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Na obra do autor Bruno Bettlheim, A psicanálise dos contos de fadas ele relata e explica através dos contos de o impacto psicológico de situações em acontecimentos envoltos a criança e dando respostas a comportamentos e mostrando a visão infantil a cerca de determinados assuntos. Com essas relações ela tenta passar para a criança ensinamentos para as resoluções de problemas, seu desenvolvimento com inclusão a realidade que os rodeia, pois, ele transmite para o leitor que além de entreter a crian
Tipologia: Notas de estudo
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"Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e não mais lutando por dinheiro e poder, então nossa sociedade poderá enfim evoluir a um novo nível."
© 1974 by Bruno Bettelheim Editor responsável: Cristine Rührig Produção gráfica: Katia Halbe Capa: Isabel Carballo Edição de texto: Patrícia Maria Silva de Assis
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS-RJ
Bettelheim, Bruno, 1903- Na terra das fadas : análise dos personagens femininos (extraído da obra A psicanálise dos contos de fadas) I Bruno Bettelheim ; tradução de Arlene Caetano. — Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1997. (Leitura) Tradução de capítulo de: The uses of enchantment: The meaning and importance of fairy tales.
EDITORA PAZ E TERRA S/A Rua do Triunfo, 177 Santa Ifigênia, São Paulo, SP — CEP 01212- Tel.: (011) 223- Rua Dias Ferreira, 417 — Loja Parte 22431-0580 — Rio de Janeiro — RJ Tel.: (021) 259- Conselho Editorial Celso Furtado Fernando Gasparian Modesto Carone Roberto Schwarz Rosa Freire D'Aguiar 1997 Impresso no Brasil/Printed in Brazil
CHAPEUZINHO VERMELHO A RAINHA CIUMENTA EM "BRANCA DE NEVE" E O MITO DE ÉDIPO BRANCA DE NEVE A BELA ADORMECIDA NOTAS
orelhas e dentes grandes da avó. O lobo responde a essa última pergunta dizendo: "São para te comer melhor". — E, pronunciando essas palavras, atira-se sobre Capinha Vermelha e devora-a. Aí termina a tradução de Lang, como fazem muitos outros. Mas o relato original de Perrault continua com um pequeno poema no qual propõe uma moral a ser deduzida: que meninas bonitinhas não deviam dar ouvidos a todo tipo de gente. Se o fazem, não é de surpreender que o lobo as pegue e as devore. Quanto aos lobos, eles aparecem com todos os tipos, e entre eles os lobos gentis são os mais perigosos, especialmente os que seguem as mocinhas nas ruas, até mesmo à casa delas. Perrault não desejava apenas entreter o público, mas dar uma lição de moral específica com cada um de seus contos. Por isso é compreensível que ele os modificasse de acordo com o que desejava.^4 Infelizmente, com isso, tirava muito do significado dos contos. Quando conta a história, não há ninguém que advirta Capinha Vermelha para não perder tempo no caminho para a casa da avó nem desviar-se da estrada certa. Na versão de Perrault também não faz sentido que a avó, que não cometera nenhum erro, termine destruída. " "Capinha Vermelha", de Perrault, perde muito de seu atrativo porque fica óbvio que o lobo não é um animal ávido, mas uma metáfora, que deixa pouco à imaginação do ouvinte. Essas simplificações junto com uma moral afirmada diretamente transformam este conto de fadas policial num conto admonitório que especifica tudo. A imaginação do ouvinte não entra em ação para dar um significado pessoal à história. Preso a uma interpretado racionalista da finalidade da história, Perrault explicita indo ao máximo. Por exemplo, quando a menina se despe e entra na cama com o lobo e este lhe diz que os braços fortes são para abraçá-la melhor, não sobra nada para a imaginação. Como Capinha não responde a essa sedução óbvia e direta com uma tentativa de escapar ou lutar, ou ela é estúpida ou deseja ser seduzida. Nos dois casos não é uma figura própria com quem alguém possa se identificar. Com esses detalhes Capinha Vermelha se transforma de uma menina atraente e ingênua, que é induzida a negligenciar as advertências da mãe e a divertir-se com o que acredita conscientemente ser um caminho inocente, em uma mulher decaída. O valor do conto de fadas para a criança é destruído se alguém detalha os significados. Perrault faz pior — reelabora-os. Todos os bons contos de fadas têm significados em muitos níveis; só a criança pode saber quais significados são importantes para ela no momento. A medida que cresce, a criança descobre novos aspectos desses contos bem conhecidos, e isso lhe dá a convicção de que realmente amadureceu em compreensão, já que a mesma história agora revela tantas coisas novas para ela. Isso só pode ocorrer se a criança não ouviu uma
narrativa didática do assunto. A história só alcança um sentido pleno para a criança quando é ela quem descobre espontânea e intuitivamente os significados previamente ocultos. Essa descoberta transforma algo recebido em algo que ela cria parcialmente para si mesma. Os Irmãos Grimm contam duas versões desta história, o que não lhes é habitual.^6 Em ambas, tanto a história i orno a heroína têm o nome de "Chapeuzinho Vermelho", devido ao "chapeuzinho de veludo vermelho que lhe caía tão bem que ela não usava nenhum outro". A ameaça de ser devorada é o tema central de Chapeuzinho Vermelho, como em João e Maria. As mesmas constelações básicas que aparecem no desenvolvimento de cada pessoa podem levar às personalidades e destinos humanos mais diversos, dependendo de outras experiências do indivíduo e de como ele as interprete para si próprio. Da mesma forma, um número limitado de temas básicos reina nas histórias de fadas aspectos muito diferentes da experiência humana. Tudo depende da forma da elaboração do tema e do contexto em que ocorra. "João e Maria" lida com as dificuldades e ansiedades da criança que é forçada a abandonar sua ligação dependente com a mãe e a libertar-se da fixação oral. "Chapeuzinho Vermelho" aborda alguns problemas cruciais que a menina em idade escolar pode solucionar quando as ligações edípicas persistem no inconsciente, o que pode levá-la a expor-se perigosamente a possíveis seduções. Em ambos os contos a casa da floresta e o lar paterno são o mesmo lugar, vivenciados de modo diverso devido a mudanças na situação psicológica. Na sua própria casa, Chapeuzinho Vermelho, protegida pelos pais, é a criança pré-púbere sem conflitos que é perfeitamente capaz de lidar com as circunstâncias. Na casa da avó, que também é segura, a mesma menina se toma totalmente incapaz em conseqüência do encontro com o lobo. João e Maria, sujeitos à fixação oral, só pensam em ] comer a casa que representa simbolicamente a mãe má que os abandonara (forçara-os a deixar o lar) e não hesitam em queimar a bruxa no fogão, como se ela fosse um alimento preparado para se comer. Chapeuzinho Vermelho, que ultrapassara a fixação oral, não tem mais desejos orais destrutivos. Psicologicamente existe uma enorme distância entre a fixação oral simbolicamente transformada em canibalismo, que é o tema central de "João e Maria", e a forma como Chapeuzinho castiga o lobo. Este é o sedutor, mas, até onde vai o conteúdo manifesto da história, o lobo não faz nada que não seja natural — a saber, devora para alimentar-se. E é normal o homem matar um lobo, embora o método usado nesta história seja inusitado. Chapeuzinho Vermelho vive num lar de fartura que ela, como já ultrapassou a ansiedade oral, compartilha com a avó alegremente, levando-lhe comida. Para Chapeuzinho o mundo
Aqui temos uma enumeração dos quatro sentidos: audição, visão, tato e paladar que a criança púbere usa para compreender o mundo. "Chapeuzinho Vermelho", de forma simbólica, projeta a menina nos perigos do conflito edípico durante a puberdade e depois salva-a deles, para que ela possa amadurecer livre de conflitos. As figuras maternais, a mãe e a bruxa, que eram tão importantes em "João e Maria", são insignificantes em Chapeuzinho, onde nem a mãe nem a avó podem fazer nada — nem ameaçar nem proteger. O macho, em contraste, é de importância capital, dividido em duas figuras opostas: a do sedutor perigoso, que, se cedermos a ele, se transforma no destruidor da avó boa e da menina, e a do caçador, a figura paterna responsável, forte e salvadora. E como se Chapeuzinho tentasse entender a natureza contraditória do homem vivenciando todos os aspectos da personalidade dele: as tendências egoístas, associais, violentas e potencialmente destrutivas do id (o lobo); e as propensões altruístas, sociais, reflexivas e protetoras do ego (o caçador). Chapeuzinho Vermelho é amada universalmente porque, embora virtuosa, sofre a tentação; e porque sua sorte nos diz que confiar nas boas intenções de todos, que nos parecem tão bons, na realidade deixa-nos sujeitos a armadilhas. Se não houvesse algo em nós que aprecia o lobo mau, ele não teria poder sobre nós. Por conseguinte, é importante entender sua natureza, mas ainda mais importante é aprender o que a torna atraente para nós. Por mais atraente que seja a ingenuidade, é perigoso permanecer ingênuo toda a vida. Mas o lobo não é apenas o sedutor masculino. Também representa todas as tendências associadas e animalescas dentro de nós. Abandonando as virtudes da idade escolar, de "caminhar atentamente" como exige a sua tarefa, Chapeuzinho reverte à posição da criança em busca de prazer edípico. Cedendo às sugestões do lobo, também dá a este a oportunidade de devorar a avó. Aqui a história fala a algumas pessoas das dificuldades edípicas que permanecem irresolvidas na menina, e o castigo merecido por Chapeuzinho ter arrumado as coisas de um jeito que permitiu ao lobo acabar com a avó é ela ser engolida também. Mesmo uma criança de quatro anos se questiona sobre o que pretende Chapeuzinho quando responde à pergunta do lobo e dá as direções específicas para se chegar à casa da avó. Qual o propósito de uma informação tão detalhada, pergunta-se a criança, senão o de assegurar-se de que o lobo encontrará mesmo o caminho? Só os adultos, convencidos de que os contos de fadas não têm sentido, deixam de ver que Chapeuzinho inconscientemente está contribuindo para matar a avó. Esta também não está livre de culpa. Uma jovem necessita de uma figura materna forte para sua proteção, como um modelo a ser imitado. Mas a avó de Chapeuzinho se deixa levar pelas
próprias necessidades, indo além do que é bom para a criança, como narra o conto: "Não havia nada que ela não desse à menina." Não seria nem a primeira nem última vez que uma criança mimada e estragada pela avó incorre em perigo na vida real. Seja a mãe ou a avó depois de afastada a mãe — é fatal para a jovem a mulher mais velha abdicar de seus próprios atrativos para os homens e transferi-los para a filha, dando-lhe uma capa vermelha tão atraente. Em "Chapeuzinho Vermelho", tanto no título como no nome da menina, enfatiza-se a cor vermelha, que ela usa declaradamente. O vermelho é a cor que significa as emoções violentas, incluindo as sexuais. O capuz de veludo vermelho que a avó dá para Chapeuzinho pode então ser encarado como o símbolo de uma transferência prematura da atração sexual, que, além disso, é acentuada pelo fato de a avó estar velha e doente, demais até para abrir a porta. O nome "Chapeuzinho Vermelho" indica a importância capital desta característica da heroína na história. Ele sugere que não só o chapeuzinho vermelho é pequeno, mas também a menina. Ela é demasiada pequena, não para usar um chapéu, mas para lidar com o que ele simboliza e com o que o uso dele atrai. O perigo para Chapeuzinho é a sua sexualidade em botão para a qual não está ainda emocionalmente madura. Pessoas psicologicamente preparadas para as experiências sexuais podem dominá-las e crescer com isso. Mas uma sexualidade prematura é uma experiência regressiva, despertando tudo que ainda é primitivo dentro de nós e que ameaça nos engolir. A pessoa imatura, que ainda não está pronta para o sexo, mas é exposta a uma experiência que suscita fortes sentimentos sexuais, recai nas formas edípicas de lidar com ele. A pessoa só acredita então que possa vencer no sexo livrando-se dos competidores mais experientes — daí as instruções específicas que Chapeuzinho dá ao lobo para que este chegue à casa da avó. Mas nisso também mostra sua ambivalência. Orientando o lobo para a casa da avó, age como se lhe estivesse dizendo: "— Deixe-me sozinha: vá ter com vovó que é uma mulher madura; ela será capaz de lidar com o que você representa, eu não sou." Essa luta entre o desejo consciente de fazer as coisas corretamente e o anseio inconsciente de vencer a mãe (avó) é o que nos faz amar a menina, e a história torna-a supremamente humana. Quando crianças, muitos de nós tínhamos ambivalências internas que, apesar de nossos esforços, não podíamos controlar, e, como nós, Chapeuzinho tenta empurrar o problema para outra pessoa: uma pessoa mais velha, um dos pais ou um pai substituto. Mas, tentando fugir da situação ameaçadora, ela quase se destrói. Como mencionamos anteriormente, os Irmãos Grimm também apresentam uma variação importante de "chapeuzinho Vermelho", que consiste essencialmente de um acréscimo à
presença da mãe (avó) por perto. A história neste nível lida com os desejos inconscientes da filha ser seduzida pelo pai (o lobo). Com a reativação dos anseios edípicos primários na puberdade, o desejo da menina por seu pai, sua inclinação para seduzi-lo, e seu desejo de ser seduzida por ele, também se reativam. Então a menina sente que merece um castigo terrível da mãe, senão também do pai, pelo desejo de tirá-lo da mãe. O reaparecimento na adolescência das emoções primárias que estavam relativamente adormecidas não se restringe aos sentimentos edípicos. Inclui mesmo as ansiedades e desejos mais primários que reaparecem durante esse período. Num nível diverso de interpretação, poderíamos dizer que o lobo não devora Chapeuzinho logo que a encontra porque deseja levá-la para a cama com ele primeiro: um intercurso sexual dos dois tem de preceder ao "devora-mento". Embora a maioria das crianças não tenha conhecimento dos animais que morrem durante o ato sexual, essas conotações destrutivas são bem claras na sua mente consciente e inconsciente, já que a maioria das crianças encara o ato sexual primariamente como um ato de violência que um dos parceiros efetua sobre o outro. Creio que se j trata da equação infantil de excitação sexual, violência e ansiedade a que Djuna Barnes alude quando escreve: "As crianças sabem de algo que não podem explicar; gostam de ] Chapeuzinho Vermelho e o lobo na cama!"^9 A história de Chapeuzinho Vermelho corporifica esta estranha coincidência de emoções opostas, que caracteriza o conhecimento sexual infantil e por isso atrai inconscientemente as crianças e os adultos que, através dela, se lembram vagamente da própria fascinação infantil em relação ao sexo. Outro artista exprimiu esses mesmos sentimentos subjacentes. Gustave Doré, numa de suas famosas ilustrações para os contos de fadas, mostra Chapeuzinho Vermelho e o lobo juntos na cama.^10 O lobo é retratado com uma aparência plácida. Mas a menina parece assolada por sentimentos ambivalentes poderosos enquanto olha para o lobo, que descansa a seu lado. Não faz nenhum movimento para se afastar. Parece intrigada pela situação, atraída, e repelida ao mesmo tempo. A combinação de sentimentos que seu rosto e seu corpo sugerem pode ser descrita como fascinação. A mesma fascinação que o sexo, e tudo o que ele envolve, exerce sobre a mente da criança. Isso, voltando à afirmativa de Djuna Barnes, é o que a criança sente acerca de Chapeuzinho e o lobo e da relação deles, mas não sabe dizer —- e é o que torna a história tão cativante. É essa fascinação "mortal" com o sexo — que é experimentada simultaneamente com grande excitação e grande ansiedade — que está ligada aos anseios edípicos da menina pequena pelo pai e com a reativação dos' mesmos sentimentos de forma diferente durante a puberdade. Sempre que essas emoções reaparecem, evocam as lembranças das inclinações da
menina pequena para seduzir o pai e outras memórias de seu desejo de ser seduzida por ele, também. Enquanto no relato de Perrault a ênfase recai sobre a sedução sexual, na história dos Irmãos Grimm dá-se o oposto. Nela, não se menciona nem direta nem indiretamente nenhuma sexualidade: isso pode estar sutilmente implícito, mas, essencialmente, o ouvinte tem de completar a idéia, para compreender a história. Para a mente infantil, as implicações sexuais permanecem pré-conscientes, como deveriam. Conscientemente a criança sabe que não existe nada de errado em colher flores; o que está errado é desobedecer à mamãe quando estamos encarregados da importante missão de atender a um interesse legítimo de um pai (a avó). O conflito principal é entre o que parece ser interesses justificados para a criança e o que ela sabe que os pais desejam dela. A história implica em que a criança não sabe como pode ser perigoso ceder a desejos que considera inofensivos e por isso tem que aprender com o perigo. Ou melhor, como adverte a história, a vida lhe ensinará, às suas custas. Chapeuzinho Vermelho externaliza os processos internos da criança púbere: o lobo é a externalização da maldade que a criança sente quando vai contra os conselhos dos pais e permite-se tentar, ou ser tentada, sexualmente. Quando se desvia do caminho que os pais lhe traçaram encontra "maldade" e teme que esta a engula e ao pai cuja confiança traiu. Mas pode ocorrer uma ressurreição a partir da "maldade", como diz, em seguida, a história. A diferença de Chapeuzinho, que cede às tentações do id, e com isso trai a mãe e a avó, o caçador não permite que suas emoções o dominem. Sua primeira reação quando encontra o lobo na cama da avó é: — "Então você está aqui, seu velho pecador?" Há muito venho tentando encontrá-lo. E seu desejo imediato é atirar no lobo. Mas seu ego (ou razão) se afirma, apesar das instâncias do id (raiva contra o lobo) e o caçador percebe que é mais importante tentar salvar a avó do que ceder à raiva matando o lobo imediatamente. O caçador se controla e, em vez de matar o animal, abre cuidadosamente o estômago dele com sua tesoura, salvando Chapeuzinho e a avó. O caçador é a figura mais atraente, tanto para os meninos como para as meninas, porque salva os bons e castiga o malvado. Todas as crianças encontram dificuldades em obedecer ao princípio da realidade e reconhecem facilmente nas figuras opostas do lobo e do caçador o conflito entre o id e os aspectos do superego da personalidade. A ação violenta do caçador (abrir o estômago) serve aos propósitos sociais mais elevados (salvar as duas mulheres). A criança sente que ninguém aprecia que suas tendências violentas lhe pareçam construtivas, mas a história demonstra que elas podem ser.
desnecessária. Se o lobo morresse quando a barriga é aberta, como numa operação cesariana, os ouvintes poderiam temer que uma criança, ao sair do corpo da mãe, a matasse. Mas, como o lobo sobrevive à operação e só morre devido às pedras pesadas, então não há razão para ansiedades quanto ao parto. Chapeuzinho Vermelho e a avó não morrem realmente, mas certamente renascem. Se há um tema central na grande variedade dos contos de fada, esse é o tema de um renascimento para um plano mais alto de existência. As crianças (e também os adultos) devem ser capazes de acreditar que é possível atingir uma forma de existência mais alta, se dominam os graus de desenvolvimento que isso requer. As histórias contando que isso, além de ser possível, é o provável, têm uma tremenda atração para as crianças, porque combatem o temor sempre presente de que não conseguirão fazer essa transição ou de que perderão muito no processo. Por essa razão, por exemplo, em "Irmão e Irmã", os dois não se perdem depois da transformação, mas levam uma vida melhor juntos. Essa, também, a razão porque Chapeuzinho se torna uma menina mais feliz depois do salvamento e João e Maria têm uma vida muito melhor depois de voltarem para casa. Muitos adultos hoje em dia tendem a tomar literalmente o que é dito nos contos de fadas, quando estes deveriam ser encarados como relatos simbólicos de experiências de vida cruciais. A criança o compreende intuitivamente, embora não o "saiba" explicitamente. A afirmação que o adulto faz à criança de que Chapeuzinho "realmente" não morreu quando o lobo a engoliu é vivenciado pela criança como conversa fiada. E o mesmo que se dissesse a uma pessoa que, quando Jonas foi engolido pela baleia, isso não foi "realmente" seu fim. Todos sabem intuitivamente que a permanência de Jonas no estômago da baleia tinha um propósito — a saber, o de que ele voltasse a viver como um homem melhor. A criança sabe intuitivamente que o fato de Chapeuzinho ser engolida pelo lobo — como muitas outras mortes de heróis de contos de fadas — não significa que a história acabou, mas é uma parte necessária da mesma. A criança também compreende que Chapeuzinho realmente "morreu" como a menina que permitia que o lobo a tentasse; e, quando a história diz que a menina "pulou fora" do estômago do lobo, ela volta à vida como uma pessoa diferente. Esse expediente é necessário porque, embora a criança possa entender prontamente que uma coisa seja substituída por outra (a mãe boa pela madrasta malvada), ainda não pode compreender transformações internas. Por isso, um dos grandes méritos dos contos de fadas é que, ao ouvi- los, a criança acredita que essas transformações são possíveis. A criança cujo consciente e inconsciente ficaram profundamente envolvidos na história compreende o que significa o lobo engolir a avó e a menina: que, devido ao que aconteceu, as
duas ficaram temporariamente perdidas para o mundo — perderam a capacidade de estar em contato e influenciar o que sucede. Por conseguinte, alguém de fora deve vir em socorro; e quando se trata de mãe e filha, quem poderia ser, além do pai? Chapeuzinho Vermelho, quando cai na sedução do lobo para agir de acordo com o princípio do prazer em vez do da realidade, implicitamente retorna a uma forma de existência anterior e mais primitiva. Numa forma típica dos contos de fadas, a sua volta para um nível de vida mais primitivo é exagerada, indo até a existência pré-natal no útero, já que a criança pensa em extremos. Mas por que a avó deve ter o mesmo destino da menina? Por que ela também morre e é reduzida a um estado prévio de.existência? Esse detalhe está de acordo com a forma da criança conceber o significado da morte — que a pessoa não está mais disponível, não tem mais serventia. Os avós devem ter utilidade para a criança — devem ser capazes de protegê- la, ensiná-la e alimentá-la; caso contrário, são reduzidos a uma forma primitiva de existência. Como a avó em Chapeuzinho Vermelho não é capaz de lidar com o lobo, tem o mesmo destino que a menina.^12 A história deixa claro que as duas não morreram ao serem engolidas. Isso é evidenciado pelo comportamento de Chapeuzinho quando é libertada. "A menina pulou fora gritando: — O, como eu tive medo; como estava escuro dentro do corpo do lobo!" Sentir medo significa que a pessoa estava bastante viva, um estado oposto ao da morte, quando não se sente nem se pensa mais. O medo de Chapeuzinho era de escuridão, porque devido a seu comportamento ela perdera o estado mais elevado de consciência, que iluminava seu mundo. É como a criança que, sabendo que errou, ou não se sentindo mais protegida pelos pais, sente a escuridão da noite com os terrores se impondo sobre ela. Não só em Chapeuzinho, mas em toda a literatura de contos de fadas, a morte do herói — à diferença da , morte de uma pessoa idosa, depois de ter vivido — simboliza o fracasso. A morte dos que fracassam — como a dos que tentaram chegar até a Bela Adormecida antes do tempo devido e pereceram nos espinheiros — simboliza que a pessoa ainda não está madura para efetuar a tarefa solicitada, que tolamente (prematuramente) empreendeu. Essas pessoas devem passar por outras experiências de crescimento, que a tornarão capacitadas para as tarefas. Os predecessores do herói que morrem nos contos de fadas são apenas as encarnações anteriores e imaturas do herói. Depois de lançada na escuridão interior (a escuridão dentro do lobo) Chapeuzinho está madura e capaz de apreciar as coisas sob uma nova luz, de compreender melhor as experiências emocionais que tem de dominar e as que tem de evitar para que não a esmaguem.
termina com ele corrigindo seu comportamento e realmente se transformando num grande trem de carreira. Apito parece ser essencialmente um conto admonitório, advertindo as crianças para permanecerem no estreito caminho da virtude. Mas como é medíocre quando comparado com os contos de fadas! "Chapeuzinho Vermelho" fala de paixões humanas, voracidade oral, agressão e desejos sexuais pubertais. Opõe a oralidade educada da criança em maturação (levar os doces para a vovó) à sua forma canibalista primária (o lobo que engole a menina e a Avó). Com sua violência, incluindo a que salva as duas mulheres e destrói o lobo quando o caçador abre a barriga do animal e coloca pedras dentro, o conto de fadas não mostra o mundo cor-de-rosa. A história termina quando todas as figuras — a menina, a mãe, a avó, o caçador e o lobo — "fazem o que é devido": o lobo tenta escapar e cai morto, então o caçador tira a pele do lobo e a leva para casa; a avó come o que Chapeuzinho lhe trouxe; e a menina aprendeu a sua lição. Não existe uma conspiração de adultos para forçar o herói a emendar-se como exige a sociedade — um processo que nega o valor da autodireção interna. Em vez dos outros fazerem as coisas por ela, a experiência de Chapeuzinho leva-a a modificar-se, já que promete a si própria "enquanto viver, não .: sair do caminho para entrar na floresta..." O conto de fadas é muito mais verdadeiro tanto em termos de realidade de vida quanto em relação às nossas experiências internas quando comparado com "Apito", que se utiliza de elementos realistas como pontos de apoio: os trens correndo nos trilhos, as bandeiras vermelhas fazendo-o parar. Os detalhes são bastante reais, mas o essencial não o é, pois a população inteira de uma cidade não pára o ; que está fazendo para ajudar uma criança a se corrigir. Além disso, não houve perigo real para a vida de Apito. Sim, ele recebe ajuda para se corrigir, mas tudo o que esta experiência de crescimento envolve é tornar-se um trem maior e mais rápido — isto é, um adulto externamente mais bem-sucedido e útil. Não há o reconhecimento de ansiedades internas nem dos perigos da tentação para a nossa própria existência. Citando Roesman, "Não há acontecimentos graves como em Chapeuzinho Vermelho", que foram substituídos por "uma fraude que os. cidadãos armam em benefício de Apito." Em "Apito" não há nenhuma externalização dos personagens da história dos processes ! internos e problemas emocionais pertinentes ao crescimento, que permitam à criança encarar os primeiros e resolver os últimos. Acreditamos integralmente no que diz o final de Apito: que ele esqueceu que algum dia gostara de flores. Qualquer pessoa com abertura de imaginação sabe que Chapeuzinho Vermelho não poderia nunca esquecer o encontro com o lobo nem deixaria de gostar de flores ou da beleza do mundo. A história de Apito, não criando nenhuma convicção interna na mente
do ouvinte, necessita impor a ela a lição e predizer o resultado: o trem ficará nos trilhos e se tornará um trem de carreira. Nenhuma iniciativa, nenhuma liberdade. O conto de fadas possui internamente a convicção de sua mensagem; por conseguinte, não necessita prender o herói a um modo específico de vida. Não precisa dizer o que Chapeuzinho fará, ou qual será seu futuro. Devido à experiência ela será capaz de decidir por conta própria. Todos os ouvintes adquirem uma sabedoria a respeito da vida e dos perigos que os desejos de Chapeuzinho podem provocar. Chapeuzinho perdeu sua inocência infantil quando se encontrou com os perigos do mundo e os de dentro dela e trocou-os pela sabedoria que só os que "renascem" possuem: os que não só dominam uma crise existencial, mas também tomam consciência de que era a sua própria natureza que os projetava na crise. A inocência infantil de Chapeuzinho morre quando o lobo se revela e a engole. Quando sai do estômago do lobo, ela renasce num plano superior de existência, relacionando-se de modo positivo com os pais, não mais como criança; ela volta à vida como uma jovem donzela.