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Algumas considerações sobre a contribuição de Malthus ao ..., Notas de estudo de História Econômica

XII Congresso Brasileiro de História Econômica & 13ª Conferência ... O nome de Thomas Malthus é a referência mais imediata quando se fala da ciência da ...

Tipologia: Notas de estudo

2022

Compartilhado em 07/11/2022

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Algumas considerações sobre a contribuição de Malthus ao
Pensamento Econômico
Luiz Eduardo Simões de Souza
Maria de Fátima Silva do Carmo Previdelli
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Algumas considerações sobre a contribuição de Malthus ao

Pensamento Econômico

Luiz Eduardo Simões de Souza Maria de Fátima Silva do Carmo Previdelli

Algumas considerações sobre a contribuição de Malthus ao Pensamento Econômico

Algumas considerações sobre a contribuição de Malthus ao Pensamento

Econômico

Luiz Eduardo Simões de Souza^1 Maria de Fátima Silva do Carmo Previdelli^2

Resumo O nome de Thomas Malthus é a referência mais imediata quando se fala da ciência da população. O autor do bicentenário Ensaio Sobre a População (1798) foi o principal divulgador de uma das mais intrigantes teorias do crescimento populacional. Seu pensamento influenciou desde coetâneos, como David Ricardo, escolas de pensamento “neomalthusiano” de meados dos anos 1960 até os dias de hoje. Estas notas abordam alguns aspectos da teoria populacional antes do Ensaio , e o impacto que a obra teve, tanto em sua influência como nas críticas e réplicas que sua obra sofreu ao longo dos séculos XIX e XX. O objetivo delas é traçar diretrizes para uma interpretação mais precisa da contribuição de Malthus ao pensamento social. Palavras-chave: Malthusianismo; Malthus; Demografia; População; Pensamento Econômico.

Abstract Thomas Malthus is the most immediate reference when it comes to population science. The author of the bicentennial Essay on Population (1798) was the main disseminator of one of the most intriguing theories of population growth. His thinking has influenced from contemporaries, such as David Ricardo, to most of "neo-Malthusian" schools of thought from the mid-1960s to the present day. These notes address some aspects of population theory prior to the Essay, and the impact that the work had on both its influence and the critiques and replicas that his work suffered throughout the nineteenth and twentieth centuries. Their purpose is to draw up guidelines for a more precise interpretation of Malthus' contribution to social thought. Keywords: Malthusianism; Malthus; Demography; Population; Economic Thought.

1 Doutor em História Econômica. Professor da UFMA. 2 Doutora em História Econômica. Professora da UFMA.

Algumas considerações sobre a contribuição de Malthus ao Pensamento Econômico Criticada por uns e aplaudida por outros, a obra ganhou várias edições ao longo da vida de Malthus. Apenas em 1803, o pastor assumiria a autoria do Ensaio. Paralelamente, Malthus estendeu o conceito de esgotamento dos recursos materiais à questão do crescimento e distribuição do produto, com a obra Uma Investigação Sobre o a Natureza e o Progresso da Renda, de 1815, e o panfleto A Lei dos Pobres , de 1817. Uma última polêmica sobre a relação entre produção e consumo com David Ricardo – à época considerado o maior expoente de pensamento do que seria chamado posteriormente de “Escola Clássica” – colocaria as ideias de Malthus sobre economia à margem do desenvolvimento da ciência. Malthus estacionaria sua carreira acadêmica em 1805, lecionando no Haileybury College até sua morte, em 1834. As ideias sobre população presentes no Ensaio , contudo, foram amplamente utilizadas (até mesmo por Ricardo). Talvez em uma busca final de reconhecimento pela comunidade acadêmica, Malthus voltaria a elas em seus últimos anos, ao escrever o verbete “População” para a Enciclopædia Brittanica de 1824, que terminaria editado como um panfleto intitulado “Uma visão sumária do princípio da população”, em 1830. Quatro anos depois, em Bath, um povoado próximo a Londres, em 29 de dezembro, Malthus faleceria, de mal súbito, enquanto visitava parentes no Natal. Casado desde 1805, Malthus teve três filhos. Nenhum lhes deu netos. Assim, o maior representante do controle demográfico não teve descendentes.

O debate sobre a população à época de Malthus

Na segunda metade do século XVIII, dois eventos históricos ganhavam corpo na Europa: a Revolução Industrial e a Revolução Francesa. O ambiente de ideias características do Iluminismo colocava o problema da pobreza na pauta de debates. Assim, vários pensadores sociais de época surgiram com não menos numerosas explicações para o fenômeno da pobreza. O uso dos dados populacionais como material para a construção mais ou menos parcial dessas explicações resultou em três possibilidades explicativas da existência da pobreza a partir da população. Tais possibilidades dividem-se entre as afirmações de que: a) Não há correlação alguma entre população e pobreza; b) Há correlação negativa entre pobreza e população; ou seja, quanto maior for a população, menor será a pobreza;

Algumas considerações sobre a contribuição de Malthus ao Pensamento Econômico c) Há correlação positiva entre pobreza e população; ou seja, quanto maior for população, maior será a pobreza.

As obras que não observavam nenhuma correlação entre pobreza e população remontam às Confissões , de Charles Montesquieu (1721), que, entre outras assertivas, afirmava que a população do mundo antigo era maior do que a existente em sua época. Aparentemente, Montesquieu fez ele mesmo uso de uma concepção antiga, segundo a qual o crescimento da população era uma consequência do crescimento econômico. Então, pode-se dizer que o ponto de partida das discussões sobre pobreza e população reside na mudança de polo da relação causal entre crescimento econômico e crescimento demográfico. O primeiro pensador a abordar a questão por esse prisma parece ter sido Giovanni Botero, em uma obra de 1589^3 , na qual aparece uma ideia bastante parecida com a tese malthusiana. Segundo Botero, existiriam duas virtudes que agiriam sobre a população, a virtus generativa (equivalente à natalidade) e a virtus nutritiva (correspondente à capacidade de produção de alimentos). A população tenderia a aumentar até o limite permitido pela fecundidade ( virtus generativa ). Os meios de subsistência, por outro lado, estariam sujeitos à barreira constituída pela virtus nutritiva. Malthus, sem dúvida, teve acesso à tese de Botero, pois o italiano foi citado por William Petty, em 1683^4 , por Johann Süssmilch em 1741^5 , e por Robert Wallace, em 1753^6. Este representava um pensamento minoritário na época. François Quesnay, principal expoente da Fisiocracia, David Hume e, posteriormente, Adam Smith, em sua Riqueza das Nações (1776), encararam a pressão demográfica como um fenômeno então presente, sem maiores correspondências causais. Um dos primeiros autores a sugerir políticas que ligassem população ao aumento da riqueza nacional foi William Bell. Em uma obra de 1756^7 , Bell expôs a tese de que o desenvolvimento das manufaturas e do comércio, ao retirar recursos da produção de bens alimentícios, tendia a gerar um “reprovável” corte no crescimento da população. Para solucionar tal problema, Bell sustentou a necessidade de favorecer o desenvolvimento da

3 Della Cause della grandezza e magnificenza delle cittá. 4 Observations on the Dublin Bills of Mortality. 5 Die goettliche Ordnung in den Veraenderungen des menschlichten Geslechtsaus der Geburt, dem Tode und der Fortpflanzung desselben erwiesen. 6 The Numbers of Man in Ancient and Modern Times. É importante notar que nessa obra, em particular, aparece pela primeira vez a tese de que uma população tem a capacidade de crescer geometricamente. 7 What causes principally contribute to render a population populous?

Algumas considerações sobre a contribuição de Malthus ao Pensamento Econômico O tema central do Ensaio pode ser resumido em três palavras: população, produção e pobreza. O ambiente cultural do Iluminismo parece ter conduzido os olhares sobre o tema à aceitação da tese de que população e riqueza caminham juntas^9. Malthus não seria o primeiro a discordar dessa visão, mas sim o propagandista mais eficiente da tese contrária. Já nas primeiras páginas do Ensaio sobre a população , é possível ver o enunciado: A população, quando não controlada cresce numa progressão geométrica. Os meios de subsistência crescem apenas numa progressão aritmética. (MALTHUS, 1982: p. 282, cap. I)

Ou seja, os meios de subsistência cresceriam em uma progressão do tipo 1:2:3:4:5..., enquanto a população aumentaria em uma razão do tipo 1:2:4:8:16:32.... Esse seria o chamado princípio da população. Em todas as edições do Ensaio , ele se manteria intacto, pelo autor. Mudaria, contudo, a forma adotada pós Malthus para embasá-lo. Na primeira edição, de 1798, Thomas Malthus limitou-se a fundamentar seu princípio com exemplos históricos de dados populacionais da Europa (sobretudo da Inglaterra), comparando os aspectos do crescimento populacional da Antiguidade com os de sua época. Seriam dezenove capítulos distribuídos entre: a enunciação do princípio da população (capítulos 1 e 2); o embasamento histórico acima referido (capítulos 3 a 7); as críticas à literatura corrente sobre o assunto (capítulos 8 a 17); e um fecho, com proposições gerais acerca do futuro da humanidade, dado o princípio populacional (capítulos 18 e 19). Note-se que quase a metade do Ensaio original é dedicada à crítica de conceitos sobre a relação entre população e crescimento econômico que eram então de uso corrente. Malthus, com seu princípio da população , refutava as teses de Condorcet e Godwin de que uma maior população seria capaz de gerar um maior produto. A diferença entre os ritmos de crescimento da população e do produto seria a chave. Usando poucos dados demográficos da Inglaterra de séculos anteriores – havia, de fato, pouquíssima base empírica a sustentar qualquer conjectura - Malthus descartava as opiniões dos chamados populacionistas, por ele considerados como “excessivamente otimistas” ou “irresponsavelmente crédulos” na capacidade produtiva de uma população crescente. O poder comunicativo do princípio da população era forte: unia uma simplicidade próxima à formulação matemática à antítese entre as progressões “geométrica” e

9 Para mais informações sobre esse assunto, veja-se a SCHUMPETER, 1991, capítulo 5.

Algumas considerações sobre a contribuição de Malthus ao Pensamento Econômico

“aritmética”. Ainda que, nessa primeira edição, Malthus não tivesse realizado sequer um cálculo aproximado a partir de dados demográficos, ou mesmo uma demonstração algébrica de sua tese central, ela era boa demais para ser descartada pelos defensores do capitalismo industrial. Colocados contra a parede pelos críticos das consequências da Revolução Industrial – que viam a pobreza crescer à margem do progresso material de sua época – tais apologistas agarraram-se à tábua de salvação malthusiana, atribuindo a causa da pobreza ao excesso de pobres, e, em última análise, ao destempero demográfico das classes menos favorecidas. O argumento de Malthus de que qualquer população produziria riquezas em razão inferior ao seu crescimento numérico desviava os olhos dos analistas do problema da distribuição das mesmas. Essa concepção foi muito cara a David Ricardo, ao expor a “lei dos rendimentos decrescentes” em seus Princípios de Economia Política e Tributação (1817). Ricardo, que manteve extensa correspondência com Malthus entre 1803 e 1821, expressou várias vezes este débito intelectual com o pastor. Ainda assim, Malthus foi instado a fundamentar melhor sua tese. A segunda edição, de 1803, veria um trabalho totalmente reestruturado^10. Seriam agora cinquenta e cinco capítulos, distribuídos em quatro livros. Essa seria a base de todas as outras edições (1806, 1807, 1817 e 1826). Em seu prefácio, Malthus, então autor declarado do Ensaio , promete “uma nova obra”. Mas, apesar do maior volume, há poucas mudanças na substância do princípio da população , e na forma como ele é fundamentado. Nesse sentido, Malthus apenas adicionou um número maior de dados demográficos que corroborariam suas ideias ali expostas. Um aspecto, contudo, merece nota. Ao falar sobre os “obstáculos” ao crescimento da população, Malthus acrescentou, nessa nova edição, o da “restrição moral^11 ” (celibato voluntário), como uma barreira “moral” às restrições de ordem “natural”, ou seja, a fome e a peste, todas essas como elementos reguladores do “excedente populacional”. Assim, segundo o reverendo, como alternativa à doença e à inanição, restaria o celibato às classes menos favorecidas na distribuição do produto. Visto em perspectiva, o Ensaio sobre a População parece ter numa alegada força a sua maior fraqueza: há uma insuficiência de provas quantitativas para a assertiva

10 Mesmo o título da obra mudara: An Essay on the Principle of Population; or a View of its Past and Present Effects on Human Happiness; with an Inquiry into our Prospects Respecting the Future Removal or Mitigation of the Evils which it Occasions. 11 Moral restraint , no original.

Algumas considerações sobre a contribuição de Malthus ao Pensamento Econômico

econômico do século XX, o qual dizia ter Malthus descoberto “(...) o demônio do desemprego, que se espalha através do colapso da procura efetiva.” (KEYNES, 1983a (1937), p. 187).

As Críticas a Malthus

O princípio da população, conforme enunciado por Malthus, constituiu o substrato da relação entre esta e o crescimento econômico, para a chamada “escola clássica” do pensamento econômico, linha teórica composta por Ricardo, Stuart Mill, Say e outros economistas que adotaram a tese malthusiana como um axioma inconteste da impossibilidade de resolução dos problemas de distribuição de renda. Dado o princípio da população, tornava-se impossível a melhoria do padrão distributivo desta, e mesmo nociva e contraproducente a assistência social aos pobres. O único meio de melhorar as condições de vida dos trabalhadores – para os partidários do princípio populacional malthusiano – seria reduzir o seu número. John Stuart Mill, em seus Princípios de Economia Política (1848), buscou atenuar um pouco do furor liberal dos “clássicos”, atribuindo à tecnologia um papel importante na postergação dos efeitos das pressões demográficas (op. cit., 1996, cap. XII, parágrafo 2). Stuart Mill também chamaria a atenção para o fato de que as distribuições mais desiguais do produto acelerariam o advento dos problemas deduzidos do princípio da população, aproximando-se da visão de William Godwin, em sua Political Justice. Dos grandes críticos da “escola clássica”, como Sismondi, os socialistas utópicos e o socialismo cientifico de Friederich Engels^12 e Karl Marx, apenas os últimos escaparam da dupla armadilha retórica da crítica com viés sentimentalista (como Proudhon faz, em seu Filosofia da Miséria ), ou de propostas descabidas para sua época (como os falanstérios de Charles Fourier). Marx, em particular, examinaria detalhada e cientificamente a tese de Malthus. Isso não quer dizer que Marx fosse menos intenso do que os outros em suas críticas. Muito pelo contrário. Conforme o próprio, falando do Ensaio : (...) este escrito, na sua primeira forma, não é senão um plágio superficial (...) dos escritos de De Foe, Sir James Steuart, Townsend,

12 Engels buscaria desvincular a teoria de Charles Darwin de qualquer concepção malthusiana. No Anti-Dürhing, há uma passagem significativa, na qual o autor diz que não seriam precisos “óculos malthusianos para entender a ideia darwiniana da luta pela sobrevivência...” (ENGELS, 2015,p.99)

Algumas considerações sobre a contribuição de Malthus ao Pensamento Econômico Franklin, Wallace, etc. e não contém uma proposição original sequer.(MARX, 1982, v1, p. 177)

A acusação de Marx é grave. Feito o cotejo desses autores, os indícios ganham materialidade. Em defesa de Malthus, como atenuante, vários argumentos foram postos à baila, por vários autores, com resultados variados. Mas Karl Marx não se ateve apenas a essa questão. O princípio da população, fosse ou não autêntico, representava um verdadeiro "dogma dos economistas". Cabia-lhe exame mais detalhado. Enquanto Proudhon, Sismondi, e outros atribuíram os males da população às imperfeições de mercado, Marx observou que uma "lei geral de população" não existiria senão para animais irracionais e plantas. Todo sistema econômico teria a sua própria lei de população, e a de Malthus corresponderia à do modo de produção capitalista. Assim, o excedente populacional absoluto exposto na teoria de Malthus corresponderia a uma superpopulação relativa, para Marx. Esta seria característica de uma fase determinada do capitalismo, dada quando se passa do capitalismo comercial ao circuito dinâmico do capitalismo industrial. O aumento da demanda por trabalho, em um momento, e uma posterior mudança na composição a orgânica do capital, combinados, gerariam o excedente "relativo" de população, que configuraria o "exército industrial de reserva", verdadeira válvula de escape dos capitalistas para a redução dos salários dos trabalhadores. O excedente demográfico não seria dado, dessa forma, em virtude de sua força endógena, de maneira absoluta, mas em função da operacionalidade do modo de produção capitalista, daí sua relatividade. Em última análise, a lei de população de Malthus refletiria, para Marx, a condição de um sistema econômico que serve de uma população e não o contrário. Tal problema não existiria numa sociedade que tivesse abolida a propriedade privada dos meios de produção. Joseph Alois Schumpeter analisou a questão de maneira bastante ampla em sua História da Análise Econômica , de 1951. Reconhece a genealogia levantada por Marx ao acusar Malthus de plágio. Chega mesmo a ampliar o arco desenvolvido pelo filósofo alemão, ao estender para além de Steuart, Wallace e seus coetâneos a autoria do princípio arrogado por Malthus, chegando à relação entre as virtus nutritiva e genitiva , de Botero. Mas, na hora de dar seu veredito, Schumpeter usa de atenuantes bastante plausíveis. Primeiro, levando em consideração a obra de Malthus, defende sua contribuição metodológica ao pensamento econômico:

Algumas considerações sobre a contribuição de Malthus ao Pensamento Econômico O princípio malthusiano da população, se não totalmente original em sua concepção, o foi em sua formulação e aderência a um problema então considerado como iminente à conjuntura. Frente à expansão da divisão do trabalho, crescente urbanização, e crescimento populacional das cidades inglesas, Malthus apontou – ignorando-se o mérito de suas conclusões – para um problema social decorrente da expansão desenfreada das forças produtivas. Com o princípio da população, Malthus tomou o partido do que se consolidaria como a visão clássica do problema populacional na teoria econômica. Ao elaborar sua teoria das crises econômicas, contudo, Malthus tomaria um caminho mais arriscado. Sobre isso, diz Heimann (1971, p. 98-9): O sentido cabal da realização de Malthus, tanto intelectual quanto moralmente, só pode ser apreciado ao compreendermos que ele teve de romper com a escola de pensamento oficial, da qual era um dos chefes glorificados, para fazermos plena justiça ao seu problema.

O questionamento e a inversão da chamada “Lei de Say” colocariam a explicação das crises econômicas pela insuficiência de demanda, ao mesmo tempo, o pensamento econômico e demográfico de Malthus sob outra perspectiva, e este, por sua vez, à margem da linha-mestra da teoria elaborada à sua época. Se o Ensaio revelara-se um ponto de sustentação da visão clássica da relação entre produto e população – e uma conveniente justificativa para a pobreza gerada pela expansão do capital industrial - os Princípios apresentavam verdadeiras inconveniências aos capitalistas da época, como a necessidade de as classes mais abastadas dispenderem o máximo possível de sua renda, a necessidade do empreendimento de obras públicas que assegurassem o nível de emprego da economia, etc. Não deixa de ser curioso o fato de que uma grande crise do capital (a de 1929), caracterizada justamente pelo elevado desemprego, daria o mote para a “recuperação” dessa nuance do pensamento malthusiano.

Considerações Finais

Observada em conjunto, a obra de Malthus e sua contribuição ao pensamento econômico, à luz tanto de seus críticos mais violentos – que o acusam desde o plágio mais descabido à platitude mais apologética do capital, com traços de hipocrisia e mesmo desonestidade intelectual – como de seus admiradores mais gratos – que lhe atribuem não

Algumas considerações sobre a contribuição de Malthus ao Pensamento Econômico

apenas o princípio da demanda efetiva, mas a explicação moderna da origem das crises capitalistas, tendo sido injustamente ostracizado pelo mainstream teórico de sua época, mas resgatado pelos fatos – oferece um impasse, caracterizado pelas contradições que a própria trajetória do pensamento de Malthus deixa ao exame histórico. É provável que essa “herança contraditória” seja o legado de longo prazo do pensamento malthusiano; em parte por sua propriedade de aderência às conjunturas em que foi chamado a oferecer explicação; em parte pela falta de coesão interna entre as teses de superpopulação e subconsumo. Se a tese de superpopulação mostra Malthus, no melhor dos julgamentos, como um coordenador de ideias de sua época, a tese de subconsumo, questionada em Marx como um plágio de Sismondi (MARX, 1982), é assumida por Schumpeter como uma solução, ainda que insuficiente, original, após exame (SCHUMPETER, 1991). Do ponto de vista da metodologia do pensamento econômico, Malthus pode ser considerado um vanguardista em sua época, pela adoção tanto da modelagem de explicação econômica, como do sistema dedutivo-hipotético de formulação de “Leis” de movimento na sociedade. Contraditoriamente, as críticas de Ricardo aos Princípios mostram um Malthus também vulnerável às falácias de composição e aos vícios de indução condenados não apenas pela síntese clássica, mas também por outras escolas de base kantiano-popperiana das décadas subsequentes. É surpreendente ao final, para o estudioso, que justamente as teorias de viés neoclássico, ou seja, de base hipotético- dedutiva, ou falsificacionista, nos termos de Blaug (1999), busque reeditar, vez ou outra, o princípio da população, procedimento que somente se justifica por sua evidente conveniência ideológica.

Referências Bibliográficas

BLAUG, M. Metodologia da Economia ou Como os Economistas Pensam. São Paulo: Edusp, 1999. ENGELS, F. Anti-Dühring. São Paulo: Boitempo, 2015 (1878). HEIMANN, E. História das Doutrinas Econômicas. Rio de Janeiro: Zahar, 2ª. edição,

KEYNES, J, M. A Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro. São Paulo: Abril Cultural, 1983 (1936).