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Impactos da Expansão da Cana-de-Açúcar em São Paulo: Sociais, Ambientais e Econômicos, Notas de estudo de Matemática Computacional

Um estudo sobre a expansão da cultura da cana-de-açúcar no estado de são paulo, brasil, e seus impactos sociais, ambientais e econômicos. O texto aborda a história da produção de açúcar e etanol no estado, a expansão da área plantada com cana, o deslocamento de outras atividades agrícolas e pecuárias, o aumento da concentração da produção nas mãos de usinas e grandes fornecedores, e as ameaças à segurança alimentar e à soberania energética. Além disso, o documento discute as medidas para garantir a produção de agrocombustíveis limpos e sustentáveis, monitorar seus impactos sociais e ambientais, e apoiar os agricultores familiares.

Tipologia: Notas de estudo

2012

Compartilhado em 09/08/2012

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pedro-pietrafesa-9 🇧🇷

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o que se esconde por trás da
produção de agrocombustíveis
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Baixe Impactos da Expansão da Cana-de-Açúcar em São Paulo: Sociais, Ambientais e Econômicos e outras Notas de estudo em PDF para Matemática Computacional, somente na Docsity!

Cortina de fumaça:

o que se esconde por trás da

produção de agrocombustíveis

Sumário

Introdução............................................... 3

Produção e comercialização da

cana-de-açúcar e seus produtos............ 5

Os atores da cadeia produtiva.............. 10

Financiamento e investidores................ 12

Estudos de caso................................... 15

O caso de São Paulo............................ 25

Impactos sociais e ambientais.............. 31

A proposta de zoneamento

para a cana-de-açúcar.......................... 40

Conclusões e recomendações.............. 42

Referências bibliográficas..................... 44

Rua Morais e Vale, 111 / 5º andar – Centro CEP 20021-260 Rio de Janeiro – RJ – Brasil Tel.: +55 21 2189 4600 Fax: +55 21 2189 4612 actionaid.brasil@actionaid.org www.actionaid.org.br

Cortina de fumaça:

o que se esconde por trás da produção de agrocombustíveis

© 2010, ActionAid

AUTORES Celso Marcatto, Sergio Schlesinger e Winfridus Overbeek EDIÇÃO Glauce Arzua e Maira Martins REVISÃO Gabriela Delgado PROJETO GRÁFICO Mais Programação Visual FOTO DA CAPA © André Telles/ActionAid/Brasil

Um dos primeiros impactos sociais da cana foi a competição do sistema de monocultura com as lavouras de bens alimentícios. No século XVIII, uma tentativa de obrigar os donos de engenho a plantar gêneros alimentícios não deu certo, pois os grandes proprietários de terra pertenciam à classe mais abastada da população e podiam pagar caro por estes bens cada vez mais distantes. Enquanto isso, o problema do abastecimento de alimentos levava a população dos centros urbanos a viver uma subnutrição crônica.

Para atender à demanda por açúcar, a cana, historicamente, apresentava taxas de expansão próximas à do crescimento da população mundial. Essa relação muda a partir da década de 1970 com seu uso para a produção de energia.

O uso do etanol também não é tão novo quanto, à primeira vista, poderia parecer. Nos Estados Unidos, o modelo T, primeiro automóvel produzido pela Ford, podia utilizar etanol à base do milho, já em 1866. No Brasil, o etanol é usado como aditivo de combustível automotivo desde os anos 1930, mas foi a primeira grande crise internacional do petróleo, em meados da década de 1970, que levou o governo a implantar o Programa Nacional do Álcool (Proálcool), para incentivar a produção de veículos movidos exclusivamente a etanol hidratado. Assim, desde 1978, o país passa a contar com automóveis a etanol. Em 1986, no auge do programa, 76% da frota de automóveis era equipada com motores a álcool produzido a partir da cana-de-açúcar 2.

Alternando ciclos de altas e baixas a partir de então, a cana-de-açúcar no Brasil chega ao século XXI como a cultura agrícola que ocupa a terceira maior área. O país é atualmente não só o maior produtor e exportador de açúcar, mas também do etanol produzido a partir da cana-de-açúcar.

2 Schlesinger, 2008.

Modernas colheitadeiras retiram 3.500 toneladas de cana por dia

© ANDRÉ TELLES/ACTIONAID/BRASIL

Produção e comercialização da

cana-de-açúcar e seus produtos

A cana-de-açúcar é responsável por cerca de 70% de todo o açúcar produzido no mundo. O Brasil é o seu maior produtor mundial. Nos últimos anos, a produção do país vem correspondendo a cerca de um terço do total colhido em todo o mundo.

A cultura da cana está presente em quase todos os estados brasileiros e ocupa cerca de 10% da superfície agrícola do país, sendo o terceiro cultivo mais importante em área ocupada, depois da soja e do milho. A produção vem apresentando expansão acelerada nos últimos anos. Na safra 2009/2010 foram plantados aproximadamente 7,4 milhões de hectares, com aumento de 5,7% em relação ao ano anterior, como informa a Conab. Foram colhidas 604 milhões de toneladas. 3

Cana-de-açúcar: Área plantada e produção no Brasil, por região e estado Área (mil ha) Produção (mil ton.) Safra Safra Variação Safra Safra Variação 09/10 10/11 (%) 09/10 10/11 (%) Brasil 7.409,68 8.091,5 9,2 604.513,6 664.333,42 9, Norte 17,2 29,9 73,8 991,6 2.671,7 169, Roraima 1,8 2,1 18,91 111,3 189,0 69, Amazonas 3,8 3,8 - 211,8 281,9 33, Pará 10,9 9,9 (9,17) 623,4 650,9 4, Tocantins 0,7 14,1 1.960 45,1 1549,1 3.333, Nordeste 1.082,6 1.128,9 4,3 60.677,2 65.452,0 7, Maranhão 39,4 45,7 16,0 2.209,4 2.682,0 (21,4) Piauí 13,6 13,2 (3,0) 1.014,0 923,3 (8,9) Ceará 2,3 2,3 - 154,.4 134,1 (13,2) R. Grande do Norte 67,0 66,3 (1,3) 3.472,5 3.557,3 2, Paraíba 115,5 118,4 2,5 6.320,0 6.478,1 2, Pernambuco 321,4 324,3 4,0 17.805,6 18.802,1 5, Alagoas 448,0 464,6 3,7 24.504,5 27.176,2 10, Sergipe 37,9 39,8 5,0 2.249,7 2.280,5 1, Bahia 37,4 44,5 19,0 2.947,1 3.418,4 16, Centro-Oeste 940,3 1.160,1 23,4 77.435,9 98.132,3 26, Mato Grosso 203,0 219,2 8,0 14.045,6 15.553,7 10, Mato Grosso do Sul 265,4 339,7 28,0 23.297,8 30.161,2 29, Goiás 471,9 601,2 27,4 40.092,5 52.417,4 30, Sudeste 4.832,6 5.163,5 6,8 419.857,7 447.445,1 6, Minas Gerais 588,8 647,7 10,0 49.923,4 56.211,3 12, Espírito Santo 68,0 72,1 5,9 4.009,6 3.525,6 (12,1) Rio de Janeiro 45,8 46,3 1,0 3.260,0 3.147,7 (3,4) São Paulo 4.129,9 4.397,5 6,48 362.664,7 384.560,5 6, Sul 537,0 609,0 13,4 45.551,3 50.632,3 11, Paraná 536,0 607,9 13,4 45.502,8 50.583,6 11, Rio Grande do Sul 1,0 1,0 - 48,5 48,7 0, Fonte: Adaptado de Conab, 2010.

3 Ver Conab, 2010.

O comércio mundial de açúcar movimenta cerca de 50 milhões de toneladas, equivalentes a um terço da produção global. O mercado internacional deste produto é fortemente con- trolado e protegido em diversos países por meio de subsídios e barreiras às importações. Destacam-se as proteções postas em prática pelos Estados Unidos e pela União Euro- peia (UE). Esta última tem sofrido pressões dos países exportadores para reduzir as restri- ções às importações de açúcar.

Em 2003, a Organização Mundial do Comércio (OMC) estabeleceu, por solicitação de Austrália, Brasil e Tailândia, um painel de arbitragem contra a UE. Estes países alegaram que a UE excedia os limites para os subsídios à exportação de açúcar estabelecidos em acordos internacionais e regras gerais de comércio. O resultado do painel foi favorável aos países demandantes. Em junho de 2005, a UE anunciou planos para redução dos preços do açúcar pagos aos produtores em aproximadamente 40%, ao longo de um período de dois anos, e da produção, em mais de um terço, até 2012.

Como consequência, as exportações europeias poderiam cair cerca de 5 milhões de tone- ladas de açúcar por ano, ou algo próximo a 10% de todo o açúcar comercializado global- mente. A expectativa da indústria brasileira de açúcar é de que, com o fim do subsídio europeu, o Brasil ganhe 50% dos mercados que se abrirão. 7

Independentemente deste fato, o USDA prevê também aumento da participação brasileira na produção e nas exportações mundiais, cuja fatia deverá corresponder a 25% do comér- cio global de açúcar. 8

Exportações brasileiras de açúcar

Ano Milhões ton. US$ Milhões Preço médio (US$/ton.) 2005 18,147 3.918,79 215, 2006 18,870 6.166,00 326, 2007 19,344 5.100,44 263, 2008 19,472 5.482,97 290, 2009 24,294 8.377,54 344, Fonte: MDIC

Exportações brasileiras de açúcar por país de destino –

Mil ton. Participação (%) Índia 4.367 18, Rússia 2.707 11, Emirados Árabes Unidos 1.813 7, Bangladesh 1.285 5, Nigéria 1.236 5, Arábia Saudita 1.017 4, Argélia 989 4, Canadá 877 3, Marrocos 854 3, Malásia 777 3, Outros 8.372 34, Total 24.294 100 Fonte: MDIC.

7 Ver Guarani, 2007. 8 USDA, 2010.

O etanol

As vendas de etanol no mercado interno em 2009 somaram cerca de 22,8 bilhões de litros, número que representa um crescimento de 16,5% em relação a 2008. Esse crescimento acelerado vem sendo puxado principalmente pelas vendas do etanol hidratado (utilizado nos veículos com motores flex-fuel), cujo consumo foi 23,9% maior em 2009, em relação a 2008.

Brasil: Produção de etanol – milhões de litros

Região/Safra 2007/08 2008/09 2009/ Centro-Sul 20.333 24.327 23. Norte-Nordeste 2.1938 2.356 2. Brasil 22.526 26.683 25. Fonte: Conab

Em 2009, o Brasil exportou 3,3 bilhões de litros de etanol, resultando em faturamento de US$1,34 bilhões. Os principais compradores foram União Europeia, CBI (Caribbean Basin Initiative), Índia e Coreia do Sul.

Exportações brasileiras de etanol

Ano Bilhões US$ Preço médio de litros Milhões (US$/ton.) 2005 2,592 766 295, 2006 3,428 1.600 468, 2007 3,541 1.470 415, 2008 5,119 2.390 466, 2009 3,309 1.340 404, Fonte: MDIC

Parte desse volume é exportada diretamente e parte através do Caribe, pelo acordo CBI, entre os EUA e os países da região, que permite que até 7% da demanda norte-americana de etanol possa entrar no país sem a sobretaxa de US$0,54 por galão, cobrada aos países que estão fora do acordo. Mesmo pagando uma taxa de 2,5%, mais US$0,54 por galão (que equivale a 3,785 litros), o etanol brasileiro chega ao mercado norte-americano mais barato do que os US$1,90 do etanol local, produzido a partir do milho e fortemente subsidiado.

Exportações brasileiras de etanol por país de destino – 2009

Mil ton. Participação (%) União Europeia 876 26, CBI* 777 23, Índia 371 11, Coréia do Sul 317 9, Japão 283 8, EUA 270 8, Nigéria 117 3, México 74 2, Suíça 59 1, Filipinas 32 1, Outros 133 3, Total 3.309 100

  • Caribbean Basin Initiave Fonte: MDIC.

Os atores da cadeia produtiva

As empresas

O setor sucroalcooleiro sempre esteve, majoritariamente, em mãos de empresas de capital nacional. A presença do capital estrangeiro não é novidade, no entanto. No início do século XX, os franceses do Grupo Sucrerie montaram os primeiros grandes engenhos cen- trais no Estado de São Paulo.

Já na fase do Proálcool, nos anos 1970, empresas de capital britânico participaram ativa- mente como fornecedoras de cana para alguns dos principais grupos da época, entre eles Guarani, Santa Elisa e Generalco.

Encerrada a intervenção direta do governo na produção e comercialização do açúcar e do etanol, no final da década de 1990, foram novamente os franceses os primei- ros a investir. Em 2000, a Cosan, que em janeiro de 2010 se uniu à Shell na maior transação da história do setor, estabele- ceu parceria com o grupo francês Union SDA. Posteriormente, o SDA se fundiu com outras cooperativas francesas que haviam adquirido a Beghin Say, que por sua vez ad- quiriu a Açúcar Guarani em 2001. A fusão dessas cooperativas em 2002 levou à cria- ção da Tereos que, assim, já nasceu como controladora da Guarani. 9

Ainda em 2002, a também francesa Louis Dreyfus adquiriu a usina Cresciumal, em Leme (SP), dando início à criação do que é, atualmente, o segundo maior grupo em atividade na indústria brasileira da cana em termos de moagem: o LDC-SEV, ou Louis Dreyfus Commodities – Santelisa Vale.

Porém hoje, principalmente a partir da útima década, o processo de aquisições, fusões e internacionalização das empresas do setor vem apresentando forte aceleração. Com isso, todo o setor está hoje nas mãos de cerca de 150 empresas. Em 2004, segundo o Valor Econômico , a participação das empresas estrangeiras era de 5%. 10

Na safra 2005/2006, as cinco primeiras posições do ranking de moagem de cana eram ocupadas ainda por empresas de controle nacional: Copersucar, Cosan, Crystalsev, São Martinho e Grupo Carlos Lyra. Em 2010, de acordo com estudo da Dextron Management Consulting, quatro dos cinco maiores grupos sucroalcooleiros que atuam no Brasil – Cosan, Louis Dreyfus, Bunge e Guarani – possuem pelo menos 50% de controle estrangeiro. 11

9 Jank, M. A Globalização e o Setor Sucroenergético Brasileiro. Revista Produtor Rural, março de 2010. 10 Mônica Scaramuzzo. “Estrangeiros avançam nos canaviais”. Valor Econômico, 30/6/09. 11 Estrangeiros já controlam as maiores do setor sucroalcooleiro no Brasil. http://www.brasilagro.com.br/ index.php?noticias/detalhes/12/27603, acesso em 27/08/10.

Moagem da cana em usina do Grupo Carlos Lyra, em Alagoas

© ANDRÉ TELLES/ACTIONAID/BRASIL

A participação de estrangeiros no setor de açúcar e etanol triplicou em apenas três anos. Na safra 2007/2008, apenas 7% das usinas contavam com alguma presença de capital externo – seja como controlador, seja como minoritário. Já na safra 2010/2011, essa porcentagem deve chegar a 22%, segundo projeções da União da Indústria de Cana-de- Açúcar (Unica). Empresas de diversos países atuam no setor sucroalcooleiro brasileiro, segundo a Dextron, como China (Noble), Espanha (Abengoa), Estados Unidos (ADM, Bunge), França (Louis Dreyfus, Tereos), Holanda (Shell), Inglaterra (British Petroleum, Clean Energy Brazil) e Japão (Mitsubishi, Sojitz). 12

O estudo destaca ainda que a tendência é de aumento da participação do capital estran- geiro entre os maiores grupos do setor, à medida que outros novos entrantes começarem a expandir suas operações locais, entre eles ADM, British Petroleum e Noble Group.

Pelo lado estatal, em abril de 2010, a Petrobras, cujo interesse em projetos na área de ener- gias renováveis resultou na criação da Petrobras Biocombustíveis, anunciou a participação societária de 45,7% na Açúcar Guarani, a quarta maior processadora de cana do país. 13

Os produtores

As usinas brasileiras trabalham, em média, com 80% da cana proveniente de terras pró- prias, arrendadas ou de acionistas e companhias agrícolas com alguma vinculação às usinas. Os 20% restantes são fornecidos por cerca de 60 mil produtores independentes, a maioria utilizando menos de dois módulos agrícolas, unidade que corresponde à menor parcela de fracionamento do solo rural, de modo a permitir o sustento de uma família, e que varia conforme a região. 14

O Brasil tem cerca de 370 indústrias de açúcar e etanol e o estado de São Paulo concentra 62% da moagem das usinas no país. Além de produzirem a maior parte da cana que processam, as empresas buscam converter a este plantio toda a área vizinha às usinas, por razões de logística. Na safra 2007/08, a distância média dos canaviais da agroindústria não passava de 23,2 quilômetros, e 86,6% deles estavam em um raio de até 40 quilômetros da agroindústria no Centro-Sul.

Relação produtor-usineiro

O principal ponto de atrito entre usineiros e fornecedores refere-se ao preço da cana. Uma das dificuldades para se alcançar remuneração satisfatória para os fornecedores vem da incerteza em relação à proporção de açúcar e etanol ( mix ) produzida pelas usinas. Como isto influi no preço pago aos produtores de cana, já que este varia de acordo com os preços alcançados no mercado, as usinas tendem a declarar determinado mix de produção que lhes beneficia, ao informar menor produção do que a efetiva do item com melhor preço no mercado (açúcar ou etanol), diminuindo assim a soma a ser paga ao fornecedor.

A principal entidade congregadora dos produtores independentes é a Organização dos Plantadores de Cana da Região Centro-Sul do Brasil (Orplana), que reúne 30 associações dos estados de São Paulo, Mato Grosso, Minas Gerais e Goiás, representando 13,7 mil plantadores. A cana total entregue pelos fornecedores na safra 2009/2010 foi de 139, milhões de toneladas. Só no estado de São Paulo, foram 124 milhões de toneladas. 15

12 Beatriz Olivon. Participação de estrangeiros em açúcar e álcool triplica em três anos. http://portalexame.abril.com.br/negocios/noticias/participacao-estrangeiros-acucar-alcool-triplica-tres-anos- 561944.html, acesso em 27/8/10. 13 Petrobras. Fato Relevante. Parceria entre Petrobras e Tereos no Setor Sucroenergético. 30/4/10. 14 BNDES, 2008. 15 http://www.orplana.com.br/empresa.html, acesso em 15/9/10.

Para 2010, ainda em função de projetos já aprovados e contratados, o BNDES espera um desembolso em torno de R$ 6 bilhões.

A carteira de investimentos do BNDES prevê a aplicação de recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) da ordem de R$ 6 bilhões, incluindo apoio a empreendimentos de grupos internacionais como Louis Dreyfus (LDC BIO) e George Soros (Adecoagro), ambos já com novas usinas instaladas no Mato Grosso do Sul.

Perspectivas

Açúcar e etanol são apontados pela Assessoria de Gestão Estratégica do Ministério da Agricultura, pecuária e abastecimento (MAPA) como produtos dos mais dinâmicos do agronegócio brasileiro nos próximos 10 anos, impulsionados tanto pelo consumo domésti- co como pelas exportações de açúcar e etanol.

Um exemplo das perspectivas de crescimento da produção de cana-de-açúcar é a sua participação na expansão de lavouras estimada pelo Ministério da Agricultura. Para o perí- odo entre 2010 e 2020, estima-se que a área total plantada com lavouras no país deve passar de 60 milhões de hectares em 2010 para 69,7 milhões em 2020, o que corresponde a um acréscimo de 9,6 milhões de hectares, área maior do que a do estado de Santa Catarina. Essa expansão de área de lavouras estará concentrada em dois principais produ- tos: a soja (mais 4,7 milhões de hectares) e a cana-de-açúcar (mais 4,3 milhões). O milho deve ter uma expansão de área por volta de um milhão de hectares e as demais lavouras analisadas mantêm-se praticamente sem alteração ou perdem área, como o café, arroz, laranja, e outros 16.

16 MAPA, 2010.

Expansão da área plantada de cana-de- açúcar no Brasil

© ANDRÉ TELLES/ACTIONAID/BRASIL

A produção brasileira de cana-de-açúcar em 2019/20 deverá atingir 893 milhões de tonela- das, 56% superior à colheita da safra 2008/09 (571 milhões de toneladas). As estimativas para a produção brasileira de açúcar indicam uma taxa média anual de crescimento de 3,5% no período 2009/10 a 2019/20. Essa taxa deve conduzir a uma produção de 46, milhões de toneladas do produto em 2019/20, com acréscimo de 15,7 milhões de toneladas em relação ao observado em 2008/09. As taxas projetadas para exportação e consumo para o mesmo período são, respectivamente, de 3,8% e 1,9% ao ano. Para as exporta- ções, a projeção para 2019/20 é de um volume de 32,2 milhões de toneladas.

As projeções para o etanol refletem grande crescimento devido especialmente ao aumento do consumo interno. A produção projetada para 2019/20 é de 63 bilhões de litros, mais que o dobro da de 2008/09, de 28 bilhões de litros. A Unica projeta para 2020/21 uma produção de etanol de 65,3 bilhões de litros, consumo de 49,6 bilhões de litros e exporta- ções de 15,7 bilhões de litros. O consumo interno para 2020 está projetado em 47,8 bilhões de litros e as exportações em 15,1 bilhões de litros.

As projeções sobre a produção de cana-de-açúcar mostram que o estado de São Paulo deverá expandir a produção em 50,3% nos próximos anos, passando de 400 milhões de toneladas em 2008/09 para 602 milhões no final do período das projeções. Por sua vez, a área com cana nesse estado deve expandir-se em 46%, passando de 4,7 milhões de hectares em 2008/09 para 6,8 milhões em 2019/2020. A cana-de-açúcar vem também se expandindo a taxas elevadas em estados não tradicionais nessa atividade. Isso acontece no Paraná, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e Goiás.

A região geoeconômica do Centro-Sul 17 brasileiro responde por cerca de 90% da produção de cana-de-açúcar. As regiões Centro-Oeste e Sul são as que atualmente apresentam maiores taxas de expansão, enquanto o Sudeste é a maior região produtora.

Chama atenção a substituição da cultura da soja pela da cana-de-açúcar no estado de Goiás. Com a entrada em funcionamento de novas usinas, a indústria sucroalcooleira naquele estado cresce a um ritmo muito superior ao do resto do país. Nos últimos anos, cerca de 20 usinas iniciaram a operação, o que deve elevar em 54% a produção de cana do estado na safra 2009/2010, em comparação com 2008/2009.

Para ilustrar a preocupante tendência de expansão da monoculutra de cana de açúcar, trazemos a seguir, três estudos enriquecedores para o debate. Dois estudos de caso reali- zados em Goiás e Mato Grosso – dois estados onde a expansão vem acontecendo rapida- mente, como vimos anteriormente. Não poderia ficar de fora um estudo de caso feito em São Paulo, em 2008, por sua importância econômica para o país.

17 A região geoeconômica Centro-Sul abrange os estados das regiões Sul e Sudeste brasileiros (com exceção do norte de Minas Gerais), além dos estados de Mato Grosso do Sul, Goiás, sul do Tocantins e do Mato Grosso, e o Distrito Federal. Compreende aproximadamente 220 milhões de hectares (cerca de 25% do território brasileiro).

A companhia criou uma empresa específica para gerir as atividades agrícolas, a Agro Rubi, enquanto as atividades da usina ficam a cargo da própria Cooper-Rubi. Durante o período de colheita, que vai de abril a outubro, a usina opera 24 horas por dia, empregando cerca de 1.700 funcionários. Em 2007, utilizando créditos concedidos pelo BNDES, adquiriu máquinas colheitadeiras. Também se beneficia dos incentivos fiscais concedidos pelo Fomentar, programa do governo do estado de Goiás que assegura, de acordo com Adão Moreira da Silva, gerente administrativo-financeiro da empresa, redução de 55% do recolhi- mento do ICMS, resultando em um superávit que deve ser destinado a novos investimentos que proporcionem a criação de empregos.

A empresa conta hoje com apenas 900 hectares de terras próprias. O restante do cultivo, de 16.100 hectares, é realizado em terras arrendadas a 181 agricultores, chamados pela empresa de “parceiros”. Isto significa uma média de 89,44 hectares por propriedade, indi- cando que a maior parte dos proprietários das terras é de agricultores familiares. 21

A situação dos arrendatários

Os contratos podem ser firmados por um, dois ou até três ciclos da cana-de-açúcar. Cada um destes ciclos dura entre cinco e seis anos, somados o período de cultivo e os quatro a cinco anos de colheitas. No início do contrato, pode ser acordado pagamento antecipado, correspondente a um ou mais anos. Os pagamentos restantes, ao longo do período do contrato, podem ser feitos de acordo com a conveniencia do “parceiro”, que pode optar por parcelas mensais ou anuais. Os preços oscilam de acordo com o valor pago pela cana- de-açúcar, estabelecido pelo Consecana. 22 Em junho de 2009, este valor era de R$ 33 por tonelada. A produção média por hectare é fixada em 11, 3 toneladas de cana por hectare, a cada safra.

Apesar de parecer um benefício, o pagamento de parcelas antecipadas em um ou dois anos, no início do contrato, pode se revelar uma verdadeira armadilha para os arrenda- tários, que, com isto, deixarão de receber estes valores ao longo do período restante. Assim, terão sérias dificuldades para reiniciar suas atividades agrícolas ao fim do contrato, caso o queiram. Segundo o representante da empresa, perguntado sobre a quantidade de arrendatários que retoma a ocupação de suas terras ao final do contrato, o fato é raro:

21 Agricultores familiares são aqueles cuja propriedade tem o tamanho máximo de quatro módulos fiscais. O tamanho de cada módulo fiscal é variável de acordo com a região do país. No caso de Goiás, ele corresponde a 30 hectares, o que significa que agricultores familiares são aqueles cuja propriedade não excede 120 hectares. 22 O Consecana é o Conselho dos Produtores de Açúcar, Etanol e Cana-de-açúcar do estado de São Paulo, que criou uma sistemática de pagamento aos produtores de cana-de-açúcar.

Usina Cooper-Rubi, em Rubiataba, Goiás

© ACTIONAID/BRASIL

“Muito poucos agricultores retomam suas terras. Até hoje, poucos contratos que temos foram encerrados. O pessoal geralmente renova.” 23 (Adão Moreira da Silva, gerente admi- nistrativo-financeiro da Cooper-Rubi, em 23/6/09).

Outra questão preocupante é que, à medida em que a maioria destes agricultores migra para as cidades, as benfeitorias de suas propriedades são removidas. Currais, hortas, po- mares e cercas são retirados para dar lugar à cana-de-açúcar. Caso acordado previamente, as próprias casas podem também ser demolidas. Assim, estes agricultores, que antes plantavam seus próprios alimentos e vendiam o excedente da produção, passam a comprar todo o alimento necessário, o que, combinado com a fragilidade de sua situação financeira, reduz sua segurança alimentar. Além disso, deixam para trás sua relação direta com a terra, o que torna ainda mais improvável a retomada ao final do contrato.

A produção aqui era muito boa. Eu colhia 20 sacas de feijão, uns 400 sacos de milho embrulhados, e os outros agricultores também. O casebre era cheio de mantimentos. Hoje não tem mais casebre. Eu levei um caminhãozinho quase cheio de arroz para a cidade, com 20 a 30 sacos de feijão, 200 a 300 sacos de milho embrulhados tirados daqui da chácara. Então, foi diminuindo. Hoje, a maior parte do povo quase que compra milho para consumo. O povo alugou quase tudo pra eles, porque eles fazem aquela pro- posta. (Francisco da Costa Marinho, pequeno agricultor Rubiataba, 21/6/2009).

A tabela a seguir mostra a produção de arroz, feijão, milho e cana-de-açúcar em Rubiataba nos anos recentes. Enquanto a produção total de grãos do município era de cerca de 21 mil toneladas em 1980, este número se reduziu a apenas 4,2 mil toneladas em 2008, cerca de 20% do total produzido em 1980. Neste mesmo período, a produção de cana-de-açúcar foi multiplicada por quase 5 mil vezes, passando de 117 toneladas para 560 mil toneladas.

Produção de cana-de-açúcar, arroz, feijão e milho em Rubiataba

1980 2000 2008 Produção Área Produção Área Produção Área (t) (ha) (t) (ha) (t) (ha) Cana-de-açúcar 117 7 157.500 2.100 560.000 7. Arroz 5.337 3.936 3.600 2.000 306 180 Feijão 1.110 3.432 200 290 - - Milho 14.586 4.202 9.600 3.000 3.960 800 Total 3 grãos 21.033 11.570 13.400 5.290 4.266 980 Fonte: Pesquisa Agrícola Municipal, IBGE.

23 Entrevista concedida por Adão Moreira da Silva, gerente administrativo-financeiro da Cooper-Rubi, em 23/6/09.

Arrendatários perdem espaço usado para criação de gado e produção de alimentos

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batendo veneno. Quando são 11 horas, para para almoçar, fedendo. Quando é meio-dia, começa a bater de novo. Vem fedendo no ônibus até a usina, toma um banho de água fria, entra no ônibus, ainda fedendo, branquinho de veneno e vai embora para a cidade (Adilson Alves Pimenta, pequeno agricultor e ex-trabalhador da Cooper-Rubi, 22/4/09).

Entre os agrotóxicos utilizados, o representante da empresa mencionou o herbicida Velpar, que contém dois ingredientes ativos, o diuron e a hexazinona. A ONG Pesticides Action Network (PAN) define ambos ingredientes como “agentes nocivos” (“ bad actors ”). O diuron é considerado carcinogênico, contaminante das águas subterraneas, assim como preju- dicial ao desenvolvimento e à reprodução humana. A hexazinona é considerada altamente tóxica e igualmente contaminante das águas subterraneas. 25

Outras queixas dos agricultores dizem respeito à poluição do ar causada pela queima da palha da cana-de-açúcar antes da colheita manual. Todos os agricultores entrevistados contam que têm que proteger suas casas para evitar a entrada de cinzas. Se não o fazem, paredes, pisos, roupas, móveis e utensílios têm que ser lavados. Outra queixa é a poeira levantada pelos grandes caminhões, especialmente nos períodos de seca, prejudicando sua saúde e condições gerais de vida. A poluição do ar resultante das operações da usina de produção de etanol também é mencionada:

Essa casa era cheinha de cinza, preta e cinza, por cima da cama, por todo lado. O pózinho da chaminé da usina e a caldeira da cana vão jo- gando para cima e vai caindo em cima da casa das pessoas. Não é só na hora que queima a cana, não. Tem o pózinho que vem também da usi- na. E um pó terrível, po- luente mesmo (Francisco da Costa Marinho, peque- no agricultor em Rubia- taba, 21/6/2009).

Outro impacto negativo citado é o isolamento das pessoas. Quando os vizinhos alugam suas terras para o plantio da cana, abandonam a terra e vão para a cidade. A qualidade de vida de um agricultor familiar inclui um ambiente social saudável, incluindo a presença de vizinhos e vida comunitária.

Esse isolamento causado pelo avanço da monocultura, também foi vivenciado em outras regiões do pais como é o caso de Santarém, no estado do Pará. Lá foi a soja que se expandiu sobre as lavouras locais. Os agricultores familiares ressaltam a perda dos valores da vida comunitaria sentida com essa mudança:

Antes era uma comunidade, a gente ia pra igreja, brincava e conversava com os vizinhos e depois ficou só a gente lá. A gente já tem os filhos adolescentes e vivem lá dentro do mato onde não passa ninguém, e o transporte também é muito difícil (Marina Pimentel, que vendeu sua terra em Belterra e mora atualmente no município de Santarém, PA). 26

25 www.pesticidesinfo.org. 26 Schlesinger e Noronha, 2006.

Queima atinge estradas e casas, causando poluição e riscos de acidentes

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A questão da segurança alimentar

De acordo com Adilson Alves Pimenta, agricultor familiar, é possível viver bem criando gado para produção de leite. Complementando esta produção, hortas, pomares e outros cultivos, bem como a criação de pequenos animais, proporcionam segurança alimentar à família, com a venda dos excedentes.

Os usineiros fazem a cabeça da pessoa, de certa forma, porque se ela não tem a cabeça no lugar, eles a tiram de lá. Eles dizem que eles vão ganhar entre R$ 1.000 e R$ 1. reais, que é melhor do que “se matar” trabalhando. A pessoa faz a conta só daquele salário, não lembra que ela tem um frango, uma galinha, que plantou um canteiro de alface, quiabo, tomate, que não precisa comprar no mercado. Não considera que tem que pagar água, energia, aluguel. Eles só pensam em ganhar R$ 1.200 no mês. (Adilson Alves Pimenta, pequeno agricultor, 22/6/2009).

Para seguir assegurando este modo tradicional de produção e de vida, é evidente a neces- sidade de apoio através de políticas públicas a estas atividades. No município, há uma cooperativa de produtores de leite, que reúne cerca de 300 agricultores, 95% deles famili- ares, num total de 1, 6 milhões de litros mensais. O diretor da cooperativa ressalta a impor- tância da produção familiar e os problemas dos que arrendaram suas terras:

Quem produz leite está lá na propriedade. Planta suas hortaliças, tem um pomar, tem uma galinha, tem um porco no chiqueiro. Sua condição alimentar é excelente. Quem se dedica à monocultura, vai sair da terra para as periferias. Na periferia, o que se faz? Nada. Vai ser péssimo. Sobrevive-se daquela renda que hoje não é grande coisa. Nós não podemos levar em conta só a produção de leite. Temos que levar em conta a produção da propriedade, de onde tiramos nosso alimento, nosso sustento (Pedro Barbosa de Oliveira, Presidente da Cooperativa Regional Agropecuária de Rubiataba, 22/6/2009).

Para tanto, seriam necessárias políticas públicas que revertessem a tendencia atual à concentração de mercado observada no setor de processamento do leite. A exigência de melhores índices de produção, produtividade e qualidade atingiram os pequenos produ- tores. Regulamentações técnicas também contribuíram para isso. O mercado hoje exige do produtor investimentos em sofisticados processos tecnológicos.

Segundo o IBGE, o número de estabelecimentos produtores de leite no Brasil sofreu redu- ção de 1,81 milhão, em 1996, para 1,35 milhão, em 2006. A produção familiar de leite ainda respondia, em 2006, por 58% do total produzido no país. 27 Esses números incluem produtores especializados e também os que retiram o leite apenas para a alimentação da família. Para 2005, a Embrapa Gado de Leite estimava que:

  • somente 2,3% das fazendas mais especializadas (aproximadamente 30 mil) produzem 44% do leite total no país;
  • mais de um milhão de produtores (aproximadamente 90% do total) respondem por menos de 20% do leite total. Ou que 80% do leite produzido no Brasil provêm de 11% dos produtores. 28

Empresas e cooperativas, especialmente as de menor porte, também enfrentam dificul- dades. Levantamento do IBGE indica que 113 laticínios passaram de ativos a inativos ao longo de 2008, todos de pequeno porte. Pouco mais de 2 mil unidades processadoras continuaram em funcionamento no período analisado. 29

27 IBGE, 2009. 28 Carneiro e Stock, 2007. 29 Informativo Semanal AGL. Associação Gaúcha de Laticínios, 9/4/2009.