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Este artigo discute a possibilidade de intervenção na psicomotricidade relacional para crianças com autismo, apresentando um estudo de caso de um menino de dez anos. O documento aborda a história do autismo, suas características e diferentes abordagens para sua compreensão. Além disso, destaca a importância da psicomotricidade relacional como uma metodologia rica em experiências que pode promover o desenvolvimento pleno do sujeito com autismo.
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Tipologia: Notas de aula
Compartilhado em 07/11/2022
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A psicomotricidade relacional como possibilidade de intervenção com uma criança que apresenta autismo: um estudo de caso Aniê Coutinho de Oliveira Ivan Antônio Basegio Resumo O presente artigo tem como objetivo discutir a psicomotricidade relacional como possibilidade de intervenção com crianças que apresentam autismo. Para tanto, utilizou-se a metodologia qualitativa de investigação. Através de um estudo de caso, reflete-se a respeito da referida intervenção dentro de um projeto de extensão comunitária. Participando como sujeito investigado um menino com autismo de dez anos de idade que frequenta o projeto. A partir das observações no decorrer de dez meses pode-se constatar a rica possibilidade de intervenção que se descortina através da psicomotricidade relacional para sujeitos com autismo.
Palavras-chave: autismo; psicomotricidade relacional; estudo de caso
Atualmente, percebe-se um suposto aumento no número de casos de autismo. No que diz respeito à sua etiologia - embora existam investimentos em pesquisa sobre a mesma - poucas afirmações podem ser feitas sobre ela. Depois de diversas designações e classificações, o autismo passou a fazer parte de uma categoria que no DSM-5^1 é denominada Transtornos de Neurodesenvolvimento, tendo como nome Transtornos do Espectro Autista (TEA) em substituição a terminologia Transtornos Globais do Desenvolvimento, adotada no DSM-IV-TR (APA, 2003). O referido transtorno é caracterizado por comprometimentos nas dimensões sociocomunicativa e comportamental, bem como aponta a presença de comportamentos estereotipados e de um repertório restrito de interesses e atividades que devem limitar ou dificultar o funcionamento do sujeito em sua vida diária. Embora tais caraterísticas sejam marcantes no autismo, busca-se no presente artigo discutir sobre a intervenção realizada em sessões de psicomotricidade relacional no desenvolvimento de crianças com autismo. que fazem parte de um projeto de extensão
(^1) Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (Associação Psiquiátrica Americana, 2003).
comunitário que utiliza essa metodologia, procurando destacar as mudanças comportamentais que ocorreram nessas crianças ao longo de dez meses. Para tanto, essa reflexão utiliza como aporte os pressupostos da abordagem qualitativa de investigação caracterizada por Bogdan e Biklen (1994) como uma abordagem metodológica que prioriza a processualidade do trabalho investigativo, contemplando a subjetividade dos pesquisadores, dos sujeitos e o contexto no qual estão inseridos. Como instrumento metodológico foi utilizado o estudo de caso, observando-se uma criança de dez anos que participa regularmente das sessões de psicomotricidade relacional oferecidas em um Projeto de Extensão Comunitário de Psicomotricidade Relacional.
O autismo Gauderer (1993) afirma que a evolução sobre etiologia do autismo assemelha-se à história dos cegos que se puseram a descrever um elefante:
[...] cada um na sua cegueira tocou, apalpou e esmiuçou uma parte do animal. No final se puseram a descrevê-lo. Obviamente obtiveram visões diversas, frequentemente contraditórias e nunca abrangentes, mas cada um absolutamente seguro da sua verdade (GAUDERER, 1993, p. 10).
A metáfora utilizada por Gauderer na década de noventa ainda é apropriada quando nos reportamos ao autismo. Atualmente, apesar dos avanços científicos e, particularmente, dos avanços relativos a essa área específica, continuamos como cegos a descrever um elefante. Tem-se apalpado, esmiuçado o objeto a ser descoberto, mas continuamos com opiniões controversas e dificilmente abrangentes. Em diferentes áreas, aparecem distintas respostas para a causa do autismo, todavia a única certeza que se pode ter atualmente é de que se constitui como uma síndrome causada por múltiplos fatores (BRASIL, 2013). Em 1906, o termo autismo foi utilizado pela primeira vez por Plouller na literatura psiquiátrica. Em 1911, Bleurer o definiu como perda de contato com a realidade ocasionada por comprometimentos na comunicação interpessoal. Somente em 1943, a síndrome foi descrita por Léo Kanner. Quase simultaneamente, contudo, de modo independente, ela também foi descrita por Hans Asperger, em 1944. Kanner (1943) desenvolveu um estudo acerca de um grupo de crianças com idades entre dois anos e quatro meses a 11 anos que apresentavam um quadro clínico de isolamento sobre o qual ele relacionou as seguintes características: extrema dificuldade para estabelecer vínculos com pessoas ou situações; ausência de linguagem ou incapacidade no uso significativo da
psicogênicas somente em uma parcela dos sujeitos afetados pela síndrome, destacando a necessidade de considerarmos os fatores neuroquímicos associados ao funcionamento emocional (BOSA; CALLIAS, 2000). Já sobre uma possível vertente explicativa de cunho biológico, Sacks (1995) relata que nos anos 1960, a natureza orgânica do autismo passou a ser amplamente aceita. Rimland (1964), com seu texto “Infantile Autism”, tornou-se um dos grandes contribuidores para que isso ocorresse. Note-se que já nessa época, Rimland defendia uma teoria neurológica para o autismo, sustentando que a causa estaria na formação reticular do canal cerebral (BETTELHEIM, 1987). Atualmente, tem-se observado uma revitalização dos estudos em perspectiva biológica. Vasques (2008) refere que o caráter multifatorial destacado pela compreensão biológica (médica) diz respeito à impossibilidade de um marcador biológico definido. A autora afirma existir aí um consenso: o autismo consiste em uma disfunção do Sistema Nervoso Central e/ou biológica. No que tange à abordagem biológica, há uma tentativa de decifrar o autismo através de agentes bioquímicos, neurológicos e genéticos, ou mesmo através da congruência de todos eles. Garcias (2014) aborda as possíveis causas genéticas do autismo, afirmando que estudos recentes sugerem que exista uma ampla quantidade de genes envolvidos. Talvez seja relevante saber que muitos casos de autismo estão associados a uma infinidade de síndromes determinantes de condições sobre as quais, segundo o autor, deve-se pensar quando houver um diagnóstico do referido transtorno. Outro polo de possibilidades explicativas pode ser identificado nos estudos associados à “Teoria da Mente”. Segundo Baron-Cohen (1990), essa teoria está vinculada à ciência cognitiva^2. Essa abordagem procura investigar os fenômenos vinculados à cognição e à interação social dos sujeitos que apresentam autismo. A incapacidade de atribuir estados mentais a outras pessoas e de predizer o comportamento delas em função dessas atribuições seria inata até certo ponto. Contudo, para que tal capacidade se efetivasse, deveria haver um aprendizado que se realizaria a partir de trocas com o meio e com aquelas pessoas com as quais a criança interagisse (BOSA; CALLIAS, 2000). De acordo com Bosa (2002), é histórica a grande controvérsia referente à definição do autismo, assim como é controversa a distinção entre autismo, psicose e esquizofrenia. Segundo essa autora, isto pode ser evidenciado até mesmo na evolução dos dois sistemas de classificação de transtornos mentais e do comportamento: a Classificação de Transtornos (^2) De acordo com Baron-Cohen (1990), a ciência cognitiva consiste no estudo sobre como é realizada a organização do conhecimento e como a informação é processada nos seres humanos, nos animais e noutros sistemas inteligentes, biológicos ou não.
Mentais e de Comportamento – CID ( The International Statistical Classification of Diseases and Related Health Problems – ICD), publicado pela Organização Mundial da Saúde, e o Manual de Diagnóstico e Estatística de Distúrbios Mentais – DSM ( Diagnostic and Statistical Manual for Mental Disease ) publicado pela Associação Psiquiátrica Americana (APA). Quanto à CID, Bosa (2002) afirma que suas primeiras edições não mencionavam o autismo. Já em sua oitava edição, o autismo apareceu como um subgrupo de esquizofrenia. Já na nona edição da CID, o autismo surgiu no grupo da psicose infantil. Somente nos anos oitenta é que o autismo foi retirado, então, desse grupo e passou a ser mencionado tanto nos DSM-III e DSM-III-R quanto na CID-10, como Transtorno Global do Desenvolvimento. No DSM-IV, o autismo passa então a fazer parte dos Transtornos Invasivos do Desenvolvimento (Pervasive Developmental Disorder). Em 1991, Uta Frith traduziu o trabalho original de Asperger para o inglês. O autor descreveu os sintomas de sujeitos que não apresentavam deficiência mental associada, assim como não eram identificados atrasos significativos no desenvolvimento da linguagem. Em 1994, o DSM-IV (APA, 1994) utilizou o termo Síndrome de Asperger para tais casos. Surgiu, assim, a ideia de que o autismo poderia ser entendido como um espectro de condições variáveis ao invés de um quadro clínico (SCHMIDT, 2014). Como já foi dito anteriormente nesse artigo, hoje, no DSM-5 (APA, 2013) o autismo está dentro de uma categoria e é denominado de TEA que inclui: Transtorno Autístico, o Transtorno de Asperger, o Transtorno Desintegrativo da Infância e o Transtorno Global do Desenvolvimento não Especificado, também conhecido como Autismo Atípico. Embora as subdivisões deixem de existir no DSM-5, há uma classificação em níveis, a saber: leve, moderado e grave (GOERGEN, 2014).
Zanon et al. (2014) chamam a atenção para o início precoce da condição que caracteriza o TEA, e que os comprometimentos a ele relacionados dificultam o desenvolvimento do sujeito ao longo de sua vida. Ressaltam também que poderá ocorrer ampla variabilidade tanto na intensidade quanto na forma como se expressarão os sintomas relativos às áreas que definem o diagnóstico. Tais autoras, referindo o trabalho de Rutter (2001), afiram que o TEA constitui-se como uma síndrome comportamental complexa de etiologia múltipla, combinando elementos genéticos e ambientais. Até o momento, as abordagens explicativas do TEA relacionadas às bases biológicas são conhecidas parcialmente, fazendo com que a identificação e o diagnóstico do transtorno sejam de caráter clínico, ou seja, através de indícios dados pelo comportamento e pela história do desenvolvimento do indivíduo (ZANON, 2014).
A Psicomotricidade e seus Períodos Embora André Lapierre e Bernard Aucouturier tenham trabalhado com a psicomotricidade funcional^4 primeiramente, foram eles que transformaram esta prática pedagógica, fazendo com que passasse por três distintos períodos: o período continuador, o inovador e o de ruptura. Mesmo que no Período Continuador, as publicações de Lapierre e Acouturier tenham seguido uma linha funcionalista, suas práticas pedagógicas passaram de uma vertente reeducativa e terapêutica para uma vertente educativa. Picq Vayer e Le Boulch são dois outros nomes relacionados a este período. Foi no Período Inovador que houve uma evolução para a linha relacional. Lapierre e Aucouturier destacam que a melhora em seus alunos decorre em função da qualidade da relação afetiva do facilitador com o aluno. Lapierre e Aucouturier tiveram suas práticas distanciadas no que foi chamado de Período de Ruptura. Lapierre iniciou a trabalhar a partir da potencialização do jogo simbólico, acreditando que sempre há uma intenção, enquanto Aucouturier defendia a potencialização do jogo sensório-motor. Como falamos anteriormente, a educação foi influenciada pela concepção cartesiana de homem, que trazia consigo uma classificação da inteligência. Desta maneira, o sujeito era quantificado a partir de seu potencial intelectual, tendo um padrão de homem e de inteligência dentro da sociedade, gerando, consequentemente, uma prática também classificatória relacionada aos distúrbios psicomotores e de aprendizagem. Os testes criados por Binet e Simon no início do século XX determinavam se o sujeito estava apto a ingressar na escola. Com isso, houve um aumento do número de alunos que foram encaminhados para a escola especial. O QI (coeficiente de inteligência) era considerado um instrumento preciso e necessário para medir a inteligência infantil. Dentro desta perspectiva, nasceram as classes especiais. A escola descomprometia-se, assim, com a defasagem de aprendizagem, pois todo e qualquer comprometimento era tido como de origem orgânica. Portanto, foram os médicos quem primeiramente envolveram-se com a educação dos sujeitos com deficiência. Como exemplo, podemos destacar o caso de Victor de Aveyron. Encontrado em meados de 1800 em uma floresta francesa, foi entregue aos cuidados de Jean Itard, eminente médico da época. Embora este caso mereça ser recordado como um importante e original trabalho, chamamos mais uma vez atenção para a ideia de ser o médico aquele que possui o saber sobre o sujeito que apresenta comprometimentos.
(^4) Metodologia que utiliza atividades motoras diretivas com o objetivo de reabilitação do sujeito, seguindo um perfil motor padrão.
As Linhas da Psicomotricidade A Psicomotricidade traz em suas origens o entendimento do homem como um ser fragmentado. Utilizava-se testes e a partir deles, prescreviam-se famílias de exercícios que buscariam superar aqueles elementos que estavam em déficit, sendo que a avaliação era realizada descartando-se os aspectos sociais e emocionais. De acordo com Negrine (2002), a Psicomotricidade Funcional, a partir dos déficits encontrados, tem o objetivo de educar sistematicamente as diversas condutas motrizes. O autor ainda acrescenta que a “receita” seria levar as crianças a adquirirem automatismos psicomotores já que se pensava que adquirindo determinadas habilidades, tais sujeitos teriam solucionado problemas aparentes. A Psicomotricidade foi fortemente influenciada por André Lapierre e Bernard Aucouturier. Foram eles que transformaram esta prática pedagógica criando a linha relacional. A Psicomotricidade Relacional caracteriza-se por ser um método de intervenção eminentemente não diretivo, compreendendo a ludicidade como elemento potencializador da aprendizagem. Nesta linha, o corpo é o veículo mediante o qual se fazem as relações entre o sujeito e o meio. A diversidade de experiências corporais caracteriza-se como o principal objetivo da psicomotricidade relacional, assim como a vivência simbólica e a comunicação. Durante a sessão^5 , o aluno vivencia distintos papéis e fica livre para transitar por diferentes espaços. Para Vygotsky (1997), a relação que o sujeito estabelece com o meio, assim como consigo mesmo, tem consequências na aprendizagem. Para o autor, é neste processo que se dá a origem da organização e da estruturação das formas superiores de atividades psicológicas. Em conjunto com seus colaboradores, Vigotsky observou o desenvolvimento das funções superiores, destacando que a formação de cada uma dessas funções está rigorosamente subordinada à mesma regularidade. Dessa forma, cada função psicológica aparece no processo de desenvolvimento da conduta duas vezes. Primeiramente, como função da conduta coletiva (como forma de adaptação social), sendo uma categoria interpsicológica. Em segundo lugar, aparece como conduta individual da criança (como forma de adaptação pessoal), ou seja, como categoria intrapsicológica.
A Sessão de Psicomotricidade Em relação à organização da sessão, a psicomotricidade relacional, deve seguir uma linha temporal (AUCOUTURIER; DARRAULT, 1986). Os autores sugerem que,
(^5) Na psicomotricidade relacional, a aula é denominada de sessão.
prática. Também se pode utilizar desenhos, pinturas entre outros, como forma de expressão. Aqui, podem ser discutidos aspectos que não foram bons e que ocorreram durante a sessão.
Os espaços utilizados Diversos espaços podem ser utilizados, sendo que suas características têm interferência na relação terapêutica durante as sessões. Faz-se necessário ressaltar que é imprescindível a organização dos espaços, podendo estes ser modificados durante as sessões. As sessões são caracterizadas por colocar os alunos perante situações de atividades espontâneas, durante as quais têm à sua disposição, de cada vez, uma certa quantidade de materiais simples, como: balões, bolas, almofadas, colchonetes etc., com os quais pode fazer tudo o que lhes der vontade, devendo poder expressar dessa forma suas pulsões, emoções, desejos, rejeições etc. Porém, não devem faltar dois espaços que, segundo Negrine (2002), devem existir sempre em uma sessão: a caixa de disfarces e o espaço das construções. Podendo-se e devendo-se variar os outros materiais e espaços.
As observações sobre os sujeitos investigados nas sessões do projeto de extensão comunitário Com o intuito de preservar a identidade do aluno, utilizamos um nome fictício: José. Esse aluno tem dez anos de idade, estuda em escola comum e frequenta, em turno inverso, o atendimento educacional especializado de sua escola e o projeto de extensão comunitário em pauta. Quando José ingressou no Projeto de Psicomotricidade apresentava características severas do autismo. Destacava-se a dificuldade de interação e de estabelecimento de vínculos com seus pares e facilitadores, além disso, não apresentava oralidade. Podia-se observar ainda um retraimento, não aceitando o toque em seu corpo. José demonstrava suposto medo para desenvolver atividades que envolvessem movimentos corporais amplos. Também podíamos perceber sua relação empobrecida com os objetos, parecendo manifestar receio de aproximar- se deles. Com frequência, procurava os cantos da sala, somente saia quando muito estimulado. Nos rituais de entrada e saída, permanecia sem se expressar de nenhuma forma. No decorrer dos atendimentos, passou a estabelecer certa interação com os facilitadores, contudo isso dependia, curiosamente, da mediação de objetos. Por exemplo, o facilitador lançava uma bola em sua direção e ele devolvia, contudo parecia não implicar-se corporalmente no gesto. Não direcionava o seu olhar para o facilitador, nem esboçava qualquer tipo de comunicação durante a referida ação. Com o passar do tempo, José além de
devolver a bola, iniciou um tímido contato visual com seu interlocutor, certas vezes até mesmo esboçando um tímido sorriso. Após alguns meses, José começou a buscar determinados facilitadores durante a sessão, demonstrando além do vínculo, o desenvolvimento da capacidade do jogo de regras. Pode-se citar como exemplo arremessar uma bola em algum alvo. Para a surpresa da mãe, deu início à oralidade. Utilizava-se de palavras soltas, sem formar frases, todavia podia-se perceber que não se tratava de ecolalia. Embora sua recente fala fosse fortemente infantil para a faixa-etária, suas palavras tinham significado, percebendo-se claramente um processo de construção de vocabulário. Outro aspecto relevante é em relação às mudanças frequentes do local onde eram realizadas as sessões, ora em um ginásio, ora no meio líquido, ora em uma sala de psicomotricidade. No início, José desorganizava-se. No processo, o aluno passou a manter um comportamento estável, sem demonstrar resistência ou desconforto quando se utilizava um diferente espaço da sessão anterior. Em algumas das últimas sessões que fazem parte dessa investigação, não foram utilizados materiais de apoio. A sala, o ginásio ou a piscina contavam somente com os facilitadores e os alunos. Percebeu-se então uma maior aproximação de José com as outras crianças participantes da sessão, proporcionando interação direta, ou seja, corporal entre os pares.
Considerações Finais Passados dez meses de observações, temos maior ainda nossa convicção de que a criança que apresenta autismo, a partir de uma intervenção que aposte em sua educabilidade, pode desenvolver-se plenamente, contrariando aos frequentes prognósticos desastrosos emitidos no momento de diagnósticos. Gradativamente, José foi implicando-se nas sessões. Primeiramente, utilizando os objetos como mediadores, como se esses representassem uma segurança de seu afastamento. Destaca-se que sempre tentamos estimular José encorajando-o para às atividades, entendendo que qualquer forma de expressão do aluno representava intenção. Mais tarde, sua implicação nas sessões deixou de ser intermediada por objetos e, aos poucos, interagiu de forma mais direta com seus facilitadores. Ele passou a implicar-se também corporalmente. Isso ficou evidenciado, em nossa opinião, quando José começa a expressar-se através do corpo e explorar todo o espaço disponível.
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