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Resumo do livro Hell's Angels do escritor Hunter Thompson
Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas
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Os motoqueiros fora-da-lei são como restos estranhos de um naufrágio na maré cheia. E esse tipo de definição faz massagem no ego desses selvagens que vivem tanto o limbo violento e embriagado de orgias e bebedeiras, confrontando a lei e os policiais, como conseguem ser solidários ao fazerem cortejos para os membros da gangue mortos. Suas origens passam por teorias e mitos. A mais provável talvez seja a chegada dos imigrantes ingleses que deram início à proliferação californiana na década de 30. Com o fim da Segunda Guerra e longas rodovias para percorrer, surgiram os fora-da-lei com seu ímpeto de gastar cada centímetro de pele virgem no corpo.
Há uma teoria forte de que os Hell’s Angels descendem dos Linkhorns, a escória branca americana que veio da mais baixa ralé das terras do rei Henrique VIII 1. No contexto histórico, esses dispostos britânicos assinaram contratos que lhes asseguravam empregos futuros em troca de uma travessia pelo oceano até a Costa Leste americana. A dívida com os patrões americanos durava um, às vezes dois anos, e uma vez livres, os Linkhorns poderiam seguir o caminho que quisessem. O problema é que a costa Leste já estava ocupada. Os maçantes caipiras americanos instalaram suas casas por toda a costa, obrigando os imigrantes, no frescor da liberdade, a buscar suas terras do outro lado da América, onde o Movimento para o Oeste começava a solidificar-se. Eles tiveram de ir para lá dos montes Alleghenies, chegando até os estados de Kentucky e Tennessee. Alguns ficaram para trás e fixaram endereços mais para o sul da Califórnia. Nos anos 30, em meio à depressão e à Lei Seca, Nelson Algren 2 escreveu Um passeio pelo lado selvagem , mas a história foi contada antes dos Linkhorns atravessarem as montanhas rochosas. Algren descreveu muito bem essa passagem do Velho Mundo para o Novo Mundo, onde os ingleses descritos como desajustados, criminosos e endividados de todo e qualquer limbo, eram homens desesperados por uma nova vida, e mesmo que sujeitos a escravidão, assinaram contratos que os obrigava a trabalhar de forma árdua. Como esses contratos eram temporários, eles continuaram seguindo seu promissor caminho de liberdade traçado antes do estouro da guerra. Eles passaram por Arkansas, Oklahoma, Texas e o Arizona. Embora Algren, em sua obra, tenha deixado os 1 Reinou na Inglaterra no período de 1509-1547. Criador do poderio naval inglês, líder da reforma anglicana e pai da maior das rainhas – Elizabeth I. 2 Nelson Algren foi um escritor estado-unidense, provavelmente mais conhecido por ser autor de The Man with the Golden Arm [O Homem do braço de ouro], vencedor do prêmio “National Book Award”.
Linkhorns no Texas, eles não ficaram por lá muito tempo. Buscando empregos que pagassem na hora, sem ter que assinar muitos papéis e podendo encher o tanque de seus sofridos Fords Model-A para continuar na estrada, os Linkhorns se reproduziam à deriva, até que a guerra chegou. Eles tiveram de escolher servir o exército ou continuar em suas buscas por lares definitivos, até que, no final dos anos 30, encontraram o fim da linha: o oceano Pacífico. De qualquer forma, ao fim da Segunda Guerra, quer tenham se juntado ao exército ou não, eram californianos.
Seu estilo de vida havia sido espalhado para além da Rota 66 3 , então os veteranos, buscando uma forma de gastar o bônus de baixa, ou escolhiam ficar em suas terras, na Costa Oeste, ouvindo suas músicas caipiras, ou optavam por comprar charmosas motocicletas sem saber precisamente o porquê. A Segunda Guerra movimentou a economia dos Estados Unidos. Fez até os Linkhorns, que a essa altura já haviam deixado suas raízes no Velho Mundo, conseguirem dinheiro suficiente para comprar casas e carros.
Há uma história que mostra bem que nem todos os Linkhorns quiseram ocultar seus genes. Um deles se tornou um revendedor de carros em Los Angeles, casou-se com uma atriz espanhola e, como se não bastasse, morava em uma mansão em Beverly Hills. Depois de uma década vivendo com abundância, o velho Linkhorn começou a sofrer de uma doença que causava suor nas mãos e não conseguia mais pegar no sono à noite. Começou a escapar de casa, pelos fundos, e corria até o posto de gasolina onde guardava seu Ford 37. Passando a noite em bares e boates, com um macacão banhado a óleo e uma camiseta da Bardhal , mendigava cervejas e batia em prostitutas que se recusavam a saciar seus pedidos grosseiros. Em uma dessas noites, insistiu tanto que conseguiu comprar vidros de uísque caseiro, que ele bebeu dirigindo por Beverly Hills. Quando seu Ford 37 o deixou empenhado, o caipira ligou para um táxi e foi até sua revendedora, onde derrubou a porta a chutes e fez ligação direta em um conversível, dirigindo até a Rodovia 101. Ainda insatisfeito, desafiou uma gangue de Pasadena para um racha. Quando viu que a corrida estava perdida, acelerou para cima do vencedor parado no semáforo, onde terminou com seu conversível na traseira do membro da gangue, batendo a 110 km/h.
Para não destruir a reputação que sua revendedora já havia alcançado, amigos tiraram o alcoólatra maluco da prisão e o internaram em uma clínica psiquiátrica. Depois de um ano internado na casa de repouso, começou uma revendedora de
3 Rota 66 era uma rodovia norte-americana. Em 1985 deixou de fazer parte do US Highway System.
vez mais evidentes e então ele sai ou lentamente, em tom solene, ou empinando sua máquina de forma estrondosa, mas sempre com estilo.
A moto típica de um Angel é uma Harley 74, que sai da fábrica pesando cerca de 300 kg, mas que uma vez nas mãos de um fora-da-lei passa a pesar 100 kg a menos, pronta para aguentar a estrada.
É a mesma máquina usada pelos policiais, no entanto sem todos os penduricalhos e acessórios. A Harley pilotada por um Angel tem de passar pelos procedimentos que a diferenciam do padrão de uma 74. Para começar, tem de ser despojada de qualquer acessório, e enquanto isso não for feito, o Angel em questão não poderá usar o emblema da gangue. O termo comum para as motocicletas dos fora-da-lei é chopped hog [porco retalhado], o que define bem o visual imundo e asqueroso de suas Harleys.
Com o término da Segunda Guerra Mundial havia poucas motocicletas importadas em meio às 200 mil registradas nos Estados Unidos. E quem levava a melhor era a Harley-Davidson, que no começo dos anos 50 consolidava o monopólio de venda de motos em solos americanos, duplicando e depois triplicando. Até o começo dos anos 60 as vendas passaram dos 29 milhões de dólares ao ano. Mas a banca quebrou em 1963, quando a importação teve grande crescimento e os orientais atacaram com tudo, ultrapassando as vendas da Harley e passando dos quinhentos mil para os 77 milhões de dólares com a Honda. As motos orientais vendiam na mesma velocidade com que eram produzidas e trazidas do outro lado do mundo.
Enquanto os administradores da Harley-Davidson ainda refletiam sobre a concorrente Honda, os ingleses atacavam pelo outro lado. Desta vez, no próprio quintal. Se já não bastasse competir com o mercado americano, a inglesa BSA (Birmingham Small Arms Ltda.) também fabricava motos da mesma classe que as Harleys, superando até a alta barreira protecionista, que elevava seus preços dificultando as vendas.
Em 1965 o monopólio da Harley continuava bem, mas embora seus números tenham crescido subitamente 50% em relação ao ano anterior, a empresa americana foi novamente atacada. Seus únicos clientes eram os policiais e os fora-da-lei, o que correspondia a apenas 10% apenas do mercado de motocicletas nos Estados Unidos, enquanto os orientais, mesmo produzindo a um oceano de distância, seguiam tomando conta das vendas por conta dos seus preços baixos. Ao mesmo tempo, a BSA continuava vencendo nas pistas de corrida. A Harley lutava para manter o mercado doméstico.
O layout de suas máquinas com motores 1200 cilindradas se tornou o tiro no pé da Harley-Davidson. Não havia como competir em meio ao mercado dos pesos leve e médio, dominado por Honda e BSA, na ordem. Mas eles ainda tinham a força da classe peso pesados, ganhando corridas tanto como as concorrentes. Porém, a igualdade não era apresentada nas vendas. Grande parte das Harleys usadas por corredores americanos eram feitas sob encomenda, deixando-as com motores maiores que outras motos. Não podendo competir com as europeias e muito menos com as japonesas, a marca americana foi perdendo espaço no mercado, tanto no peso quanto no preço. Assim, em menos de uma década, seus clientes se resumiram, ironicamente, aos policiais e os fora-da-lei.
A lição poderia ser levada para a Ford. E se ela fosse a única fabricante de automóveis no final da Segunda Guerra? Seria difícil responder se eles perderiam 90% das vendas, como aconteceu com a Harley. Somente uma forte barreira protecionista livraria a americana Ford do declínio ocorrido no mercado das motocicletas.
O domínio que uma Harley 74 tem sobre um Angel está na composição da própria moto. São como grandes bombas com rodas sobre a estrada, pilotadas na ausência de segurança e sem a pretensão de se divertir, o que as torna nas mãos dos Hell’s Angels uma gigantesca arma mortal.
Não por acaso, ao conduzir sua Harley, um fora-da-lei que se preze dispensa qualquer atributo de defesa, como o capacete e a jaqueta de couro. Eles fazem dos acessórios o apêndice de suas motos. O traje só passou a ser usado com as mangas rasgadas na altura do ombro para o vento cortante da estrada funcionar como um ar- condicionado para as axilas dos selvagens. Embora a jaqueta os proteja, diminuindo as chances de perderem grandes bifes das costas caso venham a cair contra o asfalto, os Angels acreditam que o fetiche do couro faz parecer que estão tentando evitar os riscos, o que reduziria a quase zero suas reputações.
Talvez essa relação quase que sexual de simples desajustados como os fora-da- lei com suas Harleys tenha um lampejo de ligação com o fato de eles serem um fenômeno da classe baixa, em uma vida que mais parece uma roleta russa que, cedo ou tarde, estará pronta para estourar os miolos de qualquer um que se meter na frente das suas máquinas.