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A teoria de Urie Bronfenbrenner: Uma teoria contextualista? Jonathan Tudge. Universidade da Carolina do Norte em Greensboro, EUA.
Tipologia: Exercícios
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A teoria de Urie Bronfenbrenner: Uma teoria contextualista?
Jonathan Tudge Universidade da Carolina do Norte em Greensboro, EUA
O autor gostaria de agradecer à Professora Lia Beatriz de Lucca Freitas pela troca de ideias e tradução deste capítulo. O autor também agradece ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFRGS pelo convite para participar do Programa como Professor Visitante (2006-2007), a CAPES pelo apoio financeiro e à Universidade da Carolina do Norte em Greensboro pelo ano sabático.
A teoria de Urie Bronfenbrenner: Uma teoria contextualista?
Jonathan Tudge
O objetivo deste capítulo é explicar por que a teoria de Bronfenbrenner é uma teoria contextualista, embora ela não preencha todos os requisitos do contextualismo. Deste ponto de vista, a sua principal falha é que Bronfenbrenner não considerou suficientemente as variações culturais que existem no mundo. Para ser mais preciso, ele não avançou o bastante em seu pensamento para ir além da idéia de que o “bom” desenvolvimento é melhor caracterizado pelas práticas das famílias da classe média norte-americana.
Contextualismo O contextualismo é uma das três principais visões de mundo (PEPPER, 1942) ou paradigmas (KUHN, 1962) dentro dos quais é possível encontrar-se as mais importantes teorias da psicologia e do desenvolvimento humano (ver, por exemplo, DA SILVA, 1998; ECKENSBERGER, 2002; GOLDHABER, 2000; KUCZYNSKI & DALY, 2003; OVERTON, 1984). Os outros dois paradigmas são o mecanicismo e o organicismo. Pepper atribuiu uma metáfora básica para cada um desses paradigmas – a máquina no caso do mecanicismo, o corpo humano para o organicismo e o “evento histórico” para o contextualismo. A metáfora do contextualismo é enganadora; Pepper (1942) definiu-a, de fato, como “o evento vivo em sua atualidade” (p. 232). Assim sendo, para ele, o mais importante é o que está atualmente acontecendo. Eventos históricos “são semelhantes aos eventos na trama de um romance ou drama. Eles são literalmente os acontecimentos da vida” (p. 233). Cada um desses paradigmas tem sua própria ontologia (ou visão a respeito da realidade), sua própria epistemologia (ou visão sobre a natureza do conhecimento e a relação entre aquele que conhece e aquilo que é conhecido) e sua particular metodologia (ou visão sobre como é melhor estudar algum aspecto do mundo). O contextualismo diverge mais claramente do mecanicismo em termos ontológicos, epistemológicos e metodológicos. O mecanicismo é um paradigma positivista, de acordo com o qual existe uma única realidade e, embora mecanicistas não mais acreditem que aspectos da realidade possam ser comprovados, eles sustentam que métodos adequadamente concebidos podem, ao menos, refutar visões incorretas da realidade. Os métodos usados pelos mecanicistas visam controlar cuidadosamente a influência do contexto ou do pesquisador e, portanto, freqüentemente são experimentais (nos quais todos os aspectos do contexto mantêm-se constantes, exceto aqueles cuja influência causal está sendo testada) ou envolvem questionários fechados (com escolha de respostas pré-determinadas). Estes métodos são concebidos para permitir o teste de hipóteses causais. Ao contrário, o contextualismo é um paradigma dialético, no qual o conhecimento é entendido como uma construção social e o que é visto como “realidade” depende, em parte, da cultura, da história e do poder. Não há, portanto, uma única realidade para ser conhecida, mas múltiplas realidades. Neste paradigma, os indivíduos não podem ser separados de seus contextos para serem estudados, e o conhecimento é obtido através de um processo co-construtivo, envolvendo ambos, o pesquisador e o participante da pesquisa. Assim, os métodos usados pelos contextualistas geralmente consistem em estudos dos indivíduos em seus próprios contextos e entrevistas abertas. Como em qualquer abordagem dialética, simples relações de causa-efeito não podem ser descobertas, porque todos os aspectos da situação (o contexto e os indivíduos, inclusive o pesquisador dentro do contexto) influenciam-se mutuamente. É importante esclarecer que, apesar do nome, teorias contextualistas não são teorias sobre como o contexto determina o
de tempo. Tais formas perduráveis de interação no ambiente imediato são referidas como processos proximais. (BRONFENBRENNER & MORRIS, 1998, p. 996, itálicos no original) Os exemplos que ele apresentou (“brincando com uma criança pequena; atividades entre crianças; brincadeiras em grupo ou individuais, ler, aprender novas habilidades” etc) são justamente os tipos de “eventos históricos” de Pepper (1942). Eles constituem as engrenagens do desenvolvimento, porque é engajando-se nessas atividades e interações que o indivíduo torna-se capaz de dar sentido ao seu mundo, entender o seu lugar neste mundo e, ao mesmo tempo em que nele ocupa um lugar, transforma-o. Bronfenbrenner (talvez, respondendo ao fato de que ele continuou sendo citado como um teórico do contexto) tornou cada vez mais explícito que os processos proximais são um conceito- chave para a teoria, mas a sua natureza varia de acordo com o indivíduo e o contexto, tanto espacial quanto temporal (BRONFENBRENNER, 1995, 1999, 2001/2005b; BRONFENBRENER & EVANS, 2000; BRONFENBRENNER & MORRIS, 1998 ) Como ele explicou em sua segunda proposição: A forma, o vigor, o conteúdo e a direção dos processos proximais que levam a cabo o desenvolvimento variam sistematicamente como uma função conjunta das características da pessoa que se desenvolve ; do ambiente – tanto imediato quanto mais distante – no qual os processos ocorrem; da natureza dos aspectos do desenvolvimento estudados e das continuidades e mudanças sociais que acontecem ao longo do tempo no curso de vida e no período histórico durante o qual a pessoa viveu. (BRONFENBRENNER & MORRIS, 1998, p. 996, itálicos no original) Bronfenbrenner afirmou que essas duas proposições são teoricamente interdependentes e sujeitas à prova empírica. Um método de pesquisa que permita investigá-los simultaneamente é referido como um modelo Processo-Pessoa-Contexto-Tempo (PPCT, abreviadamente)” (BRONFENBRENNER & MORRIS, 1998, p. 996). A pessoa. No que diz respeito à pessoa, Bronfenbrenner reconheceu a relevância dos fatores biológicos e genéticos no desenvolvimento. (BRONFENBRENNER, 2001/2005b; BRONFENBRENNER & CECI, 1994). No entanto, ele deu mais atenção, especialmente em seus artigos publicados nos anos 90 (Bronfenbrenner, 1993, 1995; Bronfenbrenner & MORRIS, 1998), às características pessoais que os indivíduos trazem com eles para qualquer situação social. Ele dividiu essas características em três tipos, as quais ele denominou características de demanda, recurso e força. Características de demanda são aquelas às quais ele se referiu, em seus primeiros trabalhos, como características de “estímulo pessoal”; aquelas que agem como um estímulo imediato para outra pessoa, tais como idade, gênero, cor da pele, aparência física, etc. Essas características podem influenciar as interações iniciais em função das expectativas que se formam instantaneamente. Características de recurso , pelo contrário, não são imediatamente aparentes, embora às vezes sejam inferidas, em graus diversos, das características de demanda que são percebidas. São características parcialmente relacionadas com recursos cognitivos e emocionais (por exemplo, experiências passadas, habilidades e nível de inteligência) e também com recursos sociais e materiais (por exemplo, acesso à boa comida, moradia, cuidado parental, oportunidades educacionais apropriadas a uma determinada sociedade, etc). Finalmente, características de força são aquelas relacionadas às diferenças de temperamento, motivação, persistência, etc. De acordo com Bronfenbrenner, duas crianças podem ter as mesmas características de recurso, mas seguirem trajetórias bem diferentes, se uma delas for motivada a ser bem-sucedida e persistir nas tarefas, enquanto a outra, não sendo motivada, não persistir.
Assim, longe de ser um teórico sobre as influências contextuais no desenvolvimento, Bronfenbrenner forneceu uma idéia clara de como indivíduos mudam seu contexto: ou de uma forma relativamente passiva (uma pessoa muda o ambiente simplesmente por nele estar, visto que outros a ele ou ela reagem diferentemente, em função de sua idade, gênero, cor da pele, etc), ou de uma maneira mais ativa (as formas pelas quais a pessoa muda o ambiente estão relacionadas aos recursos físicos, mentais e emocionais que ele ou ela têm disponíveis) ou de uma forma ainda mais ativa (o quanto uma pessoa muda o ambiente está relacionado, em parte, com o seu desejo ou esforço para fazê-lo). Contexto. O ambiente, ou contexto, envolve quatro sistemas inter-relacionados: do imediato (o microssistema, no qual a pessoa em desenvolvimento passa boa parte do tempo engajada em atividades e interações) ao distante (o macrossistema, o equivalente à cultura). Bronfenbrenner também escreveu acerca das inter-relações entre os vários microssistemas (tais como: casa, escola, grupo de pares, etc), nos quais os indivíduos passam uma quantidade de tempo significativa (o mesossistema). Além disso, ele descreveu aqueles contextos nos quais os indivíduos, cujo desenvolvimento está sendo estudado, não estão situados de fato, mas os quais exercem importante influência indireta sobre o desenvolvimento desses indivíduos (o exossistema). Ao invés de usar a tradicional, mas incorreta, representação do contexto – os anéis concêntricos –, a Figura 1 mostra que os processos proximais envolvem uma pessoa em desenvolvimento (P) interagindo com outros indivíduos, objetos e símbolos dentro de um determinado microssistema. O mesossistema diz respeito às relações entre dois ou mais microssistemas. Os outros dois sistemas (exossistema e macrossistema) são representados com linhas pontilhadas para indicar que as influências sobre a pessoa em desenvolvimento são indiretas. Um exemplo do efeito do exossistema poderia ser o seguinte: uma mãe tem-se estressado particularmente no trabalho e, em função disto, irrita-se mais que usualmente com seu filho, quando chega em casa. O local de trabalho da mãe é um exossistema para o filho, pois ele não passa tempo algum lá, mas tem influência indireta sobre ele. Por fim, Bronfenbrenner (1993) definiu o macrossistema como um contexto englobando qualquer grupo (“cultura, subcultura ou outra estrutura social ampla”), cujos membros compartilham sistemas de valores ou crenças, “recursos, riscos, estilos de vida, oportunidades, escolhas ao longo da vida e padrões de intercâmbio social” (p. 25). O macrossistema envolve os demais sistemas, influenciando (e sendo influenciados por) todos eles. Um determinado grupo social pode compartilhar um conjunto de valores, mas para que qualquer sistema de valores específico exerça influência sobre uma pessoa em desenvolvimento é necessário que seja experienciado em um ou mais dos microssistemas nos quais ela esteja situada. Macrossistemas, assim como os indivíduos em desenvolvimento dentro deles, estão sempre mudando. Bronfenbrenner escreveu sobre os efeitos do cronossistema (mudanças que ocorrem por causa de importantes eventos sociopolíticos ou econômicos que influenciam profundamente o macrossistema). Todavia, a transformação do macrossistema também ocorre, porque cada nova geração nunca imita exatamente as práticas ou aceita cegamente os valores e crenças da geração precedente. Os membros de uma determinada geração buscam transmitir valores, crenças e práticas sociais à próxima geração, no curso dos processos proximais, mas esta última sempre os transforma na medida em que deles se apropria (TUDGE, no prelo). Tempo. O elemento final do modelo PPCT é o tempo. Como é próprio a qualquer teoria do desenvolvimento humano, o tempo tem um papel crucial. Da mesma forma que tanto os fatores do contexto quanto os fatores individuais são divididos em subfatores, Bronfenbrenner e Morris (1998) escreveram acerca do tempo, incluindo o microtempo (ou seja, o que está
que ocorre nos microssistemas. As culturas não permanecem as mesmas, embora em algumas épocas as mudanças ocorram com muito maior rapidez que em outras. Além disso, como em todas as teorias contextualistas, as influências são multidirecionais.
A Teoria é Suficientemente Contextualista? Na teoria de Bronfenbrenner, como todas as teorias contextualistas, a maior atenção recai sobre as atividades e interações cotidianas, nas quais os indivíduos participam regularmente. Soma-se a isto, o fato de que, dada a natureza dialética da relação entre os processos proximais, as características individuais, o contexto e o tempo no modelo PPCT, a teoria, evidentemente, ajusta-se muito melhor ao paradigma contextualista que ao mecanicismo. Em função de que a teoria não inclui qualquer noção de uma progressão de estágios das habilidades ou conhecimentos seria difícil pensá-la como uma teoria organicista. Todavia, acredito que, do ponto de vista do paradigma contextualista, existam algumas limitações na teoria. Isto pode ser mais facilmente evidenciado quando se considera os tipos de método sobre os quais Bronfenbrenner escreveu. Embora Bronfenbrenner tenha um grande número de publicações acadêmicas desde os anos 40 até sua morte em 2005, ele nunca esteve muito envolvido com coleta de dados empíricos. Este fato é lamentável, uma vez que isto teria facilitado a compreensão de como ele pensava que o seu modelo PPCT deveria ser posto em prática. Ao invés disso, ele preferiu muito mais comentar a pesquisa de outros investigadores que, segundo ele, aproximava-se do tipo de estudos que ele acreditava deveriam ser realizados. Por exemplo, em vários trabalhos (BRONFENBRENNER, 1993, 1995, 1999, 2001/2005b; BRONFENBRENNER & CECI, 1994; BRONFENBRENNER & MORRIS, 1998) ele ilustrou as suas idéias com os estudos de Drillien, Small e Luster, Langer e Rodin, Tulkin, Steinberg e colaboradores, Elder e outros. Contudo, a pesquisa que ele citou parece ajustar-se melhor à tradição mecanicista, positivista, da maioria das investigações científicas realizadas nos Estados Unidos, que ao paradigma contextualista. Os estudos eram de larga escala, de abordagem quantitativa e usavam ferramentas estatísticas concebidas para métodos positivistas. O melhor exemplo de um estudo envolvendo processos proximais, definidos conforme Bronfenbrenner, é a de Drillien (1964, citado em vários trabalhos de Bronfenbrenner a partir de 1994). Drillien estudou como a responsividade materna ao comportamento de crianças de dois anos de idade (processos proximais) variava tanto em relação ao peso com o qual a criança havia nascido (pessoa) quanto à classe social da família (contexto). Tratava-se de um estudo longitudinal, atendendo, assim, também o requisito “tempo” do modelo PPCT. No entanto, Bronfenbrenner assinalou que, mesmo nesse estudo, a avaliação do processo proximal não era adequada, uma vez que “não [foi] dada nenhuma informação que permitisse acessar a ... regularidade, a não interrupção, ou em que medida ele tornava-se ‘progressivamente mais complexo’” (BRONFENBRENNER, 1999, p. 8). Do ponto de vista teórico, a observação minuciosa, ao longo do tempo, parece que seria necessária, mas nem no estudo de Drillien nem em qualquer outra pesquisa referida por Bronfenbrenner encontra-se um exemplo desse tipo de enfoque sobre os processos proximais. Bronfenbrenner não apenas citou pesquisas de outros. Ele mesmo participou de vários estudos sobre “memória prospectiva” com seu colega Steve Ceci (CECI & BRONFENBRENNER, 1985; CECI, BRONFENBRENNER, & BAKER, 1988), mas, embora os estudos fossem interessantes, eles eram experimentais. Mais relevante é um estudo que ele publicou no início dos anos 80 (BRONFENBRENNER, ALVAREZ, & HENDERSON, 1984), o qual foi concebido, em parte, para testar o que ele, na época, chamava a sua teoria ecológica. O
contexto incluía a classe social (medidas sobre nível educacional e renda) e o trabalho das mães fora de casa (turno integral, meio turno ou desempregada) e as características individuais eram representadas pelo gênero da criança e dos pais. Em 1984, o termo “processos proximais” ainda não tinha sido inventado, mas entendia-se que as percepções que os pais tinham sobre seus filhos influenciavam como eles os criavam. Os pais participaram de longas entrevistas abertas, durante as quais eles falaram de suas percepções sobre os seus filhos de três anos de idade. Os resultados mostraram a interação entre os fatores individuais e contextuais nas percepções dos pais sobre os seus filhos. As mães que trabalhavam em turno integral tinham as percepções mais favoráveis sobre suas filhas e as menos favoráveis em relação a seus filhos, mas apenas quando elas tinham, no mínimo, alguma educação em nível superior. (O mesmo padrão, embora menos nítido, foi encontrado para os pais.) Contudo, como os autores reconheceram, faltavam dois “elos” na explicação causal: Um desses elos supõe que as diferenças nas percepções dos pais induzidas pela situação de trabalho das mães influenciam padrões reais de interação pais – criança. O elo final postula que as diferenças na interação pais – criança ... têm efeitos a longo prazo detectáveis no comportamento das próprias crianças em anos posteriores. (BRONFENBRENNER ET AL., 1984, p. 1376) É evidente que havia alguma preocupação com o fato de que aquilo que seria mais tarde conhecido como processos proximais (interações pais – criança) e tempo não tinham sido incluídos nesse estudo, embora ambos sejam aspectos essenciais do modelo PPCT. Todavia, mesmo após a primeira definição de Bronfenbrenner de processos proximais (BRONFENBRENNER, 1994), não há evidência de que ele tenha conduzido alguma pesquisa concebida para enfocar atividades cotidianas que ocorrem regularmente, o mecanismo principal do desenvolvimento. Métodos etnográficos, por exemplo, teriam permitido-lhe ver os modos como: os indivíduos, na realidade, engajam-se em atividades com seus principais parceiros, os indivíduos estudados iniciam atividades e o envolvimento de seus parceiros, os papéis sociais são negociados entre parceiros e o significado que atividades e interações têm para os indivíduos e seus parceiros. Ele não apenas nunca realizou uma pesquisa etnográfica, mas também não citou qualquer exemplo de pesquisa etnográfica para ilustrar (como ele costumava fazer) aplicações parciais do seu modelo PPCT. Em outras palavras, Bronfenbrenner, ao nível teórico, deixou claro em que consistem os processos proximais. Ele também evidenciou as limitações dos métodos que não enfocavam adequadamente os processos proximais, quando ele comentou tanto as suas próprias pesquisas quanto as de outros investigadores. No entanto, ele não adotou métodos que pareciam quase destinados a seus propósitos teóricos. Uma das razões, talvez, relacione-se com sua crítica inicial aos métodos observacionais (ver BRONFENBRENNER, 1977), mas outra razão parece ser sua crença de que estudos de larga escala como aqueles de Drillien, Steinberg e seus colaboradores, Small e Luster, Elder (citados extensamente em BRONFENBRENNER, 1999; BRONFENBRENNER & MORRIS, 1998) são mais aceitos cientificamente que estudos observacionais de pequena escala. Todavia, como mencionei anteriormente, os métodos empregados por esses pesquisadores ajustam-se melhor ao paradigma mecanicista que ao contextualismo. Uma segunda razão pela qual a teoria de Bronfenbrenner parece não se coadunar com o contextualismo é, de um outro ponto de vista, uma de suas maiores virtudes. Bronfenbrenner sempre esteve bastante preocupado com as implicações políticas da pesquisa (de sua própria e de outros) e interessado em fazer alguma coisa para a vida das pessoas. Ele, portanto, sempre tinha em mente o que precisaria acontecer para que o desenvolvimento positivo ocorresse. No entanto,
anteriormente apresentada, é uma representação menos equivocada dos vários aspectos do contexto sobre os quais Bronfenbrenner escreveu. Uma representação mais precisa, porém, seria aquela na qual haveria macrossistemas interconectados. O nível mais externo representaria a sociedade como um todo. Brasil, Inglaterra e Japão, por exemplo, cada um tem um diferente “padrão abarcante de ideologia e organização das instituições sociais” (BRONFENBRENNER, 1988, p. 39), mas dentro do Brasil diferentes padrões abarcantes podem ser encontrados em estados tão diversos quanto o Rio Grande do Sul, o Amazonas e a Bahia. Dentro do próprio Rio Grande do Sul, o mesmo pode ser dito sobre cidades que são predominantemente habitadas por descendentes de alemães ou italianos. Da mesma forma, dentro de qualquer cidade brasileira há boas razões para se acreditar que classe social, crença religiosa e cor da pele também estão relacionadas a diferentes padrões ideológicos e de organização das instituições sociais. Assim, não é simples determinar qual é o macrossistema de uma pessoa. Por exemplo, uma mulher de classe média da cidade de Porto Alegre, provavelmente, descrever-se-á como uma brasileira, quando se comparar a uma mulher japonesa; quando se comparar a uma colega de São Paulo, ela dirá que é gaúcha; quando se comparar com pessoas pobres de sua cidade, é muito possível que ela se refira à sua classe social. País, região e classe social são todos fenômenos do macrossistema e não há apenas um macrossistema que seja capaz de descrever essa mulher (ou qualquer outro indivíduo). Esta visão de macrossistemas relacionados ajusta-se, penso eu, à definição de macrossistema de Bronfenbrenner e, certamente, ajusta-se bem ao contextualismo. Infelizmente, até onde sei, exceto em um capítulo (BRONFENBRENNER, 1993), ele nunca admitiu as limitações de conceber o macrossistema como um fenômeno único. Visto que todos os macrossistemas, conforme Bronfenbrenner os definiu, diferem no que diz respeito a seus valores, crenças, práticas, ideologias, instituições, etc, é muito difícil escrever, como ele o fez, acerca de “bons” processos proximais, uma vez que essas atividades e interações são valorizadas pelos membros de apenas um grupo. Como qualquer livro sobre cultura e práticas educativas mostrará (ver, por exemplo, GÖNCÜ, 1999; HARKNESS & SUPER, 2002; ROGOFF, 2003; TUDGE, no prelo; VALSINER, 1989), culturas diferem enormemente em suas idéias sobre desenvolvimento e práticas (atividades e tipos de interação tidos como apropriados). Em outras palavras, os processos proximais precisam ser considerados à luz dos valores e crenças dos macrossistemas, ao invés de ter apenas um conjunto de características. O relativismo cultural que esta visão parece acarretar tem que ser modificado, quando se considera diferentes macrossistemas dentro de um único país, particularmente quando os valores, crenças e práticas de um grupo (dominante) são tomados como sinônimo de sucesso nessa sociedade (TUDGE et al., 2006).
Conclusões Acredito que a teoria de Bronfenbrenner possa ser considerada como uma teoria contextualista, embora ela, evidentemente, tenha suas limitações, quando examinada do ponto de vista do paradigma contextualista. A sua teoria é, certamente, contextualista, se considerarmos simplesmente o seu foco nas atividades cotidianas e interações, as quais variam de acordo com as características do indivíduo e do contexto (tanto espacial quanto temporal). No entanto, parece claro que Bronfenbrenner não deu atenção suficiente ao papel da cultura no desenvolvimento humano e considerou os valores, crenças e práticas de um grupo (o grupo cultural do qual ele fazia parte) como o ideal para todos. Talvez, a razão deve-se ao fato de que ele esteve sempre envolvido em políticas públicas e estava determinado a fazer todo o possível para melhorar a qualidade de vida das crianças norte-americanas. Ele foi, afinal de contas, um dos fundadores do movimento Head Start nos Estados Unidos, cujo objetivo era ajudar as crianças das famílias
pobres a competir em termos de maior igualdade com as crianças das famílias ricas (FREITAS & SHELTON, 2005). Ele estava convencido de que havia um “crescente caos na vida das crianças, jovens e famílias [norte-americanas]” e, no final de sua vida, ele se perguntava “Como é possível reverter isto?” (BRONFENBRENNER, 2001/2005a, p. 1985; ver também BRONFENBRENNER & EVANS, 2000). Quando se têm dados de pesquisa para sustentar a visão de que determinados tipos de atividade e de interação forjam competência cognitiva e social em crianças de um grupo, é difícil não acreditar que os mesmos fatores devam ser igualmente relacionados à competência cognitiva e social em qualquer outro grupo cultural. A idéia de que grupos culturais diferentes podem ter diferentes noções sobre o que constitui competência é uma das principais características do contextualismo – mas não da teoria de Bronfenbrenner.
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