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A VILA (The Village, USA, 2004), Exercícios de Comunicação

Night Shyamalan, com Joaquin. Phoenix, William Hurt, Adrien Brody e Sigourney Weaver. O filme se pas- sa em uma pequena vila no final do século XIX isolada no ...

Tipologia: Exercícios

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Garrincha
Garrincha 🇧🇷

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N4 | 2005.1
A VILA (The Village, USA, 2004): O medo como instrumento de organização espacial
A VILA (The Village, USA, 2004):
O medo como instrumento de
organização espacial
Roberta Carvalho
jornalista e mestranda do Programa de Pós-Graduação em
Comunicação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Resumo
O filme “A Vila” nos proporciona um exercício de atualização de algum mecanis-
mos do poder que, de certa forma, pareciam esquecidos.O panóptico de Foucault se
apresenta na organização da “Vila” do título como coerção espacial. A surpresa que o
filme reserva para o final atualiza a discussão da vida em comunidade e das concessões
que se fazem em nome da preservação de valores e costumes considerados como “cor-
retos”. Questão que os conflitos do mundo contemporâneo atestam todos os dias.
Abstract
The movie “The village” show us an exercise in order to up to date some power mechanisms
that somehow seems to be forgotten. The Foucault’s panoptics is introduced in the orga-
nization of the “Village” that is responsible for name of the film on account of the spacial
coercion. The film reserves a surprise in the end that brings the discussion back about com-
munity life and the concessions that are made in the name of the maintenance of values
and habits considered as “correct”. The question about the contemporary world conflict
proves that every day.
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A VILA (The Village, USA, 2004):

O medo como instrumento de

organização espacial

Roberta Carvalho jornalista e mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Resumo O filme “A Vila” nos proporciona um exercício de atualização de algum mecanis- mos do poder que, de certa forma, pareciam esquecidos.O panóptico de Foucault se apresenta na organização da “Vila” do título como coerção espacial. A surpresa que o filme reserva para o final atualiza a discussão da vida em comunidade e das concessões que se fazem em nome da preservação de valores e costumes considerados como “cor- retos”. Questão que os conflitos do mundo contemporâneo atestam todos os dias. Abstract The movie “The village” show us an exercise in order to up to date some power mechanisms that somehow seems to be forgotten. The Foucault’s panoptics is introduced in the orga- nization of the “Village” that is responsible for name of the film on account of the spacial coercion. The film reserves a surprise in the end that brings the discussion back about com- munity life and the concessions that are made in the name of the maintenance of values and habits considered as “correct”. The question about the contemporary world conflict proves that every day.

O filme “A Vila” nos proporciona um exercício de atualização de algum mecanismos do poder que, de certa forma, pareciam esquecidos. O panóptico de Foucault se apresenta na organização da “Vila” do título como coerção es- pacial. A surpresa que o filme reserva para o final atualiza a discussão da vida em comunidade e das concessões que se fazem em nome da preservação de valores e costumes considerados como “corretos”. Questão que os conflitos do mundo contemporâneo atestam todos os dias. The movie “The village” show us an exercise in order to up to date some power mechanisms that somehow seems to be forgotten. The Foucault’s pa- noptics is introduced in the organization of the “Village” that is responsible for name of the film on account of the spacial coercion. The film reserves a surprise in the end that brings the discussion back about community life and the concessions that are made in the name of the maintenance of values and habits considered as “correct”. The question about the contemporary world conflict proves that every day. Escrito, dirigido e produzido por M. Night Shyamalan, com Joaquin Phoenix, William Hurt, Adrien Brody e Sigourney Weaver. O filme se pas- sa em uma pequena vila no final do século XIX isolada no meio de uma flo- resta onde, segundo os habitantes locais, vivem misteriosas criaturas sobrenatu- rais. Ao contar a história de amor de Ivy, filha do líder do vilarejo, e de Lucius, um jovem introspectivo e corajoso, Shyamalan fala de como o medo pode afetar a vida e influenciar o comportamento das pessoas e das comunidades. No site oficial do filme 1 , o cultuado diretor de A Vila se declara fã de Alfred Hitchcock. Assim como o diretor britânico, Shyamalan 2 conta histórias cheias de referências, sustos, clima de tensão e reviravoltas, além de também sempre aparecer em pequenas cenas de seus filmes. Sobre A Vila, Shyamalan declarou ter se inspira- do em O Morro dos Ventos Uivantes, como suporte dramático, e em King Kong, de onde surgiu a idéia de uma comunidade com medo de criaturas predatórias. Apontado como o diretor de suspense da atualidade, como destacou recente matéria em A Folha de São Paulo 3. o cineasta indiano criado na Filadélfia sabe manipular o medo sem recorrer à violência ou a truques de computação. Envolve com competência o espectador na trama bem condu- zida e no clima de temor. Em A Vila chama a atenção o cuidado com figu- rino e cenário. A reprodução de um pequeno vilarejo do século XIX é me- ticulosa, contribuindo para que o espectador se sinta imerso na história, se envolvendo no clima de suspense, drama e romance engendrado pelo autor. As cenas construídas com sutileza, onde a paisagem bucólica e a aparente cal- ma se opõem ao clima de tensão e suspense. Os enquadramentos da câmera, constantemente mostrando o interior de uma casa por uma janela e vice-versa, criam o tempo todo a sensação de que alguém observa as personagens e que algo está sempre para acontecer. Ao mesmo tempo, a trilha sonora do filme ajuda a construir o clima de temor, sem causar sustos gratuitos ou interferir na concentração.

controle. Vigilância contínua que acaba por impregnar no vigiado a visão de si de quem o olha, como a que estavam submetidos os moradores da vila criada por M. Night Shyamalan. A cidade é comandada por um conselho dos anciãos (elders, no origi- nal): são os fundadores da vila. Eles deliberam sobre os assuntos importantes e dominam todos os códigos da comunidade. Eles exercem o poder no sentido em que Foucault empregou o termo. Esses dirigentes perpetuam a política de restrição espacial e são os únicos que conhecem o mundo além do bosque assombrado. Todos os outros habitantes da vila passaram toda a existência ali, pouco ou nada conhecem sobre “a cidade”. A referência comum é que a cidade é um lugar onde as pessoas são más e coisas ruins acontecem. Os medos coletivos são também medos individuais, causando reações em conjunto. Os habitantes da vila têm medo da cidade e para se proteger dela pre- ferem outros medos, seus próprios medos, os que acham que podem controlar. Em A Vila, Shyamalan trata o medo como algo que vai além do medo do escuro, de fantasmas ou dos monstros que vivem nas florestas que rodeiam a comuni- dade. O cineasta vai mais longe, polemiza os medos da sociedade contemporâ- nea, trazendo à baila o questionamento acerca de até onde temos o direito de ir para garantir a sensação de estarmos seguros, para escondermos nossos medos. Segundo Delumeau 7 , o medo é inerente ao homem e necessário a sua sobre- vivência, no entanto também é culturalmente construído e pode ser inculcado servindo a interesses, seja através da mídia, da tradição, da família, ou qualquer indivíduo ou grupo detentor dos códigos. O medo, bem assentado no inconsciente coletivo da população da vila faz com que nenhum habitante se arrisque a entrar no bosque. Entretanto, a paz e a segurança do vilarejo é ameaçada quando o jovem Lucius Hunt (Joaquin Phoenix) pede permissão para ir à cidade. O rapaz não se conformou com a morte do amigo (enterrado no início do filme) por falta de remédios. Lucius sente uma forte atração em conhecer a ci- dade, quer ultrapassar seus limites, enfrentar o desconhecido. Shyamalan joga com a tensão entre o medo que existe dentro da personagem, e em cada um de nós, e a atração pelo oculto, pelo interdito e interditado. Na vila existe um rapaz com necessidades especiais, Noah Percy (Adrien Brody), cujo comportamento está se tornando gradativamente mais agressi- vo. Ao perceber a piora no estado de Noah, Lucius questiona o confinamento completo da aldeia. Apesar do pedido negado e das advertências de Edward Walker (William Hurt), o líder da comunidade, e de sua mãe, Alice Hunt (Sigourney Weaver), secretamente ele entra no bosque. A vida na aldeia continua aparentemente bem até que os animais do vilarejo começam a surgir mortos. O conselho dos mais velhos convoca uma reunião para tentar entender o ocorrido, afinal se ninguém saiu da Vila e as oferendas continuam sendo feitas, o que estaria acontecendo? Lucius confessa

que invadiu o território proibido e é recriminado por ter colocado a segurança de todos em perigo. No entanto, concluem que os animais não foram mortos pelas criaturas, mas que devem estar sendo vítimas de coiotes. O clima de tensão aumenta ao mesmo tempo que a narrativa toma um rit- mo mais acelerado. O desenrolar da trama sugere que a paz no vilarejo está com os dias contados. Uma festa de casamento é interrompida pelo alarme do sino. Todos correm para se esconder nos alçapões, “Aqueles-de-quem-não-falamos” estão na vila. Ivy Walker (Bryce Dallas Howard), a jovem deficiente visual filha do líder da comunidade, esconde as crianças, mas se recusa a entrar até que saiba onde está Lucius. Destemido, o rapaz quer observar a criatura, quer testar seus limites, desafiar seus medos, mas desiste para garantir a segurança de Ivy, por quem é apaixonado. Ivy também ama Lucius e logo começam um romance. Desta vez Lucius sabe o que motivou o ataque e informa o conselho. Num dia que Ivy estava brincando de esconder com Noah este trouxe para ela sementes vermelhas (a cor ruim), que só nascem no bosque. O rapaz deficiente é castigado. Alegre e com uma personalidade marcante, Ivy é a melhor amiga de Noah, que ao saber do namoro fica enciumado. Noah surpreende e esfaqueia Lucius. Se a violência é intrínseca ao homem, como diz Delumeau 8 , não adianta tentar deixá-la fora das cercas, não será solução se esconder do mundo em uma clareira na floresta. Lucius sobrevive, mas corre risco de morte devido a uma infecção. Não há remédios na vila. Todos sofrem e ninguém sabe o que fazer. Ivy insiste em fazer a jornada através do bosque e ir à cidade buscar a cura para seu amado. Seu pai acaba consentindo, mas antes revela alguns segredos. Não há monstros no bosque. Tudo faz parte da estratégia para manter as pessoas fora da floresta e dentro dos limites das cercas, impedindo contato com a civilização. A vila é quase uma cidade cenográfica. Uma utopia de segurança surgida entre fre- qüentadores de um grupo de apoio a familiares de vítimas da violência. Uma dessas vítimas tinha sido o avô de Ivy, um milionário, cuja herança possibilitou a farsa. Os fundadores resolveram fundar uma sociedade alternativa longe das cidades e da violência. Se a idéia da vila isolada do resto do mundo (e suas mazelas) nas- ceu do medo e da opção pelo isolamento, seus fundadores negaram a seus descendentes o livre arbítrio. A população da Vila era uma gran- de família, unida pela mentira, aprisionada pelo medo e também re- fém da arrogância e mesquinharia das mentalidades de seus líderes. Ao mapear os medos no ocidente, Delumeau 9 nos mostrou que o homem se torna vítima de seu próprio horror. O indivíduo e a sociedade em que vive ficam sitiados pela forma temerosa de como vêem os outros, a si mesmos e o mundo. Tornam-se prisioneiros de suas próprias ilusões e das dos outros, dan- do espaço a um sentimento repelido, repudiado, abrem caminho para o medo. Em sua jornada para a cidade, Ivy perde sua sacola e é atacada por Noah, que acaba caindo em um buraco e morrendo. Ele havia roubado uma fantasia de monstro e fugido para a floresta. Na verdade ele já tinha feito isso outras vezes.

com a qual o analista se identifique. O cinema, antes do advento da TV, era o meio de difusão coletiva que melhor exemplificava as características dessa indústria. Arte industrial típica, nas palavras de Edgar Morin14.^ Considerados formas de arte ou meros produtos de consumo rápido, os filmes influenciam nossas concepções de vida. A ficção cinematográfica (independente de apre- ciarmos ou não) nos fornece uma visão do mundo. Em nenhum outro país se fez mais cinema, ou a ele foi dada maior im- portância do que nos Estados Unidos. O cinema americano refletiu o curso dos acontecimentos mundiais, interferindo neles ao dar sua versão a espectadores do planeta inteiro. A influência norte-americana em nossas mentes e corações foi responsável pela absorção de ideologias e sonhos pelas massas espectadoras. Em um país onde a simbiose entre a sociedade real e aquela mostrada em pelícu- la de celulóide é tão profunda, nada mais natural que seu momento atual, seus medos e agruras contemporâneos sejam refletidos em sua produção cinemato- gráfica. Seja na tentativa de legitimação de seus valores, seja na crítica social vinda de um diretor de ascendência estrangeira, não é fato novo ou excepcional. A leitura primeira e mais óbvia de A Vila é considerar o filme uma metáfora da sociedade americana pós 11 de setembro de 2001. Uma sociedade tomada pelo medo de uma ameaça invisível, medo do outro, do diferente. O vermelho é a cor utilizada pela Casa Branca para indicar iminência de ataque terrorista em solo americano, soando o ataque de perigo. No filme, era a cor ruim, que atraía os “monstros” que atemorizavam os moradores. Na mesma escala de cores representando a probabilidade de um ataque, o azul re- presenta o mais baixo grau de perigo e era a cor das roupas de Ivy, a cega. Esse código de cores foi criado pelo secretário de Segurança Interna do governo Bush e ex-governador da Pensilvânia, estado onde Shyamalan se radicou e que sempre está presente em seus filmes. O medo que permeava a vida dos moradores do vilarejo é o mesmo que amedronta a população norte-americana e norteia as decisões políticas dos Estados Unidos desde o ataque às torres gêmeas. Isolamento, clausura, alie- nação, acomodação, confiança nos líderes, agressão a quem questiona ou não quer se submeter às regras. As referências são tantas que a ligação é inevitável. Cega, a personagem Ivy poderia ser a representação da sociedade ame- ricana. Ainda que a verdade esteja diante de seus olhos, não enxerga; ain- da detalhes da farsa sejam revelados, não se importa, é conivente e prefere acreditar na argumentação apresentada, por mais absurda que esta seja. Lucius Hunt (o caçador da luz?) não teme o perigo e quer desbravar o des- conhecido, o que lhe é sempre negado pelo líder local. Ele acaba ferido pela intolerância e desvario. De certa forma é impedido definitivamente de realizar seu sonho pela própria amada, que acaba tomando para si a responsabilida- de e indo em seu lugar, mas não pode ver a verdade. Seria Lucius uma re- presentação da parcela da população norte-americana que não concorda com a política Bush, que desconfia da existência das armas químicas no Iraque?

A Vila de Shyamalan pode nos parecer um lugar estranho com seus pactos, criaturas e segredos, mas ecoa o mundo que criamos para viver. “Aqueles-de- quem-não-falamos”, nossos monstros, foram concebidos por nossos próprios líderes, em última análise, somos nós mesmos. Consideramos plausível afirmar que A Vila pode se referir a qualquer forma de organização ou grupo social onde os limites geográficos espaciais são delimitados pelo medo, seja a sociedade americana pós 11 de setembro, seja na carioca Barra da Tijuca, com seus condomínios fechados e shoppings centers 15. Poderíamos buscar muitos outros exemplos, mas tal desdobramento fugiria ao escopo do presente trabalho. No entanto, mais que falar de sociedades, a questão central do filme, perseguida por M. Night Shyamalan é o medo como instrumento de organização espacial, de coer- ção e manutenção do poder. Como nos mostra Delumeau 16 , a utilização do medo como forma de dominação remonta a Idade Média. O medo é construído para que os líderes pareçam necessários para nos defender dos nossos medos.

referências BiBliográficas

DÁVILA, Sérgio. A Vila é metáfora do medo oficial da Era Bush. Folha de São Paulo, São Paulo, 3 de set. 2004. Folha Ilustrada. DELUMEAU, Jean. História do medo no ocidente – 1300-1800. São Paulo, Companhia das Letras, 1989. DUBY, Georges. Ano 1000, ano 2000: na pista de nossos medos. São Paulo, Fundação Editora da UNESP, 1998. FREITAS, R. F. Entre Telas e Vitrines: alguns comentários sobre a comunicação no cenário carioca contemporâneo In: Tessituras do imaginário: cultura & edu- cação ed.Cuiabá: EdUNIC, 2001 , p. 198 - 206. FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Petrópolis: Vozes , 1989 MORIN, Edgar. Cultura de Massas no Século XX. O Espírito Do Tempo. Rio de Janeiro: Forense, 1967.