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A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda | J. M. Keynes , Manuais, Projetos, Pesquisas de Contabilidade

Este é o livro em PDF do economista john M. Keynes que tem por motivação principal resolver problemas que o liberalismo economico não era capaz de resolver proponto várias medias simples e uma atuação forte do governo.

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

2012

Compartilhado em 21/11/2012

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OS ECONOMISTAS

JOHN MAYNARD KEYNES

A TEORIA G ERAL DO EMPREGO,

DO JURO E DA M OEDA

Apresentação de Adroaldo Moura da Silva

Tradução de Mário R. da Cruz

Revisão técnica de Cláudio Roberto Contador

Tradução dos Prefácios de Paulo de Almeida

APRESENTAÇÃO

Keynes e a Teoria Geral

I

J ohn Maynard Keynes nasceu em Cambridge em junho de 1883

e faleceu em Sussex em abril de 1946. Sua vida é marcada por de- sempenho excepcional em inúmeras áreas da atividade humana: ho- mem de negócios e diretor de Companhias de Seguro e Investimento, com o que terminou por acumular expressiva riqueza pessoal;^1 funcio- nário público por dois anos a partir de 1906, assessor influente do Tesouro Britânico e finalmente diretor do Banco da Inglaterra, o Banco Central Inglês, a partir de 1942;^2 protetor das artes, produtor teatral, editor e colecionador de livros raros;^3 articulista da imprensa diária e co-proprietário de um semanário londrino através do qual participou da campanha política de 1929 em defesa do Partido Liberal, com o qual manteve permanente associação informal ao longo de sua vida;^4

1 Já em 1921 Keynes era chairman da National Mutual Insurance Company e posteriormente foi também diretor da Independent Investment Co. e da Provincial Insurance Company. 2 Keynes teve destacado papel em negociações internacionais como representante do governo inglês: primeiro, no Tratado de Paz em Versalhes em 1918 e, segundo, durante a Segunda Guerra Mundial, particularmente no que respeita à reorganização financeira da economia mundial. Em verdade a organização do Fundo Monetário Internacional muito deve ao gênio financeiro de Keynes. 3 Esta atividade foi facilitada pela dupla associação que Keynes manteve ao largo de sua vida: de um lado, o acesso às fontes de financiamento que seu papel junto ao Governo lhe propor- cionava; de outro, a sua intimidade com Duncan Grant, Vanessa Bell, e outros intelectuais do “Bloomsbury Group” e seu casamento com Lydia Lopokova, bailarina russa. Por conta dessa feliz associação e por ela motivado Keynes terminou desempenhando importante papel de administrador financeiro em prol do balé através da Camargo Society, do Vic-Wells Ballet e da Rambert Ballet, empreendimentos que se beneficiaram do gênio financeiro de Keynes. Foi mais: conselheiro da “National Gallery” e do “Council for the Encouragement of Music and the Arts”. Deve-se registrar que Keynes construiu um teatro em Cambridge com seus próprios recursos. Depois de sua morte, esse teatro passou ao patrimônio da cidade. 4 Keynes foi diretor e por vezes editorialista do jornal semanal Nation and Athenoeum e também do New Statesman and Nation , além de contribuir com artigos freqüentes para os mais conhecidos diários de Londres. Editor do Economic Journal.

professor de Economia e administrador na Universidade de Cambridge.^5 Contudo, acima e além de tudo, Keynes foi economista e autor de uma fecunda e, provavelmente, a mais influente obra em teoria econômica no século XX, onde merece destaque A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda , ora publicada pela Abril Cultural. Keynes desde cedo desfrutou da melhor educação, formal e in- formal, que a Inglaterra vitoriana oferecia às suas mais ilustres famí- lias. Educou-se em Cambridge, cidade onde sua mãe, Florence, exerceu inúmeros cargos públicos, inclusive o de Prefeito, e na Universidade, onde seu pai, John Neville, destacou-se como professor e administrador. Ao longo de sua educação Keynes dedicou-se ao estudo da Matemática, Filosofia e Humanidades. À Economia, só se voltaria após a conclusão do ensino formal. Sua atuação mais destacada enquanto estudante ocorre por conta de sua participação em debates, atividades políticas não-partidárias e, particularmente, numa sociedade secreta fundada em 1820, os “Apóstolos”, que então reunia um amplo grupo de futuras personalidades, a exemplo de Bertrand Russell, Desmond MacCarthy, Lytton Strachey, Leonard Woolf, Clive Bell e outros. Os vínculos de amizade com esse grupo tiveram marcada influên- cia na vida de Keynes. Em particular pelas mãos de Lytton Strachey, Leonard Woolf, Clive Bell, Duncan Grant e Thoby Stephen, Keynes se associou às irmãs Stephen, irmãs de Thoby, Vanessa Bell (casada com Clive) e Virginia Woolf (casada com Leonard) e constituíram o que viria a ser conhecido como o “Bloomsbury Group”, em Londres. Inte- lectuais de sucesso, tinham como marca de seu comportamento social a irreverência. Cultivavam o ideal libertário, a busca da “verdade”, lutavam pela ampliação do papel da mulher na sociedade, pela desi- nibição sexual e contestavam os valores morais herdados da sociedade vitoriana.^6 Por conta dessa multifacetada experiência, Keynes era um homem polêmico, e, para não poucos, arrogante.^7 A sua atuação pública, no entanto, viveu dividida entre o apego e a crítica à herança cultural

OS ECONOMISTAS

5 A atividade docente de Keynes foi intensa entre 1908 e 1915, quando se afastou para trabalhar no Tesouro. Voltando à Universidade a partir de 1919, sua carga didática daí para frente se reduz dramaticamente: ministra algumas conferências por ano e dirige a distância um Seminário. Vive a partir de então em Londres e passa os fins de semana, inclusive a 2ª feira, em Cambridge. No entanto, começa a ter crescente influência na ad- ministração dos recursos financeiros da Universidade. 6 O comportamento socialmente agressivo dos membros do Grupo é bem conhecido. Para uma breve história do Grupo o leitor interessado deve consultar Edel (1979). Até seu casamento com Lydia em 1925, Keynes manteve estreito contato com o Grupo, particular- mente com Strachey, Duncan Grant e Vanessa Bell. De início o Grupo reagiu friamente à esposa de Keynes. Depois passaram a se reunir no que eles chamaram de “Clube da Memória”. Uma importante contribuição de Keynes a este clube está publicada no volume X das obras completas de Keynes e recebeu o título de My Early Beliefs. 7 O perfil arrogante de Keynes é destacado, por exemplo, por Harry Johnson em Milo Keynes (1977). Johnson “acusa”: “Keynes era um oportunista e um operador”.

Em 1915 volta ao Tesouro e aí permanece até 1919. Na qualidade de representante do Tesouro junto à Conferência de Paz, em Paris, critica a posição dos aliados, deixa o posto e volta à Universidade. Publica então The Economic Consequences of the Peace em dezembro de 1919. É a súbita notoriedade, dentro e fora da Inglaterra. A con- trovérsia que desencadeia diz mais respeito às críticas às personali- dades de Clemenceau, Wilson e Lloyd George do que às críticas eco- nômicas ao Tratado. Já uma personalidade, Keynes dedica-se intensi- vamente ao debate sobre a política econômica vigente e reduz sua participação na Universidade a algumas conferências anuais e à orien- tação acadêmica de um grupo de jovens economistas, que se agregaram no “Clube de Economia Política” fundado por Keynes.^10 Tem aí início uma nova fase na vida de Keynes. É o grande momento do “Keynes homem de negócios, jornalista e autor de sucesso público”. Uma boa amostra de seus trabalhos de então está reunida em Essays in Persuasion , publicado em 1931.^11 Seu mais importante trabalho acadêmico desse período, Tract on Monetary Reform (1923), em nada antecipa o Keynes da Teoria Geral. Sua preocupação se con- centra em temas da economia ortodoxa: estabilidade de preços, política cambial e moeda. A questão do desemprego é tratada em seus escritos de divulgação, mas não é elaborada como uma questão analítica e da teoria econômica. Era, em suma, um bom discípulo de Marshall: aplica a teoria econômica ortodoxa aos problemas da época com competência, mas, em nível teórico, não vai além do mestre. O combate ao desemprego mediante a ampliação de obras públicas só aparece de forma sistemática a partir de 1929 no panfleto “Can Lloyd George do it?”, escrito com Hubert Honderson. E isso em nada o diferencia de Pigou ou Viner e muitos outros economistas ortodoxos, que também advogaram progra- mas de obras públicas como forma de enfrentar o desemprego. Segundo seus mais autorizados biógrafos — E. A. G. Robinson, R. Harrod e D. Moggridge —, a partir de 1925 tem início o período de transição que culminará com a Teoria Geral. O início dessa fase coincide com dois eventos importantes na vida de Keynes. O primeiro, em nível pessoal: depois de alguns anos de relação íntima, casa-se com Lydia e começa a se distanciar um pouco do “Bloomsbury Group”. Passa a ter uma vida pessoal mais organizada. O segundo, em nível acadêmico,

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10 A partir de então, nos informa E. A. G. Robinson, Keynes passa os sábados, domingos e segundas-feiras em Cambridge, quando cuida de afazeres administrativos na Universidade e interage com seus discípulos. Dá poucas lectures e se dedica, a partir de Londres, ao debate sobre política econômica da época e a seus múltiplos negócios. 11 Entre outras coisas estão aí reunidos os seguintes artigos: “Economic Consequences of Mr. Churchill” (1925), uma crítica à política cambial de volta ao padrão ouro; “The End of Laissez-Faire” (1925), uma nota sobre os fundamentos do liberalismo e crítica ao “liberalismo primitivo” da mão-invisível; “Can Lloyd George do it?”.

é a interação intensa com Denis Robertson enquanto este preparava para publicação o seu Banking Policy and the Price Level (1926), que contém o germe analítico que conduzirá Keynes ao Treatise on Money e depois à Teoria Geral : a separação dos atos de poupar e investir e sua inter-relação com a teoria monetária na explicação das flutuações econômicas.^12 Nesse mesmo ano dá início ao trabalho que terminaria na publicação de A Treatise on Money em 1930. Por certo, como um homem prático e intuitivo, Keynes também tem sua curiosidade intelectual aguçada pelos eventos econômicos da época. Na década de 20, a economia inglesa atravessa sucessivas crises que culminam na grande Depressão dos anos 30. Em 1932, por exemplo, se observa desemprego em massa nas principais economias capitalistas. Nessa mesma data, a produção industrial americana correspondia a 58%, a alemã a 65% e a inglesa a 90% da verificada em 1913. Diante dessa realidade, Keynes intuitivamente começa a se afas- tar da ortodoxia como representada pela “Lei de Say”. De acordo com essa “Lei”, não poderia ocorrer “escassez de poder de compra” no sistema econômico, primeiramente porque o processo de produção capitalista é também o de geração de renda (salário, lucros, aluguéis etc.) e, por- tanto, de criação da fonte de financiamento da demanda; e, segundo, porque dada a existência dos mecanismos automáticos dos mercados livres, os movimentos corretivos e espontâneos de salários, preços e juros garantiriam que os níveis de demanda não ficassem permanen- temente aquém dos níveis de produção de pleno emprego. Da crítica à “Lei de Say” Keynes caminha em busca de uma explicação analítica para o desemprego e tenta dar fundamento teórico às sugestões de intervenção estatal como geradora de demanda para garantir níveis elevados do emprego. É importante notar que inúmeros economistas de orientação ortodoxa também advogaram gastos públicos para combater o desemprego, a exemplo de Pigou e Robertson. A crítica de Keynes se concentra na inconsistência entre os fundamentos teóricos desses autores, de um lado, e suas recomendações práticas, de outro.^13 A sua primeira tentativa de superar a teoria clássica resulta na publicação de A Treatise on Money em 1930. Infelizmente foi uma tentativa frustrada. Ainda que não tenha encontrado uma explicação analítica para o problema do desemprego, nesse livro Keynes reafirma

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12 Harrod escreve que os amigos de Bloomsbury, depois do casamento de Keynes, “...haviam se tornado um magnífico passatempo ao invés de constituírem a razão principal de sua vida”. Tanto Harrod como Austin Robinson vêem em seu casamento com Lydia um impor- tante marco na vida de Keynes no que respeita à reorganização de sua vida pessoal e profissional. 13 Uma ilustração deste ponto nos é oferecida num comentário de Keynes quanto ao livro de Pigou: “Como no caso de Dennis, (Robertson)... Por que insistem em manter teorias que não servem de base para suas próprias conclusões práticas?” Citado em Moggridge (1976), p. 25.

No entanto, o leitor deve ler atentamente o conselho de Samuelson sobre a Teoria Geral : “É um livro mal escrito e mal organizado... Não serve para uso em classe. É arrogante, mal-educado, polêmico e não muito generoso nos agradecimentos. É cheio de falácias e confusões: desemprego involuntário, unidades de salário, equivalência da poupan- ça e do investimento, caráter intertemporal do multiplicador, interações da eficiência marginal sobre a taxa de juros, poupança forçada, taxas de juros específicas, e muitos outros... depois de entendida a sua análise, se mostra óbvia e ao mesmo tempo nova. Em resumo, é um trabalho de gênio”.

II

Discutir as contribuições de um livro tão polêmico quanto a Teoria Geral talvez seja imprudência. Centenas de autores continuam a re- descobrir uma “nova” e verdadeira teoria keynesiana a cada ano. O caráter polêmico do livro ainda hoje nutre inúmeras controvérsias. Creio, no entanto, que se possa explicitar de forma simples o conteúdo da mensagem de Keynes. Saiba o leitor, entretanto, que isso poderá despertar iras e amores nos mais insuspeitos escaninhos da profissão. Muitos se julgam isoladamente os verdadeiros cultores do Keynes da Teoria Geral. Afinal, qual então a novidade? A mensagem básica do livro está contida nas muitas vezes re- petida proposição de que o sistema capitalista tem um caráter intrin- secamente instável. Ou seja, a operação da “mão invisível”, ao contrário do que ainda é sustentado por economistas de inclinação mais ortodoxa, não produz a harmonia apregoada entre o interesse egoístico dos agen- tes econômicos e o bem-estar global. Em busca de seu ganho máximo, o comportamento individual e racional dos agentes econômicos — pro- dutores, consumidores e assalariados — pode gerar crises a despeito do bom funcionamento das poderosas forças automáticas dos mercados livres. E essas crises advêm de insuficiências de demanda efetiva. Nisso se aproxima, dentre outros, de Marx; deste, no entanto, se afasta ra- dicalmente quanto ao método de análise e quanto ao futuro do sistema capitalista.^16 Vejamos o que isto significa. para estudar flutuações nos níveis de produto e emprego, Keynes começa por explicitar as principais de- terminantes da Demanda e da Oferta Agregadas. Isso posto, afirma

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16 Em verdade Keynes nutria profunda antipatia pelos analistas marxistas. Depois de uma breve viagem à Rússia em 1925 Keynes escreve: “Como posso aceitar uma doutrina que estabelece como sua Bíblia, acima e além da crítica, um livro-texto obsoleto de Economia que, pelo que sei, não é apenas cientificamente errôneo, mas igualmente sem interesse e aplicação no mundo moderno?” A referência é ao Capital de Karl Marx. Reproduzido de Essays in Persuasion (1931). Em outra instância se refere criticamente a um pequeno livro de Trotski. Veja Essays in Biography (1933).

que os níveis de produção e emprego são determinados pela igualdade entre oferta e demanda agregadas, sem a garantia de que todos aqueles que queiram trabalhar possam efetivamente encontrar emprego. Onde reside o problema? Keynes centra sua discussão primor- dialmente nos determinantes da demanda agregada. A demanda agre- gada é então decomposta por bens de consumo e demanda por bens de investimento. A demanda por bens de consumo depende primordialmente da renda corrente dos agentes econômicos e, secundariamente, da taxa de juros. Aqui sua inovação reside na hipótese de que o nível de consumo cresça menos que proporcionalmente com relação à renda corrente. Diz mais, que essa é uma relação estável. A demanda por bens de investimento, de outra parte, depende da expectativa de lucro futuro dos empresários, por ele cristalizada no conceito de eficiência marginal do capital, e da taxa de juros. Ora, como a demanda por bens de consumo guarda uma relação estável com a renda, segue-se que as flutuações da demanda agregada estão associadas aos movimentos do nível de investimento. Em crescimento, com expectativas otimistas de lucro futuro, os investimentos geram mais emprego, maior nível de produto e de renda e, portanto, maior nível de consumo e poupança. Em depressão, perspectivas pessimistas de lucro geram frustração de lucro da indústria de bens de capital, queda de emprego e de renda e, portanto, queda nos níveis de consumo e poupança. Nas flutuações do nível de investimento reside, portanto, a chave da compreensão dos movimentos cíclicos do capitalismo. É importante compreender que em Keynes investimento significa aquisição de equi- pamentos do setor produtor de bens de capital, ampliação da capacidade produtiva e, finalmente, expansão da produção corrente de bens de capital. Não significa aquisição de bens físicos ou financeiros pré-exis- tentes e não-reproduzíveis pelo sistema econômico, a exemplo de terra. Então por que as decisões de investimento têm caráter instável? Nesta resposta reside a grande contribuição de Keynes à teoria econômica. Para Keynes, em qualquer decisão de investimento, o capitalista se vê obrigado a antever a evolução futura e, portanto, incerta do mercado para o produto específico a ser gerado pela nova instalação industrial; da mesma forma, a taxa de salário que ele espera pagar para o trabalhador que irá operar as novas instalações e, finalmente, o preço e a disponibilidade da matéria-prima a ser transformada com o auxílio do novo equipamento. Inquietações sobre o comportamento futuro de uma ou do conjunto destas variáveis terminam por se cons- tituir na fonte primária da instabilidade dos investimentos e, portanto, do nível de emprego. Em condições normais, o empresário estima a taxa de retorno de seu investimento (a eficiência marginal do capital) cotejando o lucro esperado, calculado a partir de sua visão sobre o comportamento das variáveis acima alinhadas, com o custo de aquisição

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Agora temos as duas peças básicas para melhor entender as flu- tuações do investimento e, portanto, da demanda agregada: a escolha intemporal entre reter ativos de liquidez universal (moeda), de um lado, e empreender a criação de ativos de liquidez específica (fábrica de automóveis), de outro. A segunda lâmina da tesoura é a oferta agregada, ou as moti- vações empresariais para ampliar ou contrair a produção e o emprego correntes. O ponto de partida é a teoria de formação dos preços. Da expectativa de quanto será absorvido pelo mercado e dado o processo de barganha de fixação da taxa de salário nominal, assim como o es- toque de capital e a tecnologia — portanto, a relação inversa entre nível de emprego e a produtividade do trabalho —, o empresário fixa tentativamente o preço com o qual espera vender o volume planejado de produto. Por resíduo, se realizada a venda esperada, ocorre o lucro. Isso define o volume planejado de vendas e, portanto, a Oferta Agre- gada. Aqui os elementos críticos são: o processo de barganha entre capitalistas e assalariados, o qual fixa a taxa de salário nominal, onde Keynes se distancia da orientação ortodoxa que vê esta taxa como resultado das forças automáticas dos mercados livres; e a produtividade do trabalho, no que Keynes segue a ortodoxia. Isso posto, pode-se perguntar agora como esse sistema reage a um desequilíbrio qualquer. Em Keynes esses desequilíbrios quase sem- pre ocorrem através da eficiência marginal do capital. Suponha-se que ocorra uma queda na eficiência marginal do capital, por conta da an- tecipação firme de escassez aguda de uma matéria-prima básica, a exemplo do petróleo.^17 Ora, como num dado momento a estrutura de produção é um dado da história e é específica (fábricas para produzir automóveis, fábricas para produzir máquinas de produzir automóveis etc.), segue-se que a antevisão da escassez de petróleo representa um corte na demanda de máquinas para produzir automóveis. Este corte, por sua vez, provoca queda de emprego e, portanto, de renda (salários não mais pagos nesta indústria), a qual, por seu turno, provoca nova queda de demanda, desta vez no setor de bens de consumo. Note-se que a queda inicial da demanda é ocasionada não por queda de renda corrente, mas sim por antecipação de um evento futuro. Então, o que fazer hoje com a renda, o lucro, e, portanto, com a poupança gerada no momento imediatamente anterior à queda do investimento? Não seria inevitável que essa renda se transformasse em demanda de outros bens, de consumo ou de investimento?

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17 Keynes elabora sua teoria na hipótese simplificadora de que o processo de produção requer somente trabalho e equipamentos. Contudo, na ilustração do texto definimos a queda na eficiência marginal do capital a partir de uma matéria básica. A reconciliação disto, no entanto, é imediata. Basta se admitir uma relação de proporcionalidade entre matéria-prima e insumos de trabalho.

Na resposta a essas questões ocorre o rompimento de Keynes com os ensinamentos da Lei de Say. Para Keynes, a preferência pela liquidez ou pela manutenção de “ativos líquidos” (moeda em circuns- tâncias de queda de preços, como ocorreu na década dos 30, ou outros ativos com expectativa de rentabilidade real positiva em situações in- flacionárias) pode, em circunstâncias como a anunciada, constituir-se numa alternativa vantajosa à demanda de novos equipamentos ou de bens de consumo. Segundo a Lei de Say, essa situação — com mercados livres — seria revertida pela queda da taxa de juros, de salários e de preços. Keynes então nos lembra que a queda da taxa de juros, ainda que importante para eventualmente recuperar o nível de investimentos, poderia não funcionar se a eficiência marginal do investimento caísse mais rapidamente que a taxa de juros. E essa queda poderia ser en- gendrada pela própria queda de salários e preços, a qual deprimiria mais ainda a eficiência marginal do capital. E este processo terminaria também por se constituir num desastre social, por promover ociosidade do equipamento instalado e desemprego. Isso representa uma severa crítica a um dos mitos sagrados da moral burguesa: não funciona, portanto, a convergência entre o interesse individual (no caso a pre- ferência pela liquidez) e o coletivo (o máximo emprego possível da força de trabalho). E este conflito de interesses é produto do funcionamento dos mecanismos automáticos dos mercados livres. Como escapar dessa armadilha recessiva? Como então evitar a “acumulação improdutiva” e gerar demanda efetiva? Estava assim legitimada a ação do Estado como elemento inte- grante e indispensável ao bom funcionamento do sistema econômico capitalista. Ao Estado caberia, portanto, eliminar a carência de de- manda efetiva em momentos de recessão e desemprego. Como? Fazendo déficit orçamentário e emitindo títulos para extrair a “renda não gasta” do setor privado e com ela garantir que as máquinas ociosas voltem a operar. E aqui mais dois mitos caem. Até então a poupança era encarada como um dos pilares da moral burguesa. Keynes vem e diz: a causa da depressão é a “poupança excessiva” em face da expectativa de lucro futuro num momento de elevada preferência pela liquidez. Crise, portanto, representa carência de investimento e ociosidade de máquinas e homens, e não, como apregoado, carência de poupança. Destrói também o mito de que a operação do Estado se deve pautar por grande austeridade financeira, não se gastando mais do que coleta em tributos. Mostra, assim, que em circunstâncias de desemprego o déficit fiscal é uma peça importante para o bom funcionamento do sistema econômico. A respeito do déficit, é necessário fixar um ponto importante. Um déficit pode ocorrer tanto por aumento de despesas quanto por queda de tributos. Numa situação de depressão, no entanto, só o au-

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não cause desemprego. Para Keynes este aumento também causa um corte na demanda efetiva, ocasionada pela queda da liquidez real do sistema econômico, a qual é engendrada pela elevação do salário no- minal. A posição de Keynes neste ponto é clara: se o salário nominal for excessivamente elevado, a estabilidade do sistema econômico será melhor preservada se o corte do salário real requerido para expandir o emprego for obtido pelo aumento de moeda e preços do que pela queda de salário nominal. Se tal objetivo for perseguido através da queda do salário nominal, o resultado final poderá ser menos e não mais emprego, porque o movimento baixista de salários pode engendrar expectativas depressivas na eficiência marginal do capital. O binômio poupança-investimento tem sido objeto de inúmeras controvérsias. Para os clássicos, poupança e investimento se confundem não porque tenham identidade própria, mas sim porque a operação de taxa de juros é de tal ordem poderosa que a distinção perde razão de ser. Em Keynes, ao contrário, a distinção é magnificada exatamente porque a operação dos mecanismos de mercado via taxa de juros não tem essa força. Além de juros, a expectativa de lucro futuro gera in- vestimento, e a renda corrente gera poupança. Portanto, a despeito da força equilibrante dos juros (sobre poupança e investimento) e de renda (sobre poupança) pode ocorrer uma inconsistência básica entre a efi- ciência marginal do capital e a taxa de juros, de forma a gerar queda de produto. E mais, em condições normais um aumento de investimento pode gerar poupança e maior nível de renda, enquanto um aumento de poupança em relação à renda corrente não gera necessariamente nem mais investimento nem aumento, mas sim queda do produto. Ou seja, poupança não gera investimento, mas investimento gera poupan- ça. Melhor ainda, mais poupança só não gera recessão se, e somente se, o mecanismo da taxa de juros, complementado por outros meca- nismos, também gerar igual aumento de investimento ou igual aumento de superávit comercial com o resto do mundo, ou igual ampliação do déficit do setor público, ou uma combinação destes três últimos ele- mentos.^20 Portanto, numa situação de insolvência externa com déficit

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20 Ao contrário do que muitos pensam, ampliar os níveis de poupança não aparece como uma proposta tola em Keynes. Diante de uma restrição básica, a exemplo de uma economia de guerra, o aumento da poupança é uma exigência das necessidades de financiamento da corrida bélica. Em 1940 Keynes publica o panfleto “How to pay for the War”, que trata do problema de aumentar a poupança. Na teoria de Keynes, as inoportunidades de ampliação da poupança só ocorrem em momentos depressivos. No entanto, em circunstâncias de es- trangulamento externo ou de economia de guerra, a sociedade não tem escolha a não ser aumentar a poupança doméstica. No caso de estrangulamento externo, isso só pode se materializar através da diminuição do déficit ou de aumento do saldo em contas correntes com o resto do mundo. De qualquer forma, numa economia monetária, para se chegar à poupança de recursos reais, o ponto de partida é a poupança financeira, ainda que esta não produza necessariamente aquela. Nesse caso, a frustração se daria pela incapacidade de ampliar as exportações. Se isto não puder ocorrer, a recessão seria inevitável. É este o significado do estrangulamento externo.

do setor público e com déficit nas trocas internacionais, só há uma forma possível de aumentar a poupança interna: ampliar o superávit nas trocas internacionais.

III

É de justiça lembrar que a revolução keynesiana não foi produto tão-somente do trabalho isolado do brilhante e genial John Maynard Keynes. Em primeiro lugar, sua inspiração básica — a do papel de de- manda efetiva no sistema econômico — tem longínquas e sólidas origens nos trabalhos de Malthus, Hobson, Marx e outros. Segundo, porque não seria exagero afirmar que a Teoria Geral muito reflete as idéias e críticas de um conjunto particularmente brilhante de discípulos de Keynes, a exemplo de Robertson, Joan Robinson, Austin Robinson, R. Kahn, James Meade e Roy Harrod, e outros. Com este grupo Keynes interagiu contínua e intensamente enquanto escrevia a Teoria Geral. Através de cartas, conversas e seminários, as primeiras provas da Teo- ria Geral foram discutidas, corrigidas e até reescritas por sugestões deste grupo. Terceiro, porque alguns princípios básicos da Teoria Geral foram também formulados independente e quase simultaneamente por outros economistas, sem no entanto obter a notoriedade do então já influente e brilhante economista inglês. Este é o caso de M. Kalecki, na Polônia — que tratou independentemente do princípio da demanda efetiva de forma muito semelhante a Keynes e Myrdall, e de outros discípulos de Wicksell na Suécia, que trataram também independen- temente as questões do equilíbrio monetário, à semelhança do que fizera Keynes.^21 Quarto, porque o sucesso da obra em muito dependeu das extensões e controvérsias que ela permitiu, nas mãos de um bri- lhante grupo de economistas que, como Keynes, buscavam escapar dos ensinamentos da Lei de Say, tornados obsoletos pela crise da década dos 30. Além dos jovens economistas ingleses, a Teoria Geral encontra entusiasta acolhida nos Estados Unidos, nos escritos da década dos 30, 40 e 50, de Alvin Hansen, Paul Samuelson, John K. Galbraith, Laurence Klein e muitos outros.^22 A Teoria Geral nascia assim com ingredientes de uma obra clás- sica: seu autor era uma personalidade importante, intuitiva, contro-

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21 Austin Robinson — aluno, amigo, escudeiro e por fim um dos mais autorizados biógrafos de Keynes — afirma que da literatura econômica se pode destacar, além de Marshall, Robertson (1926) e Wicksell (1936), traduzido por sugestão de Keynes, como as fontes inspiradoras de Keynes para a elaboração da Teoria Geral. 22 Galbraith assim relata seu primeiro encontro com Keynes. Galbraith então era chefe do sistema de controle de preços: “Certo dia, ele (Keynes) apareceu, sem se anunciar na ante-sala de meu gabinete em Washington, para entregar um trabalho... O nome, disse-me ela (a secretária), era Kines. Eu dei uma olhada nos papéis e ali estava... J. M. Keynes... Foi como se São Pedro subitamente aparecesse a um pároco de aldeia”. GALBRAITH (1980), p. 223.

organizar uma agência multilateral e supranacional de financiamento. Dois planos estavam em pauta: o inglês, produzido por Keynes; o ame- ricano, concebido por Harry White. Da síntese de ambos emergem os fundamentos que norteariam a organização do FMI. No início de 1946 atende à Conferência de Savannah, onde efetivamente nasceu o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial. Morre em abril de 1946. Não deixou filhos; sua herança maior: a Teoria Geral e um sem-número de discípulos que souberam estender e aprofundar seus ensinamentos. Voltemos à Teoria Geral. A obra de Keynes é marcadamente produto de uma época caracterizada por contração da produção indus- trial, por desemprego e por deflação de preços. Será então sua contri- buição teórica, hoje, relevante para a compreensão da atual crise de desaceleração do crescimento, desemprego e aceleração inflacionária? Ou seja, inflação associada a crise de crescimento não tornam obsoletos os ensinamentos de Keynes? Seria naturalmente um equívoco desprezar os ensinamentos bá- sicos de sua obra e acreditar que em nada ajudem à compreensão do presente. É certo que Keynes não nos legou uma obra acabada e de- finitiva; ensinou-nos, no entanto, que a operação de uma economia monetária não pode ser compreendida a partir de modelos analíticos ancorados na Lei de Say. Mais importante ainda, incorporou à Econo- mia a grande descoberta filosófica do século XIX, cristalizada na má- xima — “O Homem está só” — ou seja, não podemos contar com a “mão invisível” para garantir o suprimento dos bens e serviços e para gerar todos os empregos requeridos por aqueles que desejam trabalhar. Keynes nos ensinou que a ação do Estado, através da política econômica, é um ingrediente básico do bom funcionamento do sistema capitalista. Ou seja, o ativismo do Estado é um complemento indispensável ao funcionamento dos mercados para se obter o máximo nível de emprego possível e, portanto, maximizar o nível de bem-estar da coletividade. Esta é a mais duradoura contribuição de Keynes. Ensinou-nos, ainda, o significado específico das crises do sistema capitalista. Elas espelham, em última instância, uma ociosidade de máquinas e homens e não de escassez de poupança. Indo além de Keynes, mas ainda ancorados em seu trabalho, hoje sabemos quais as implicações das relações contratuais expressas em moeda e da exis- tência de capital físico específico: a escassez de poupança é produto da inexistência de mercados externos para absorver a produção espe- cífica de nosso parque industrial (automóveis, aço, alumínio, produto petroquímico, café e outros). O estrangulamento externo é o retrato da “iliquidez” do nosso parque industrial, cujo funcionamento exige importações. A expansão da demanda efetiva em nível mundial é con- dição sine qua non para se voltar à ocupação das máquinas hoje ociosas no país e para expandir o emprego interno. Igualmente equivocado seria advogar, para o momento atual, al-

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gumas medidas da política econômica extraídas de Keynes. Hoje sa- bemos que nem todo déficit do Governo é igualmente saudável. Dada a especialidade do nosso parque industrial, sua dimensão e nível de dependência de importações, expandir mais ainda o déficit do Governo para tentar expandir o nível de emprego terá um resultado perverso: agudizará mais ainda o estrangulamento externo e não ocorrerá ex- pansão permanente do nível de emprego. Realocar sem expandir o dispêndio do setor público é o único caminho possível para se obter uma expansão dos níveis de emprego. Também sabemos que nem todo investimento é igualmente saudá- vel. Nem o Estado é capaz de administrar e implantar com sucesso in- vestimentos totalmente inviáveis do ponto de vista estritamente econômico e técnico, a exemplo do projeto nuclear brasileiro. Antever a especificidade da demanda no futuro e localizar, por antecipação, os mercados onde esta demanda se materializará (aqui ou lá fora) escapam ao nosso controle. Esta incapacidade de perscrutar o futuro nos recoloca na tradição de Keynes: devido à especificidade das máquinas e à tirania dos contratos (dívida externa), terminamos por nos transformar em prisioneiros do tem- po. Isso significa dizer que a máxima keynesiana de que investimento cria renda e, portanto, poupança para financiá-lo, tropeça na especificidade do investimento e na existência ou não de mercados para absorver a produção daí resultante. Este é o “pecado” do “superinvestimento” em equipamentos e plantas industriais para produzir um produto para o qual não haja mercado, nem a preço abaixo dos custos. Tampouco se pode encontrar na Teoria Geral a solução para a questão inflacionária. Desconhecer seus ensinamentos, no entanto, pode nos conduzir a desastradas recomendações de política econômica que sub-repticiamente tentam revigorar ensinamentos obsoletos desde

  1. Nesta categoria estão as alegações de que os sindicatos são dis- torções e não, como efetivamente o são, características do sistema ca- pitalista; de que os mercados livres e o livre-comércio entre as nações produzem a alocação mais eficiente dos recursos, como se as organi- zações jurídicas, monetárias e a própria organização das empresas mo- dernas não tivessem uma enorme visibilidade na fixação das taxas de juros, das taxas de câmbio, das taxas de salário e muitos outros preços de produtos básicos. Em suma, manter em mente os ensinamentos básicos de Key- nes não nos dá a garantia de que sejamos capazes de encontrar soluções para a crise de nossos dias. Dá-nos, no entanto, a segurança para rejeitar propostas velhas, travestidas de nova roupagem, a exemplo dos modelos macroeconômicos chamados de “expectativas racionais”, e a convicção de que a partir de seus ensinamentos se pode construir algo de novo, com o cuidado de que nem todo déficit do setor público é desejável e nem todo investimento será necessa- riamente viável e saudável.

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