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Guias e Dicas
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Análise da Poesia de João de Deus: Romantismo e Lirismo Humano, Slides de Literatura

Este ensaio explora a poesia de joão de deus, analisando-a no contexto do romantismo em portugal e na literatura do ocidente. O autor examina as características literárias de joão de deus, incluindo sua isolamento literário, superficialidade de sentimentos, e variedade de metros. Além disso, o ensaio discute as temáticas amorosa e insatisfação vital presentes na obra do poeta, bem como sua preocupação com a luz e a vida efémera.

Tipologia: Slides

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Rio890
Rio890 🇧🇷

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ESTUDOS
Amor e misticismo em João de Deus
Linhares l'ilho
1 -INTRODUÇAO
Pretendemos, com o presente trabalho, proceder a uma
leitura da lírica do poeta português João de Deus Ramos, tal
como está no livro Campos de Flores, onde se encontram as
suas "poesias completas, coordenadas sob as vistas do autor
por Teófilo Braga".
Adotaremos na referida leitura o método hermenêutico
numa análise intertextual, aplicando a teoria do entre-texto,
de Eduardo Portella, a qual se fundamenta na ambigüidade,
procura sondar o silêncio do não-escrito, a transmanência
e propõe o trans-modew, que é o "modelo aberto do entre
texto", sendo este, portanto, o poético, ou o "texto mediado
pelo pré-texto". 1
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1 BERARDINELLI, Cleonice. (Apresentação) João de Deus; poesia.
Rio de Janeiro, Agir, 1967 [Col. Nossos Clássicos, 90].
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ESTUDOS

Amor e misticismo em João de Deus

Linhares l'ilho

1 - INTRODUÇAO

Pretendemos, (^) com o presente trabalho, proceder a uma leitura da lírica do poeta português João de Deus Ramos, tal como está no livro Campos de Flores, onde se encontram as suas (^) "poesias completas, coordenadas sob as vistas do autor por Teófilo Braga". Adotaremos na referida leitura o método hermenêutico numa análise intertextual, aplicando a teoria do entre-texto, de Eduardo Portella, a qual se fundamenta na ambigüidade, procura sondar o silêncio do não-escrito, a transmanência e propõe o trans-modew, que é o "modelo aberto do entre texto", sendo este, portanto, o poético, ou o "texto mediado pelo pré-texto". 1 O título deste ensaio não surgiu aprioristicamente, impôs se depois de cuidadosa sondagem da obra poética do autor e após a pesquisa de alguns textos de teóricos, investig·a·· dores e críticos que nos antecederam na análise, na inter pretação e no julgamento do poeta João de Deus e do Ro mantismo em Portugal e na Literatura do Ocidente. Pro curamos com muito esforço a originalidade, difícil no exa me de uma obra sem segredos marcantes e já estudada por competentes estudiosos do fato literário em geral e da Lt teratura Portuguesa em particular. Presumimos que pelo

1 BERARDINELLI, Cleonice. (Apresentação) João de Deus;^ poesia. Rio de Janeiro, Agir, 1967 [Col. Nossos Clássicos, 90].

menos o tipo de abordagem aplicada ao autor ofereça ao leitor uma quota de novidade. Servlu-nos, ademais, como va liosa or'entação o curso sobre Romantismo Português a nível de Doutorado e ministrado pelo Professor Doutor Leodegé rio A. de Azevedo Filho na Faculdade de Letras da Univer sidade Federal do Rio de Janeiro, no primeiro semestre de 1 980. Indicaremos os aspectos principais da lírica do autor e cingir-nos-emos com detença maior ao poema "A Vida", o qual nos levará intertextualmente a muitos outros poemas de João de Deus. Apontaremos "leitmotivs" primordiais, os três elementos essenciais da obra e lhe proporemos o entre texto. Convencionamos a sigla "CF" para referir-nos à obra Campos de Flores no corpo deste trabalho, a qual usare:mos seguida do número da página em que se acharem as passa gens citadas. Chamamos a atenção do leitor para a ortografia antiga e irregular da 1 0. a edição dos dois volumes da lírica do autor: conservamos tal ortografia nas citações.

2- ANALISE HERMEN:8:UTICA

  1. 1 - Aspectos da lírica do autor

Contemporânea da estética ultra-romântica, das idéias sócio-culturais que, a partir de 1 865, mudariam o rumo da Literatura Portuguesa para uma concepção de vida e de arte realista; coetânea ainda de um Simbolismo incipiente, a obra poética de João de Deus é considerada pela crítica como aquela que se caracteriza por um grande isolamento lite rário no contexto em que se produziu e divulgou. T.al isola-� menta resulta de certa conciliação entre a vinculação ro mântica e a adoção de atitudes mais condizentes com o es pírito realista; além disso, do "sentido-humano do lirismo" do autor segundo a opinião de Naief Sáfady, para quem tal sentido se revela por uma poesia que "tem apenas missão• interior, para dentro, realizando, a partir daí, ou como causa, um lirismo também para dentro, um lirismo de consolo". 2 De fato, a poesia de João de Deus parece ser feita aci ma de tudo para encanto e consumo do próprio autor, que

2 PORTELLA, Eduardo. Fundamento da investigação literária. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1974, p. 54 e segs.; 18.

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partes do Campo de Flores como é o caso da excelente com posição "Tristezas", inser:da entre as chamadas Cançonetas. Como poeta elegíaco, João de Deus freqüentemente se despediu da vida que amava e que lamentava deixar, se bem que as convicções religiosas reveladas em sua poesia o fi zessem crer quase sempre numa eternidade feliz. Podemos encontrar o poeta a despedir-se em vários poemas e não so mente naqueles que trazem no título a despedida: "Adeus" (dois poemas). (Cf. p. 1 1 5, 148, 228, 258). Ligada ao elegíaco está a insatisfação vital do autor, re lacionada sempre com a temática amorosa, podendo iden tificar-se na obra de João de Deus a característica que Frie drich Schlegel indica como essencial da poesia romântica, o Sehnsucht, que, ao lado da "insatisfação perpétua", "signi fica a nostalgia de algo distante, no tempo e no espaço, para que o espírito tende irresistivelmente, sabendo todavia de antemão que lhe é impossível alcançar esse bem sonhado". 4 O aspecto da indefinição ou vaguidade do Sehnsucht es taria bem retratado nestes versos do autor que têm como tí tulo a iuterrogação ("?"): Não sei o que há de vago, De incoersível, puro, No vôo em que divago

A tua busca, amor! (Cf, p. 45).

Quanto ao aspecto da insatisfação, no autor sempre amo rosa, como dissemos, comporta-se João de Deus - segundo observa�ão de David Mourão-Ferreira que já se baseia em importante estudo de Vitorino Nemésio, - como um ''poeta invocativo nas Cançonetas, nas Odes, nas Canções e nos Idí lios" ou como um "poeta evocativo" 5 nas Elegias. E conclui David Mourão-Ferreira: "Os dois pólos do seu estro são, por tanto, o amor ainda irrealizado e o amor já irrealizávei". 6 Resulta dessas duas atitudes a insatisfação do poeta. A figura da Mulher Amada é o grande, o constante tema da poesia de João de Deus. Enaltece-a extraordinariamente, diviniza-a. Chama-lhe de "anjo tutelar" e utiliza com abun- 4 Cf. Ibidem, p. 109. 5 SILVA, Vítor Manuel de Aguiar e. Teoria da literatura. Coimbra, Almedina, 1973, p. 476. 6 FERREIRA, David-Mourão. Apud^ COELHO,^ Jacinto^ do^ Prado. (Dir. de) Dicionário de literatura. Porto, Figueirinhas, 1973, 3 v., p. 258.

dância elementos encantatórios da Natureza em metáforas ou comparações claras para exaltar as qualidades femin:nas. Tal acontece, por exemplo, no poema "Beatriz", em que há, como em muitas outras ocasiões, gratuidade e exagero ro mânticos:

Tu és a nuvem de agosto, Meu alvo vello de lã! Tu és a luz do sol-posto Tu és a luz da manhã!

Tu és a água das fontes Tu és a espuma do mar! Tu és o lírio dos montes, Tu és a hóstia do altar! ... (Cf, p. 99-100).

O "amor e medo" é cultivado pelo poeta e mu�tas vezes a imagem da Mulher Amada é idealizada por ele bem como o própr_:o contato amoroso. Se, no poema "Noite de Amo res", afirma - "Como é que alli confundidas/Se não tro caram as vidas I E os corações de nós dois!" (Cf, p. 11) -, logo afasta, cheio de pudor, qualquer possibilidade de posse amorosa nestes versos do poema "Resposta", que resnonde à ''Carta Anonyma", uma censura moralista às confissões do poema "Noite de amores":

Aquella noite de amores, Aquelles languidos ais, Aquelle leito de flores... Foi (^) um sonho e nada mais. (Cf, p. 13).

Mas, algumas vezes, a poesia que é habitualmente de um sensualismo, digamos, casto, pela reserva, pela latên cia, alimentado por anseios solitários, dúvidas de amor, ado ra<;ões à distância, louvores cavalheirescos ao porte físico e às quaHdades morais da Amada, rompe os freios da con tenção pud;ca, como quando, atormentado por um injus tificado ciúme, confessa depois de um pálido e reticente cir cunlóquio, em que apela para a maliciosa sensibllidade fe minina:

A noite que o lençol, N'este calor que vae, Quando te deitas cae Sobre o teu seio... eu sinto!

mas (^) com que pretende conseguir mais um (^) beijo e comple tar três, porque três são as pessoas (^) da Trindade, três as Graças, três as Virtudes e três "As folhas santas I Que o lír:o fecham". (Cf, p. 27).

  1. 2 - A Amada e o poema "A vida"

A definição mais essencial da Amada na poesia de João de Deus encontra-se no poema "A vida", que é a sua obra prima. Embora se dissemine indiretamente a definição da Amada por produções do Campo de Flores^ e por várias partes do poema aludido, concentra-se^ em^ dois^ versos deste. Pode dizer-se que as duas atitudes^ do^ amor em João de^ Deus,^ a invocativa e a evocativa, têm^ o^ seu fulcro ou o seu ponto de convergência nessa idéia vigorosa que colhemos da análise intertextual da lírica^ do^ autor,^ idéia que consiste na^ defini ção essencial^ da^ Amada.^ Trata-se^ da^ concepção de^ que^ a Amada é vida.^ Assim o mais^ importante poema de^ João^ de Deus: uma elegia em que há um lamento indireto e d'luído; recordação do^ passado^ feliz^ ("Ah! quando^ no seu^ collo^ re clinado");^ dúvida^ religiosa^ ("Talvez!^ - é hoje a Bíblia")^ e desilusão^ ("- Nunca!^ responde^ a^ folha") ante^ a perda da Amada, luz e vida efémera do poeta. Eis os dois versos que se coordenam e em que se concentra a idéia poética a irra diar-se para outros aspectos da obra: "A vida o vento a levou!" e "O vento m'a levou!" (Cf, p. 209-210). No poema "A vida", o autor, por entre procedimentos poéticos, de que ressaltam o símile e a metáfora, recorda e enaltece partes do corpo, reações, emanação, adereços e o espírito da Amada (colo, lábios, olhos, boca, mãoz'nhas, cruz do colar, riso, rosto, trança, peito, cabelos, hálito, flor da grinalda, franja do chaile, alma, cabeça, olhar). Do poema, rico em recursos poéticos, destacam-se, além dos indicados, prosopopéias; elementos sensoriais, alguns como sinestesias; eufemismos. A idéia do efémero da vida está bem definida na estro fe 28 ("Some-te, vôa, apaga-te, meteoro!") e da 31 à 37, sendo expressa sempre por meio de metáforas com substantivos que sofrem a ação do vento ou a este se ligam (nuvem, fumo, folha, ave, onda), expressões de sentido diáfano fugaz, ou verbos que indiquem fuga, (^) extinção ou transporte, apare cendo o verbo "levar" como o ma1s freqüente, e o vento cPmo o símbolo do malefício contra a vida, ' isto é (^) ' contra a Amada' que e subtraída ao poeta. Os versos "A vida é o dia de hoje"

e "A vida dura um momento" são as chaves da idéia de efe meridade. Ligadas à idéia da Amada que é vida, estão as idéias de luz, sol, brilho, aurora, fumo (este, por um efeito metoní mico, se relaciona ao fogo, que é sol ou vida do lar). Veja mos a comprovação dessas assertivas para que se reforce o entre-texto que vamos desvendando. Encadeando-se ao verso "A vida e o vento a levou!", lê-se a seguinte estrofe, comandada por uma das muitas compa rações do poema :

Como em sonhos o anjo que me afr:zga Leva na trança os lírios que lhe puz, E a luz quando se apaga Leva aos olhos a luz! (Cf, p. 209).

Para que entendamos melhor esses versos, em que o autor sugere que, apagada a vida da Amada, esta surja como luz, embora precariamente, no seu íntimo, que a cultua como quem fecha os olhos. Vejamos o poema "Sol íntimo" na sua íntegra:

Os olhos sempre que os puz Fitos no astro do dia (Parece que se introduz Tanta luz na phantasia.. .) Sabem o que acontecia? Fechava os olhos e via Do mesmo^ modo^ essa^ luz. Assfm foi certa visão Que tive por meus pecados! Nunca uma breve impressão Em meus olhos descuidados Deu tamanhos resultados ... Que é vel-a de olhos fechados, Ainda no coração! (Cf, p. 143).

Igual fantasia, baseada em fenômeno físico, encontra-se na estrofe do poema "A v'da", m::�s aqui a vi�ão íntima é trágica, porque na realidade a vida da Amada se apagou. Verifiquemos que a última comparação dos versos desse poe ma que giram em torno do verbo "levar" conduz um seme ma referente à luz e correspondente ao sema representado

E nas estrofes que se seguem a essa no poema "Adora· ção", verificamos uma ligação mais nítida com a semân tica da luz como significante da vida.

Vi esse olhar tocante, De um fluido sem egual; Suave como lâmpada sagrada, Benvindo como a luz da madrugada Que rompe ao navegante Depois do temporal! (Cf, p. 83).

Nessa estrofe, destacam-se as palavras "lâmpada", "luz", e "olhar" esta já bem relacionada com a semântica em aná lise por força da luz que os olhos irradiam. Na estrofe sub seqüente, o "corpo de ave" da Amada parece "Levado como o sol ou como a lua" e, a seguir, lê-se: ''espalha o teu rosto uma luz santa, I Uma luz que me prende (^) e que me encan ta". Esse o rosto que lembra o fumo do lar, aquele mesmo fumo que é o grande contraste numa das mais belas com posições do autor, que, enquanto vai com sua vida pela ''des cida./Caminho do mar" da morte, recorda "O fumo que eu via I Subir do meu lar!" (Cf, p. 55) , aquele símbolo da vida que o poeta não quer deixar ("Carreira da vida, 1 Vai ma�s devagar"). Observe-se de passagem que esse mar é, antes de tudo, um pequeno traço de lirismo comunitárlc com que o poeta incorpora a cultura portuguesa, crendo esta no mito de que o homem luso é fadado a morrer no mar, causa de martírio e glória. Voltemos à elegia "A vida". Reparemos que já nas duas estrofes iniciais desse poema o autor se refere à "luz" que o guiava na vida e faz depender do despontar e do anuviar dela o despontar e anuvmr da "luz de tudo" e particular mente da luz de sua alma, do que se conclui que a falta da Amada, que é simbolizada pela luz, fez do poeta um morto em vida. Ao recordar em onze estrofes a felicidade do tempo em que a Amada estava ao seu lado, o poeta encerra a segunda parte do poema com duas estrofes em que, ainda não soli tário "como a palmeira (^) do deserto", ainda não se deparava com "A sombra do meu sêr!", porque este ainda não voara "na aza da águia negra" (Cf, p. 211), mas o poeta encon trava-se com o sol de uma plenitude e de uma comunhão que se resumem nas sete cores do arco-íris, espectro do sol

da vida, na eufor:a paradisíaca, no panteísmo e na paz de Deus: Tinha o céo da minha alma as sete côres, Val:a-.me este mundo um paraiso, Distillava-me a alma um doce riso, Debaixo de meus pés brotavam flores!

Deus era inda meu pae, e em quanto pude Li o seu nome em tudo quanto existe, No campo em flor, na praia árida e triste, No céo, no mar, na terra e.... na virtude! (Cf, p. 205-206)

A plenitude que a Amada transmite ao poeta evita que este suspire, em "Desalento", "Eu tenho muta pena 1 De ter nascido até! " (Cf, p. 174), impede-o de fantasiar com pessimismo e lamento a Natureza, que pelo poeta é v:sta a dar sinal de luta devido ao nascimento dele, pois ao sofri mento, assim, o autor se predestinaria ("Tingiu-se o céo de sangue, e era sol-posto I Quando eu nasci! ") (Cf, p. 226); mas a plenitude que a Amada transmite a João de Deus leva-o é a cantar, utilizando aspectos da semântica ligada à luz e ao fogo, estrofes exultantes, do poema "Luz do céo". Le:amo-las:

Mas tu, oh luz do céo! cheia de graça! Tu cuja cinta meço a toda a hora, Tu para mim és o listão da aurora Que me encobre a montanha àa desgraça:

Em te avistando ao longe, como eu pinto Já de outra côr o céo! Mal te oiço o vôo, Como eu digo contente: eu te abençôo, Oh dia em que nasci! Eu amo! eu sinto! (Cf, p. 145)

Bend:zendo o dia do seu nascimento, reencontra-se o poeta porque ama. A Amada, aquela que é a sua vida, o faz voltar à origem e renascer. Não é sem razão que a vida, o fogo e/ou a luz se encontram juntos no cerne da poesia de João de Deus: a Prometeu, que arrebatou o foge celeste para doá-lo aos homens, atribui-se também a criação de homens e animais. Nessas estrofes o autor bendiz o dia de sua criação, enfim, por sentir-se iluminado peJa Amada, "luz do céo".

E Deus, tu és p:edoso, Senhor! és Deus e pae! E ao filho desditoso Não ouves pois (^) um ai! (Cf, p. 210).

Antes da elegia "A vida", lê-se, na composição "último Adeus" (A Reis Damaso) esta confissão de crença no prazer além da morte e em Deus, mesmo se encontrando o poeta distante da Amada:

Lá tão longe de ti, mas não do terno, Bondoso Pae que os dois nos há gerado, Só para maguas não, que bem guardado Nos tem também no céo prazer eterno. (Cf, p. 148).

Alguns poemas que se inserem no Campo de Flores depois de "A vida", haja vista os que se intitulam "Deus?" e "Psalmo", ambos da parte denominada "'Cânticos", são espécies de palinódia quanto à atitude para com Deus ado tada naquela eleg·a. A interrogação no título de um dos referidos poemas, repetida em quatro versos, não se torna significante de uma dúvida persistente e enfática, porém, numa como maiêutica, acaba por afirmar ind'reta ma.;; efi cientemente a existência e virtudes de um Ser que "encheu alma" do poeta "d'um eterno enlevo", que assim o atrai po derosamente, e que ressuma características do Abscluto ou de Deus. Leiamos os tercetos do soneto de que falamos, e cons tatemos como o primeiro excele pelo sabor de paradoxo dos seus versos e o outro pelo valor da linguagem sensorlal:

Segues-me sempre... e só por ti suspiro! Vejo-te em tudo... terra e céo te esconde! Nunca te vi... cada vez mais te ad'miro!

Nunca essa voz à minha voz responde... E ecco fiel até do ar que aspiro, Sinto-te o hálito! ... em minh'alma ou onde? (Cf, p. 364).

No "Psalmo", o poeta, com um verdadeiro ato de crença, afirma ver Deus nas flores, nos lábios da mulher, no filho. Sente-o junto à dor, pois diz que "Elle soffre comn')sco!" Encerram-se os tercetos desse poema com o verso laudató rio, condizente com o espírito dos salmos: "Como é grande

Jehovah, como é clemente! " Mas é justo que tran�revamos a sétima estrofe, em que o autor não já considera a Amada a sua luz, mas acredita que de Deus é que a luz promana :

Elle é que a luz nos dá, pharol divino, Centro dos sóes, dos mundos, do universo,

Que ao hálito da fior marca o destino! (Cf, p. 336).

3- CONCLUSÃO

Vimos pela leitura intertextual da lírica de Joâo de Deus que os três grandes elementos poéticos cultivadm: como te mática do autor são a Amada, a NaturE'za e Deus. A Natu reza serve de instrumento para simbolizar a Deus e a Ama da. E revela aquele e exalta esta. Digamos que é a princi pal fonte do estranhamento poético. As palavras "vida" e "luz" representam os leitmotivs principais da poesia do autor, encerram as idéias precípuas do entre-texto que buscamos. Este pode ser encaminhado pela seguinte reflexão: A vida ou luz do poeta é a Amada que, esp?lhando Deus e sendo simbolizada pela Nature-za, enfim se substitui por Deus. Eis como funciona o amor e o misticismo do poeta luso. Assim, podemos chegar ao entre texto da obra analisada, o qual se exprimiria na proposição: Deus, que se espelha na Amada e na Natureza, é a vida e a luz do poeta. A atitude amorosa e mística de João de Deus condiz com a sua posição de romântico. A insatisfação ou Sehnsuchi da quele que declarou "Morto tenho eu vivido a vida toda!" (Cf, p. 150) buscou na Mulher a sua realização como ideal de poesia e da vida ("Quando vej� a minha Amada I Partce que o sol nasceu") (Cf, p. 74) e, em última instância, recor reu a Deus, o "Centro dos sóes", seguindo o autor, aliás, o que se lê em teoristas como Vítor Manuel de Aguiar e Silva : "O mundo^ romântico,^ diferentemente^ do^ mundo^ humanís tico e do mundo iluminista, está radicalmente aberto ao so brenatural e ao mistério, pois representa apenas ''uma apa rição evocada pelo espírito. 7 João de Deus veio salvar mais os valores românticos, com uma poesia de certa contenção sentimental contra os exageros ultra-românticos numa fase literária por isso mesmo

(^7) SILVA, op. cit., nota 4, p. 476.