqui uma regrinha da metáfora: geralmente ela é feita de quatro classes gramaticais: substantivo, adjetivo, verbo e advérbio; as quatro estão presentes nos versos; b) retomo o que já disse no início: fica claro neste exemplo como a metáfora é um meio de conhecimento; como o poeta conseguiria dizer a força e significação do silêncio em termos científicos? A metáfora não pode ser inteiramente explicada pelo conceito.

Eu permaneci, com as bagagens da vida. (Guimarães Rosa)

Neste exemplo tirado da prosa de ficção, fica clara a metáfora: “bagagens da vida”, com a sugestão do peso das responsabilidades e sofrimentos (o exemplo é do conto “A terceira margem do rio”, e a história trágica do filho que não consegue se livrar da imagem do pai). De certo modo, a metáfora mostra como um termo contamina o outro, ou seja, a metáfora está propriamente na imagem das “bagagens”, sugerindo o que dissemos acima; mas note-se que essa imagem contamina “vida” de uma condição metafórica, pois se a vida supõe “bagagens”, então a vida é uma viagem.

Não leio mais, não posso, que este tempo a mim distribuído cai do ramo e azuleja o chão varrido, chão tão limpo de ambição que minha só leitura é ler o chão. (Carlos Drummond)

O trecho acima pertence ao poema “Apelo a meus dessemelhantes em favor da paz”, poema bastante irônico, e mesmo jocoso, de Drummond. Praticamente tudo nesse trecho é metáfora: o primeiro verso admite ser entendido literalmente, quando o Eu diz que não pode mais ler (dada a velhice e o pouco tempo de vida), fazendo portanto o apelo a seus “dessemelhantes” para que não lhe mandem originais pra ler, e sendo irônico o tempo todo. Mas a partir daí, tudo é metáfora: “tempo distribuído” (espécie de ração de tempo, para esse Eu próximo da morte); o tempo “cai do ramo” (como as folhas mortas); e “azuleja o

Basicamente, está no fato de que a metáfora não pertence ao contexto de que se fala, havendo uma substituição de um termo literal pelo termo figurado, metafórico (ao invés de dizer que os raios do sol eram avermelhados, disse que o sol estava sangrando). A metonímia (e a sinédoque) por sua vez pertence ao contexto: o sino soava na tarde; mas o sino é feito de bronze; ao invés de dizer que o sino soava na tarde, eu disse que o bronze soava na tarde, o que é um fato. O bronze pertence ao contexto, ele faz parte do sino. Nesse caso, eu não substituí uma palavra por outra, como no caso da metáfora: eu suprimi uma informação; ou seja, ao invés de dizer o termo mais esperado, eu disse um que lhe ficava ao lado, e criei um estranhamento na frase. Se eu trouxer o outro termo de volta, acaba o estranhamento:

O sino de bronze soava na tarde.

O bronze do sino soava na tarde.

Como se vê, nos dois casos eu trouxe de volta o termo que faltava e a frase perdeu o estranhamento. Assim, a metáfora não pertence ao contexto de que se fala, havendo um salto para outro contexto, uma substituição de um dado deste contexto por um dado daquele outro. A metonímia, por sua vez, pertence ao contexto; eu apenas suprimo um dado do contexto da frase por outro dado do mesmo contexto, ambos remetendo ao objeto de que se fala. Esse deslocamento cria o estranhamento, que é fonte de poesia.

Qual a diferença entre metonímia e sinédoque? É uma diferença simples, mas pode dar algum trabalho às vezes; na dúvida, vale o maior e deve prevalecer a metonímia. A metonímia tem por princípio a relação entre a parte e o todo. Mas num caso (o da sinédoque), essa relação é mais direta; no outro (da metonímia), a relação é mais indireta, estranha etc. Vejamos uns exemplos:

Preciso de um teto para morar.

O bronze soava na tarde.

Nos dois casos, temos a presença de uma sinédoque (havia dito que trataria de início o caso do sino como metonímia, o mais geral). Qual a semelhança entre os dois? Nos dois eu tenho uma relação de extensão , uma relação material entre termos de mesma natureza. Entre teto e casa há uma extensão, sem intervalo (o teto é parte da casa); entre bronze e sino também há uma extensão (o bronze é o material que tem a forma de um sino: onde termina um, termina o outro). Vejamos agora o caso propriamente da metonímia:

Vivo do suor do meu rosto.

Esta frase banal e conhecidíssima é sempre um primeiro exemplo de metonímia. O falante está dizendo que vive do seu trabalho; mas ao invés de dizer “vivo do meu trabalho”, disse “vivo do suor do meu rosto”. Qual a diferença para o caso da relação teto/casa? No exemplo acima, nem a palavra “trabalho”, nem a expressão “suor do rosto” diz a totalidade, pois a totalidade é um processo feito de várias etapas, de vários elementos heterogêneos. Eu poderia fazer uma série de variações com essa formulação, todas elas etapas do processo de trabalho que dá o sustento ao indivíduo; vejamos o caso:

Vivo do suor do meu rosto.

Vivo do despertador que me acorda.

Vivo de tomar metrô lotado.

Vivo do cartão de ponto.

Vivo de “o senhor está atrasado”.

Vivo do meu holerite etc.

Todas essas frases são partes de um processo e, portanto, são metonímias desse processo, que tem uma natureza heterogênea. Assim, podemos definir a metonímia de modo simples, dizendo que ocorre sempre uma relação de

trabalho: vive de um processo que começa antes e acaba depois, ainda que o centro possa ser o trabalho.

Um último exemplo: num determinado filme francês, há uma cena de um senhor idoso, muito distinto, que se dirige a uma “garota de programa”, com quem já havia se relacionado numa cena anterior, no quarto de um hotel barato, em cujo saguão ela se encontra; para chegar ao quarto, que fica uns dois andares acima, é preciso subir uma escada íngreme e cansativa. Ele se aproxima de forma calma, andando com certa dificuldade, trajado de modo distinto, e diz a ela: “Senhorita, será que podemos subir aquelas escadas novamente?”. A frase é poética e inesperada, não simplesmente pelo modo cortês com que ele age, quando se esperaria uma atitude e fala mais prosaica, se não grosseira; mas é poética sobretudo por ser formulada na chave de uma metonímia: ao invés de usar uma expressão que pudesse se referir ao todo ou à razão do encontro, ele utiliza uma parte do processo que, literalmente, se distancia do centro e cria o efeito do estranhamento. Poderia ter utilizado outras expressões similares, que também seriam metonímicas, como, por exemplo, ao dizer: “Será que a senhorita poderia acender novamente o abajur do seu quarto?”, ou outra semelhante. A metonímia é sempre um deslocamento que cria a ambiguidade e o sugestivo, por conta desse deslocamento. É de se notar também que a parte escolhida nunca é gratuita: tem uma implicação importante para a cena. No caso mencionado, ela fala do sofrimento do idoso para vencer as escadas e, por contraste, do prazer envolvido na cena.

O título das obras literárias ou de ficção será sempre metonímico, quando não metafórico, pois falará de uma parte do todo ou de uma parte de um processo: para citar um exemplo qualquer, tomemos o caso de Agosto , romance de Rubem Fonseca: o título é metonímico porque não fala do mês de agosto em si, o que não faria muito sentido; fala, isto sim, dos acontecimentos de agosto de 54, contando o suicídio de Getúlio Vargas e uma história policialesca; neste caso, temos dois elementos que compõem o todo de sentido: em agosto ocorreram determinados acontecimentos, acontecimentos que o romance vai narrar; logo, o romance se chama Agosto. Neste caso, ocorre uma modalidade de metonímia,

a troca do conteúdo (os acontecimentos) pelo continente (o mês de agosto). O título cria certa sugestão pelas implicações do mês no imaginário popular, e como data que ganha uma dimensão histórica. Aqui, novamente o mesmo aspecto: o deslocamento cria o sugestivo.

Antes de ir aos exemplos literários, alguns casos da linguagem jornalística: o jornalista esportivo diz que “Messi é o nome do gol”. A metonímia explica o estranhamento da frase, com um mero silogismo: Messi é o nome do jogador, e o jogador fez o gol: logo, Messi é o nome do gol (houve supressão de uma informação). O jornalista econômico diz que os números da economia foram ruins no mês de abril, mas que os números podem melhorar em maio: “Esperemos que não haja outro abril em maio” (a supressão da informação dos números). O jornalista político diz que os políticos estão evitando aprovar a reforma porque “temem as urnas” ou “temem o mês de outubro”; nos dois casos, há supressão de uma informação óbvia.

Como se sabe, há vários casos descritos de sinédoque e metonímia pelos manuais; mas basicamente se reduzem a esse esquema, sendo desnecessário decorá-los todos; em todo caso, mencionemos alguns mais constantes: na sinédoque, dois: a) a parte em lugar do todo (o caso do teto em lugar da casa); b) o material em lugar do artefato (o caso do bronze em lugar do sino). No caso da metonímia, são muito comuns: a) o efeito em lugar da causa (o caso do suor no rosto em lugar do trabalho); b) o continente em lugar do conteúdo (o caso de Maracanã em lugar do jogo); c) o concreto em lugar do abstrato ou geral (o caso das urnas em lugar de eleição). Nessas modalidades (e outras) apresentadas pelos manuais, um mesmo exemplo pode se encaixar em mais de uma.

Para uma descrição muito boa de todas as formas de metonímia e sinédoque, q.v. o livro de Othon M. Garcia, Comunicação em prosa moderna , consultando o índice onomástico com os termos “sinédoque” e “metonímia”.

Algumas últimas observações: a) tanto a sinédoque quanto a metonímia elegem a parte mais significativa do todo; b) a metonímia é uma condição da