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Tipologia: Notas de aula
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Marília - SP 2018
FIGURA 01. Thammy Miranda, Ariadna Arantes, Lea T., Thalita Zampirolli e T. Brant.
Vieira Junior, Luiz Augusto Mugnai. V673q “Quantas curtidas merece essa trans?”: a recepção da transexualidade nas mídias digitais / Luiz Augusto Mugnai Vieira Junior. – Marília, 2018. 280 f. ; 30 cm. Orientadora: Larissa Maués Pelúcio Silva. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) – Universidade Estadual Paulista (Unesp), Faculdade de Filosofia e Ciências,
Bibliografia: f. 236 - 263
A minha viagem imersiva me permitiu mais que uma habilidade de escrita, um desafio de memória, ao colocar cada parte lembrada do retalho no lugar certeiro da colcha antropológica. O rótulo de intelectual, muitas vezes repelido socialmente por ser visto como de um homem frágil e sensível, na realidade, é aquele que foge do modelo de homem misógino. A transexualidade de minha irmã me permitiu romper com o próprio modelo de homem cis hetero e me tornar além de qualquer classificação, um ser humano mais humano. Talvez essa seja uma das principais, se não, a mais nobre função social de um intelectual, se colocar e estar no lugar do outro. Ao longo da escrita da pesquisa, muitas vezes, satisfeito com o meu trabalho, me senti fazendo algo análogo ao ofício de um escultor que lapida dando forma à sua obra prima. Experimentei-me quase como um pequeno Michelangelo, um dos maiores criadores de arte, que ao finalizar a escultura de Moisés exclamou para ela: Parla! E realmente ela (a tese) falou, com as vozes das pessoas transexuais em resposta ao grito de ódio e ao silêncio ensurdecedor da sociedade imbricada nas mídias digitais que estão cheias de preconceito e violência contra elas, mas que nessa obra poderão ser mais ouvidas. Agradeço por me deparar-me com a trajetória da minha orientadora, Professora e Antropóloga Doutora Larissa Pelúcio quanto às pesquisas que abordam temas como gênero, sexualidade e mídias digitais que possibilitou como seu orientando juntar as coisas. Minha irmã e eu somos naturais de Marília- SP e saímos da cidade para estudar em Londrina - PR e hoje residimos em Cascavel -PR e dessa maneira estava eu diante de um sincronismo, pois a transexualidade que foi o motivo principal de minha saída de Marília- SP era agora a causa de minha volta. Retornar para estudar a transexualidade era uma espécie de redenção; tal que em uma súbita decisão mesmo aprovado nas primeiras fases das duas universidades (UFPR e UFSC) decidi focar-me para a aprovação da Universidade Estadual Paulista - UNESP. As trilhas e as preocupações de Larissa Pelúcio significaria tudo isso e mais, era o encontro de estudar a transexualidade com uma abordagem pelas mídias digitais, sobretudo, juntar todas as peças para os percalços de um estudo antropológico digital. Grato por todo seu cuidado, carinho e conhecimento proporcionado a mim. Eu te admiro profundamente! Aos/as professores/as de cada disciplina que cursei, e por terem me disponibilizado no conteúdo delas reflexões e caminhos para pensar a minha pesquisa. À banca composta pela Profa. Dra. Flávia Teixeira, Profa. Dra. Carolina Parreiras e
"Eu não estou onde você me espreita, mas aqui de onde o observo rindo" (Michel Foucault).
Renascid@ (para Marília)
Era um entardecer, mais gelado que sorvete, Era o vento no meu rosto infantil; O carro maternal, porém guiado pelo papai fazia a função de útero; No banco de trás estavam nós, os gêmeos; Ah, como era refrescante aquele ar do bosque; Sensação única como do primeiro respirar de um recém- nascido; Queria ali, reparar a natureza, congelar aquele momento (...) A Avenida Brigadeiro Eduardo Gomes era nome dela, Casa da vovó, da cidade de um café vencedor®, Numa felicidade incompleta para os pueris era na “verdade” um doce; A direção era o aeroporto; Queríamos voar; O desejo inconsciente de um bis, mas de chocolate, De que tudo seria completo Se fosse ela (...) fosse minha gêmea (...) A volta era contramão A triste realidade o chão O amargo da normatização Às vezes é preciso seguir o vento das piruetas É! O sonho criou asas E de paraquedas Ela desceu frágil e tão segura Nos ares frescos daquele bosque O que sempre fora, é, e o que eternamente será MULHER.
(Guto Mugnai – 21-11-2017)
Dedico essa tese aos meus pais, Sônia e Luiz e as minhas irmãs Juliana e Amanda, na doce lembrança de um anoitecer em volta da mesa de jantar oval de casa, quando erámos cinco em Marília – SP.
As mídias digitais juntamente com seus aparatos multifuncionais possibilitaram um protagonismo de seus usuários no processo de comunicação. Comentar em um Portal de notícia ou compartilhar, seguir, curtir ou se organizar em um grupo na Rede Social permitiu que os seus usuários expusessem mais efetivamente as suas opiniões assim como também possibilitou uma maior visibilidade de grupos sociais como os das pessoas transexuais. A partir de uma investigação antropológica imersiva oculta em ambientes on-line utilizando-se dos estudos de recepção a presente pesquisa teve como a principal problemática compreender a receptividade da transexualidade. Procurou-se entender quais argumentos têm fundamentado os discursos deslegitimadores da transexualidade e aqueles legitimadores da experiência das pessoas trans. Dessa forma a pesquisa analisou os discursos sobre transexualidade a partir de comentários feitos por leitoras/es do Portal Globo.com - publicações em suas versões digitais e de grupos compostos por pessoas que se identificam ou não com as transexuais alojados no Facebook. Como também as falas de figuras expressivas circulantes na internet que ao falar de identidade e ideologia de gênero se mostram tanto articuladas ou não com o discurso das transexuais. Coube a participação da ex- Big Brother Brasil 11 , Ariadna Arantes, introduzir a mudança tanto, na frequência, como no tom dos discursos que deixam de ser anedóticos para se mostrarem mais políticos nas matérias sobre transexualidade publicadas no Portal Globo.com. Por meio da análise dos dados que se valeu dos estudos de gênero e sexualidade que dialogam com vertentes pós-estruturalistas observou que os comentários deslegitimadores em sua maioria se fundamentam de enunciados de exclusão, desumanização e distorção e, que por sua vez, se apropriam regularmente de discursos sociais que percebem a pessoa transexual como antinatural, antimoral e anticristã. Em relação antônima aos discursos que não reconhecem os direitos das pessoas transexuais, os legitimadores da transexualidade elaboram em grande parte os seus enunciados por meio da inclusão, humanidade e esclarecimento se utilizando frequentemente de discursos natural/antrópico, moral/laico e cristianismo ampliado/superado sobre as pessoas transexuais. As preocupações que conduziram a pesquisa foram atravessadas pelo advento de combate aos estudos de gênero chamado por seus opositores de “ideologia de gênero”, num cenário em que as palavras pertencentes ao vocabulário de gênero trouxeram não somente uma disputa semântica conceitual, mas também uma resistência e batalha on-line. Ademais, a maior visibilidade da transexualidade nos meios digitais revelou, sobretudo, conservadorismos, e a predominância de discurso deslegitimador que tem como base a misoginia e a demonização de gênero, assim como visibilizou mudanças nas redes on-line da inclusão positivada e humanizada das pessoas trans.
Palavras-chave: transexualidade; transexual; transgênero; pessoa trans; gênero; discurso; mídias digitais; redes on-line; recepção.
The digital medias along with its multifunctional devices have enabled its users to play a leading role in the communication process. Commenting on a News Portal or sharing, following, liking or organizing a group on the Social Network has allowed its users to more effectively expound their opinions as well as to enable greater visibility of social groups such as transgender people. From an immersive anthropological research hidden in on-line environments using the reception studies the present research had as main problem to understand the receptivity of transsexuality. It was tried to understand which arguments have been based on the delegitimizing discourses of transsexuality and those legitimating the experience of trans people. In this way the research analyzed the discourses about transsexuality from comments made by readers of the Globo.com Portal - publications in their digital versions and groups composed of people who identify themselves or not with the transsexuals housed in Facebook. As well as the speeches of expressive figures circulating on the internet that when speaking of gender identity and ideology are shown to be either articulated or not with the transsexual discourse. It was the participation of the former Big Brother Brasil 11, Ariadna Arantes, to introduce the change both in frequency and in the tone of the discourses that are no longer anecdotal in order to be more political in the subjects about transsexuality published in Globo.com Portal. Through the analysis of the data that used the studies of gender and sexuality that dialogue with poststructuralist strands observed that the delegitimizing comments are mostly based on statements of exclusion, dehumanization and distortion and, in turn, appropriate of social discourses that perceive the transsexual person as unnatural, anti-moral and anti-christian. In an antinous relation to discourses that do not recognize the rights of transsexual people, the legitimators of transsexuality largely elaborate their statements through inclusion, humanity and clarification, often using of the discourses natural / anthropic, moral / secular, and extended / overcoming christianity about transsexual people. The concerns that led to the research were crossed by the advent of combating the gender studies called by their opponents of "gender ideology," in a setting where words belonging to the gender vocabulary brought not only a conceptual semantic dispute, but also a resistance and battle on-line. In addition, the greater visibility of transsexuality in digital medias revealed, above all, conservatism, and the predominance of delegitimizing discourse based on misogyny and gender demonization, as well as making visible changes in on-line networks of positive and humanized inclusion of people trans.
Keywords: transsexuality; transsexual; transgender; trans person; gender; discourse; digital medias; on-line networks; reception.
FIGURA 01. Thammy Miranda, Ariadna Arantes, Lea T., Thalita Zampirolli e T. Brant......
FIGURA 02. Print da composição das notícias no Portal Globo.com ..................................... 44
FIGURA 03. Print do Top sites in Brazil no site Alexa : O ranking dos sites mais acessados no Brasil.........................................................................................................................................
FIGURA 04. Exemplo de caixa de comentários do Portal Globo.com e suas funcionalidades descritas acima..........................................................................................................................
FIGURA 05. Uma das capas do grupo; como nas demais outras capas enfatiza a resistência. O print foi retirado no dia 20 de junho de 2017...........................................................................
FIGURA 06. A capa anterior da atual do grupo fazia referência às cenas de guerras de combates medievais. O print foi retirado no dia 20 de junho de 2017.....................................
FIGURA 07. Na primeira coluna à esquerda está a matéria sobre a transexualidade em destaque em vermelho na composição do Portal para a configuração em pc e na segunda coluna também em destaque vermelho à direita na composição do Portal para a configuração no smartphone .........................................................................................................................
FIGURA 08. Composição das matérias no Portal Globo.com. Na direita do canto superior se encontra a seguinte manchete: “Se fosse cis, gostaria de gerar uma vida, diz Pablo Vitar: assista.”.................................................................................................................................. 109
FIGURA 09. A postagem realizada no grupo Hetero/orgulho com fotos compartilhadas de Thalita Zampirolli...................................................................................................................
FIGURA 10. À esquerda: Thalita Zampirolli – mulher trans- que esteticamente ilustra o anti-masculino cis-heteronormativo. À direita: T. Brant – homem trans – que estampa esteticamamente o anti-feminino cis-heteronormativo. Ambos representam o padrão estético cis que a maioria das pessoas cis não alcança.........................................................................
FIGURA 11. Verônica Bolina, Laura Vermont e Dandara dos Santos: seus corpos trans alvos da violência foram resistência na rede social e ganharam repercussão de solidariedade...........................................................................................................................
FIGURA 12. Exemplos do meme da ideologia de gênero.....................................................
FIGURA 13. A ridicularização da mulher no grupo Hetero/orgulho........... ..........................
QUADRO 01 - Categoria: os direitos das transexuais e as suas subcategorias que compõem as matérias analisadas no Portal Globo.com ................................................................................ 52
QUADRO 02 – Categoria: trivialidades e rotinas de celebridades transexuais e as suas subcategorias que compõem as matérias analisadas no Portal Globo.com ...............................
QUADRO 03 – Categoria: violências e crimes de transfobia e as suas subcategorias que compõem as matérias analisadas no Portal Globo.com ............................................................
QUADRO 04 - Matérias com suas categorias e subcategorias analisadas no Portal Globo.com anteriores ao ano de 2015 .........................................................................................................
QUADRO 05 - Tipos de comentários deslegitimadores sobre a transexualidade e as pessoas trans e os enunciados de exclusão, desumanização e distorção..............................................
QUADRO 06 - Tipos de comentários legitimadores sobre a transexualidade e as pessoas trans e os enunciados de inclusão, humanidade e esclarecimento...................................................
QUADRO 07 - Tipos de comentários deslegitimadores sobre a transexualidade e as pessoas trans e os enunciados apropriados dos discursos antinatural, antimoral e anticristão..........
QUADRO 08 - Tipos de comentários legitimadores sobre a transexualidade e as pessoas trans e os enunciados apropriados dos discursos natural/antrópico, moral/laico e cristianismo ampliado/superado..................................................................................................................
QUADRO 09 - Frequência das palavras no site Extra do Portal Globo.com .........................
QUADRO 10 - Frequência das palavras no site Ego do Portal Globo.com ............................
QUADRO 11 - Frequência das palavras no site O Globo do Portal Globo.com ....................
QUADRO 12 - Frequência das palavras no site G1 do Portal Globo.com ............................
As veredas de uma pesquisa
Começo contando a epopeia pessoal e acadêmica que me trouxe até aqui para discutir a recepção da transexualidade nas mídias digitais.^1 Meu flerte acadêmico com as questões de gênero se iniciou na preparação do projeto de mestrado, no qual desenvolvi uma dissertação que tinha a seguinte problemática: a ilegalidade do aborto no Brasil está fundamentada nas relações de gênero? Entretanto, as problematizações de gênero já se mostravam presentes no meu cotidiano, uma vez que minha irmã vivenciava a sua transexualidade anteriormente e durante a minha jornada acadêmica, ou melhor, essas questões podem ser percebidas como um problema ontológico ab ovo. Todavia, ainda não me sentia preparado e seguro academicamente, e nem mesmo emocionalmente, para tratar o assunto. Precisava de um amadurecimento tanto intelectual como pessoal. Iniciar um tema como o aborto era adentrar, por meio de uma pauta feminista, no campo dos estudos de gênero para, mais tarde, mergulhar nos estudos queer.^2 Houve assim, um processo de maturação necessário para ter a transexualidade como tema de estudo e as transexuais os meus sujeitos de pesquisa. Concomitante e lado a lado, eu e minha irmã passamos por dolorosas situações na qual via o sofrimento dela e, acompanhando de perto, me colocou em condições de compreender a transexualidade de uma maneira distinta daquela que muitas pessoas a vivenciam apenas por meio midiáticos, por exemplo, as novelas da Rede Globo , dificilmente poderiam imaginar. Eu ao lado dela, não ouvi apenas falar, eu testemunhei e senti na pele. Foi
(^1) Conforme Richard Miskolci ( 2011 , p.12) as mídias digitais “são uma forma de se referir aos meios de comunicação contemporâneos baseados no uso de equipamentos eletrônicos conectados em rede, portanto referem-se – ao mesmo tempo – à conexão e ao seu suporte material”. O pesquisador destaca que existem diversas formas de equipamentos (computadores de mesa, portáteis, celulares ou tablets ) como de se conectar (rede telefonia fixa ou rede móvel de celular). Todas essas formas e meios usados para se conectar se entrecruzam em diversas frequências de acesso, formas de mobilidade, velocidades de conexão e tipos de redes em que o usuário vai estar inserido. (^2) Queer de termo pejorativo (excêntrico, estranho, anormal) passa ser a vertente teórica de estudos de gênero contra o “normal” ou normatizador. A teoria queer faz uso de ideias da teoria pós-estruturalista como de Jacques Lacan, Jacques Derrida e Michel Foucault. O estudo queer não é um quadro de referência singular, conceitual ou sistemático, mas sim uma coleção de compromissos intelectuais com as relações entre sexo, gênero e desejo sexual. (SPARGO, 2006). Enfim, teoria que crítica à oposição heterossexual/homossexual, compreendida como a categoria central que organiza as práticas sociais tanto para pensar a sexualidade e as questões de gênero (LOURO, 1997).
direito de mulher? Ou estaria apenas tentando se enganar? Mesmo a cirurgia, seria uma panaceia para todos os seus males?^4 Lentamente e não necessariamente logo depois da cirurgia via-se o que almejava: ser uma mulher dada às condições da sociedade era vedado. Foi o instante que da consciência individual passou para a consciência política, percebendo-se não como uma mulher igual a todas as outras, mas como uma mulher especial, muito especial; e o que o rótulo trans não depunha contra ela, pelo contrário, ressaltava os seus pontos fortes.^5 Com isso, depois da cirurgia e mais apropriada de uma gramática fundamentada nos estudos de gênero, minha irmã vê que a operação foi contingente, poderia muito bem não ter ocorrido, pois, hoje, para ela não há identidade definida de mulher ou homem assim como uma substância feminina ou masculina (BUTLER, 2003) e nem mesmo uma alma “feminina” separada de um corpo (FOUCAULT, 1996). Da mesma forma minha irmã vai compreendendo que a própria noção do que é ser trans está em disputa entre as próprias pessoas trans; algumas vão recusar a medicalização da transexualidade outras irão recorrer ao aparato cirúrgico médico. Com o tempo ela vai percebendo que o passar por mulher não é um processo fácil nem rápido, e que as pessoas trans por muito tempo têm medo de serem vistas como “fraudes”. Descobri por meio do campo de pesquisa acadêmica que tal sensação tem nome, chama-se “passabilidade”. Essa concepção é “intuitivamente conhecida por todas as pessoas trans, incluindo itens tão sofisticados como inflexão da voz e forma de piscar os olhos, detalhes que certamente nos passam quase sempre desapercebidos quando se trata de uma mulher „genética‟” (LANZ, 2015, p.290). Ser tratada como mulher em um mundo machista não é maravilhoso, estatisticamente falando, mas sim, claro, para ela e para outras trans que lutaram para isso, conseguir essa conquista é, sem dúvida, magnífico. Principalmente, hoje, sem perder a benemerência de poder utilizar da sua experiência para adentrar uma arena tanto mais acadêmica e política sobre as concepções e relações de gênero. A cirurgia aconteceu em agosto de 2008 completou dez anos neste ano de 2018. Hoje operada, sente-se realizada, “completamente mulher.” Agora, reconhecida pelo Estado, possui nos documentos seu nome feminino. Mas, para chegar até esse ponto passou por repressões,
(^4) Uma cidadania precária e deficitária porque o Estado frequentemente entende que são normais os indivíduos que suas genitálias correspondem com a sua identidade de gênero e para conseguir tal status de normalidade somente por meio da cidadania cirúrgica (BENTO; PELÚCIO,2012). (^5) Trans é abreviação para transexual ou travesti ou transgênero ou pessoa trans*que será explicado mais adiante.
humilhações, preconceitos, rejeições, depressões, vontade de morrer e viver. E estando ao seu lado, como irmão gêmeo, pude experimentar todo o processo dessa transformação. Como tal, fui também alvo de preconceitos, rejeições e pré- rotulações que me machucaram profundamente, porém hoje percebo o quanto esta experiência me sensibilizou e me proporcionou um olhar para as diferenças, fazendo perceber quão fundamental é o exercício da alteridade tão próprio das ciências sociais. Encarar a transexualidade como um tema de pesquisa foi um processo que se deu em conjunto com a minha irmã. Precisava respeitar o tempo dela, de sentir que estávamos prontos. Um processo da vida, mas que acaba sendo refletido como antropólogo e dentro do que é apresentado agora nesta pesquisa. Neste processo, mudaram as minhas percepções sobre a transexualidade também, de uma visão médica-midiática para um olhar mais político sobre o tema. Isso ocorreu aos poucos, durante a observação de campo. Como serão abordadas, essas mudanças não se restringiram somente à pesquisa ou ao pesquisador ou à irmã dele, ou ainda às mídias (digitais), mas passou-se também no nível macrossocial. Há pelo menos 20 anos temos assistido à politização e visibilização das temáticas de gênero e sexualidade. Entender a recepção sobre a transexualidade foi uma sucessão de acontecimentos. Sem qualquer intuito antropológico, já explorava os portais de notícias por distração pessoal. Porém, não tinha ainda a recepção nas mídias digitais como proposição acadêmica, mesmo quando já em processo de elaboração do projeto de doutorado, com a temática da transexualidade definida. Talvez, o start que me despertou para tal, foi quando participei de um evento na Universidade Federal do Paraná- UFPR. Lá me deparei com estudos que envolviam gênero e mídias digitais. Mais tarde, sou inserido para problematizar a internet enquanto recepção social das transexualidades a partir de uma notícia no Portal Globo.com sobre a agressão que Sofia Favero que se entende como travesti e que sofrera violência em um ônibus a caminho da faculdade de psicologia. O clique que buscava para uma pesquisa de doutorado foi dado de vez. Realmente a proposição da minha pesquisa seria o que as pessoas pensavam e como recebiam a transexualidade que mobilizaria uma jornada acadêmica com o propósito de desfazer o sofrimento que em outrora devido à desinformação, a distorção e o preconceito causado em minha irmã, a mim e a todos os entes em nossa volta. Foi um espanto! Pois, havia muita falta de informação, ignorância e ódio em relação às identidades trans. Por outro lado, fui percebendo o campo da internet como um espaço de travestilidades e transexualidades de luta, conquista e experiência trans.