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Este estudo explora a resposta de hilda hilst ao tempo através da análise de imagens recorrentes em sua obra poética. Identificamos uma tríade que baseia cada capítulo deste estudo: sucessão, eterno retorno e tempo prisioneiro. Hilda hilst utiliza imagens de tramas, tranças, teias, conchas e palhas, entre outras, que podem ser interpretadas conjuntamente. O estudo aborda a representação do tempo na poesia de hilda hilst, que dedicou maior atenção à cronista, dramaturga e autora de ficção de 1950 a 1995.
Tipologia: Notas de aula
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Tese em Literatura Brasileira submetida à banca no Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul para obtenção do grau de doutor (a).
A obra poética de Hilda Hilst é uma resposta ao tempo. A presente tese demonstra como o problema da finitude é fundamental nessa poesia. O amor, a morte, a busca do sagrado, a loucura e a obscenidade, todos temas recorrentes em Hilda Hilst, apontam para as “agudíssimas horas”: flagelo lírico-existencial da poeta. Com uma produção que se estende ao longo de 45 anos, Hilda Hilst deixou uma importante contribuição, principalmente pela complexidade das imagens que mobiliza, em que é possível identificar três formas distintas de temporalidade: a cronológica, o Eterno Retorno e o Tempo Antes do Tempo, as duas últimas, tentativas de fuga da irremediável fome de Chronos. A metodologia consiste na revisão da bibliografia a respeito da autora e dos temas que suscita e na análise da obra poética com ênfase às imagens que remetem ao tempo. Eliade, Bachelard, Durand e Paz estão entre os principais integrantes de um quadro teórico multidisciplinar. Palavras-chave: Hilda Hilst, poesia, tempo, temporalidade, imaginário, sucessão, duração, amor, loucura, morte, Deus, mito, obscenidade.
La poésie de Hilda Hilst est une réponse à temps. Cette thèse montre comment le problème de la finitude est fondamental dans Hilda Hilst. Amour, la mort, la recherche du sacré, l'obscénité et la folie, tous les thèmes récurrents dans Hilda Hilst, pointez sur les «heures plus aigus", fléau du poète lyrique existentielle. Avec une production qui s'étend sur plus de 45 ans, Hilda Hilst laissé une contribution importante, principalement en raison de la complexité des images qui mobilise, il est possible d'identifier trois formes distinctes de la temporalité: l'ordre chronologique, l'éternel retour et le temps avant le temps, les deux dernières, tentatives pour échapper à la faim incurable de Chronos. La méthodologie consiste à examiner la littérature sur l'auteur et des thèmes abordés et l'analyse de la poésie en mettant l'accent sur des images qui correspondent à temps. Eliade, Bachelard, Durand et Paz sont parmi les principaux membres d'un cadre théorique pluridisciplinaire.
Mots-clés: Hilda Hilst, poésie, temps, temporalité, imaginaire, succession, amour, folie, mort, Dieu, mythe, obscénité.
“O tempo como tal não é visível nem tangível, donde não é observável, nem mensurável. Também por essa razão, não pode dilatar-se Nem se contrair.” (Norbert Elias)
“Não posso escrever enquanto estou ansiosa ou espero soluções a problemas porque nessas situações faço de tudo para que as horas passem – e escrever, pelo contrário, aprofunda e alarga o tempo.” (Clarice Lispector)
O peso de todos esses outonos emerge da primeira leitura – e é possível, na abertura aleatória de praticamente qualquer um dos seus livros de poesias, perceber esse cronômetro disparado: Barcas Carregando a vida Descendo as águas. Pesam pesadas Distantes do poeta e de sua caminhada. Barcas Inundadas de afago Nas águas da meiguice. O fulgor dos cascos Ilumina o dorso dos afogados: Eu soterrada Em aguaduras escuras de velhice. Barca é o teu nome. E passas. Candente, clara Navegas tua última viagem Sobre o meu corpo molhado de palavras.^2
Nesse poema, a barca funciona como uma metáfora do tempo – a passagem veloz é contemplada a certa distância pelo sujeito-lírico que vê, com a barca, os conteúdos de uma vida: as expectativas e os encontros, os pesos e os ultimatos. O tempo é barca, a poeta é rio que se estende, leito para a passagem inexorável. Mas a poesia vai muito além da contemplação do que é passageiro. Há uma dinâmica que se estabelece, na evolução dos três capítulos dessa tese. Ainda no primeiro, é possível identificar um imaginário ligado à crueldade de um tempo devorador que será eufemizado pela palavra e por imagens que remetem à ruptura temporal. Em O Tempo e sua Fome, a dor pulsante, as “agudíssimas horas” de Hilda Hilst, reconstroem o mito de Chronos. Hilda Hilst encontra na imagem de um implacável devorador de vidas a possibilidade de uma interlocução metafísica. Assim será com a morte, a que irá chamar de Velhíssima-Pequenina, na continuidade desse intento de comunicação que é amparo na solidão de existir no tempo.
(^2) HILST, Hilda. Cantares. São Paulo: Globo, 200 4. p. 65
Outro mito, o de Caronte, percorre a poesia com suas imagens de embarcação, de água, de travessia, fluidez que toca a elaboração do amor na obra de Hilda Hilst: “degelo prendendo as águas.” Mais uma vez o tempo, mais uma vez o ímpeto suicida do amante que idealiza o fim do amor, antecipando-se ao desfecho previsível para dele não mais sofrer. Prisioneira da sucessão, mas inconformada, Hilda Hilst ilustra boa parte de sua poesia com imagens de tramas, tranças, teias, conchas, palhas, todas elas passíveis de uma interpretação conjunta. Correspondem, em instâncias que serão analisadas ao longo da tese, à constelação de imagens lunares e, por isso, representativas de outra concepção de tempo: cíclico, ou o Eterno Retorno, tema do segundo capítulo. Tal concepção mítica de tempo ilumina os versos de uma possibilidade de ruptura com o cronológico, ainda que seja uma saída pelo imaginário. Hilda Hilst evoca o tom de fábula para oferecer, pelo riso, o acalanto de “era uma vez”. Nos versos de amor de Ariana para Dionísio, em que o sujeito lírico abandona o vertiginoso ritmo dos calendários e relógios da vida moderna, está uma personagem feminina que aguarda o amado fazendo a conta das luas, que vive a espera agasalhada na solidão da casa, paciente, inteira como quem tivesse muitas vidas para viver igualmente aquele estado de devoção. A Casa aparece em letras maiúsculas como o Tempo, lembrando a Casa do Pai das escrituras, significativa para uma reflexão sobre o feminino, o espaço e o tempo nessa confortável redoma lunar que simula uma condição de permanência. O terceiro e último capítulo contempla as imagens que remetem já não à sucessão irreversível ou à condição ainda aprisionante do Eterno Retorno, mas ao Tempo Antes do Tempo, outro lugar mítico para onde os versos parecem sinalizar um último escape de sua prisão temporal na recorrência de temas como o humor obsceno, a loucura e a embriaguez. O estudo das imagens do tempo na obra poética de Hilda Hilst contempla o gênero a que a escritora dedicou maior atenção – de 1950 a 1995, ano da publicação de seu último volume só composto de inéditos, a cronista, dramaturga e autora de uma conceituada prosa de ficção fez poesia. Exercida por esse longo período, a poesia de Hilda Hilst pode ser situada em fases, as mais recentes com o vigor que o trânsito pelos outros gêneros – e pela vida – lhe conferiram. O tempo é mais evidente em títulos como Da morte. Odes mínimas , Do desejo e Cantares. Mas é sobre o
sonhos , como diz em Amavisse – , da alucinação e da loucura: estendi-me ao lado da loucura/ Porque quis ouvir o vermelho do bronze.
Grando^5 , que situa Hilda Hilst entre as maiores autoras brasileiras do século XX, lembra que a obra “retoma parte significativa da tradição literária, dialogando com várias formas fixas de poemas – ode, trova, soneto, balada, elegia, cantares e fábulas – às vezes aceitando-as, normalmente inovando-as.” É sobre esse trabalho tão diverso quanto ainda enigmático que se desenvolve essa tese. A revisão da bibliografia sobre Hilda Hilst aponta para uma fortuna crítica ainda pequena. Um maior número de trabalhos na academia é posterior a sua morte (em 2004) e há uma clara tendência da crítica a se debruçar sobre a prosa, enquanto gênero, e sobre o erotismo, ou mais propriamente a obscenidade, enquanto tema. Willer 6 , em artigo publicado no Jornal do Brasil, sustentava à época: Prevalece, no Brasil, o mau hábito de não se ler direito alguns de nossos melhores autores. Há um viés em favor do discursivo e transparente. Fortunas críticas como as de Guimarães Rosa e Clarice Lispector são exceções. A regra é a procura do codificado e a fuga do hermético. Um Jorge de Lima constaria como monumento literário, mundialmente, se fosse melhor lido aqui. O barroco moderno e o realismo fantástico poderiam ter outra cronologia e outra atribuição de origens. Quanto à obra de Hilda Hilst, salvo vozes isoladas, como a do crítico Léo Gilson Ribeiro, nosso meio literário ainda lhe deve discussões e estudos à altura de sua real importância. Transcorridos 20 anos da manifestação transcrita acima, pouco mudou. Cabe em cerca de três páginas a relação dos trabalhos acadêmicos que contemplam a obra da poeta. Muitos deles conjugam sua obra com a de outros autores. Pesquisas com foco exclusivo na produção hilstiana são ainda menos numerosas. A repercussão da obra literária de Hilda Hilst na imprensa das últimas décadas abarca um número considerável de escritos, mas a sua qualidade crítica é irregular e discutível, de acordo Duarte: Este extenso material crítico, publicado na grande imprensa, deverá ser investigado criteriosamente, um dia, para que se possa estabelecer com mais precisão e clareza a procedência ou não das opiniões nele emitidas. Dando uma rápida visão de seu conjunto, de um modo geral, pode-se dizer que apenas uma pequena parcela dos textos são propriamente críticos, pois a maioria dos autores
(^5) GRANDO, Cristiane. Amavisse de Hilda Hilst. Edição genética e crítica. Mestrado em Língua e Literatura Francesa. São Paulo, Universidade de São Paulo, 1998. 6 Livros. Rio de JaneiroWiller, Cláudio. Amavisse de Hilda Hilst: Pacto com o Hermético.^ Jornal do Brasil,^ 17/02/1990, Caderno Ideias/
contenta-se em fazer eco aos críticos mais reconhecidos. Além disto, a partir dos textos de Leo Gilson Ribeiro, com raríssimas exceções, os textos expressam o caminho do elogio incondicional.”^7
O comentário de Duarte pode ser estendido aos escritores de modo geral, uma vez que a crítica literária na imprensa nacional, que teve períodos notáveis até os anos 80, cedeu lugar a resenhas breves, com finalidade restrita à divulgação. Em geral, os suplementos literários dos jornais deram lugar a cadernos que mesclam cultura e variedades, cabendo nesses espaços muito mais destaque para as celebridades televisivas, o horóscopo e o resumo de novelas... As sessões sobre livros costumam ser nomeadas como “Bazar”, ou “Vitrine”, para se ter um exemplo claro dessa transformação da crítica em catálogo de novidades. Esse silêncio da crítica incomodava Hilda Hilst como demonstro adiante, ainda que a biografia não seja, de modo algum, o foco dessa tese. O conhecimento da poesia de Hilda Hilst foi dificultado, ainda, pelo perfil de suas publicações, em geral com tiragens pequenas, em editoras de pouca expressão. Nos últimos anos, a crítica acadêmica tem se interessado mais por sua obra, embora ainda seja escasso o número de trabalhos produzidos. Nelly Novaes Coelho, um dos mais expressivos nomes de sua crítica, aponta para “dois polos imantados que atraem a invenção da poética hilstiana: o mistério da poesia e do amor. Do interrogar atento e lírico (voltado para os seres e coisas), seus poemas vão radicalizando o interrogar e se concentrando mais no eu , no ser-que-interroga.” É justamente sobre essa perspectiva pessoal, do ser subjugado pelo tempo, que pretendo me deter. Isso ocorre a partir da seleção das poesias que serão mais detidamente analisadas aqui. Embora contemple a obra poética como um todo, me detenho naquelas que parecem exemplares da dor das horas pela expressividade de suas imagens. A conceituação de imagem é complexa. O tema foi abordado, ao longo da história, por filósofos como Descartes, Leibniz, Hume e Spinoza. Posteriormente, Sartre (1936) elaborou uma história crítica dos estudos desenvolvidos até então sobre a imaginação, em especial os que têm foco na natureza psíquica. A revisão que Sartre faz do tema evidencia alguns equívocos:
(^7) DUARTE, Edson Costa. Hilda Hilst: A poética da agonia e do gozo. Disponível em www.revista.agulha.com.br/hilda_hilst_poetica_da_agonia.pdf. Acesso em 6 de dezembro de 2006.
“longos Arlequins desbotados de Picasso”... Para isso é preciso que as palavras sejam as coisas; pois as coisas também nos falam. (...) Parece-me, com efeito, que as palavras, como as coisas, podem ser a uma só vez coisas e signos, coisas que nos acenam, que trazem em si seu sentido e que no-lo propõem sem que tenhamos que imaginar. (...) Talvez a poesia, ao recusar-se a tratar a linguagem como utensílio, entre com ela numa nova relação de amizade, de confiança, e de abandono, como o escultor com a pedra ou o compositor com o instrumento, seja qual for o direito que ela tenha se arrogar sobre essa matéria ou o controle que exercer sobre sua própria atividade.^11 A importância das imagens na poesia é inequívoca. Utilizando uma metáfora, são como janelas que se sobrepõem, oferecendo ao leitor inúmeras possibilidades de entendimento. Pela riqueza das imagens se pode medir a grandeza ou, no mínimo, a universalidade de um autor, em especial o poeta. Sobre a abrangência da imagem na linguagem poética, Antonio Candido não deixa dúvidas: “É um erro dizer que a poesia se faz apenas de imagens. Mas o fato é que a linguagem figurada e, sobretudo, a metáfora, representam um tipo muito mais condensado e carregado de sentido.”^12 Abordar a imagem poética é conectar o universo simbólico, as questões mais profundas, muitas vezes inconscientes do sujeito; é articular tempos paralelos, adentrar o mítico, a memória e, nesta, a reinvenção que se faz por necessidade de ampliar e emprestar um sentido à existência humana. Uma imagem pode, ainda, ter sido uma sugestão de um contexto coletivo, segundo Candido: O homem forma imagens para dar vazão a necessidades profundas, e elas são carregadas de um valor simbólico que escapa ao seu elaborador. A importância do valor simbólico da palavra é um dos postulados da psicologia moderna, mostrando que a palavra é não apenas signo arbitrário (como ensina a lingüística), mas invólucro simbólico de um sentido que radica em camadas profundas do espírito (...) compreendemos que pode haver uma corrente entre o psiquismo individual e o psiquismo coletivo e que, quando uma pessoa cria uma imagem, ela pode ter sido sugerida pelo seu inconsciente ou pelo inconsciente do seu grupo, manifestando-se no seu. A imagem significa, então, um tipo de expressão simbólica condensada da experiência humana.^13 A definição da imagem como expressão da experiência humana interessa-me especialmente. Creio que todo o sentido de estudar o tempo na obra poética de Hilda Hilst se
(^11) Idem pgs. 51 e 52. (^12) Idem. p. 154 (^13) CANDIDO, Antonio. O estudo analítico do poema. São Paulo: Associação Editorial Humanitas. 2006. p.
amplia ao considerar a imagem como uma revelação não apenas de perspectivas íntimas, mas de perspectivas coletivas. O sujeito lírico angustiado pela passagem do tempo, que revisita o mito, reinventa as formas do retorno, intenta as saídas temporais passa, assim, a corresponder a um conjunto de uma sociedade que, talvez mais neste momento do que em outros, sente-se oprimida pelas questões da finitude, sob o peso de um possível “nada” como desfecho existencial. O problema da “sustentabilidade”, palavra comum ao discurso de várias camadas da sociedade contemporânea a partir da consciência, tardia, de que o ritmo de consumo extrapolou a as reservas naturais do planeta, se insere no imaginário do tempo. Ainda que pareça arbitrária, essa relação é possível, considerando-se que, há poucos anos, o esgotamento do planeta era entendido como um problema para as futuras gerações, o que o tornava ainda abstrato. Nas últimas décadas, percebeu-se como muito mais próxima, e ainda para este século, a ameaça à vida na Terra decorrente dos excessos do homem. “Se a consciência das coisas é ao mesmo tempo consciência de si, o conhecimento de si passa pelo conhecimento das coisas. É desse modo, portanto, que a poesia diz o mundo”, define Dufrenne^14. A afirmação corresponde à visão de Paz sobre a poesia: Cada imagem – ou cada poema feito de imagens – contém muitos significados contrários ou díspares, os quais abarca, ou reconcilia sem suprimi- los (...) A imagem é a cifra da condição humana. Épica, dramática ou lírica, condensada em uma frase ou desenvolta em mil páginas, toda imagem aproxima ou acopla realidades opostas, indiferentes ou distantes entre si. Isto é: submete à unidade a pluralidade do real.^15 Caberia, como derivativo desta reflexão, uma abordagem sociológica sobre a temporalidade nos dias atuais que contemplasse as fugas vulgares do tempo que se intenta, seja com o consumismo, com o culto à aparência e os demais vícios modernos. A poesia de Hilda Hilst é um ponto de partida. Ainda segundo Dufrenne: Penetrar no mundo de um poeta não é descobrir certas imagens obsessivas, é aprofundar um sentido. Não há dúvida de que o sentido prende-se às imagens. Todavia, as transcende. Não como o conceito transcende o esquema, mas como a plenitude do vivido transcende o concebido. O sentido é uma experiência em que se insere profundamente uma existência, e o mundo é a
(^14) OP. cit. p. 91 (^15) PAZ, Octavio. El arco y la lira. México: Fundo de Cultura Económica, 1998. pgs. 98 e 99. Tradução da aluna.
A intenção de investigar “imagens do tempo” coloca-me diante de um dos mais enigmáticos temas, para as mais variadas áreas do conhecimento. Não é por acaso que as frases selecionadas como epígrafe para esta tese (de Elias e de Lispector) são contraditórias. Não é possível conceituar de forma fechada o tempo. Do lado da sociologia, Elias afirma que ele não existe em si. Não é um dado objetivo, como sustentava Newton, nem uma estrutura do espírito, como definia Kant. O tempo pressupõe aprendizado^19 : É somente no nível do homem que os seres pertencentes à natureza adquirem o poder de síntese que lhes permite representar, através de seus símbolos sociais, tanto o devir do universo quanto o movimento aparente do Sol ao redor da Terra. Uma longa evolução social é necessária para que os homens aprendam a desenvolver símbolos relativos a representações complexas como essas, símbolos sem os quais eles não poderiam comunicar-se a propósito dessas representações, nem tampouco guiar-se por elas. Entender o tempo como representação é relevante para esse estudo que tem como corpus uma obra poética, a de Hilda Hilst, e, em especial, as imagens do tempo identificáveis nessa obra. Enquanto a ciência tradicional tange uma caracterização, digamos assim, “fixa” do tempo, a literatura talvez seja a área do conhecimento humano mais apropriada para versar sobre as características “móveis” do tempo, esse que Lispector afirma que se “alarga e aprofunda” no exercício da escrita. Em uma alegoria simples, a imagem é a ponta de um iceberg, ou a ínfima parte visível de um imenso bloco submerso: o símbolo. Assim, adentrar a imagem na poesia de Hilda Hilst, em especial aquela que é recorrente na obra, caracterizando a constelação imagética da poeta^20 , é tatear o caminho possível até o símbolo, é penetrar uma superfície de gelo como a que a poeta referia: “Deus. Superfície de gelo ancorada no riso.”^21 O tempo, como símbolo, remete a uma lacuna do conhecimento humano e, portanto, a um campo vasto para pesquisa, ainda segundo Elias: (...) Uma das dificuldades com que deparamos em nossas investigações decorre do fato de os homens ainda não haverem adquirido uma consciência clara da natureza e do modo de funcionamento dos símbolos que eles mesmos aperfeiçoam e que constantemente utilizam. Assim, correm o risco de se perder na densa floresta de seus próprios simbolismos. O tempo é um exemplo deles. Os calendários estabelecidos pelos homens e os mostradores dos relógios
(^19) ELIAS, Norbert. Sobre o tempo. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor. 1998. p 27 (^20) Opto por utilizar poeta e não a forma tradicional, poetisa, porque esse termo abarca melhor o sentido atuante de Hilda Hilst que, publicamente refutava a forma feminina gramatical de poeta. 21 Hilst, Hilda. Com os meus olhos de cão e outras novelas. São Paulo: Brasiliense, 1986. p.
atestam o caráter simbólico do tempo. E, a despeito de tudo, o tempo tem sido, muitas vezes, um enigma para os homens. Resta muito a ser feito para elucidar a natureza particular dos símbolos humanos.^22
Permanente “enigma”, o tempo é plurívoco na obra hilstiana, campo fértil de estudos para quem estiver disposto a tomar, como Hilda Hilst o fez, a interrogação pela mão: Poderia, meu Deus, me aproximar? Tu, na montanha. Eu no meu sonho de estar No resíduo dos teus sonhos?^23 NOTA: A fim de sistematizar a pesquisa, adoto as poesias reunidas de Hilda Hilst publicadas pela editora Globo a partir de 2001, em oito títulos: Exercícios (2002 , reunião de seis livros – Roteiro do silêncio , de 1959, Trovas de muito amor para um amado senhor , de 1960 , Ode fragmentária, de 1961 , Sete cantos do poeta para o anjo , de 1962 , além de Trajetória poética do ser, Exercícios para uma idéia e Pequenos funerais cantantes ao poeta Carlos Maria de Araújo , estes três publicados originalmente no volume Poesia, em 1967); Bufólicas (2002 – originalmente publicado em 1992); Júbilo, memória, noviciado do paixão (2003 – originalmente publicado em 1974); Da morte. Odes mínimas (2003, publicado originalmente em 1980) ; Baladas (2003, que reúne os três primeiros livros de poesia de Hilda Hilst, Presságio, poemas primeiros , de 1950, Balada de Alzira , de 1951 , e Balada do festival , de 1955) ; Cantares (2004 – reunião dos livros Cantares de Perda e Predileção , de 1983, e Cantares do sem nome e de partidas , de 1995) ; Do desejo (2004, lançado em 1992 como reunião de sete livros, dois deles então inéditos Do desejo e Da noite e os já editados Amavisse, de 1989, que continha três livros, o homônimo Amavisse, Via espessa e Via vazia; mais Alcoólicas, de 1990 , e Sobre a tua grande face , de 1986) e Poemas malditos, gozosos e devotos (2005 – originalmente publicado em 1984).
Segue um esquema das temáticas temporais, por ano de publicação, das obras principais da poesia de Hilda Hilst trabalhadas nesta tese, na tentativa de identificar as diferentes fases da sua produção. É válido observar, no entanto, que algumas publicações contêm vários cadernos e é possível que apresentem temáticas diferentes, ainda que reunidos, à época de seu lançamento, sob um só título.
(^22) ELIAS, Norbert. Sobre o tempo. Op.cit. (^23) HILST, Hilda. Poemas malditos, gozosos e devotos. São Paulo: Globo, 2005. p.