Docsity
Docsity

Prepare-se para as provas
Prepare-se para as provas

Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity


Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos para baixar

Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium


Guias e Dicas
Guias e Dicas

Biocosmovisão Cristã-Calvinista: Percepção de Mundo e Vida nas Escrituras, Resumos de Religião

A biocosmovisão cristã-calvinista, uma visão de mundo e de vida baseada nas escrituras, que permite ao cristão ver tudo pela ótica da palavra de deus. O autor aborda a necessidade de uma percepção de mundo e um sistema de vida arraigados nas escrituras, além de discutir os perigos da 'pós-modernidade' e a importância do calvinismo nesta perspectiva. O texto oferece uma análise profunda sobre a relação do homem com deus, o homem com o mundo e o homem com si mesmo, além de discutir a importância da religião por causa de deus e não por causa do homem.

O que você vai aprender

  • Como o Calvinismo influencia a biocosmovisão cristã-calvinista?
  • Qual é a importância da religião por causa de Deus, de acordo com a biocosmovisão cristã-calvinista?
  • Quais são as relações fundamentais da vida humana discutidas no texto?
  • Como a biocosmovisão cristã-calvinista contribui para a reflexão sobre os perigos da 'pós-modernidade'?
  • Qual é a importância da biocosmovisão cristã-calvinista para a percepção de mundo e de vida do cristão?

Tipologia: Resumos

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Luiz_Felipe
Luiz_Felipe 🇧🇷

4.4

(175)

222 documentos

1 / 18

Toggle sidebar

Esta página não é visível na pré-visualização

Não perca as partes importantes!

bg1
ABRAHAM KUYPER E A COSMOVISÃO BÍBLICA
MESQUITA NETO, Nelson Ávila (ETCS)
1 INTRODUÇÃO
Com o progressivo surgimento da teologia e filosofia moderna, oriunda, em seus
maiores expoentes, de meados do séc. XVIII, grande parte dos eruditos passaram a construir
uma nova maneira de compreender o mundo e o impacto de suas leis no desenvolvimento das
sociedades. Tais mudanças influenciaram profundamente a academia (em primeiro lugar), a
igreja e, por fim, a sociedade de um modo geral, levando-as a abraçar, sem muitos
questionamentos, aquela nova cosmovisão, tida por científica e superior.
Em meio a esta convulsão de pensamentos, e idéias como o Deísmo, Positivismo,
Evolucionismo etc., gozando de alto prestígio acadêmico, Abraham Kuyper (1837 – 1920),
em sua genialidade, percebeu no resgate do Calvinismo a resposta que traria à luz as bases
para uma cosmovisão verdadeira e realmente superior, a saber: a biocosmovisão cristã-
calvinista, que tem por pressuposto último a Bíblia como Palavra de Deus infalível.
Este breve estudo se utiliza principalmente das palestras proferidas pelo Dr. Abraham
Kuyper no Seminário Teológico de Princeton, nos Estados Unidos (1898), conhecidas como
Stones Lectures on Calvinism (disponíveis em português no livro “Calvinismo” Cultura
Cristã, 2003). Nessa série de palestras, Kuyper apresenta o calvinismo como uma força
cultural, um sistema de vida não restrito às esferas eclesiástica e teológica” (OLIVEIRA,
2006, p. 77).
O objetivo aqui é, a princípio, situar o leitor no ambiente histórico-cultural em que se
encontrava o Dr. Kuyper, bem como apresentar as circunstâncias motivadoras que o
impulsionaram a desenvolver o objeto principal deste estudo, a saber, sua “biocosmovisão”.
Ao adentrarmos esta última parte, exporemos o pensamento “Kuyperiano” acerca da
necessidade de uma percepção de mundo (“cosmovisão”) e um sistema de vida (“bio”)
arraigados nas Escrituras, para que o cristão possa enxergar todas as coisas pela ótica da
Palavra de Deus, visando ainda contribuir para uma maior reflexão sobre os perigos da “pós-
modernidade” (na época de Kuyper: “modernidade”), em seu sistema de pensamento
autônomo e, em grade medida, anticristão.
pf3
pf4
pf5
pf8
pf9
pfa
pfd
pfe
pff
pf12

Pré-visualização parcial do texto

Baixe Biocosmovisão Cristã-Calvinista: Percepção de Mundo e Vida nas Escrituras e outras Resumos em PDF para Religião, somente na Docsity!

ABRAHAM KUYPER E A COSMOVISÃO BÍBLICA

MESQUITA NETO, Nelson Ávila (ETCS)

1 INTRODUÇÃO

Com o progressivo surgimento da teologia e filosofia moderna, oriunda, em seus maiores expoentes, de meados do séc. XVIII, grande parte dos eruditos passaram a construir uma nova maneira de compreender o mundo e o impacto de suas leis no desenvolvimento das sociedades. Tais mudanças influenciaram profundamente a academia (em primeiro lugar), a igreja e, por fim, a sociedade de um modo geral, levando-as a abraçar, sem muitos questionamentos, aquela nova cosmovisão, tida por científica e superior. Em meio a esta convulsão de pensamentos, e idéias como o Deísmo, Positivismo, Evolucionismo etc ., gozando de alto prestígio acadêmico, Abraham Kuyper (1837 – 1920), em sua genialidade, percebeu no resgate do Calvinismo a resposta que traria à luz as bases para uma cosmovisão verdadeira e realmente superior, a saber: a biocosmovisão cristã- calvinista, que tem por pressuposto último a Bíblia como Palavra de Deus infalível. Este breve estudo se utiliza principalmente das palestras proferidas pelo Dr. Abraham Kuyper no Seminário Teológico de Princeton, nos Estados Unidos (1898), conhecidas como Stones Lectures on Calvinism (disponíveis em português no livro “Calvinismo” – Cultura Cristã, 2003). “Nessa série de palestras, Kuyper apresenta o calvinismo como uma força cultural, um sistema de vida não restrito às esferas eclesiástica e teológica” (OLIVEIRA, 2006, p. 77). O objetivo aqui é, a princípio, situar o leitor no ambiente histórico-cultural em que se encontrava o Dr. Kuyper, bem como apresentar as circunstâncias motivadoras que o impulsionaram a desenvolver o objeto principal deste estudo, a saber, sua “biocosmovisão”. Ao adentrarmos esta última parte, exporemos o pensamento “Kuyperiano” acerca da necessidade de uma percepção de mundo (“cosmovisão”) e um sistema de vida (“bio”) arraigados nas Escrituras, para que o cristão possa enxergar todas as coisas pela ótica da Palavra de Deus, visando ainda contribuir para uma maior reflexão sobre os perigos da “pós- modernidade” (na época de Kuyper: “modernidade”), em seu sistema de pensamento autônomo e, em grade medida, anticristão.

Assim como foi para Kuyper, o Calvinismo será para nós a bússola que nos norteará no decurso desta sucinta análise, e a medida em que nos aprofundarmos em sua consciência acerca do absoluto domínio de Deus sobre todas as coisas, perceberemos aquela maravilhosa verdade pronunciada por ele na ocasião de seu discurso inaugural na abertura das atividades da Universidade Livre de Amsterdã em 1880: “Não existe sequer um centímetro de nossa natureza humana do qual Cristo, que é soberano de tudo, não proclame ‘Meu!’” (FERREIRA, 2006, p. 285)

2 BREVE APRESENTAÇÃO BIOGRÁFICA

“A partir da segunda metade do século XVIII, Tendo o seu grande expoente em Emanuel Kant, a pregação caiu sobre a influência do racionalismo” (CANUTO, 2000, p. 7), o que fez com que “os ensinos básicos da fé cristã como o pecado original, a expiação substitutiva de Cristo, a justificação pela fé, a trindade, as duas naturezas de Cristo” ( Ibidem ), simplesmente sumissem dos púlpitos. Sob influência desta postura filosófica e teológica, bem como dos avanços na esfera científica, paulatinamente começou a estruturar-se no campo acadêmico um movimento que ficou conhecido na história da igreja como modernismo ou liberalismo cristão. Em seu livreto O Modernismo e a Inerrância Bíblica , o pastor Brian Schwertley (2000, p. 13) traz a seguinte definição:

O liberalismo cristão é parte de um movimento religioso, político e cultural mais amplo na Europa (em primeiro lugar) e então na América, que tem sua base na visão humanista secular. A razão pela qual os historiadores e teólogos referem-se ao liberalismo cristão como modernismo é o fato de que os liberais cristãos têm comprado e adotado a visão de mundo secular moderna. Eles têm adaptado seus ensinamentos para refletirem o espírito desta era.

Foi exatamente neste contexto social, histórico e cultural, edificado sobre os alicerces da razão e confiante numa eminente evolução humana que culminaria no surgimento de um novo mundo (o “paraíso na terra”! – onde o homem, abandonando seu estado primitivo, saltaria do metafísico para o científico [ou positivo], expurgando de si todo misticismo e superstição, de forma que Deus [compreendido como uma criação das necessidades humanas]

diversas obras, dentre as quais destacam-se: Enciclopédia de Teologia Sagrada , a Obra do Espírito Santo e o clássico de cunho devocional Estar Perto de Deus ; de sorte que torna-se praticamente impossível falar sobre a Holanda do final do séc. XIX e início do séc. XX, sem mencionar o Dr. Kuyper. Com um legado tão significativo, não espantaria o fato de, na data de seu septuagésimo aniversário (1907), alguém escrevesse a seu respeito: “A história da Holanda nos últimos quarenta anos, em sua igreja, estado, sociedade, imprensa, escolas e nas ciências, não poderia ser escrita sem a menção do nome de Abraham Kuyper em praticamente todas as páginas” (PORTELA NETO, 2003, p. 5).

2.1 Motivos propulsores para a construção da cosmovisão (ou

“biocosmovisão”) de Abraham Kuyper

Antes de analisarmos a extensão da cosmovisão (ou “biocosmovisão”, por estender-se a própria esfera da vida) “Kuyperiana”, faz-se necessário compreender as motivações que o levaram a empreender tão grandes esforços no desenvolvimento e sistematização desta matéria. É próprio dizer que sua grande força influenciadora, se deve justamente “a tempestade do Modernismo”, que surgira com “intensidade violenta” em oposição ao próprio elemento cristão das glórias da cruz, bem como ao “[...] próprio nome cristão [... e...] sua influência salutar em cada esfera da vida.” (KUYPER, 2003, p. 18). Segundo Kuyper, o ponto crucial fora alcançado em 1789, onde:

O grito furioso de Voltaire, “Abaixo com o salafrário”, foi apontado para o próprio Cristo [...] O protesto fanático de um outro filósofo, “Não precisamos mais de Deus”, e o lema odioso, “Nenhum Deus, nenhum senhor”, da Convenção; – foram os lemas sacrílegos que naquele tempo anunciaram a libertação do homem como emancipação de toda autoridade divina ( Ibidem ).

Na verdade, tudo isso não passou da “[...] expressão do pensamento mais oculto do qual nasceu a Revolução Francesa” ( Ibid. ), e embora Deus houvesse empregado a Revolução Francesa como:

[...] um meio para destruir a tirania [...] e trazer um julgamento sobre os príncipes que abusavam de suas nações como seus escabelos, [...] o princípio do qual a Revolução surgiu continua completamente anticristão , e desde então tem se espalhado como um câncer, dissolvendo e corroendo tudo quanto está firme e consistente diante de nossa fé cristã ( Ibid. ).

Preocupado com a situação social, moral, cultural, política e eclesiástica de seu próprio país (assim como a de toda a Europa), e consciente da luta mortal entre estes “Dois sistemas de vida”, Cristianismo e Modernismo, que expunha o primeiro a grandes e sérios perigos, o Dr. Kuyper (2003) percebeu que nesta batalha, princípio deveria ser colocado contra princípio e a partir daí, concebeu em seis pontos – (1) O Calvinismo como Sistema de Vida; (2) O Calvinismo e a Religião; (3) O Calvinismo e a Política; (4) O Calvinismo e a Ciência; (5) O Calvinismo e a Arte; e (6) O Calvinismo e o Futuro – um tão abrangente e extenso sistema de vida, quanto o do Modernismo que nos ataca; e este sistema não poderia ser outro, senão aquele que, longe de ser inventado ou formulado, fora simplesmente tomado como se apresenta na história, a saber, sobre os fundamentos do Calvinismo – “[...] a única, decisiva, lícita e consistente defesa das nações protestantes contra o usurpador e esmagador Modernismo” (KUYPER, p. 20). Como escrevera Oliveira (2006, p. 77): “[...] Kuyper estava convicto de que era através de um resgate do calvinismo original que o cristianismo poderia se opor vigorosamente aos princípios apóstatas resultantes do pensamento moderno”.

3 A COSMOVISÃO “KUYPERIANA”

3.1 O uso do termo Calvinismo

O termo Calvinismo pode abranger várias interpretações dependendo da compreensão e definição daquele que o estiver a utilizar. “Para evitar equívocos, devemos primeiro saber o que não deveríamos e o que deveríamos entender por Calvinismo ” (KUYPER, 2003, p. 20). O Calvinismo não deve ser entendido como sectário. Kuyper (2003) informou que nos países católicos, especialmente no caso da Hungria e da França, até mesmo aqueles que romperam com todos os traços de simpatia com a fé de seus pais, por participarem de uma tradição que não é nem Romana nem Judaica, são estigmatizados pelo nome não oficial de “Calvinistas”.

No relacionamento do homem com o homem, tendo em vista a multiformidade da raça humana, tanto o Paganismo quanto o Islamismo e o Catolicismo, acentuam as diferenças, criando todo tipo de hierarquia e opressão, enquanto que o Modernismo procura eliminar todas as diferenças, destruindo “[...] a vida por colocá-la sob a maldição da uniformidade.” (KUYPER, 2003, p. 35). Apenas o Calvinismo, de acordo com Kuyper (2003), por derivar sua relação do homem com o homem de sua própria relação com Deus:

[...] coloca toda nossa vida humana imediatamente diante de Deus, então segue-se que todos, homem ou mulher, rico ou pobre, fraco ou forte, obtuso ou talentoso, como criatura de Deus e como pecador perdido, não tem de reivindicar qualquer domínio sobre o outro, e que permanecemos iguais diante de Deus, e conseqüentemente iguais como seres humanos (p. 35, 36).

Desta feita, a única distinção entre os homens a ser reconhecida, é aquela que o próprio Deus estabeleça quando confere “[...] a um autoridade sobre o outro, ou enriquece um com mais talentos do que o outro, para que o homem de mais talentos sirva o homem de menos, e nele sirva o seu Deus” (KUYPER, 2003, p. 36). Assim, o Calvinismo condena as desigualdades impostas e dignifica a pessoa, operando transformações sociais. Na terceira condição, a qual analisa nosso relacionamento com o mundo, o Paganismo coloca uma relação muito alta do mundo, enquanto que o Islamismo mantém uma muito baixa. O Catolicismo coloca a igreja e o mundo em total oposição, sendo o primeiro santificado e o outro estando ainda sob a maldição; o Calvinismo, porém, ao enxergar o mundo como criação de Deus e entender a relação entre graça especial e graça comum, percebe com clareza seu papel nesta criação, servindo a Deus no mundo e louvando-O por Suas obras, enquanto que fazendo separação apenas daquilo que é pecaminoso no mundo. O desenvolvimento destas relações na vida prática traz conseqüências suficientes para estabelecer o Calvinismo acima de todos os outros sistemas de vida.

3.3 O Calvinismo e a Religião

Ao analisar a Religião como tal, Kuyper (2003, p.53) se propõe a responder quatro questões fundamentais mutuamente dependentes: “1. A Religião existe por causa de Deus ou por causa do homem? 2. Ela deve operar diretamente ou mediatamente? 3. Ela pode manter- se parcial em suas operações ou tem de abraçar o todo de nosso ser e existência pessoal? E, 4.

Ela pode manter um caráter normal , ou deve revelar um caráter anormal , isto é, um caráter soteriológico?” À primeira pergunta o Calvinismo responde: “1. A religião do homem não deve ser egoísta e por causa do homem , mas ideal, por causa de Deus .” ( Ibidem ). Enquanto a filosofia religiosa moderna, imbuída de uma concepção mística da religião, aponta para a idéia de uma evolução religiosa do homem, que nasce do contraste esmagador entre ele mesmo e o cosmos que o cerca, passando para uma concepção posterior de um Espírito Supremo que está em contraste com tudo o que é visível, para no fim desembocar na encantadora altivez de seu próprio espírito humano, que o leva a: “[...] prostrar-se diante de algum ideal impessoal, do qual em auto-adoração supõe ser ele mesmo a venerável encarnação” (KUYPER, 2003, p. 54), permanecendo assim uma religião egoísta, sempre presa a seu caráter subjetivo e sempre uma religião por causa do homem; Segundo Kuyper (2003) escreveu: “A posição Calvinista é diametralmente oposta a tudo isto” (p. 55). Embora afirmando que a religião também produz uma benção para o homem, o Calvinismo deixa claro que ela não existe por causa do homem, assim, como o próprio Kuyper acrescentou na mesma pauta: “Não é Deus quem existe por causa de sua criação; a criação existe por causa de Deus. Pois, como diz a Escritura, ele criou todas as coisas para si mesmo”. Como resposta a segunda pergunta, Kuyper (2003) declara: “2. Ela não deve operar mediatamente , pela intervenção humana, mas diretamente do coração.” Para Calvino a religião deve ser “[...] ‘ nullis mediis interpositis ’, isto é, sem a mediação de qualquer criatura, realizar a comunhão direta entre Deus e o coração humano” (KUYPER, 2003, p. 57). Esta é mais uma diferença que se apresenta ao comparar-se a religião por causa do homem e a religião por causa de Deus, pois se:

[...] o principal propósito da religião continua sendo ajudar o homem, e visto ser entendido que o homem é digno da graça por sua devoção, é perfeitamente natural que o homem de piedade inferior deva invocar a mediação do homem mais santo. Outro deve procurar por ele o que ele não pode procurar por si mesmo (KUYPER, p. 58).

Todavia, a religião por causa de Deus exige que cada coração humano deva dar glória a Deus, de sorte que nenhum homem pode comparecer no lugar de outro, tendo cada homem que comparecer pessoalmente por si mesmo. Sendo assim, “[...] a religião atinge seu alvo somente no sacerdócio universal dos crentes ” (KUYPER, 2003, p. 58). Respondendo a terceira pergunta ele diz: “3. Ela não pode permanecer parcial , como correndo ao lado da vida, mas deve exercer controle sobre toda nossa existência” (KUYPER,

entendendo a necessidade de “ Regeneração , para uma verdadeira existência ; e secundariamente, a necessidade de Revelação , para clara consciência .” (KUYPER, 2003, p. 65). Somente por meio deste caráter soteriológico, a religião retoma seu padrão original, que está muito além do padrão estabelecido pelas demais cosmovisões. Como expressou o dr. Kuyper (2003):

Em cada um dos quatro grandes problemas da religião, o Calvinismo tem expresso sua convicção em um dogma apropriado e cada vez tem feito aquela escolha que mesmo agora [...] satisfaz a procura mais ideal e deixa o caminho aberto para um desenvolvimento sempre mais rico” (p. 68).

3.4 O Calvinismo e a Política

O Calvinismo, longe de ser um movimento meramente eclesiástico e dogmático, apresenta uma forma peculiar de compreender e estabelecer sua relação com todas as esferas da vida. O que apresentar-se-á doravante é a relação entre Calvinismo e Estado, concebida a partir de uma visão abrangente da soberania de Deus. Kuyper (2003) declara que este princípio dominante é:

[...] no sentido cosmologicamente mais amplo, a Soberania do Deus Trino sobre todo o cosmos , em todas as esferas e reinos, visíveis e invisíveis [...] uma soberania primordial que se irradia na humanidade numa tríplice supremacia, a saber: 1. A Soberania no Estado ; 2. A Soberania na Sociedade ; e 3. A Soberania na Igreja (p. 86).

Com relação a “Soberania no Estado”, ao contemplar o homem pós-Queda, em todo o seu estado pecaminoso e imperfeito, o calvinista enxerga na soberania e providência de Deus a necessidade do magistrado e cede em obediência a autoridade deste, pois encarando-o como um “dom” de Deus para a preservação da ordem, entende que honrando-o, o faz ao próprio Deus que o concedeu, visto que toda autoridade só pode governar pela graça de Deus. Conseqüentemente, tal perspectiva “Ergue-nos de uma obediência nascida do medo do exército forte, para uma obediência por causa da consciência” (KUYPER, 2003, p. 97). O calvinista, ao olhar para além da lei existente e contemplar a Fonte do Direito eterno que repousa em Deus – o doador de toda autoridade –, sente-se encorajado a “[...] protestar incessantemente contra a injustiça da lei em nome deste Direito superior” ( Ibidem ). Tal

confiança do calvinista encontra-se no fato de que acima de qualquer Estado – e toda atrocidade que possa advir deste –, encontra-se o Deus Todo-Poderoso que reina! A Este, sua alma pode sempre recorrer em tempos de opressão e suas orações operam poderosamente para abençoar a nação e, sendo assim, abençoar a si mesmo e seu lar. Com relação a Soberania de Deus na sociedade, faz-se necessário distinguir entre Sociedade e Estado como esferas independentes, que, em todo o caso, permanecem sob a soberania de Deus. Kuyper (2003) nos apresenta a Sociedade como sendo de natureza orgânica, pois, ao “[...] originar-se diretamente da criação, possui todos os elementos para seu desenvolvimento na natureza humana como tal” (p. 98). Exemplos disso são as ligações de consangüinidade e outros laços que surgem naturalmente da família; o casamento que se desenvolve da dualidade de homem e mulher; a monogamia que vem da existência original de um homem e uma mulher; as crianças que existem por causa do poder inato de reprodução etc. O Governo, por sua vez, apresenta um caráter mecânico, onde a figura do Estado tem sua razão de existir unicamente devido a corrupção humana que advêm do pecado. Em ambas as esferas, “[...] a autoridade inerente é soberana, isto é, nada tem acima de si exceto Deus” (KUYPER, 2003, p. 101), devendo cada uma exercer esta autoridade em sua própria esfera. A autoridade orgânica na esfera social pode ser apresentada claramente na distribuição que Deus faz de Sua graça comum. Por exemplo: na esfera social da ciência há homens que influenciaram gerações devido a genialidade que lhes fora concedida por Deus, e isto lhes serviu de autoridade sobre outro. Na esfera da arte, Kuyper nos diz que:

Todo maestro é um rei no Palácio da Arte, não pela lei da herança ou por nomeação, mas somente pela graça de Deus. E esses maestros também impõem autoridade e não estão sujeitos a ninguém, mas governam sobre todos e, no fim, recebem de todos a homenagem em razão de sua superioridade artística (2003, p. 102).

O mesmo pode ser visto na própria esfera da diferenciação das pessoas, onde uma impõe autoridade sobre outra simplesmente devido ao poder soberano da personalidade. Kuyper se refere ainda a uma soberania que é exercida pela própria esfera em si, como no caso da universidade que exerce domínio científico; a academia das belas artes que possui o poder da arte; o grêmio que exerce um domínio técnico etc.; “[...] cada uma destas esferas ou corporações estaria dentro de sua própria esfera de operação” ( Ibidem ), de forma que:

[...] em muitas direções diferentes vemos que a soberania declara-se em sua própria esfera – 1. Na esfera social, pela superioridade pessoal. 2. Na esfera corporativa das

O Calvinismo, porém, manteve firme sua convicção de que “os céus proclamam a glória de Deus e o firmamento anuncia as obras de Suas mãos”. Calvino costumava “[...] comparar as Escrituras a um par de óculos que nos capacita a decifrar novamente o Pensamento divino, escrito pela Mão de Deus no livro da Natureza , o qual se tornou obliterado em conseqüência da maldição” (KUYPER, 2003, p. 127). Tal visão trouxe novamente o interesse pela investigação científica, visto que ao analisar a natureza, o calvinista era sempre convidado a contemplar a mão do Criador que a fez existir. A partir daqui, torna-se evidente para Kuyper (2003, p.128) estabelecer a relação de que por conseqüência do pensamento calvinista, “[...] o estudo do corpo recuperou seu lugar de honra ao lado do estudo da alma; e a organização social da humanidade na terra foi novamente considerada como sendo um objeto tão valioso da ciência humana quanto a congregação dos santos perfeitos no céu”. Do mesmo modo, o dogma da predestinação contribuiu significativamente para prover a base e a sustentabilidade que a investigação científica tanto necessitava, pois da sólida confiança nos decretos de Deus, o calvinista obteve a certeza de que o cosmos obedece a uma lei e ordem. Para ele:

[...] existe ali uma vontade firme que põe em prática seus desígnios na natureza e na História [...] uma unidade toda compreensível [...] um princípio pelo qual tudo é governado [...] algo que é geral, escondido e todavia expresso naquilo que é especial. Além disso, força sobre nós a confissão de que deve haver estabilidade e regularidade governando sobre tudo (KUYPER, 2003, p. 121).

O Calvinismo contribuiu ainda para com a liberdade da ciência. Ao arrancá-la do poder do Estado e da Igreja, restaurou-a a sua própria esfera soberana de atuação, de onde deveria responder exclusivamente ao Deus que a tornara possível. Isso não quer dizer que “[...] a ciência está totalmente desimpedida para o uso de sua liberdade e que não precisa obedecer leis” (KUYPER, 2003, p. 133). A ciência, pelo contrário, de acordo com Kuyper (2003, p.133) deve restringir-se “[...] a mais íntima conexão com seu assunto e obedecer estritamente as reivindicações de seu próprio método”. Para exemplificar esta questão, Kuyper utiliza-se da metáfora de um peixe que é colocado numa terra seca, onde torna-se perfeitamente livre; todavia, esta sua liberdade só o levaria a expirar e perecer. Sendo assim, um peixe “[...] que é realmente livre para viver e desenvolver-se deve estar totalmente cercado pela água e guiado por suas barbatanas” ( Ibidem ), ou seja, limitar-se as exigências de sua esfera.

De acordo com a perspectiva calvinista, um bom cristão não deve relegar o trabalho científico unicamente às mãos dos não cristãos, mas, por ter o ponto de partida correto e a verdadeira compreensão da realidade que o permeia, precisa analisar os dados científicos para que estes redundem em glórias ao seu Deus.

3.6 O Calvinismo e a Arte

A primeira questão a ser considerada aqui é a de que o Calvinismo não desenvolveu um estilo próprio de arte, e isso se deve ao fato de a aliança entre Religião e Arte apresentar uma forma baixa de religiosidade. Enquanto estando em um nível inferior o povo derivava sua adoração do símbolo (como o fez Israel no Antigo Testamento), o Calvinismo, alicerçado na plenitude da revelação que nos foi dada no Novo Testamento, “[...] abandonou a forma simbólica de adoração e rejeitou encarnar seu espírito religioso em monumentos de esplendor, conforme a exigência da arte” (KUYPER, 2003, p. 154), pois, desde que o propósito das sombras e símbolos tiveram seu comprimento, não é mais possível encontrar na literatura apostólica nenhum vestígio ou sombra de arte com propósito de adoração. Portanto, podemos concluir que o fato do Calvinismo abster-se da busca por um estilo artístico próprio se deve principalmente a sua consciência de maturidade e superioridade religiosa. Entretanto, não se deve inferir daí que não haja qualquer espaço para arte no pensamento calvinista, ou mesmo um desprezo por esta. Calvino levantou-se contra o uso indevido da arte, até onde este divertia-se impiamente com a honra da mulher ou estendia-se ao campo da imoralidade, contudo, em seu uso legítimo, ele considerou a arte como um dom do Espírito Santo e declarou que “[...] todas as artes vêm de Deus e devem ser consideradas como invenções divinas” (KUYPER, 2003, p. 160). O Calvinismo, com seu dogma da graça comum, trouxe verdadeira liberdade a expressão artística, pois, já que seu ponto de partida encontra-se na firme convicção da soberania de Deus, atestou categoricamente que “[...] a arte não pode originar-se do Diabo; pois Satanás é destituído de poder criativo. Tudo o que ele pode fazer é abusar das boas dádivas de Deus” (KUYPER, 2003, p. 163).

O misticismo, ou a luta da Igreja por modernizar-se, numa tentativa de tornar-se relevante, não trouxeram verdadeira transformação e resposta satisfatória a seus inquiridores, pois, negligenciar, ou fazer concessões em pontos fundamentais das verdades reveladas nas Escrituras, jamais trará ao homem o real preenchimento do qual sua alma necessita. Por isso, a nova religião que se desenvolvera, mesmo que a partir de boas intenções e esforços sinceros, ao despir-se da autoridade fundamental da qual derivam seus princípios (colocando assim sua própria cosmovisão em conflito) e seu poder – a saber, a Bíblia – veio a apresentar-se completamente impotente. Portanto, os esforços do Catolicismo, com sua cosmovisão retrógrada; do Luteranismo, amarrado a seu imperador; e do Modernismo, tão aclamado como intelectual e superior, mas que na realidade, como o próprio Dr. Kuyper (2003, p. 195) fez saber: “[...] não tem avançado um único passo no estabelecimento de princípios, de modo algum tem dado um conceito mais elevado da vida, nem tem produzido para nós maior estabilidade e solidez em nossa existência religiosa e ética, isto é, existência verdadeiramente humana”. Por tais motivos, tais empreendimentos têm se revelado ineficazes, ou melhor, incapazes de conduzir o homem a um nível mais elevado de existência. Apenas o Calvinismo, dotado de sua própria biocosmovisão, “[...] fundada tão firmemente sobre a base de seu próprio princípio, elaborada com a mesma clareza e brilhante numa lógica igualmente consistente” (Kuyper, 2003, p. 198), é capaz de trazer verdadeira dignidade e esperança a vida humana, justamente por apresentar- se totalmente superior as demais cosmovisões. Para que o Calvinismo alcance o efeito a que se propõe, isto é, elevar a existência humana a um nível verdadeiramente desenvolvido, Kuyper apresenta quatro pontos sobre os quais se deve refletir:

  1. que o Calvinismo não seja mais ignorado onde ele existe, mas que seja fortalecido onde sua influência continua; 2) que o Calvinismo seja feito novamente um objeto de estudo a fim de que o mundo exterior possa vir a conhecê-lo; 3) que seus princípios sejam novamente desenvolvidos de acordo com as necessidades de nosso tempo, e consistentemente aplicados aos vários campos da vida; 4) que as Igrejas que ainda reivindicam confessá-lo, deixem de sentir vergonha de sua própria confissão (2003, p. 201).

Ele acredita que os objetivos do Calvinismo em prol da humanidade serão alcançados a partir do desenvolvimento destes pontos, e sua confiança, apesar da triste decadência de seus dias, repousa na convicção inabalável de que “[...] o avivamento não vem de homens; é a prerrogativa de Deus e é devido somente à sua soberana vontade [...]” (KUYPER, 2003, p. 208).

A missão da Igreja neste mundo é lutar com todas as suas forças, orar com todo o seu coração e esperar com santo fervor que Deus envie o sopro do Seu Espírito vivificante, o qual tem poder para modificar o conceito dos homens.

4 CONCLUSÃO

Findamos, portanto, afirmando com Ferreira (2006) que: “A cosmovisão cristã provê uma maneira coerente de viver no mundo, abarcando todas as esferas da Criação: da política à educação, passando pelo culto, vida em família, artes e ciência” (p. 288). Partindo de uma epistemologia proveniente do pressuposto de que a Bíblia é a Palavra de Deus Revelada, a biocosmovisão cristã-calvinista confere ao homem aquilo que a razão e a lógica do Racionalismo, a ciência e as experiências dos sentidos do Empirismo, a intuição do Misticismo e a irracionalidade do Ceticismo, devido às extremas limitações de seus próprios sistemas de pensamento, não são capazes de proporcionar ao homem, isto é, uma verdadeira base para a dignidade humana frente ao “nada” que o ateísmo e o panteísmo (dentre outras cosmovisões) têm para oferecer (FERREIRA E MYATT, 2007, p. 9, 10). A biocosmovisão apresentada por Kuyper proporciona uma teoria própria nas esferas ontológica, ética, estética e teleológica, alicerçada nos dogmas da Criação e Queda, bem como da Redenção em Cristo e conseqüente Restauração, respondendo, assim, lógica e satisfatoriamente as grandes questões da vida, garantindo, inclusive, uma viabilidade existencial onde não apenas “[...] é possível viver sem hipocrisia e construir uma civilização segundo essa cosmovisão” (FERREIRA E MYATT, 2007, p. 8), mas, indo além, lega ao homem uma filosofia que o permite viver com autenticidade. O calvinismo do Dr. Kuyper, como um sistema abrangente de interpretação do cosmos e da própria vida, por tudo o que já foi apresentado, não somente deve ser abraçado e sustentado por todo cristão convicto da veracidade bíblica, mas, para a glória de Deus, deve ser vigorosamente apresentado ao mundo para que, por meio de sua aplicação a cada esfera da vida, a humanidade possa atingir a plenitude de seu desenvolvimento e maturidade.