




























































































Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity
Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium
Prepare-se para as provas
Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity
Prepare-se para as provas com trabalhos de outros alunos como você, aqui na Docsity
Os melhores documentos à venda: Trabalhos de alunos formados
Prepare-se com as videoaulas e exercícios resolvidos criados a partir da grade da sua Universidade
Responda perguntas de provas passadas e avalie sua preparação.
Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium
Comunidade
Peça ajuda à comunidade e tire suas dúvidas relacionadas ao estudo
Descubra as melhores universidades em seu país de acordo com os usuários da Docsity
Guias grátis
Baixe gratuitamente nossos guias de estudo, métodos para diminuir a ansiedade, dicas de TCC preparadas pelos professores da Docsity
Augusto discute a relação entre o taylorismo e a teoria do valor de marx, enfatizando a dificuldade de situar o taylorismo na sequência de formas de trabalho expostas por marx em capital. O texto também aborda a polarição causada por engels e sraffa, que levou a uma rejeição da teoria do valor de marx e a uma nova estratégia para afastá-la do ensino oficial. Além disso, o autor examina a questão da redundância da teoria do valor trabalho e a importância de entender a mudança na forma de ataque à teoria.
O que você vai aprender
Tipologia: Slides
1 / 112
Esta página não é visível na pré-visualização
Não perca as partes importantes!
REVISTA Soc. Bras. Economia Política, São Paulo, nº 35, p. 49-70, junho 2013.
Resumo
Em sequência, este número da Revista da SEP publica o artigo de Moraes Neto que responde aos renovados argumentos de André G. Augusto, apresentados no artigo imediatamente anterior a este. Ele reafirma mais uma vez que, para ele, o taylorismo é simplesmente uma reinvenção da manufatura. Em consequência, o debate é encerrado, mas a questão central permanece aberta já que André G. Augusto – e nisto ele é acompanhado pelo grosso da literatura – acolhe a tese de que o taylorismo encaixa-se melhor naquilo que Marx chamou de grande indústria. Palavras chaves : taylorismo; processo de trabalho; manufatura; grande indústria; subsunção do trabalho ao capital; trabalho assalariado. Classificação JEL : B51; J
Introdução
Logo no início de sua tréplica, Augusto coloca um aspecto fundamental, por ele denominado de “‘enigma’ do taylorismo”, consistente na “dificuldade de situar o taylorismo na sequencia de formas do processo de trabalho expostas por Marx em O Capital .” (AUGUSTO, 2013, p.27-28) Sempre procurei achar, nos autores lidos, a solução para esse “enigma”, que para eles nem sequer se colocava como tal. Em trabalhos anteriores, discuti criticamente sobre as “soluções” de Aglietta (MORAES NETO,1989), Coriat (MORAES NETO, 1989 e 2008), Palloix (MORAES NETO,1989) e Braverman (MORAES NETO,1995), procurando sempre reforçar minha impressão de que o taylorismo (ou o taylorismo-fordismo)
se caracteriza como uma “reinvenção da manufatura”, ou seja, um processo de trabalho que guarda características muito mais próximas da manufatura do que da maquinaria. Como Augusto abre seu novo texto com a questão fundamental da busca do locus histórico-teórico do taylorismo, seria de se esperar que ela conduzisse toda sua reflexão. Como isto infelizmente não acontece, tentarei mais à frente achar uma possível resposta a partir de seus argumentos, para então colocá-la em debate.
Augusto reabre logo em seguida a discussão sobre o caráter do trabalho sob a manufatura, travada nos dois textos anteriores. Afirma agora que não compreendi corretamente a natureza da analogia que realizara entre grande indústria e taylorismo, que para mim parecera centrada no fato de que ambas se fundam sobre o trabalho desqualificado. Afirma inclusive que, em seu artigo, em momento algum utilizou a determinação de qualificado/desqualificado para caracterizar o trabalho. Todavia, abre uma brecha ao dizer que “tal distinção estaria implícita na diferenciação que faço entre a manufatura e o taylorismo” (AUGUSTO, 2013, p.28). Na verdade, não está tão implícita assim, como se pode deduzir pelas considerações abaixo extraídas do primeiro artigo de Augusto, pois, ainda que ele não use os termos trabalho qualificado/desqualificado, usa amplamente os sentidos que se deve dar aos mesmos:
(...) a manufatura surge a partir de uma mudança na força de trabalho, na transformação do trabalhador em trabalhador especializado. A base artesanal, no entanto, permanece na manufatura. É característico da manufatura que o trabalhador especializado ainda seja um trabalhador de ofício, que detém o controle – mesmo que parcial – do processo de trabalho, um processo que ainda depende de sua habilidade adquirida em um processo de formação mais ou menos longo de acordo com a complexidade das operações exigidas pela especialização do trabalhador. Assim, na manufatura, o processo de trabalho ainda se fundamenta na ‘habilidade profissional do artesão’(Marx). (AUGUSTO, 2011, p. 8-9) “A manufatura, conforme observado anteriormente, tem como base técnica o ofício, a habilidade profissional do artesão. (...) ao eliminar o
aspecto fundamental: o uso da ciência como princípio organizador do processo de trabalho.” (AUGUSTO, 2013, p.28) Trata-se de afirmação fundamental para todo o novo texto de Augusto, e para todo o debate que procurarei fazer em seguida, e, portanto, deve ser tratada com profundidade. Para o autor, o caráter empírico do trabalho manufatureiro advém de seu caráter inteiramente artesanal, consideração que já criticamos em nosso texto anterior, quando lembramos um caráter crucial da manufatura, qual seja, a forte hierarquia no trabalho entre “artífices” e “peões” (aqueles que, para Marx, possuem como “especialidade a ausência de toda a formação”). Meu argumento é que essa forte hierarquia é crucial, pois ela é responsável pela diferenciação fundamental entre manufatura e cooperação simples, e é para o caso dos “peões” da manufatura que recai minha analogia entre esta forma e o taylorismo (em especial o taylorismo-fordismo). Augusto não considera importante esta hierarquia, pois considera que todo o trabalho parcial sob a manufatura guarda características artesanais. Fugindo do debate em torno da interpretação de um trecho de Marx, citado por Augusto (AUGUSTO, 2013, p.29), que a meu juízo enfatiza que o trabalho na manufatura continua manual e não artesanal em todos os seus momentos parciais, fixemo-nos na argumentação. Para tanto, valem algumas citações esclarecedoras:
(...) meu ponto é que a diferença entre o taylorismo e a manufatura não depende da presença de trabalhadores ‘desqualificados’, isto é, que executem tarefas extremamente simplificadas na manufatura. Minha questão se refere a como as tarefas são executadas, independente de serem simples ou complexas. (AUGUSTO, 2013, p.30) (...) cabe ressaltar a minha afirmação a respeito da diferença entre a manufatura e o taylorismo. Colocado em termos bastante diretos, o trabalhador na manufatura não está sob o jugo do cronômetro e da tabela de movimentos, independente de sua tarefa ser simples ou complexa. (AUGUSTO, 2013, p.30) (...) um aspecto do ofício é crucial para a compreensão das limitações da manufatura: os gestos da produção estão sob o controle do trabalhador; isto significa que o ritmo, velocidade, em resumo, o tempo gasto nas operações – e, portanto, o tempo de trabalho na produção das mercadorias – estão sob o controle do trabalhador. (AUGUSTO, 2011, p.9)
REVISTA Soc. Bras. Economia Política, São Paulo, nº 35, p. 49-70, junho 2013.
Para Augusto, portanto, o fato de trabalhadores (na verdade a grande maioria deles) efetuarem trabalhos parciais desprovidos de conteúdo sob o jugo do capital não cria nenhuma especificidade relevante. Nada muda em relação à cooperação simples, na qual, dentre as diferentes tarefas parciais, algumas altamente complexas, os trabalhadores também efetuavam algumas tarefas bastante simples. Tudo continuaria igual, sendo tudo igualmente artesanal, com total controle do processo de trabalho por parte dos trabalhadores. Vejamos, todavia, algumas citações que esclarecem porque, ao invés de equivalência, a manufatura representou um revolucionamento na organização do trabalho em relação à cooperação simples, bem como a natureza desse revolucionamento:
Sendo o produto parcial de cada trabalhador parcial apenas um degrau particular no desenvolvimento do mesmo artigo, cada trabalhador ou grupo de trabalhadores fornece ao outro sua matéria-prima. O resultado do trabalho de um constitui o ponto de partida para o trabalho do outro. Um trabalhador ocupa, portanto, diretamente o outro. O tempo de trabalho necessário para alcançar o efeito útil ambicionado em cada processo parcial é fixado de acordo com a experiência e o mecanismo global da manufatura baseia-se no pressuposto de que em dado tempo de trabalho um resultado dado é obtido. Somente sob esse pressuposto os diferentes processos de trabalho, que se complementam mutuamente, podem prosseguir espacialmente lado a lado, simultaneamente e sem interrupção. É claro que essa dependência direta dos trabalhos entre si obriga cada indivíduo a empregar só o tempo necessário à sua função, produzindo-se assim uma continuidade, uniformidade, regularidade, ordenamento e nomeadamente também intensidade de trabalho totalmente diferentes das vigentes no ofício independente ou mesmo na cooperação simples. Que se aplique a uma mercadoria apenas o tempo de trabalho socialmente necessário à sua produção, aparece na produção mercantil em geral como compulsão externa da concorrência, porque, expresso superficialmente, cada produtor individual tem de vender a mercadoria pelo seu preço de mercado. O fornecimento de dado quantum de produtos num tempo de trabalho determinado torna-se, na manufatura, lei técnica do próprio processo de produção. (MARX, 1983, p.273) A unilateralidade e mesmo imperfeição do trabalhador parcial tornam-se sua perfeição como membro do trabalhador coletivo. (por exemplo,
REVISTA Soc. Bras. Economia Política, São Paulo, nº 35, p. 49-70, junho 2013.
da produção, que já não é mais o fundamento técnico empírico, mas sim o científico. (AUGUSTO, 2013, p. 30)
A correta afirmação do caráter empírico da produção manufatureira se alicerça, para Augusto, no fato de que esta preserva seu caráter artesanal. Em momento anterior, já deixei claro que considero a natureza imanentemente empírica da manufatura como advinda do fato de que ela se fundamenta no trabalho manual (manufatureiro, em sua maior medida muito distanciado do trabalho artesanal). (MORAES NETO, 1989, p.25-26) Isto permite uma ilação fundamental: desde que o processo de trabalho mantenha sua característica fundamental de trabalho manual, ele será forçosamente empírico. Somente a substituição do trabalho manual pela maquinaria permitirá que o processo produtivo se torne cientificizado. Os próximos passos do debate com Augusto terão que aprofundar esse ponto. Vejamos em primeiro lugar a questão da cientificidade do taylorismo em seus primeiros passos, centrados, como se sabe, na produção industrial. A natureza conceitual do taylorismo estará já estabelecida nesse seu momento inicial, através da prática e das reflexões de Taylor. Para esclarecer este ponto, sigamos Coriat, que, após considerar que o obstáculo a ser removido pelo taylorismo implicava em “expropriar os operários do saber” (CORIAT, 1985, p.90), esclarece que este plano se decompõe nas seguintes fases:
1ª fase: É necessário, em primeiro lugar, reduzir o saber operário, complexo^1 , aos seus elementos simples e assim proceder a uma espécie de tábua rasa do saber técnico. Esta decomposição realiza-se por meio da medição dos gestos e dos tempos. É a introdução do cronômetro na oficina que vai permitir praticamente realizar este objetivo. ‘A cada gesto corresponde um tempo’, tal a consigna dada aos cronometristas. 2ª fase: Uma vez todos estes gestos fragmentados, este saber em ‘migalhas’ é sistematicamente selecionado e classificado. 3ª fase: Para cada operação apenas se retém ‘the one best way’, ‘a melhor maneira’, a qual consiste numa combinação, e numa só, dos elementos recolhidos. O modo operatório é assim transmitido diariamente aos operários com os tempos requeridos para cada elemento simples. (CORIAT, 1985, p. 90-91)
Está bastante clara a natureza do taylorismo a partir da citação acima. O ataque do capital à sua dependência frente ao saber-fazer operário se dá de forma bastante particular. Em primeiro lugar, não se fala jamais de substituir trabalhadores por máquinas, ou seja, de implantar a forma clássica de solução do problema. Os trabalhadores ficam sempre no chão de fábrica, são fundamentais. Em primeiro lugar, o que se monta é um processo de “sucção do saber operário”, como se se implantasse um equipamento que, colocado nos cérebros dos trabalhadores, levasse, através de um duto, o saber-fazer operário para a gerência. E como se monta esse “duto”? Em primeiro lugar pela partição do trabalho de cada trabalhador em suas partes componentes mais simples (um particular “trabalho em migalhas”). Em segundo lugar, pela cronometragem dos tempos gastos pelos diferentes trabalhadores
A ideia de tarefa é, quiçá, o mais importante elemento na administração científica. O trabalho de cada operário é completamente planejado pela direção, pelo menos, com um dia de antecedência e cada homem recebe, na maioria dos casos, instruções escritas completas que minudenciam a tarefa de que é encarregado e também os meios usados para realizá-la. (...) A administração científica, em grande parte, consiste em preparar e fazer executar essas tarefas. (TAYLOR, 1982, p. 51)
Ao final e ao cabo, após a “sucção” e o retorno ao chão de fábrica, conquista-se aquilo que enfeixa no fundamental o projeto taylorista, noção cuja explicitação é devida ao próprio Taylor: “Todo possível trabalho cerebral deve ser banido da oficina e centrado no departamento
bastante claro nos primeiros momentos da linha de montagem fordista, também a partir de considerações de Henry Ford. (FORD, p.78-
Logo no início de seu novo texto, Augusto afirma que “a réplica de Moraes Neto é esclarecedora por apresentar pontos de convergência , e permite o esclarecimento de alguns pontos da tese por mim defendida no artigo original.” (AUGUSTO, 2013, p. 28) (grifo meu) A meu juízo, o ponto de convergência crucial é que Augusto “parte do suposto de que existe uma diferenciação fundamental entre maquinaria e taylorismo- fordismo, coisa que procurei esclarecer em vários escritos.” (MORAES NETO, 2012, p.86). Esta convergência fundamental se reforça no novo texto, ainda que, infelizmente, não consiga ganhar clareza:
O que afirmo é que o taylorismo se encontra em continuidade com a grande indústria, e, portanto, não apago a revolução industrial. Defendo que o taylorismo procede da mesma forma que a grande indústria ao eliminar a dependência do ‘modo artesanal de execução do trabalho’ pela aplicação da ciência, ainda que por meios técnicos diferentes. (AUGUSTO, 2013, p. 31)
Pode-se mais uma vez notar que, ainda que Augusto enxergue muitos equívocos em meus trabalhos sobre o tema, uma coisa parece lhe ter ficado dessas leituras: a consideração de uma diferença essencial entre taylorismo e maquinaria, coisa inteiramente ausente da literatura
REVISTA Soc. Bras. Economia Política, São Paulo, nº 35, p. 49-70, junho 2013.
fundamental sobre o tema. Como considera os dois processos diferentes entre si, um baseado no uso do ser humano como instrumento de produção, e o outro baseado na aplicação das forças da natureza (ainda que esta diferença essencial não seja deixada muito clara pelo autor, ela é feita e aparecerá num momento a ser explicitado mais à frente), Augusto não precisa fazer a estranha busca de Coriat por “sobras” de trabalho humano na produção sob a maquinaria, para então entrar com a necessidade do taylorismo (CORIAT, 1982 e MORAES NETO, 2008), nem estabelecer a estranha “teoria do cozido” de Braverman, que joga tudo (máquinas e homens) no “caldeirão” da produção capitalista “maquino-taylorizada” (BRAVERMAN, 1977). Com esta abordagem convergente com minhas observações, Augusto enfrenta então o “enigma do taylorismo”. Todavia, como a citação acima explicita, seu enfrentamento é bastante obscuro. Inicialmente, considera taylorismo como algo que vem “em continuidade com a grande indústria”. Logo em seguida, considera que taylorismo e grande indústria são tecnicamente diferentes. Ora, continuidade e diferença não são noções facilmente compatíveis. Vejamos mais algumas citações para buscar maiores esclarecimentos:
Um último ponto a ser esclarecido se refere às relações entre o taylorismo e o uso da ciência no processo de trabalho. Na verdade, esse é o ponto fundamental da defesa que faço da continuidade entre taylorismo e a aplicação da maquinaria na grande indústria. (AUGUSTO, 2013, p. 37) (...) o taylorismo é uma aplicação do conhecimento científico ao processo de trabalho, e, portanto, parte do mesmo princípio geral de organização geral de organização da produção que a aplicação da maquinaria. (AUGUSTO, 2013, p. 37)
A discussão sobre continuidade/diferença entre taylorismo e grande indústria será feita levando em conta três pontos:
Primeiro: A proposta de continuidade
Augusto não explicita em nenhum momento de seu texto como se pode entender a “continuidade” grande indústria- taylorismo de um
REVISTA Soc. Bras. Economia Política, São Paulo, nº 35, p. 49-70, junho 2013.
Ao iniciar no novo texto o estudo dos desdobramentos de sua posição, afirma Augusto: “admito que a digressão a respeito do conhecimento científico e a possibilidade de sua aplicação ao homem por meio de técnicas manipulatórias é mal dirigida como crítica a Moraes Neto.(grifo meu) (AUGUSTO, 2013, p. 38). Diz isto após lembrar colocação minha de que “o taylorismo procurou sempre aplicar o conhecimento científico com o objetivo de utilizar da melhor forma para o capital o elemento subjetivo do processo de trabalho.” (MORAES NETO, 2012, p.88) Todavia, me parece que a crítica é de fato bem dirigida a mim, pois, como deixo claro na frase utilizada por Augusto para o argumento, o taylorismo implica em tentativa de aplicação da ciência para a objetivação do ser humano, ou seja, para a transformação do homem em máquina. Não creio, todavia, na cientificidade das “técnicas manipulatórias”. A despeito de se constituir em ponto fundamental de seu argumento, Augusto dedica muito pouco espaço ao mesmo em seu novo texto. Mesmo assim, vale tentar esclarecer as principais ideias e colocá-las em debate. Em primeiro lugar, ainda que me seja até difícil colocar a questão, minha incredulidade quanto à “cientificidade manipulatória” não quer dizer, evidentemente, que eu não conceda status de ciência ao estudo do homem, como parece fazer crer Augusto, quando afirma que “dizer que não é possível no plano epistemológico tratar objetivamente a subjetividade ontológica é negar a possibilidade de conhecimento científico desta.” (AUGUSTO, 2013, p. 38). Meu ceticismo é bastante específico: não considero que se possa dar status de científico ao uso manipulatório pelo capital de quaisquer aspectos capturados das ciências do homem. Ou, como afirma o próprio Augusto, minha objeção se refere “à efetividade da manipulação científica do elemento subjetivo do processo de trabalho.” (AUGUSTO, 2013, p. 38) Todavia, as objeções de Augusto à minha objeção na verdade parecem me ajudar em termos de argumentação. Em primeiro lugar, sua crítica inicial ao meu uso da “crise do processo de trabalho” na virada das décadas 60 e 70 do século XX como ilustração da não eficácia da “cientificidade manipulatória” permite a seguinte ilação: toda a “elevação dos níveis de rendimento do trabalho com a implementação e ampla difusão do fordismo e do
taylorismo na primeira metade do século XX”(AUGUSTO, 2013, p. 39), segundo o autor desprezada por mim, deveria ser vista como uma evidência empírica inversa, ou seja, de efetividade da “cientificidade manipulatória”. Seria necessário para Augusto aprofundar a discussão para esclarecer sua visão, e nesse aprofundamento ele teria que levar em conta os elementos históricos fundamentais para o entendimento da conquista pelo capital do ajuste dos trabalhadores às perversas exigências do processo de trabalho taylorista-fordista. Dentre esses elementos, sobressai em alguns momentos a grande vulnerabilidade da classe trabalhadora , como nos Estados Unidos no início do século XX, momento de ciclópea imigração, e em outros o apelo ao consumismo em fases de elevado ritmo de acumulação de capital e de lançamento de novos produtos, especialmente de bens de consumo duráveis, como no imediato pós segunda guerra. De qualquer modo, caso o rendimento do trabalho taylorista-fordista tivesse se elevado historicamente em função da aplicação da ciência, o que explicaria a “crise do processo de trabalho”? Em segundo lugar, para Augusto, “a chamada ‘crise do processo de trabalho’ não representou o simples abandono de qualquer tentativa de aplicar as ciências do homem no controle da força de trabalho como faz parecer o texto de Moraes Neto.” (AUGUSTO, 2013, p. 39). Pelo contrário, essa aplicação se teria aprofundado. Este primeiro ponto, com referência ao antes e ao depois da “crise do processo de trabalho”, apresenta um problema, como pode ser visto nesta passagem:
A dimensão psíquica, conceitual e intersubjetiva do homem foi deixada em um plano secundário no taylorismo, ficando do lado de fora do chão de fábrica. (...) Mas é justamente com a ‘crise do processo de trabalho’ dos anos 1970 e 1980 que esses elementos entram na produção por meio de novas técnicas organizacionais. (AUGUSTO, 2013, p.39)
Ora, se “a dimensão psíquica, conceitual e intersubjetiva do homem” tinha sido deixada de lado até os anos 70 do século XX, então quais os elementos científicos responsáveis pela elevação do rendimento do trabalho taylorista-fordista até esse momento histórico? Se, como admite Augusto, o taylorismo (que inclui o taylorismo-fordismo) se
pós-guerra como resposta específica do capital ao acirramento da luta capital-trabalho. É tão elevado o grau de especificidade histórica dessa “amarração” sindicato-empresa – que parte da existência exclusiva dos sindicatos por empresa, e se sofistica ao fazer com que a subida de alguém na hierarquia sindical tenha grande efeito na ascensão deste alguém na hierarquia da própria empresa – que ela ficou restrita ao caso japonês. Esta “amarração” caracteriza um momento particular de um processo mais geral, qual seja, o de busca de superação da oposição capital- trabalho, o que confere pleno sentido à idéia de que os trabalhadores assalariados não são na verdade empregados, mas sim “colaboradores”. Essa busca teve que estar sempre chancelada objetivamente, através do emprego vitalício e da senioridade como aspecto determinante da ascensão hierárquica. Toda vez que se tentou aplicar os preceitos da administração ohnoísta/toyotista a outros contextos histórico-sociais, o resultado não foi feliz, pelo menos em comparação com os obtidos no Japão. Até mesmo ali a natureza histórico-social dos preceitos organizacionais ohnoístas cobrou sua conta, pois, à medida que a sociedade se desenvolvia, e se sofisticava a formação educacional das camadas mais jovens da população, os poderes manipulatórios/ motivacionais foram perdendo sua intensidade.
Terceiro: Maquinaria, taylorismo e emancipação humana
Este novo texto apresenta como inovação mais importante a ênfase em um aspecto fundamental, incitado por considerações feitas em minha réplica: trata-se de definir se o taylorismo seria imanentemente atrasado, como postulo, ou se teria um uso potencialmente emancipatório, como quer Augusto. Esta sua posição é inteiramente coerente com sua visão do taylorismo como uma forma particular de transformação do processo produtivo “numa aplicação tecnológica da ciência” e com o lastro marxista de sua análise. Ou seja, tudo que Marx enxergava na maquinaria Augusto tem que forçosamente enxergar também no taylorismo. Seu movimento teórico não é trivial, pois, se por um lado diferencia taylorismo de maquinaria, por outro os identifica, pois ambos acabariam por se ajustar inteiramente às observações de Marx sobre
REVISTA Soc. Bras. Economia Política, São Paulo, nº 35, p. 49-70, junho 2013.
o caráter potencialmente progressista da incorporação da ciência ao processo de produção. Uma questão inicial sobre esse ponto é: como entender o caráter potencialmente emancipatório da máquina? A impressão que dá é que para Augusto (e não só para ele, é verdade), haveria a necessidade de se inventar uma “máquina não-capitalista”, desprovida da interferência malévola do capital sobre sua natureza. Assim se entenderia sua crítica à minha propositura de um “fim da história” para o caso da máquina, ou seja, de que a produção à base de maquinaria é conquista eterna da humanidade. Para Augusto, o fato de Marx colocar o aspecto desde logo evidente de que a máquina é incorporada a serviço do capital a impregnaria de “ciência manipulatória”, ainda que seja difícil entender o significado disto aqui. Como para Augusto a máquina é então historicamente condicionada, a superação do capitalismo teria que nos trazer outra máquina. Esta incorporação da “crítica às forças produtivas capitalistas” se dá, pelo menos, sem a usual ilustração do caráter imanentemente capitalista das forças produtivas capitalistas através do taylorismo-fordismo, bastante comum na literatura. A aceitação de uma diferença essencial entre maquinaria e taylorismo impede Augusto de ir por este caminho. Ele tem então que considerar que existe capitalismo dentro da máquina colocada a serviço do capital, coisa muito difícil de ilustrar. Como enxergar imanência capitalista num tear sem lançadeira, num torno de controle numérico computadorizado, num sistema flexível de manufatura, numa linha de montagem robotizada, num processo produtivo em fluxo contínuo inteiramente automatizado? Ora, se é assim para Augusto, ele não pode considerar ao mesmo tempo a existência de um caráter potencialmente emancipatório nesta máquina. Ao fazê-lo, Augusto teria forçosamente que aceitar que a máquina, tal como desenvolvida dentro do modo de produção capitalista, permitiria um uso emancipatório em outro modo de produção. Teria, portanto, ainda que a contragosto, que considerar que, ao ir-se embora o capital, ficariam as máquinas, ou seja, ficaria (e se eternizaria) a produção enquanto “aplicação tecnológica da ciência”. Se houver necessidade de outra ciência e de outras máquinas, então o caráter potencialmente emancipatório da máquina posta a serviço do capital, e, portanto, a própria natureza autocontraditória deste, se esvai.^3 (3).
REVISTA Soc. Bras. Economia Política, São Paulo, nº 35, p. 49-70, junho 2013.
Considerações finais
Finalizamos nossas observações considerando alguns traços característicos do atual momento histórico:
a) Envio do taylorismo-fordismo à periferia do mundo capitalista, sendo a cidade-fábrica da Foxconn em Shenzhen, na China, com quase 400 mil trabalhadores, o exemplo mais conspícuo desse movimento. b) Envio da brutal taylorização do trabalho não-manual à Índia, sendo seu processo de trabalho mais característico o call-center. Aliás, nessa específica atividade de trabalho não-manual, aplica-se à perfeição a máxima de Taylor, qual seja, a busca da transformação do homem em máquina. c) Automação, através do uso de computadores e programas cada vez mais sofisticados, de atividades de trabalho no setor de serviços, atividades que não exigem atributos especificamente humanos para sua realização eficiente. Este processo, nos países de capitalismo desenvolvido, tem exacerbado os debates com referência a emprego e estrutura ocupacional, pois ocorre em momento de forte ampliação do desemprego em função da crise econômica.
Os dois primeiros aspectos evidenciam que o taylorismo tem corrido mundialmente em direção ao atraso econômico-social, evidentemente desde que viabilizador da atividade produtiva. (MORAES NETO, 2012) Não me parece que a conquista de elevadíssima produtividade do trabalho nesses casos tenha alguma coisa a ver com a aplicação de conhecimentos advindos da ciência do homem. A ninguém ocorreria sugerir que a solução para o grave problema atual de desemprego nos países de capitalismo desenvolvido estivesse, por exemplo, na internalização de várias “cidades- fábrica” voltadas à produção em massa de produtos de montagem. Em função desses traços, fica muito difícil entender a firme posição de Augusto de visualizar elementos de avançada contemporaneidade e de potencialidade emancipatória no taylorismo. O famigerado “lixo da história” me parece o lugar mais adequado para ele.
Abstract
In sequence, this issue of Journal of SEP publishes Moraes Neto’s paper that responds to the renewed arguments of Andrew G. Augustus, presented in the paper immediately preceding this one. Moraes Neto reaffirms once again that, for him, Taylorism is simply a reinvention of manufacturing. Consequently, the debate is over but the main question remains open because André G. Augusto – and here he is accompanied by the mainstream literature – follows the thesis that Taylorism fits better in what Marx called the modern industry. Keywords : Taylorism, labor process, manufacturing, modern industry; subsumption of labor to capital, wage labor.
Referências
AUGUSTO, André G. – Forças produtivas capitalistas: seria o taylorismo uma anomalia? In: Revista da Sociedade Brasileira de Economia Política , n. 29, 2011. _________________ – Taylorismo e forças produtivas. Os muitos nomes do trabalho. Revista da SEP, 2012, nº 35, p. 27- BRAVERMAN, H. – Trabalho e capital monopolista. Rio de Janeiro: Zahar,
CORIAT, B. – El taller y el cronómetro: Ensayo sobre el taylorismo, el fordismo y la producción en massa. México: Siglo Veintiuno Editores,
__________ – O taylorismo e a expropriação do saber operário. In : Sociologia do Trabalho: Organização do Trabalho Industrial. Lisboa: A Regra do Jogo Edições, 1985. FORD, H. – Minha vida e minha obra. Rio de Janeiro - São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1926.
MORAES NETO, B. – Marx, Taylor, Ford: as forças produtivas em discussão. São Paulo: Editora Brasiliense, 1989. _________________– Automação e trabalho: Marx igual a Adam Smith? In: In: Estudos Econômicos , vol. 25, n.1, 1995. _________________– As forças produtivas em Marx e o surpreendente século