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A Revolução Russa 1917 - 1921 - Daniel Aarão Reis, Notas de estudo de História

Revolução Russa

Tipologia: Notas de estudo

2018

Compartilhado em 05/07/2018

diego-araujo-5xm
diego-araujo-5xm 🇧🇷

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= =——— udoéhistória 6 y Sim [ OVA IS Í ó PO ad Copyright € by Daniel Aarão Reis Filho, 1983 Nenhuma parte desta publicação pode ser gravada, armazenada em sistemas eletrônicos, fotocopiada, reproduzida por meios mecânicos ou outros quaisquer sem autorização prévia do editor. ISBN: 85-11-0206]-6 Primeira edição, 1983 4º edição, 1989 Revisão; José W. S. Moraes e Silvana C, Leite Capa: 123 (antigo 27) Artistas Gráficos Rua da Consolação, 2697 01476 São Paulo SP Fone (011) 280-1222 - Telex:; 11 33271 DBLM BR + IMPRESSO NO BRASIL seirapeastizrqederi Ear Soro So De (o ra! ÍNDICE RENA DER ERA ARA CRSERG AS a Da) pg En SRA DIR eia fo 4 RR RICE TONE EDP ER) À revolta contra o czarismo ....ccccsccreraro 22 ATerande guerra e a revolução de fevereiro ... 38 As crises de abril, julho e agosto ...cccsessers 49 À insurreição de outubro ..cscsrereserarers PARRA 1,8) A consolidação dos bolcheviques no poder . .... 7 A revolução russa e o mundo — 1917-1921 .... 101 Rumo ao socialismo num só país .. . cc cus 112 Indicações para leitura . .seceraresvssrsce co 114 TA A Lucia e a Daniel, mais que mãe e pai, amigos. INTRODUÇÃO Estudaremos a revolução russa em dois livros. No primeiro, começamos com a análise da Rússia ezarista e da tradição revolucionária, Caps. 1e 2, O Cap. 3 é dedicado à I Grande Guerra e à queda do czarismo. O ano crítico de 1917 e a insurreição de outubro são estudados nos Caps. 4e 5, e os primeiros meses do novo poder, a guerra civil e a consolidação dos bolcheviques, no Cap. 6, Encerra o livro o relato da política internacional do governo soviético, Cap. Ri As datas obedecem ao calendário juliano utili- zado na Rússia — há uma diferença de treze dias em relação ao calendário gregoriano introduzido por uma reforma papal no seio do cristianismo e adotado pelo mundo capitalista. Assim, a insurreição de 24 de outubro realizou-se em 7 de novembro para os europeus ocidentais. O governo soviético adaptaria em fevereiro de 1918 o calendário, e as diferenças ss is RR | E 10 As Comunas Rurais garantiam a ordem pública ea propriedade e organizavam os serviços fiscais e parafiscais do Estado, Cada Comuna dispunha de uma Assembléia de Chefes de Família. Represen- tantes de dez aldeias constituíam um nível superior e elegiam, por sua vez, delegados. Estes formavam o elo de ligação entre as Comunas e as autoridades do poder central. Os camponeses eram solidários nas obrigações e no respeito à ordem, As faltas de qual- quer um eram assumidas pela aldeia. Tratava-se de uma estrutura engenhosa, fruto de pressões contraditórias. Os camponeses queriam a abolição da servidão, mas desejavam manter a terra em que trabalhavam. Os senhores de terra anteviam a ruína caso perdessem “seus'' camponeses é as ter- ras em que estes trabalhavam. O Estado czarista formulará uma solução aparentemente intermediária mas que, na prática, beneficiaria os senhores de terra. A lei obrigará as Comunas Rurais à comprarem as terras que os senhores quiserem vender, por um preço fixado por estes. As terras serão quase sempre menores em extensão e piores em qualidade que as que já eram trabalhadas pelos camponeses antes da abolição da servidão, O Estado financiará a compra, mas as prestações serão tão pesadas que os campo- neses, para pagá-las, terão de trabalhar para os se- nhores de terra. Outras tendências agravarão o quadro: ao efe- tuar a distribuição dos lotes no interior da Comuna, a Assembléia de camponeses beneficiará determi- Daniel Aarão Reis Filho 3 af] i al * A Revolução Russa; 1917-1921 q nados indivíduos, na medida em que os lotes não são iguais em qualidade. É inevitável que se produza, assim, com o passar do tempo, uma certa diferen- ciação social nas aldeias. Além disso, os camponeses mais favorecidos aprofundam a dependência dos de- mais através de empréstimos de sementes, animais e dinheiro. Como se não bastasse, o aumento da popu- lação rural — que duplica entre 1861 e 1914 — complica a situação. Finalmente, um dispositivo le- gal previra a possibilidade de aquisição de lotes pelos camponeses que fossem capazes de pagá-los de uma vez, favorecendo os mais ricos. É evidente que todos estes fatores, inerentes à dinâmica interna de cada Comuna, contribuirão para a sua desagregação. Mas será um processo lento, Os camponeses defendem a Comuna. Os mais ricos beneficiam-se do processo de lenta dissolução. Os mais pobres mantêm ailusão da propriedade, mínima que seja. Os senhores de terra também se interessam pela Comuna — ela é um reservatório de força de trabalho, E o Estado à considera insubstituível no controle da ordem e na execução das tarefas fiscais. Por isso é que se hesita em acelerar o processo de sua destruição, Em dois momentos — 1903 e 1906 —, tentativas reformistas conduzidas por Witte e Stolypin ameaçarão as Co- munas. As reformas de Stolypin chegarão mesmo a prever seu desaparecimento. Mas a Comuna sobre- viverá, embora desfigurada, até a revolução de 1917. O camponês russo vive numa situação deplo- rável: pequenos lotes, rendimentos baixíssimos, téc- nicas arcaicas, analfabetismo, má nutrição, doenças, 12 ER epidemias; ele é a principal vítima do sistema social, Os senhores de terra também sofrerão um lento processo de declínio. O controle da nobreza sobre a propriedade da terra cairá de 67,1% para cerca de 44,5% , entre 1887 e 1911. Na cúpula do poder hã perda gradual de posições. O mesmo acontece nos níveis superiores do ensino. Trata-se de uma classe em decadência, embora conservando influência na sociedade e no Estado, É como se a miséria dos camponeses e a progressiva dissolução das Comunas Rurais estivessem arrastando em sua queda o pólo social antagônico. Na verdade, o sistema arquitetado em 1861 estava sendo corroído por um processo de ineo natureza: o desenvolvimento do capitalismo na ussia, O capitalismo industrial na Rússia se desen- volvia basicamente em dois setores: a indústria têxtil, mais tradicional, em Varsóvia, Lodz, Petrogrado e Moscou, havendo também, a leste de Moscou, uma província industrial dedicada à produção de bens de consumo imediato. E a indústria metalúrgica, in- cluindo indústria pesada e produção de bens de pro: dução, concentrava-se na região dos Urais e na bacia do Don, destacando-se esta última como a mais mo- derna e dinâmica. A concentração geográfica combina-se com a concentração do emprego fabril: 24,5% dos operá- rios estão em empresas de mais de mil trabalhadores di Daniel Aarão Reis Filho A Revolução Russa: 1917-1921 13 € 9,5% em fábricas que empregam entre quinhentos e mil. A Alemanha, que detinha os índices mais elevados de concentração industrial da Europa, apre- sentava para as mesmas categorias os percentuais de 8,1% e 6,1%. No entanto, as indústrias russas são gigantes de pés de barro, ilhas urbanizadas num oceano rural, Na virada do século, cerca de 103 milhões de pessoas vivem no campo, ou seja, 79% da população. E verdade que não se pode subestimar o crescimento da população urbana, que quase duplica em pouco me- nos de 19 anos — de 11 milhões para 21 milhões, em números redondos. Mas todas as lendas a respeito do peso “qualitativo” do operariado industrial não po- derão fazer esquecer dados básicos, como, por exem- plo, o fato de que 75% da força de trabalho ocupada na indústria é recrutada em distritos agrícolas vizi- nhos, conservando ligações com sua origem rural, o que se manifesta em constantes vaivéns entre o cam- po e a cidade, de acordo com as possibilidades de emprego. À proporção inverte-se quando se trata de Petrogrado e Moscou, mas estes centros são exceções que confirmam a regra. Às vésperas da 1 Guerra, embora a produção industrial estivesse crescendo num ritmo mais elevado que a produção agricola, a participação desta na renda nacional atingia ainda 45,3%), limitando-se aquela a 21%. Outros pontos fracos; a indústria de bens de produção está longe de ser o fator dinamizador do parque industrial exis- tente. A vital indústria de transportes continua insu- ficiente. Mas a indústria russa é essencialmente .dé- ló Daniel Agro Reis Filho A A expansão russa sob direção do ezarismo sub» mete, a ocidente, poloneses, ucranianos, bielo-rus- sos, letões, estonianos, lituanos e finlandeses. Na região do Cáucaso, georgianos, armênios e azerbaid- janos. Na Ásia central caem sob dominação o Kaza- quistão, o Turquestão, as regiões a sudeste do mar Cáspio, os territórios de Bukhara e Khiva, a Turque- mênia e o Pamir. No extremo-oriente, o Estado cza- rista arranca do controle do Império chinês as pro- víncias de Amur e Marítima, ocupa a Sakhalina, estabelece posições avançadas em Port Arthur e transforma a rica e vasta Mandchúria, no nordeste da China, em área de influência, Trata-se de uma tendência multissecular que combinará objetivos político-estratégicos com a pro- cura de mercados favoráveis para aplicação de capi- tais e venda de produtos, O Estado czarista despreza a língua, as tradi- ções, os valores e a cultura das nacionalidades não- russas. À ortodoxia cristã russa esmaga as demais religiões — judaísmo, catolicismo, islamismo e pro- testantismo. A partir de 1881 adotar-se-á uma poli- tica de radical russificação em relação às nacionali- dades não-russas. O ensino, a justiça, o teatro, a literatura, sô poderão exprimir-se em russo. O acesso ao funcionalismo será reservado a russos ou a “aló- genos” devidamente russificados. O desenvolvimento do capitalismo industrial não atenuará o processo, Nas novas cidades indus- triais do Cáucaso, da Ucrânia etc., a maioria dos quadros dirigentes e a maioria dos operários quali- a - A Revolução Russa: 1917-1921 17 ficados é de origem russa, reservando-se aos não- russos as tarefas mais penosas e degradantes. Em. muitas regiões, de desenvolvimento recente, a con- tradição entre o campo e a cidade será recoberta pela contradição entre russos e não-russos, Além disso, as migrações de camponeses russos, estimuladas pelo Estado, formarão verdadeiras “colônias” nas regiões anexadas, expulsando-se os “alógenos” das melhores terras. A opressão das nacionalidades não-russas re- cebe a cobertura da ideologia nacionalista grã-russa: justifica-se o processo pela superioridade “natural do povo russo, celebrado por sua “destinação di- vina”, O Estado czarista dirige o expansionismo que é, aliás, uma das condições de sua existência. A análise desta todo-poderosa autocracia é importante para a compreensão da Rússia anterior à revolução de 1917, O Estado czarista surge no decorrer do século XV no contexto da luta contra a dominação mongol, À sua história é uma história de sucessivas guerras de defesa e de conquista, através das quais se forta- lecerá seu caráter centralizado e despótico. A própria nobreza se tornará dependente das políticas estatais e, com o tempo, o Estado se reservará o direito de atribuir terras é títulos nobiliárquicos. Cria-se igual- mente a nobreza de serviço formada pelos funcioná- rios que atingem um determinado grau na hierar- quia, 18 Mais tarde, o Estado czarista desempenhará pa- pel decisivo na abolição da servidão, ou seja, na constituição do campesinato como classe livre pe- rante a lei, e no desenvolvimento do capitalismo na Rússia. A sombra do Estado russo se ergue assim por sobre as classes dominantes do Império, conforman- do-as como classes estruturalmente acanhadas do ponto de vista político. Isto é particularmente verda- deiro em relação à burguesia, sem tradição, sem perfil próprio, como que envergonhada de si mesma, sempre debaixo do manto protetor do ezarismo. O regime político czarista é ditatorial. Preva- lecem os instrumentos jurídicos de exceção, como o Estado de Sítio, promulgado em 1881, ou o Estado de Proteção Reforçada, de 1883, que vigorarão até 1917 e que significam: ausência de liberdades indi- viduais, julgamento de causas civis por tribunais mi- litares, penas de prisão ou de exílio por decisão admi- nistrativa, censura à imprensa. O ensino é elitista e estritamente controlado. Os órgãos estatais não passam pelo crivo das eleições. O Conselho de Ministros é responsável pe- rante o czar, o mesmo acontecendo com os governa- dores das províncias, O ezar governa por decretos — osukazes — insuscetíveis de questionamento, As únicas estruturas que oferecem um certo con- trapeso ao absoluto poder do czar foram criadas por pressão da nobreza e da burguesia urbana: são as assembléias distritais é provinciais (os zemsiívos, que datam de 1864) e as assembléias municipais (as du- mas, instituídas em 1870). Mas o poder de tais orga- Daniel Aarão Reis Filho | A Revolução Russa: 1917-1921 19 nismos é limitado. Depois de 1905, pressionado pelo movimento revolucionário, o czarismo criará um par- lamento nacional ou Duma Imperial. Mas nunca se afirmará, não passando de um arremedo dos parla- mentos burgueses da Europa ocidental, sempre to- lhido e ameaçado pelo regime repressivo. O Estado apóia-se na burocracia civil e militar. Todos os funcionários são nomeados e não se sujei- tam a nenhum tipo de controle. A corrupção, a arro- gância e a brutalidade são características típicas da burocrácia russa. O exército é numeroso, mas débil. A estrutura econômica da Rússia determina a fraqueza de suas forças armadas em relação aos países capitalistas europeus. O capitalismo alterou a dinâmica das guerras convencionais. Elas passam, cada vez mais, a depender da estrutura produtiva de cada país: canhões, armas, munições, uniformes, botas, trans- portes, navios etc., dependem de um parque indus- trial e influem mais no destino deste tipo de guerra que o gênio dos generais. Mas o exército é eficaz na repressão aos campo- neses, aos operários e às nacionalidades não-russas. Nesta função é auxiliado pela polícia política — a Okhrana, abreviatura das “Seções para a proteção da ordem e da segurança públicas”, criadas em 1883 — e pelos regimentos cossacos, especialistas na repressão às revoltas populares, Outra instituição que contribui para à ordem pública é a Igreja Ortodoxa. Dirigida por um Santo Sinodo, sediado em Petrogrado, a Igreja é contro- o A REVOLTA CONTRA O CZARISMO Os movimentos sociais camponeses e operários constituem o aspecto mais importante na luta contra o czarismo. Mas a insatisfação com o regime atinge as próprias elites sociais, principalmente a intelec- tualidade. A perspectiva de uma revolta camponesa atemo- rizava os senhores de terra e o Estado czarista. O programa do movimento camponês em fins do século XVIII, liderado por Pugatchev, propunha a distri- buição de terras, o extermínio dos nobres, a abolição da servidão e dos impostos e a libertação das nações oprimidas. Muito depois de ter sido aniquilado, per- manecia como um tema obsessivo das elites sociais. Os camponeses voltariam a ameaçar quando da reforma que aboliu a servidão. Em 1858, registra» ram-se sublevações em 25 províncias. Depois da re- wo +! A Revolução Russa; 1917-1921 23 forma as revoltas explodiriam em várias regiões con- tra as modalidades de distribuição das terras, contra o pagamento dos impostos e das prestações. Na pro- víncia de Kazan, 300 camponeses são massacrados em Bezdna. Mais de metade das Comunas Rurais serão definidas por ato unilateral das autoridades — os camponeses recusavam-se a assinar as “Cartas Regulamentares” que as instituíam. Em 1891, o movimento camponês voltaria a se manifestar contra a obediência às leis e às autori- dades. Em 1902, registram-se revoltas nas províncias de Poltava e de Kharkov. Em 1904-1905, durante a primeira fase da revolução, os camponeses se levan- tariam em torno de suas reivindicações: terras, me- nos impostos, melhores condições de vida. As contradições no campo criam um clima endê- mico de revolta, Isto não significa que a ordem cza- rista estivesse sempre periclitando, As revoltas eram violentas, mas rápidas e localizadas, e a força do mito cezar-paizinho induzia à resignação depois das bruscas explosões. Entretanto, a incapacidade do Estado em tomar iniciativas reformistas de longo alcance amadurecia a possibilidade que os senhores de terra mais temiam: a revolta generalizada do mo- vimento social camponês. O movimento das nacionalidades não-russas as- sume também um caráter de luta camponesa, mas combina as reivindicações por terra com aspectos nacionais. Elementos da intelectualidade integram- se à luta, mas a participação das elites nobres e burguesas é episódica: a dominação aproximava tais Daniel Aarão Reis Filho setores, na condição de sócios menores, da nação russa opressora. A política de russificação adotada pelo czarismo condiciona as formas de luta: revoltas pela retomada das terras concedidas aos colonos russos; pela utili- zação da língua nacional nos atos jurídicos e admi- nistrativos, no teatro e na literatura; pela organi- zação do ensino na língua materna; pela defesa dos valores, das tradições, da religião, espezinhados pelo nacionalismo grão-russo. A questão nacional também se manifestaria na organização dos partidos operários. Os primeiros partidos social-democratas foram formados por van- guardas não-russas; o Partido Social-Democrático do reino da Polônia, em 1893; a União Geral dos Traba- lhadores Judaicos — o Bund, em 1897.-0 próprio POSDR — Partido Operário Social-Democrático da Rússia — enfatizaria no nome o objetivo de reunir operários de todo o Império. As nacionalidades não-russas participariam do processo de 1905, e com tal vigor, que se tornou impossível, desde então, ignorar suas reivindicações. O movimento operário começa a aparecer em meados do século XIX, As primeiras manifestações parecem revoltas camponesas — explosões de vio- lência, execução de patrões, destruição de máquinas, As manifestações acabarão inspirando a formação das primeiras organizações, como a União Seten- trional dos Operários Russos, dirigida por dois ope- A n A Revolução Russa: 1917-1927 rários qualificados, Khalturin e Obnorski, Na década de 80 do século XIX, o movimento adquirirá maior consistência. A greve nas fábricas Morozov, na província de Vladimir, em 1885, mar- cará a transição para um estágio mais avançado: fixação de programas reivindicatórios, greves ma- ciças e prolongadas, articulação com outros setores sociais etc. O primeiro ascenso significativo se verificará en- tre 1894 e 1897. Os operários têxteis de Petrogrado se destacarão em 1896 — 40 mil grevistas, alcançando um ligeiro aumento salarial e a redução da jornada de trabalho de 14 para 12 horas. O Estado czarista recusava-se a admitir a existência dos operários, mas a revolução de 1905 mostraria que era impossível ignorá-los: 1843000 grevistas em 1905, 1 191000 em 1906-1907, Entre 1908 e 1911, prevalece a contra- revolução: 113 mil grevistas em 4 anos. Mas o movi- mento ressurgiria desde 1912 com o novo surto de desenvolvimento industrial: 1052000 grevistas em 1912/1913, e cerca de um milhão no primeiro semes- tre de 1914. Não se esqueça o fato de que as greves eram proibidas na Rússia e que elas não resumem o conjunto do movimento, mas indicam apenas formas extremas de manifestação. Os operários russos acumularão notável expe- riência de luta e organização, sendo responsáveis pela criação dos soviets (conselhos) de deputados operários, em 1905. = e ("pr e Daniel Aarão Reis Filho japonês sobre a Coréia, O czar perdia a face, mas não o trono. O exército, batido e desmoralizado nos cam- pos de batalha, teria oportunidade de recuperar o moral reprimindo o povo desarmado nas ruas, A crise do poder estimulara o movimento popu- tar, Em outubro, há uma nova onda de greves, Os operários criam os soviets, Em Petrogrado, 550 de- putados representam 250 mil operários. Mas, concluída a paz, o poder se reorganiza: as milícias paramilitares das Centúrias Negras promo- vem atos terroristas e, na frente política, o czar deci- de-se, afinal, por concessões: o manifesto imperial de 30 de outubro de 1905 promete respeito pelas liber- dades individuais, a convocação de uma Assembléia — à Duma pan-russa — e uma reforma agrária. O manifesto e as promessas atenuam o ritmo do movi- meato social, em declínio desde o anúncio da paz. Os setores liberais recuam para uma posição de expec- tativa. Os marinheiros de Kronstadt e de Sebastopol voltam à luta em novembro, mas são vencidos, O czarismo percebe o declínio do movimento e ataca o núcleo de suas organizações: em dezembro, dissolve os soviets. Em Moscou, porém, houve resistência. O soviet local proclama a insurreição contra a autocracia, Durante 14 dias, de 19 de dezembro de 1905 a 2 de janeiro de 1906, isolados, os operários controlarão à cidade e resistirão às investidas do exército. Serão por fim esmagados. Terminava no sangue, como se iniciara, o processo revolucionário de 1905. A Revolução Russa 1917-1921 Restabelecida a ordem, o ezarismo restringiria 0 alcance das promessas. As Leis Fundamentais, ou- torgadas em maio de 1906, proibiam a Assembléia de influir no orçamento e na política externa e manti- nham o governo responsável apenas perante o czar, que teria o direito de dissolver a Duma, Quanto à reforma agrária, o programa de Stolypin beneficiaria de fato uma pequena camada de camponeses ricos. O processo de 1905 revelara a timidez política da burguesia e dos setores liberais. Mostrara que os operários isolados não teriam chances de enfrentar com êxito o Estado, A convergência dos camponeses e das nacionalidades não-russas provara-se indisper- sável para derrubar o sistema, O processo de 1905 ainda criara a experiência dos soviets. O mundo voltaria a ouvir falar destes órgãos de poder popular. Finalmente, a guerra surgira como fator determi- nante na desagregação do regime. A guerra, mais do que as crises econômicas, fora o grande acelerador da revolução na Rússia, O ezarismo saía vencedor do embate, Mas não extirpara as contradições sociais que haviam produzido a revolução nem aniquilara os partidos políticos populares. As correntes políticas: populismo e marxismo As correntes políticas de oposição ao regime diferiam em objetivos e organização, mas as cireuns- Daniel Aarão Reis Filho tâncias em que lutavam impunham aspectos co- muns: a fragilidade da democracia interna, deter- minada pela clandestinidade em que agiam, o exílio dos dirigentes de primeira grandeza e a presença maciça de elementos oriundos da intelligentsia em seus aparelhos de direção. O populismo é a corrente de maior tradição, Herzen e Tehernychevski formularam nos anos 60 as suas duas grandes teses: a via russa para o socialismo passava pela Comuna Rural e os camponeses seriam os agentes do processo, cabendo aos intelectuais edu- cá-los e organizá-los. Estas idéias deram um fruto partidário: a organização Terra e Liberdade que não sobreviveu à desconfiança do camponês e à eficiência da polícia política. Os anos 70 trariam novos teóricos e organiza- ções. Para Bakunin o povo era socialista por instinto e revolucionário por natureza. Cabia aos intelectuais dirigi-lo e derrubar o ezarismo, ajudando a formar uma federação de Comunas Rurais com um mínimo de aparelhos centrais. Lavrov aconselhava um tra- balho de propaganda de longo prazo. Já Tkatchev insistia em uma organização sólida. Em 1874 um movimento de estudantes e intelectuais de “ida ao campo” para “conhecer o povo” cunharia o nome “populismo”, de narod, povo. A tentativa fracassa frente à desconfiança do camponês e à ação policial. Atribuindo a má sorte à falta de organização, um grupo de intelectuais reconstruiria, em 1876, a Terra e Liberdade. O deslocamento para o campo seria mais bem organizado, Os militantes iriam como A Revolução Russa: 1917-1921 médicos, parteiras, professores, formariam coopera- tivas para influenciar o camponês. À organização, com o tempo, dividiu-se em duas vertentes: a Par- tilha Violenta, dedicada à propaganda, e o Comitê Executivo, depois chamado A Liberdade do Povo, especializado na eliminação de autoridades, Chega- rão a justiçar um czar, Alexandre II, em 1881, Mas ambas as vertentes acabarão dissolvidas. O movimento de ida ao campo renasceria em 1891, também sem êxito. Apareceu então o popu- lismo legal, pregando o caminho da persuasão, mas a proposta não vingou porque o ezarismo não era sen- sível ao diálogo. Em 1897, um grupo de Kiev adotará o nome de Socialistas-Revolucionários. Depois de várias tenta- tivas, será formalmente fundado o Partido Socialista- Revolucionário em 1901. Trata-se de uma confede- ração de grupos locais, admitindo-se todas as varian- tes do populismo, inclusive os partidários da ação direta. Os SRs aceitam as reivindicações democrá- ticas e propõem uma frente ampla de classes para vencer o ezarismo. Sua base social é formada por camponeses médios e ricos é por intelectuais de clas- se média que trabalham no campo — médicos, agrô- nomos, funcionários etc. Apesar de repetidos cismas, será o partido mais numeroso da Rússia e, o que é mais significativo, com fortes raizes no mundo rural. O marxismo surge como partido em 1883, com a fundação do grupo Emancipação do Trabalho, dirigido do exílio por G. Plekhanoy, V. Zassulitch e P, Axelrod, egressos do populismo. Parte da pre- ad Daniel Aarão Reis Filho desde 1900, dois órgãos de divulgação: o semanário Iskra — a Centelha — e a revista teórica Zarya — Aurora. Iskra lutava por um partido da classe ope- rária, por um programa político próprio e pela inter- venção simultânea nas lutas econômicas e políticas. Embora a revolução russa estivesse numa fase bur- guesa, a classe operária deveria ter uma organização política independente. Lenin defenderia em Que Fa zer?, publicado em 1902, um partido de revolucio- nários profissionais, que formularia a teoria revolu- cionária, sem a qual não haveria movimento revolu- cionário, é ganharia a classe operária para suas teses, pois a teoria vinha de fora para dentro da classe, Esta, deixada à luta espontânea, deslizaria inevi- tavelmente para o sindicalismo burguês. a a 1903, reunir-se-ia o Il Congresso do POSDR, no exílio. O programa da revolução foi aprovado sem dificuldades; a Rússia vivia a fase burguesa de sua revolução, tratava-se de derrubar à autocracia e con- vocar a Assembléia Constituinte. Mas não se chegou a um acordo quanto à organização partidária. Lenin propunha uma organização sólida, restrita, secreta, profissional, centralizada e disciplinada como um exército. A maioria inclinava-se por uma organiza- ção mais fluida, a exemplo da social-democracia eu- ropéia. Lenin perdeu por poucos votos, mas conse- guiu, no final, maioria para à eleição dos órgãos dirigentes do partido em função da retirada de vários delegados em protesto contra outras resoluções do Congresso. Esta maioria conferiria à tendência leni- nista o nome de bolcheviques — de bolche, maioria A ge Vince ato DR == se oa A Revolução Russa; 1917-1921 —, em contraposição ao grupo de Martov, chamado de menchevique, de menche, minoria. Mas Lenin perderia em seguida o controle orgânico do partido. Em 1904, fundaria um outro órgão, o Avante!, con- sumando a divisão do POSDR em duas tendências. Os marxistas participariam do processo de 1905, go desafio prático da revolução reaproximaria bol- cheviques e mencheviques. A reunificação veio em abril de 1906. Mas a vitória da contra-revolução e o retorno ao exílio dos principais dirigentes trariam à tona as velhas divergências. O balanço de 1905 acres- centaria novas contradições. Todos ressaltavam a inapetência revolucionária da burguesia, Mas os mencheviques deduziam daí a imaturidade do capi- talismo e reafirmavam o programa de 1903: pensar em socialismo na Rússia era um delírio utópico. Le- nin tirava outras lições: a fraqueza da burguesia impunha ao proletariado assumir as tarefas demo- cráticas da revolução burguesa. Lenin definia duas etapas: na primeira, o proletariado se aliaria ao con- junto do campesinato, neutralizaria a burguesia e derrubaria a autocracia. Na segunda, o proletariado se aliaria aos camponeses pobres, neutralizaria os camponeses ricos e abateria a burguesia. O processo seria ininterrupto e o tempo entre as duas etapas ficaria na dependência da correlação de forças polí- ticas e sociais. À fórmula, engenhosa, seria extre- mada por L. Trotsky: a experiência de 1905 demons- trara o trânsito inevitável entre as etapas burguesa e proletária da revolução, A classe operária dirigiria a primeira, realizaria as tarefas burguesas e, ato 36 Daniel Aarão Reis Filho q A Revolução Russa: 1917-192] 37 contínuo, conduziria a sociedade para o socialismo. Ou revolução socialista ou contra-revolução. Trotsky chamou o processo de “revolução permanente”. Em dois aspectos, porém, Lenin e Trotsky esta- vam de acordo: a revolução só venceria com o apoio do campesinato russo e da revolução socialista nos países capitalistas europeus, principalmente na Ale- manha, As divergências voltariam a separar bolchevi- ques e mencheviques. O processo se consumaria em janeiro de 1912, quando os bolcheviques decidem, dirigidos por Lenin, formar um comitê central para a sua tendência. Às vésperas da I Grande Guerra, bolcheviques e mencheviques tinham bases operárias nos grandes centros industriais, mas nenhuma importância no mundo rural. O POSDR formava um experimentado estado-maior revolucionário, mas nenhum dirigente talvez suspeitasse que a revolução socialista se aproxi- mava, em tão curto prazo, como uma tarefa imediata. O quadro dos partidos ficaria incompleto sem as tendências liberais da burguesia e da nobreza, Atua- vam nos zemstvos e nas dumas, exprimindo-se atra- vés de revistas e sociedades científicas, Em 1902 sur- ge a revista Libertação. Em 1903 forma-se a União de Libertação, reivindicando uma assembléia repre- sentativa e liberdades democráticas. Em 1905, os liberais organizariam dois partidos principais: os Constitucionalistas Democráticos, ou Kadetes, de K e D, iniciais russas do nome, e os Outubristas, assim chamados por aceitarem os ter- mos do manifesto czarista de outubro. O seu raqui- tismo político se evidenciaria no decorrer da guerra e, principalmente, em 1917,