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trata de um ensaio, ano 2020, o pois nesses últimos anos o brasil passou por muitas transformações.
Tipologia: Esquemas
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Não perca as partes importantes!
“[...] SE ALIENAR DAS pautas teológicas é não entrar na disputa pelos termos e semânticas que envolvem a fatia fundamental da população brasileira. Este é o problema chave dos setores progressistas hoje: não se atentam que as periferias suspiram teologias”.^2
As eleições presidenciais de 2018 marcaram, até aquele momento, a derrocada do Partido dos Trabalhadores (PT). Luiz Inácio Lula da Silva, presidente do país por dois mandatos (2003-2011), estava preso, acusado de envolvimento no que foi considerado pela Polícia Federal como o maior esquema de corrupção da história do país e pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos como o maior caso de suborno internacional da história mundial. Dilma Rousseff, continuadora do governo de Lula (2011-2016), tinha sofrido um espalhafatoso processo de impeachment por ter usado o dispositivo das “pedaladas fiscais” como nenhum outro presidente anterior, sem possuir o nível de aceitação política comum a grande parte dos presidentes antecedentes. Diante desse cenário, Fernando Haddad, ex-prefeito da cidade de São Paulo (2013-2017), apareceu como candidato do PT e as pesquisas de intenção de voto apontavam forte possibilidade de vitória. Nesse cenário, os partidos de oposição temiam ver novamente a máquina estatal nas mãos do que estava sendo considerado o “partido mais corrupto do Brasil”. Quem poderia vencer o PT nas eleições? Os candidatos eram virtualmente inexpressivos em comparação ao domínio de quem havia ficado treze anos no poder. Eu estava no intervalo de uma das aulas da pós-graduação em economia política quando Eduardo Bolsonaro falava da candidatura
de seu pai. Foi surpreendente quando, no primeiro dia de aula, descobri que ele seria meu colega de sala por 18 meses. Foi em um domingo de aulas, em um módulo que ele obviamente faltou, que o assisti na TV votando sim pelo impeachment na câmara dos deputados: “pelos militares de 64, hoje e sempre, pelas polícias, em nome de Deus e da família brasileira”. Nos corredores, ouvimos dele muitos bastidores de Brasília, podres de todo político que você puder imaginar e defesas da idoneidade do pai – Jair Bolsonaro. No começo, ninguém levou muito a sério a propaganda apaixonada do filho sobre a candidatura do pai ao mais alto cargo do país. Bolsonaro não parecia ter relevância ou capilaridade para ser eleito presidente. Ele movia a internet e caía na nossa simpatia por ser uma das poucas vozes de oposição política à esquerda, dominante na época. Presidente? Parecia mero arroubo de megalomania. Mas o tempo foi passando, as decisões políticas foram montando um cenário particularmente intrigante que culminaram na campanha eleitoral e eleição de Jair Messias Bolsonaro presidente do Brasil em 2018. Eu posso contar pelo menos meia dúzia de colegas de sala que receberam cargos no começo do governo, principalmente dos que se definiam como “os conservadores” da turma, em contraste com a maioria mais puramente liberal em sentido estrito. Em meio a tudo isso, eu apenas assistia de longe. Os fatores que explicam a eleição de Jair Bolsonaro têm sido elencados em diversas obras, e esta não é minha intenção aqui. Nem desejo tratar todos os apoiadores do governo Bolsonaro como igualmente sujeitos ao que vou apresentar nas próximas páginas. Meu objetivo é demonstrar como o movimento bolsonarista padece dos males da idolatria política e da adoração civil. Minha preocupação também não é definir o melhor candidato para as próximas eleições. A questão é uma somente: como os fenômenos das religiões civis se manifestam no atual governo? Ou seja: não pretendo discutir sobre em quem você vota, mas a quem você se devota. Meu questionamento não é estritamente eleitoral. Não importa quem era a melhor opção em 2018. Eu mesmo votei em Bolsonaro no primeiro e no segundo turnos. Coloquei em primeiro lugar no Em Alta do YouTube minha comedida e desesperançosa declaração de
“BRASIL ACIMA DE tudo, Deus acima de todos”. Foi com esse slogan de campanha que Jair Messias Bolsonaro foi eleito presidente do Brasil em 2018. Dizendo-se cristão e, por vezes, rejeitando o conceito de estado laico (“não tem essa historinha de Estado laico, é Estado cristão”) — discurso que foi modificado após a eleição (“o Estado é laico, mas nosso governo é cristão”) —, Bolsonaro representou o culminar da mais poderosa e ampla teologia política da história do Brasil recente. Por mais que outros partidos tivessem suas bases religiosas e seus teólogos oficiais, ainda que idolatrias cerquem todo o cenário político eleitoral do país desde que se possa recordar, ninguém escalonou o messianismo como o Messias de 2018. Depois que Bolsonaro sofrera um atentado a facada quase fatal durante a campanha, em 6 de setembro de 2018, não poucos perfis começaram a tratar o presidenciável como uma espécie de mártir. O crime que sofreu não foi interpretado como uma ação isolada de um louco que dizia agir a mando de deus, mas sim fruto de uma conspiração globalista contra a vida do candidato. Fortaleceram-se cada vez mais narrativas religiosas que elevavam Bolsonaro a um tipo de Cristo. Páginas em redes sociais começaram a compartilhar frases como “ele sangrou por nós” ou “ele sangrou por ti”. Convites para manifestações de rua em apoio ao governo traziam essas frases e uma imagem do presidente nos braços do povo. Outras imagens mostravam Bolsonaro afundando em um mar enquanto Jesus o segurava pela mão, em referência ao momento bíblico de Pedro andando sobre as águas, com os dizeres vindo da boca do Cristo: “Segure em minha mão, capitão... ainda temos que salvar um
país inteiro”. Ou seja, Bolsonaro estaria salvando o país tanto quanto, e ao lado de, Jesus. Essas divinizações não foram mera ferramenta em busca de votos, mas permaneceram como parte da narrativa de validação do governo após as eleições. Roberto Jefferson, presidente do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), foi ainda mais longe nas metáforas religiosas quando postou dia 21 de julho de 2020 no Twitter que a direita está unida por Cristo. Ele também fez um paralelo constrangedor com a doutrina cristã da Trindade: “Sentada à direita de DEUS PAI todo-poderoso. Nossa trindade é Pai, Filho e Espírito Santo. Messias Bolsonaro é nosso Líder. Devemos poupá-lo e lutar por ele. Nós brigamos, ele governa. Trindade; ele é o líder, nós os liderados. O céu [é] nosso teto”.^3 Nessa pantomima, Bolsonaro seria o Deus Pai de uma trindade política em que os outros políticos menores seriam inferiores e subordinados – o que corrompe o próprio significado teológico de Trindade. Em almoço com artistas no dia 28 de janeiro de 2021, antes de Bolsonaro mandar jornalistas “enfiar no rabo” latas de leite condensado (o governo estava sendo questionado por gastar R$ 15 milhões com leite condensado), Roberto Jefferson comparou aquela refeição com o presidente à Eucaristia, a Santa.^4 Ceia cristã onde a presença de Cristo é recebida em um momento de alimentação com pão e vinho simbolizando o corpo e o sangue de Jesus.^5 Além disso, cantou o famoso louvor cristão Agnus Dei , cuja letra diz: “Aleluia / Santo, santo / É o Senhor Deus poderoso / Digno de louvor / Tu és santo, santo”, em louvor ao próprio presidente. Ele mesmo declara sua intenção ao compartilhar a filmagem no seu Twitter, dizendo: “ Agnus Dei , Aleluia em louvor ao Presidente Bolsonaro”.^6 Como o presidente pode estar sendo louvado com uma canção sobre a santidade de Deus? Isso não foi exclusividade de Roberto Jefferson. Quando Ernesto Araújo, então chanceler, foi questionado por Joel Pinheiro da Fonseca, na edição de 01/02/2021 do Morning Show , da Jovem Pan, sobre sua presença neste momento vergonhoso, não apenas gargalhando do presidente mandar a imprensa enfiar leite condensado naquele lugar, mas de entoar com os presentes o grito de “Mito! Mito! Mito!”, ele respondeu que “essa ideia de o povo
líder político Jair passa a ser incorporado à relação profética da igreja, tornando-se o líder religioso Jair. Depois de Bolsonaro convidar aqueles que tinham fé para um jejum nacional no dia 5 de abril de 2020, a pedido desses pastores, o canal de TV da Igreja Batista Getsêmani vinculou um vídeo com os mais proeminentes pastores evangélicos do país, das mais variadas denominações, de presbiterianos a neopentecostais, comparando Bolsonaro com Josafá quando este conclamou um jejum por todo o reino de Judá. Diz a narração: “Os maiores líderes evangélicos deste país atenderam à proclamação santa feita pelo chefe supremo da nação, o presidente Jair Messias Bolsonaro”.^10 O próprio presidente compartilhou o vídeo de uma jovem pregadora deficiente visual que viajou três dias de ônibus para lhe entregar profecias de que Deus o estava protegendo e validando, pois “Deus mandou falar para o senhor que tu és o escolhido dele”. A grande maioria dos quase quatro mil comentários do vídeo são de pessoas concordando, usando expressões de cunho religioso.^11 Em outro momento, alguém que se apresenta como apóstolo e diz que está representando os cristãos do Brasil, se refere ao governo como “o governo de Deus que está sobre ti nesta nação”.^12 Os exemplos são incontáveis. O apoio incondicional e religioso ao presidente se manteve explícito nos grupos católicos tradicionalistas e nos movimentos neopentecostais, mas foi encontrado também em evangélicos tradicionais. Pastores reformados passaram a diminuir o número de postagens bíblicas em suas páginas nos Facebook e Instagram para comentar notícias que sempre privilegiavam as posturas e ações do presidente. Pedidos públicos de oração e jejum se intensificaram, não com o agravamento da pandemia, mas com a anulação dos processos da Lava-Jato em que Lula havia sido condenado, tornando-o elegível novamente. Os discordantes, que defendiam distanciamento social durante a pandemia ou críticos às posturas do presidente, precisavam ficar calados para não perderem apoio ministerial. É notável que, enquanto na tradição profética do Antigo Testamento os profetas geralmente tinham mensagens de juízo sobre os líderes políticos, os autoproclamados profetas modernos
se limitem a elogiar e apoiar o presidente com suas mensagens. Estamos voltando, certamente, ao cenário condenado pelo próprio Deus por meio do profeta bíblico Jeremias: “Tenho ouvido o que dizem aqueles profetas, proclamando mentiras em meu nome, dizendo: ‘Sonhei, sonhei’. Até quando acontecerá isso no coração dos profetas que proclamam mentiras, que proclamam só o engano do próprio coração? (Jeremias 23.25-26). Os cristãos precisam lembrar que somos ensinados a sempre julgar e avaliar qualquer mensagem profética para considerarmos se aquilo é verdadeiro ou não, protegendo-nos de quem ensina falsidades em nome de Deus (1Coríntios 14.29). Acreditar em qualquer um que fale em nome de Deus é esquecer que Cristo alertou sobre muitos virem profetizando mentiras em seu nome (Mateus 24.4-24). As profanações não acabam por aí. O apóstolo Renê Terra Nova, líder do Movimento Internacional da Restauração, levou um grupo de fiéis para se batizarem no rio Jordão, em Israel. No ato, a disposição dos batizados formavam o número 17 – à época, número do partido do candidato.^13 Ao microfone, há o brado: “Qual o nosso número?”, e a resposta também é aos brados: “dezessete!”. Novamente, perguntam: “Qual o nome do nosso líder?”, e a resposta é: “Bolsonaro!”. “Presidente da república?”, pergunta-se definitivamente, e “Bolsonaro!” é novamente a resposta. Todos então começam a entoar “Mito! Mito! Mito!”, ainda nas águas do batismo.^14 O batismo é um dos principais símbolos do cristianismo como representação da morte e ressurreição do convertido ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo. Simboliza a morte e a ressurreição do crente para uma nova vida em Cristo. Aqui, o símbolo é ressignificado para que represente, também, um ato profético em favor do presidente. Um ato de profanação religiosa que deveria ofender qualquer espírito cristão, que não se deu apenas no batismo, mas em sua díade, a ceia. Assim como o batismo, a Santa Ceia (ou Eucaristia) é um símbolo profundo e santo do cristianismo, reservado apenas aos que vivem intimamente a vida de igreja. Comunidades protestantes tradicionalmente rejeitam a comunhão eucarística com católico- romanos, mórmons e Testemunhas de Jeová. Mesmo assim, em um culto de Santa Ceia realizado pela bancada evangélica, o presidente
exame ou julgamento da figura de liderança. Silas Malafaia, por exemplo, em uma de suas falas mais famosas, disse:
Quem é que toca no ungido do Senhor e fica impune? Ungido do Senhor é problema do Senhor, não teu. Teu pastor é ladrão? É pilantra? Você não está gostando? Sai de lá e vai pra outra igreja. Não se mete nisso, não, porque não é da tua conta. Cai fora. Vai embora [...] Só não arruma problema. Não toca em ungido [...] Rapaz, aprenda isto: eu já vi gente morrer por causa disso, meu irmão. [...] Quem é você para julgar um pastor ladrão, afinal?^20
Não apenas Malafaia prega esta postura de total e absoluta complacência aos “ungidos”. Essa é uma doutrina padrão nos círculos neopentecostais e é propagado em congressos pelas mais variadas lideranças. Versos bíblicos que eram usados contra o assassinato de líderes civis escolhidos por Deus em um contexto israelita passam a ser aplicados ao juízo moral até mesmo de pastores ladrões. Aplicado a uma figura civil, este conceito cobra um tipo perigoso de subserviência estatal. Esse tipo de postura não aconteceu à revelia da vontade do presidente. Bolsonaro se vendeu várias vezes como um bom cristão em discursos e em redes sociais. Podemos encontrar em suas redes postagens com versículos, clamores pela bênção de Deus, alianças com líderes evangélicos e fotos em momentos de oração. Não foram poucas as vezes que Bolsonaro “aceitou Jesus”, termo comum nos círculos protestantes para se referir à conversão à fé cristã. Ele o fez ao ser batizado no rio Jordão pelo Pastor Everaldo em 2016, no culto de ação de graças do Planalto, no fim de 2019 e, no começo de 2020, no megaevento cristão The Send. Essa é uma prática comum no ambiente político.^21 No entanto, Bolsonaro levou essa profanação aos símbolos de fé a um novo nível. No dia 12 de abril de 2020, domingo de Páscoa, ele comparou a facada que recebeu com a morte e ressurreição de Cristo Jesus.^22 Fábio Py, doutor em teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, escreveu que a “alegoria da Páscoa fora utilizada para uma
nova construção da imagem de Bolsonaro, a do servo sofredor que venceu a morte para defesa da nação”.^23 A melhor forma de descrever o comportamento teológico-político do bolsonarismo é como profanação messiânica. Mesmo que muitos tenham tentado usar a igreja para conseguir votos, a profanação dos símbolos religiosos do cristianismo para fins políticos e a exaltação de Bolsonaro como uma figura ungida e profética inundou a campanha de Bolsonaro de modo diferente – muito mais constante, muito mais espiritualista, muito mais profético. Ele se batizou sem se converter, aceitou Jesus meia dúzia de vezes, falou em cultos sem pregar a Palavra. Ele tomou nossos símbolos e fez deles arma de troca eleitoral. Usou o nome de Deus em vão em sua campanha e em seu governo. Repetem amiúde que Bolsonaro é cristão, ainda que não frequente fielmente qualquer igreja, que não esteja sujeito a qualquer liderança pastoral, que esteja no terceiro casamento, ainda que fale com violência e vulgaridades irreproduzíveis, ainda que seja acusado de vários atos de corrupção etc. Bolsonaro fala em Deus frequentemente porque sabe que seus eleitores são religiosos, mas ele mesmo não possui compromissos reais de fé. Ele possui algumas pautas que coincidem com a agenda religiosa, como ser contra o aborto, mas possui várias outras políticas anti-Deus: por exemplo, deixou crianças sem oxigênio em UTIs pelo Brasil pela negligência no trato com a pandemia de 2020. Pastores poderosos se deixam levar pela atenção dada pelo Presidente e fazem campanhas em seus cultos. Justificam as agressividades incompatíveis com o evangelho de Cristo comparando Jair com o apóstolo Pedro, que tinha um comportamento também irascível, ignorando que Pedro foi transformado por Cristo e assumiu comportamentos diferentes como líder público em Atos e em suas epístolas. Bolsonaro não é cristão — pelo menos não é mais cristão que qualquer crente nominal que viva elogiando Jesus e negando seus ensinos. Jesus disse que quem o ama guardaria seus mandamentos (João 14.21). Bolsonaro não ama a Cristo; Bolsonaro não demonstra Jesus em sua vida; Bolsonaro não parece seguir a Deus em suas políticas; Deus, para ele e sua equipe, é um mero slogan
e complexos, e é um dos principais responsáveis pela divulgação do complexo filósofo holandês Herman Dooyeweerd no Brasil. Autor de textos sobre cristianismo e idolatria política e crítico de muitos aspectos do que se tornaria o governo Bolsonaro, tornou-se Diretor de Promoção e Educação em Direitos Humanos no Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos sob o governo bolsonarista. Esta era uma experiência intrigante para outros teólogos. Por mais que pastores diversos estivessem envolvidos com o governo, poucos teólogos tradicionais críticos dos estatismos de esquerda e direita podiam agir no governo a partir de dentro. Após alguns meses, no entanto, Guilherme de Carvalho decidiu deixar o governo. Além das várias entrevistas que deu, publicou um artigo chamado “O Nome de Deus no Governo Bolsonaro: uma crítica teológico-política”,^25 onde apresenta, entre outras narrativas teológico-políticas, motivos pelos quais o bolsonarismo se tornou incapaz de representar os valores cristãos no mundo público. Primeiramente, Guilherme acusa o governo de um “espírito revanchista e cheio de ressentimento”. Esse espírito não permitiria qualquer movimento em direção ao diálogo ou à reconciliação, demonstrado claramente “na queima de reputações, na incivilidade no debate público e na incapacidade de construir círculos de cooperação a despeito das divergências”. Isso constituiria, então, a “clara negação do espírito Cristão que, segundo o exemplo de Cristo, promove a pacificação, a tolerância na diferença e a comunicação genuína”. Diante desse tipo de postura emocional , Guilherme conclui que o “ pathos do atual governo não é cristão”. O segundo pecado político do bolsonarismo seria “o desprezo pelas instituições e a tentativa de governar manipulando as massas contra outras autoridades públicas”, em um terrível autoritarismo que manifesta “o mesmo método neopopulista renovado pelas esquerdas” nos governos anteriores. Segundo Guilherme de Carvalho, isto seria tanto estimulado quanto tolerado pela presidência da república, com “claros gestos de idolatria política, oriundos da extrema direita e de apoiadores radicais”, negando a “visão cristã do poder político”. O terceiro pecado do bolsonarismo estaria relacionado ao que já apresentamos anteriormente, “o desprezo pela imprensa e pela
comunidade acadêmica e científica e o esforço para desqualificar a autoridade desses campos”. Para o Rev. Guilherme, isto “se mostra uma perigosa faceta do autoritarismo”. Ninguém nega que vários setores da imprensa carecem de ética profissional e cometam fraudes variadas, e que o ambiente acadêmico tem carências muito sérias no Brasil. No entanto, “não é função do Estado desqualificar o jornalismo nem a universidade, mas assumir a liderança nacional na construção do diálogo e no fomento a melhores práticas”. O quarto pecado estaria relacionado à degradação de um “necessário e louvável amor pela pátria” em um tipo desmedido e prejudicial de nacionalismo, “alimentando teorias conspiratórias contra os sistemas de defesa dos direitos humanos e do meio ambiente”. Nisso, relaciona-se com o quinto pecado, “o descuido pela pessoa humana e pelo meio ambiente” de forma a ser “incompatível com a ética cristã do cuidado”. Para Guilherme de Carvalho, esse descuido “se mostra no preconceito, dentro do governo, contra a promoção da dignidade e dos direitos da pessoa humana, no descompromisso com os vulneráveis e no desinteresse pela conservação ambiental”. Ele pergunta: “De que adianta ser ‘pró-vida’ e ‘pró-família’, se o princípio da fraternidade é tão despudoradamente ignorado?”. O sexto e último pecado listado pelo Rev. Guilherme é “o desprezo pela vida humana [que] se manifesta em uma patológica celebração simbólica da violência”. Para o pastor, “a celebração inconsequente da violência e do armamentismo e a banalização da morte destroem a capacidade do governo de se comunicar com as faixas da população que mais sofrem com a criminalidade e legitimam o espírito autoritário nesse sistema”. Enquanto é profundamente cristão “priorizar as vítimas de violência e agir duramente contra o crime, não é papel do Estado concluir o processo de desumanização do criminoso, pois só Deus tem esse poder”. O problema não é, por si só, a defesa do acesso responsável ao porte de armas, mas da celebração da violência como personalidade eleitoral e política. Depois disso, Guilherme não poderia encerrar melhor seu testemunho profético contra as agendas governamentais:
DIANTE DA TRÁGICA derrocada do lulopetismo com o impeachment de Dilma e a prisão de Lula, Bolsonaro passou a ser interpretado como uma dobradiça histórica para o Brasil. Se ele não fosse eleito, o Brasil não suportaria os anos seguintes de venezuelização. A propaganda política se tornou, nesse sentido, cada vez mais apocalíptica. Perseguição religiosa, doutrinação nas escolas e escândalos de corrupção poderiam continuar com mais força. Diante da possibilidade de reeleição de um candidato do PT, a eleição do Bolsonaro foi vista como um momento apocalíptico – nenhum candidato teria força eleitoral para tirar o Brasil da mão do maior escândalo de corrupção de sua história recente. Esse recurso meio verdadeiro, meio sensacionalista, teve sua versão gospel. A liberdade religiosa no Brasil é, por um lado, bem estabelecida, mas também frágil e constantemente sob ataque – como tudo o que há nesta terra de insegurança jurídica. Basta o cristão médio ser bombardeado pelas imposições das perspectivas de gênero, dos esforços por normalização da mudança de sexo, da determinação do uso de gênero neutro, das faixas de “morte aos cristãos” em universidades, e então está posto um imaginário apocalíptico – imaginário que não deixa de ser parcialmente verdadeiro, mas que falha em ignorar as garantias constitucionais e culturais que ainda prevalecem à revelia dos esforços de transformação cultural de uma elite anticristã. Algumas mentiras ajudaram Bolsonaro a criar este clima. Os constantes ataques ao kit gay faziam cristãos temerem a sexualização de suas crianças nas escolas, quando, na verdade, os livros mostrados eram materiais voltado a professores e vetados – veja só – pela Dilma Rousseff.^26 No entanto, Bolsonaro e sua família faziam parecer que apenas com
sua eleição esse tipo de obra seria proibido para as crianças do país. Essa propaganda se tornou um convite para a ação em interpretar Bolsonaro como uma parte do sentido histórico. Ele era um enviado de Deus para impedir a derrocada final da nação. Era agora ou nunca. Bolsonaro passou a acreditar nessa narrativa messiânica. Logo após ser eleito, em entrevista a Alberto Armendáriz, do jornal argentino La Nación, Bolsonaro diz: “Eu tenho uma missão de Deus, eu vejo dessa forma”.^27 Em fevereiro de 2020, tornou-se notícia que o presidente Jair Bolsonaro estava disparando de seu celular pessoal uma mensagem de convocação para que as pessoas fossem às ruas no dia 15 de março em defesa do governo e contra o Congresso Nacional. Entre imagens da facada e de sua recuperação no hospital, com o hino nacional ao fundo, aparece o seguinte texto em tela:
Ele foi chamado a lutar por nós. Ele comprou a briga por nós. Ele desafiou os poderosos por nós. Ele quase morreu por nós. Ele está enfrentando a esquerda corrupta e sanguinária por nós. Ele sofre calúnias e mentiras por fazer o melhor para nós. Ele é a nossa única esperança de dias cada vez melhores. Ele precisa de nosso apoio nas ruas. Dia 15.3 vamos mostrar a força da família brasileira. Vamos mostrar que apoiamos Bolsonaro e rejeitamos os inimigos do Brasil. Somos sim capazes, e temos um presidente trabalhador, incansável, cristão, patriota, capaz, justo, incorruptível. Dia 15/03, todos nas ruas apoiando Bolsonaro.
Aqui, Bolsonaro é apresentado como um mediador. Alguém que se põe entre nós e o destino histórico. Alguém contra as forças do mal, sofrendo em nosso lugar com plena justiça, vestido em manto de incorruptibilidade. Como toda religião, há um zelo militante em resposta ao tremendo e fascinante. Devemos lutar por ele já que ele luta por nós. Seu chamado é também nosso chamado. Isto é verbalizado com clareza pelo Ministro das Relações Exteriores nos