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Uma Análise da Autoria Feminina em Obra de Ana Cristina Cruz Cesar: A Teus Pés (1979), Notas de aula de Literatura

Uma análise da escrita feminina de ana cristina cruz cesar, com ênfase na autoafirmação feminina e na resistência na literatura brasileira. O texto aborda as teorias feministas da década de 70, a importância da escrita de ana c. Na literatura brasileira e a complexidade de sua poesia.

Tipologia: Notas de aula

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Jose92
Jose92 🇧🇷

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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11&13thWomen’s Worlds Congress(Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017,ISSN 2179-510X
A TEUS PÉS: UM OLHAR SOBRE AS FORMAS DE RESISTÊNCIA NA ESCRITA DE
ANA CRISTINA CESAR
Rosenilda Pereira Padilha
i
Resumo: Scott (1995) defende a necessidade de “historicização e de uma desconstrução autêntica
dos termos da diferença sexual”. Na esteira deste conceito, o presente artigo traz como objeto, a
obra A Teus Pés (1979), de Ana Cristina Cruz Cesar. Poeta carioca, professora, jornalista, tradutora,
crítica e expoente da Poesia Marginal da década de setenta. A partir da afirmação da autora, de que
“literatura feminina não é necessariamente escrita por mulher”, desenvolve-se uma reflexão a
respeito do percurso de sua autoria feminina em seu contexto. Com isso, também se enfatiza formas
de resistência e visibilidade do sujeito feminino na escrita de Ana C. Para tal, a releitura se estrutura
em conceitos acerca da escrita feminina, formas de resistência e afirmação feminina nas\das
políticas feministas, à luz de conceitos que considerem a atuação da autora como representante
brasileira literária. Como resultado, uma breve leitura acerca do já estudado, mas não esgotado em
sentidos sobre obra, autoria e contexto. O que contribui com os estudos de literatura brasileira de
autoria feminina e confere visibilidade às questões defendidas na obra.
Palavras-chave: Ana C. Autoria Feminina. Mulheres. Literatura.
Introdução: O interesse pela presente análise surgiu de trabalhos anteriores que objetivavam um
olhar acerca das escritas de si. Se em um primeiro momento nos chamou atenção, a desenvoltura
autêntica, crítica e intimista do gênero Diário, o segundo nos levou a estender o olhar para a figura
feminina registrada pelo diarista
ii
. Posteriormente desenvolvemos breve análise sobrea escrita
feminina de uma autora brasileira
iii
o que consequentemente consolidou a preferência pelos “eus”
femininos narrados, fragmentados, sentidos, registrados, poetizados e, por que não, esculpidos em
letras por elas mesmas, as autoras?
Joan Scott (1995), teoricamente nos auxilia quando enfatiza a necessidade de colocarmos o
“gênero como categoria de análise”. Conferir visibilidade às diferenças, historicizar não
mulheres como todas as pessoas historicamente segregadas, silenciadas e oprimidas pelas
classificações sociais, binárias e excludentes é imprescindível. Nesse sentido, não pretendemos nos
esmiuçar teorias, e sim lançar um “olhar” mais voltado para o que a autora procurou expressar,
fotografar em forma de poema, escrever dentro e fora do estabelecido como Literatura.
Discorrer sobre Ana Cristina Cesar também é concordar com seu modo de ver, compreender
e sentir o mundo. Talvez consigamos, de alguma forma, “desconstruir autenticamente termos da
diferença que os referenciais acadêmicos inculcaram e preconizaram no decorrer da história da
humanidade. Porém, se isso pairar no plano das possibilidades, aquietamo-nos ou “Aprendemos”,
em consonância com o que historiadoras feministas, “que inscrever as mulheres na história implica
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1 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11&13thWomen’s Worlds Congress(Anais Eletrônicos),

A TEUS PÉS : UM OLHAR SOBRE AS FORMAS DE RESISTÊNCIA NA ESCRITA DE

ANA CRISTINA CESAR

Rosenilda Pereira Padilhai

Resumo : Scott (1995) defende a necessidade de “historicização e de uma desconstrução autêntica dos termos da diferença sexual”. Na esteira deste conceito, o presente artigo traz como objeto, a obra A Teus Pés (1979), de Ana Cristina Cruz Cesar. Poeta carioca, professora, jornalista, tradutora, crítica e expoente da Poesia Marginal da década de setenta. A partir da afirmação da autora, de que “literatura feminina não é necessariamente escrita por mulher”, desenvolve-se uma reflexão a respeito do percurso de sua autoria feminina em seu contexto. Com isso, também se enfatiza formas de resistência e visibilidade do sujeito feminino na escrita de Ana C. Para tal, a releitura se estrutura em conceitos acerca da escrita feminina, formas de resistência e afirmação feminina nas\das políticas feministas, à luz de conceitos que considerem a atuação da autora como representante brasileira literária. Como resultado, uma breve leitura acerca do já estudado, mas não esgotado em sentidos sobre obra, autoria e contexto. O que contribui com os estudos de literatura brasileira de autoria feminina e confere visibilidade às questões defendidas na obra.

Palavras-chave : Ana C. Autoria Feminina. Mulheres. Literatura.

Introdução : O interesse pela presente análise surgiu de trabalhos anteriores que objetivavam um olhar acerca das escritas de si. Se em um primeiro momento nos chamou atenção, a desenvoltura autêntica, crítica e intimista do gênero Diário, o segundo nos levou a estender o olhar para a figura feminina registrada pelo diaristaii. Posteriormente desenvolvemos breve análise sobrea escrita feminina de uma autora brasileiraiii^ o que consequentemente consolidou a preferência pelos “eus” femininos narrados, fragmentados, sentidos, registrados, poetizados e, por que não, esculpidos em letras por elas mesmas, as autoras? Joan Scott (1995), teoricamente nos auxilia quando enfatiza a necessidade de colocarmos o “gênero como categoria de análise”. Conferir visibilidade às diferenças, historicizar não só mulheres como todas as pessoas historicamente segregadas, silenciadas e oprimidas pelas classificações sociais, binárias e excludentes é imprescindível. Nesse sentido, não pretendemos nos esmiuçar teorias, e sim lançar um “olhar” mais voltado para o que a autora procurou expressar, fotografar em forma de poema, escrever dentro e fora do estabelecido como Literatura. Discorrer sobre Ana Cristina Cesar também é concordar com seu modo de ver, compreender e sentir o mundo. Talvez consigamos, de alguma forma, “desconstruir autenticamente termos da diferença” que os referenciais acadêmicos inculcaram e preconizaram no decorrer da história da humanidade. Porém, se isso pairar no plano das possibilidades, aquietamo-nos ou “Aprendemos”, em consonância com o que historiadoras feministas, “que inscrever as mulheres na história implica

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necessariamente a redefinição e o alargamento das noções tradicionais do que é historicamente importante, para incluir tanto a experiência pessoal e subjetiva quanto as atividades públicas e políticas (...)”. Sendo assim, o trabalho começa apresentando o já disposto sobre Ana C., seguido de colocações a respeito de sua escrita feminina dentro do contexto que a inclui. Não temos intenção, nem tempo acadêmico para um estudo aprofundado que melhor dignifique uma escrita, no mínimo, perturbadora, consciente/inconscientemente que reporte às marcas limitadoras e únicas enquanto ações. Importa-nos o descrito, o registro, falado ou fotografado, impresso em papel denunciando os ranços sociais que persistem em limitar.

“Dar-se A Ler”, O fazer poético de Ana C.: Algumas Considerações

Do Diário, não diário “inconfissões” Forma sem norma Defesa cotidiana Conteúdo, tudo Abrange uma ana. (In: inconfissões – 17/10/68)

Ana Cristina Cruz Cesar - Ana C. como a referenciam, nasceu no Rio de Janeiro em 2 de junho de 1952. Filha de Waldo Aranha e Maria Luiza Cruz. Licenciou-se em Letrasiv, concluiu Mestrado em Comunicaçãov, não obstante cursou seu segundo Mestrado em Tradução, na Inglaterravi, tendo como objeto o texto de Katherine Mansfield ( Annotated Bliss). Ana foi tradutora, poeta, escritora, jornalista e crítica literária. Publicou a obra A teus Pés e outros livros menores produzidos para distribuição direta aos leitores da época como foi o caso de Correspondência Completa e Luvas de Pelica, mais uma considerável quantia de textos - cartas, diários, manuscritos, poemas - deixados aos cuidados de um codinome: Três cartas a Navarro Navarro, Te deixo meus textos póstumos. Só te peço isto: não permitas que digam que são produtos de uma mente doentia! Posso tolerar tudo menos esse obscurantismo biografílico. Ratazanas esses psicólogos da literatura – roem o que encontram com o fio e o ranço de suas analogias baratas. Já basta o que fizeram ao Pessoa. É preciso mais uma vez uma nova geração que saiba escutar o palrar os signos. (p. 316)

“Navarro, te deixo meus textos póstumos”. Uma pista, pedido e/ou apelo? É possível que o codinome, utilizado nas Três Cartas a Navarro, refira-se a Armando Freitas Filho (2013), já que foi ele o responsável pela organização e o minucioso trabalho que reuniu todas as obras e outros tantos

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Em seu site, a teórica situa tal seleção pouco após a recessão cultural e afirma que se trata de uma Antologia que reúne poemas da geração mimeógrafo, também chamada de “poesia marginal” de um grupo de poetas que ressignificou o fazer poético entre 1972-1973. Considerado por Hollanda como um fenômeno literário pós “disforia” cultural de 1970, ela se dedicou à publicaçãoda obra citada sob a consideração de que no Brasil: “Tínhamos, portanto, uma dupla novidade: a literatura conquistava um público em geral avesso à leitura e conseguia recuperar seu interesse como produto original e mobilizador na área da cultura”. (HOLLANDA, 2017). Sobre a iniciativa que levou à publicação da antologia que incluiu Ana C. Hollanda diz que o trabalho fortemente criticado na época, hoje é considerado um clássico da Literatura Brasileira, que ela coloca como “ cluster político-literário”. Isso foi possível pelo tempo que manteve contato com diversos autores e poetas que deram voz às inquietações sociais. Ela ainda justifica que a ideia não foi sua, mas partiu do reconhecimento deste produtivo envolvimento com os “poetas marginais” já que gerou o convite da editora Labor viii^ para organização e publicação. Nas palavras de Heloisa Hollanda, um trabalho que:

Decidi fazer da poesia marginal meu objeto de pesquisa. Mapeava os núcleos produtores, acompanhava os eventos e lançamentos, recolhia e analisava os livrinhos, os poemas & seus poetas. De repente, meu próprio cotidiano afetivo foi permeado pela presença dos marginais, com a maioria dos quais convivi, desenvolvi trabalhos conjuntos, fiz amizades, cumplicidades e atravessei aqueles “negros verdes anos”, como, mais tarde, escreveria Cacaso. (HOLLANDA, 2017).

Em relação às características da poesia dita “marginal”, a teórica as coloca como intrigantes, permeadas de paradoxos, embora pareçam leves e descontraídas, trazem em seus interstícios a tensão de uma coletividade que viveu sob os duros golpes da repressão, da experiência social e dos modos de expressão, de um período obscuro de regime militar. Isso refletiu numa produção poética com características e o que ela chama de uma insistência sintomática por “brincar” (grifo da autora) com estruturas e noções vigentes da construção literária. ( idem. 2017). Um trabalho que, revisitado vinte anos mais tarde, leva a estudiosa à ressignificar alguns pontos característicos do fazer poético ligado ao momento histórico vivenciado por todos os autores que integram a obra e que pela complexidade de tal contexto ainda há muito a explorar no fazer literário:

(...) o claro direito ao dissenso que este material começava a reivindicar em nossa produção cultural. A variedade de estilos, projetos e crenças que encontrei nesta última releitura dos 26 me encantou. É bem verdade, que na organização deste conjunto, não desgrudei o olho de sua representatividade enquanto registro político naquele momento de extremado rigor da censura. Um exame atual desse material,vai ler, com muita facilidade, em cada poema-piada, em cada rima, em cada “ouvido ao acaso”, um elo da experiência social da geração AI5, uma geração cujo traço distintivo foi exatamente o de ser coibida de narrar sua própria história. (HOLLANDA, 2017).

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Neste contexto, insere-se a escrita de Ana Cristina Cesar. Em diálogo com o poeta Armando Freitas, para um programa de debate literário do IMSix^ (2012), Hollanda considerou sua poesia como positivamente inclassificável junto aos demais escritores da época, não só pelo estilo original e o reflexo estereotipado que atendia os fazeres poéticos da geração mimeógrafo, pela distinção do potencial de sua poética e atravessamento de influências internacionais em sua escrita. Daí a complexidade de uma breve análise sobre a poética cheia de significados como em Luvas de Pelica na qual o objeto luva, nas percepções de Hollanda, mais parece um fetiche, um instrumento usado para confundir a atenção do leitor levando a uma profusão de sentidos e expressões. O que faz da densidade poética de Ana C, uma poesia para leitores com apurado modo de percepção. A respeito de questões que pretendam uma compreensão de tal escrita como feminista Hollanda afirma que: “Teoricamente não, mas é uma coisa que comecei a pensar agora para uma poesia feminina” (HOLLANDA, 2012). A possibilidade apontada por Hollanda, junto às considerações sobre Estudos feministas que estavam acontecendo na década de 70, e, some-se a isso o que a teórica aponta como uma tentativa, de Ana, de situar seu lugar de fala, justifica a intenção de nossa pesquisa e nos ajuda a perscrutar a escrita de Ana C. em busca de vestígios, símbolos, auto afirmação do sujeito feminino em seu contexto e que possam viabilizar “historicização” e maior visibilidade ao gênero feminino e sua atuação dentro da Literatura Brasileira. Afinal, de acordo com os estudos de Scott (1995): Temos de encontrar meios (mesmo imperfeitos) de submeter, sem parar, as nossas categorias à critica, as nossas análises à autocrítica. Se utilizarmos a definição da desconstrução de Jaques Derrida, esta crítica significa analisar no seu contexto a maneira como opera qualquer oposição binária, revertendo e deslocando a sua construção hierárquica, em lugar de aceitá-la como real, como óbvia ou como estando na natureza das coisas. (SCOTT, 1995. p.18).

Ana C. trabalhava de modo consistente a expectativa dos retornos, apreciava os contatos estabelecidos por onde andou e por meio da escrita. Seus registros denotam dedicação e à reciprocidade dos seus correspondentes. Neste sentido, se tomarmos cartas, diários, correspondências como reminiscências do gênero autobiográfico, temos o sujeito feminino a situar sua escrita e as influências que esta comporta pelos contatos estabelecidos. Uma obra enriquecida com raízes que se estenderam do Brasil para lugares que também quis incluir, como notamos em Luvas de Pelica: “Tenho correspondentes em quatro capitais do mundo. Eles pensam em mim intensamente e nós trocamos postais e novidades. Quando não chega carta planejo arrancar o calendário da parede, na sessão de dor” (CESAR, 2013. p.59).

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feminina em sua época, e estes “cuidados” colocados aqui como retornos possíveis da composição, que permitem ilusão e simetria, ou como o eu lírico poetiza em “como rasurar a paisagem”. Em relação à escrita feminina, em Ana C., o “olhar de fora”, bastante comprometido em relação a estudos sobre a poetisa, do professor e poeta Italo Moriconi, considerou em página virtual, que: “Como se vê, Ana Cristina Cesar toca muito as mulheres. Moderna e liberta, fala abertamente de seu corpo e de sua sexualidade, ao mesmo tempo derramando-se numa delicadeza que, à primeira vista, poderia conflitar com o feminismo vigente na época. Embates de um feminino inquieto”. Em tempos em que o feminismo esboça-se no Brasil, influenciado pelas vertentes francesa e americana, mas já atravessado pela experiência de luta contra um governo de Ordem e golpe de Estado, em tempos que a própria Ana C. ao ler Cecília Meirelles considera uma escrita de homem, temos na escrita da carioca um diferencial, um escrever por entre “caixinhas” que classificavam o que deveria ser considerado Literatura e o que se debatia para coexistir mesmo às “margens”, lugar imposto pelo academicismo, Ana C. mostra a concretização de uma escrita feminina que se sobressai, que atende aos “padrões”, instiga leitores, se consolida, “às margens”, ciente do seu potencial e de sua responsabilidade como autora feminina num contexto em que era preciso posicionar-se, de um modo ou outro, ao mesmo tempo em que o diálogo com as vertentes diversas nas/das atividades intelectuais, também lhe parecia imprescindível. (SARTI, 2016). Em Inéditos e Dispersos , Sonetos sob (in)confissões: Na Instância do momento zero Um Sopro por entre as telhas sai Sombra, cobra, obra, nada quero Para o olho imerso, um rasgo vai Esta nesga súbita que eu vi Este segredo que nunca está Este terremoto que entreouvi São Alento e fogo do ar Ressurge pedra do abismo dor Reabre o séquito de fagulha Silêncio névoa neva em mim. Vai-se o inútil salmo, o inútil amor Em cada começo, o fio e a agulha Em cada som um nome só, fim. (In: Inconfissões - 28-10-68). Em múltiplos modos de se fazer escrita/descrita: Agora serei atleta, atleta atônita, das que saltam obstáculos, mas pensam insidiosamente na respiração, desmentindo o que morre a cada alento.

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Em Correspondência Completa, notas contraditórias entre a necessidade de falar de si e a repercussão disso aos olhos alheios, quase sempre, incompreensíveis: 16 de outubro de 1983 (...) Lembra que o diário era alimento cotidiano? Que importa a má fama depois que estamos mortos? Importa tanto que abri a lata de lixo: quero outro testemunho. Diário não tem graça, mas esquenta, pega-se de novo a caneta abandonada, o interlocutor é fundamental. Escrevo para você sim, da cama do hospital. A lesma quando passa deixa um rastro prateado. Leiam se forem capazes. (p. 309)

Se, de fato viveu “em estado de emergência”, como afirma Florência Garramuño, uma argentina estudiosa de sua obra, e, desse modo, transitou com avidez por áreas distintas - poesia, cinema, crítica literária e tradução - vale lembrar que a tradutora gostava do “caráter monossilábico da língua inglesa”, que se dedicou às leituras de Emily Dickinson, Silvia Plath, Katherine Mansfield, Virgínia Wolf etc. que influenciaram não só escrita como o fazer poético. Para não paragrafar o já existente:

Em 1998, a editora Ática associou-se ao Instituto Moreira Salles para relançar a obra da autora, da qual foram publicados, entre outros, A teus pés e Inéditos e dispersos. Em meio aos 301 manuscritos existentes no arquivo de Ana Cristina Cesar, a professora Viviana Bosi, da Universidade de São Paulo, localizou os conjuntos organizados pela própria poeta sob os títulos de “Prontos, mas rejeitados”, “Inacabados”, “Rascunhos/primeiras versões”, “Cópias”, “O livro” e “Antigos & soltos”. Desse conjunto, resultou a seleção publicada em edição fac-similar pelo Instituto Moreira Salles sob o título de Antigos e soltos , em 2008, com organização e estudo introdutório de Viviana Bosi.

Mas esse intenso e denso fazer poético teve tempo estipulado pela poeta, dona de si, de sua escrita e de seu olhar sobre tudo. Ana C., desprendia de convenções, consciente de si e de sua escrita, diz adeus à vida, ponto inquietante em toda sua obra. Um limiar bem explorado e transpassado de indícios de um fim que só surpreendeu quem a conheceu em curto prazo. Aos 31 anos ela despede-se, dando fim às mesmas palavras escritas que tanto a auxiliaram nos momentos de introspecção velada por uma sociedade de valores deturpados onde o ser submete-se ao parecer. Do sétimo andar lançou-se à procura do indizível e indecifrável mistério que interrompe, atravessa e fere o limiar da vida:

O que morre. estou morrendo, ela disse devagar olhos fixo para cima. Olhe para mim, ordenei. Não se vá assim. Minha vida fechou duas vezes. Antes de fechar. Sei,

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ALMEIDA, Rodrigo. In: Revista Pensata. Publicado em 2013. Disponível em: http://pensata.ig.com.br/index.php/2013/12/04/ana-cristina-cesar-mulher-de-muitos-segredos-mas- nenhum-misterio/. Acesso em julho de 2017.

CESAR, Ana Cristina Cruz, 1952 - 1983. Poética / Ana Cristina Cesar. 4° ed. Companhia das Letras, 2013.

HOLLANDA, Eloísa Buarque de. Vida e obra da poeta Ana Cristina Cesar - Jornal Futura - Canal Futura. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=J_kpcj_-lTc. Acesso em 19/06/2017.

___________, Eloísa Buarque de; FREITAS, Armando. Ana 60 Cesar. Debate In: IMS – Instituto Moreira Salles, 2012. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=mpE3v_wJJUk. Acesso em 21/06/2017.

___________, Eloisa Buarque de. http://www.heloisabuarquedehollanda.com.br/26-poetas-hoje- download/. Acesso em 2017-06-27.

IMS, Instituto Moreira Sales. Ana Cristina Cesar. Disponível em: http://www.ims.com.br/ims/explore/artista/ana-cristina-cesar. Acessado em julho de 2017.

JUNIOR, Arnaldo Nogueira. In: Projeto Releituras. Disponível em: http://www.releituras.com/anacesar_menu.asp. Acesso em julho de 2017.

LEONE, Luciana Maria di. As Marcas da Consagração. Ri de janeiro. 7 Letras, 2008. Disponível em: http://livros01.livrosgratis.com.br/cp150785.pdf. Acesso em 2017-06-27.

VIEGAS, Ana Claudia Coutinho. Bliss e Blues, Segredos de Ana C. São Paulo: ed. Annablume,

  1. Disponível em: https://books.google.com.br/books?hl=pt- BR&lr=&id=8vUIZvBrMRIC&oi=fnd&pg=PA13&dq=related:- X3MwOZJg1sJ:scholar.google.com/&ots=RRCvvPqb8o&sig=meTKpE1g7ldxDDXBVE4YsnRzM 2s#v=onepage&q&f=false.

A teus pés : um olhar sobre a autoafirmação feminina na obra poética de ana cristina cesar

Abstract : Scott (1995) defends the need for "historicization and an authentic deconstruction of the terms of sexual difference." In the wake of this concept, this article brings as object, the work A Teus Pés (1979), by Ana Cristina Cruz Cesar. Carioca poet, teacher, journalist, translator, critic and exponent of the Marginal Poetry of the seventies. Based on the author's claim that "women's literature is not necessarily written by women", a reflection on the course of their female authorship in their context is developed. This way, the forms of resistance and feminine affirmation in feminist politics are also emphasized in the light of concepts. That consider the author's performance as a Brazilian literary representative. As a result, a brief reading about the already studied, but not exhausted in terms of work, authorship and context. What contributes to the studies of Brazilian literature of female authorship and gives visibility to the issues defended in the work. Keywords : Female Authorship, Literature, Ana C. Women.

11 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11&13thWomen’s Worlds Congress(Anais Eletrônicos),

i (^) Mestra em Letras, pela Universidade Estadual do Centro Oeste do Paraná – UNICENTRO, EM 2016. ii (^) Diário Íntimo, de Manuel Laranjeira (...), uma publicação póstuma organizada por Alberto de Cerpa. O escritor e poeta português manteve um diário denso de olhares sobre a vida, retratando ao seu modo os encantos de sua Augusta. Dois anos após interromper os registros, ele interrompe também a vida, suicidando-se em 1939. iii Luzilá Gonçalves Ferreira, autora pernambucana e sua obra Voltar a Palermo. Um romance autobiográfico que estendia suas percepções para o contexto da ditadura militar e suas consequências tanto no Brasil como em Palermo, bairro de Buenos Aires onde lecionou por dois anos, o que lhe conferiu a verossimilhança em sua obra. iv v Em 1975, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - PUC-Rio. viEm 1980, pela Escola de Comunicação da UFRJ. Quando legitimou seu talento de tradutora com o título Master of Arts (M.A.), em Theory and Practice of Literary Translation - 1980. vii viii Antologia de Poemas da chamada geração mimeógrafo, também conhecida como poesia marginal. ix Revista espanhola que considerou a poesia da época como forte, influente e digna de prestígio. x Instituto Moreira Salles. Olívia de Melo Fonseca, doutoranda pela universidade UFF/IFF, em 2016.