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A descoberta e análise de uma primeira cerâmica tradicional recente proveniente de tete, na província de tete, moçambique. O texto descreve a visita de um professor a um famoso oficino de cerâmica local, onde observou a produção e decoração de recipientes cerâmicos. A cerâmica apresenta motivos e organização decorativa que refletem um código cultural, transmitido pelas oleiras através de gerações. A descoberta destes recipientes permite estabelecer inter-relações entre as tradições histórico-culturais da cerâmica bantu produzida durante a idade do ferro na áfrica austral.
Tipologia: Notas de estudo
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R E S U M O Os recipientes que analisámos e aqui apresentamos, são uma produção da década de 30 do século XX, e foram recolhidos durante a 2.ª campanha da Missão Antropológica de Moçambi- que (MAM), da antiga Junta das Missões Geográficas e Investigações Ultramar, pelo Prof. San- tos Júnior, e encontram-se hoje no acervo do Instituto de Investigação Científica Tropical (IICT) para onde foram transferidos pela autora, e de acordo com aquele professor para pode- rem ser estudadas. A manufactura de cerâmica seria certamente uma actividade largamente desenvolvida, mas à data aquele professor foi informado da existência de uma oleira famosa, na área da cidade de Tete e foi assistir ao fabrico dos recipientes cerâmicos. A recolha que se pode considerar pioneira, foi efectuada em 1937, quando não parece haver qualquer registo ou até mesmo interesse pela cerâmica “tradicional” ou de uso comum no território de Moçambique. Podemos apresentar não só um conjunto de 11 recipientes de diferentes morfologias e dimen- sões, como também documentar o respectivo ambiente de trabalho e o conjunto de artefactos usadas pela artesã na sua manufactura. O resultado da análise, quanto aos motivos e respectiva organização decorativa, mostra que estes reflectem um código cultural, cuja temática mostra a combinação de motivos de fases mais antigas “símbolos culturais” apreendidos e que foram sendo transmitidas pelas oleiras ao longo de gerações. Este núcleo de recipientes cerâmicos pode se entendido como elo das tradições histórico-culturais, que permitem estabelecer uma inter-relação entre a temática e organização decorativa da cerâmica Bantu que foi sendo produ- zida ao longo da Idade do Ferro africana (Iron Age), na África Austral.
A B S T R A C T The analysed and characterized vessels are a production of 1930’s and were col- lected during the “2.ª Campanha da Missão Antropológica de Moçambique” (MAM) (2nd Campaign of the Mozambique Anthropological Mission - MAM) of the former “Junta das Mis- sões Geográficas e Investigações do Ultramar” (Geographical Missions and Overseas Research Institute) by Prof. Santos Júnior and can be found in the Instituto de Investigação Científica e Tropical (IICT). Pottery manufacture was an activity largely well developed, at the time, but the professor was informed of the existence of a famous lady-potter in the area of Tete and went to watch the manufacture. He collected, in 1937, the first ever examples of “traditional pottery” in a time when there was no register or even shear interest on this common-use pottery in Mozam-
Maria da Conceição Rodrigues A primeira cerâmica “tradicional recente”proveniente de Tete (Província de Tete, Moçambique)
bique. We present a set of 11 vessels displaying different morphologies and sizes, document the work environment and show the set of tools or artefacts used by the potter in its manufacture. The results of the analysis regarding the motives and decoration show a cultural code with themes based on the mix of motives of older phases “cultural symbols” learnt and transmitted by the lady-potters throughout generations. This set of ceramic vessels can be understood as links to the historical-cultural traditions, which allow a co-relation with Bantu pottery through the African Iron Age in Southern Africa.
1. Introdução
Este estudo apresenta os resultados da análise, caracterização e representação de um conjunto cerâmico que deverá ser o mais antigo núcleo de recipientes de fabrico manual, isto é, sem roda de oleiro e de uso comum proveniente de Tete. O espólio cerâmico do “passado recente” que constitui a base deste trabalho foi recolhido durante a 2.ª campanha da Missão Antropológica de Moçambique (MAM), da antiga Junta das Missões Geográficas e Investigações do Ultramar, no ano de 1937, por Santos Júnior que se deslo- cou propositadamente para tomar contacto directo com a artesã na altura do seu fabrico, com o objectivo não só de a ver trabalhar, como de registar as fases dessa actividade. Efectuámos o seu estudo do ponto de vista técnico-morfológico, quanto à temática decorativa, e ainda propomos a sua integração no contexto e tradições de uma actividade ancestral como é a ceramologia na África Austral, onde emerge como uma das bases da identidade cultural da popula- ção Bantu.
2. Localização
De acordo com os dados disponíveis, esta recolha foi efectuada próximo do quartel da então “7.ª Companhia Indígena” na cidade de Tete. Tete^1 também chamada São Tiago de Tete, fica situada na margem direita do Zambeze e é a capital da província de Tete (Fig. 1); localiza-se na folha 15 da carta de Moçambique na escala de 1:250 000 (Fig. 2). Coordenadas: Longitude Este 33º 35’ 17’’ e Latitude Sul 16º 9’ 12’’.
3. Nota histórica
Existem várias tradições quanto à origem do nome Tete; sabemos contudo que tem existência desde longa data, e a vila foi sede do governo do distrito com o mesmo nome. É uma cidade que se desenvolveu junto do rio Zambeze, uma das principais vias de penetração do comércio a longa dis- tância, dirigido para a costa do Índico. A cidade de Tete foi criada oficialmente por carta régia de 9 de Maio de 1856, publicada no Boletim Oficial de Moçambique, n.º 26, do mesmo ano (Sousa e Silva, 1927, p. 33). Foi outrora rica, populosa e poderosa, sendo defendida pela fortaleza de São Tiago, mandada construir pelo Capitão-General Caetano de Melo e Castro (concluída em 1875) e conhecida pela designação de forte de D. Luís (Lapa e Ferreri, 1889, p. 136).
Maria da Conceição Rodrigues A primeira cerâmica “tradicional recente”proveniente de Tete (Província de Tete, Moçambique)
Um dos grupos étnicos dominante em Tete é o dos Nhungué ou N’húngué^2. Provém da misci- genação ocorrida ao longo dos séculos entre povos de várias origens, formados, sobretudo, por ele- mentos Maraves e Mangangas. Os seus membros falam o chinhúngue/chinyungué — ou língua de Tete —, falada desde Lupata ao lago Vitória, língua comercial por excelência dos navegadores dos grandes rios, como descreve o jesuíta António da Cruz (1940). Estamos, portanto, na presença de cerâmica produzida por uma população Bantu, com grande individualidade. A manufactura da cerâmica em Moçambique é considerada uma produção exclusivamente feminina, salientando-se a oleira de Tete, muito famosa ao tempo, pelos seus magníficos dotes artís- ticos. Foi essa fama que levou Santos Júnior a deslocar-se propositadamente para vê-la trabalhar, como nos referiu e assinalou no Relatório da 2ª Campanha da MAM (Santos Júnior, 1940a, p. 47-49, 52), no qual ainda descreveu a metodologia usada pela oleira no fabrico dos recipientes e o tipo de objectos utilizados na decoração e polimento.
Um dos grupos étnicos dominante em Tete é o dos Nhungué ou N’húngué^2. Provém da misci- genação ocorrida ao longo dos séculos entre povos de várias origens, formados, sobretudo, por ele- mentos Maraves e Mangangas. Os seus membros falam o chinhúngue/chinyungué — ou língua de Tete —, falada desde Lupata ao lago Vitória, língua comercial por excelência dos navegadores dos grandes rios, como descreve o jesuíta António da Cruz (1940). Estamos, portanto, na presença de cerâmica produzida por uma população Bantu, com grande individualidade. A manufactura da cerâmica em Moçambique é considerada uma produção exclusivamente feminina, salientando-se a oleira de Tete, muito famosa ao tempo, pelos seus magníficos dotes artís- ticos. Foi essa fama que levou Santos Júnior a deslocar-se propositadamente para vê-la trabalhar, como nos referiu e assinalou no Relatório da 2ª Campanha da MAM (Santos Júnior, 1940a, p. 47-49, 52), no qual ainda descreveu a metodologia usada pela oleira no fabrico dos recipientes e o tipo de objectos utilizados na decoração e polimento.
Fig. 2 Topografia da região de Tete. Pormenor da folha 15 da Carta de Moçambique – província de Tete.
A primeira cerâmica “tradicional recente”proveniente de Tete (Província de Tete, Moçambique) Maria da Conceição Rodrigues
Fig. 3 O ambiente de trabalho da oleira aplicada no fabrico de um recipiente utilizando a técnica do rolo.
Fig. 4 A célebre oleira de Tete na fase de acabamento de um recipiente globular, dentro do tradicional cercado de caniço que rodeia a sua casa, acompanhada pelas vizinhas.
A primeira cerâmica “tradicional recente”proveniente de Tete (Província de Tete, Moçambique) Maria da Conceição Rodrigues
Estamos na presença de uma sociedade de agricultores de subsistência que apascentam cabras, criam galinhas e porcos e possuem cães, além de fabricarem cerâmica, que podia ser vendida nas feiras locais ou trocada por outros produtos. Consequentemente, temos nesta população de agricultores de subsistência uma economia de produção mista, dita natural, com troca directa de produtos, onde o trabalho da mulher é funda- mental. O conjunto de recipientes em estudo, que foi obtido directamente da oleira, é o resultado de um trabalho que contava, para a recolha e preparação da argila, com a colaboração das suas vizi- nhas, as quais se encontravam junto dela nas duas vezes que Santos Júnior se deslocou intencional- mente àquele local para assistir ao fabrico dos recipientes (Fig. 4). Esta colaboração não só era imprescindível à oleira, como certamente também dela beneficiavam as vizinhas, dada a capacidade de manufactura da oleira para obter os necessários recipientes para a sua vida quotidiana.
4. Material cerâmico
4.1. Inventário e representação dos recipientes
Dispomos de um conjunto de onze recipientes de diferentes morfologias e dimensões, que na sua grande maioria se encontram praticamente intactos e com designação própria, além de revela- rem um nível tecnológico muito uniforme. É uma cerâmica de fabrico manual, produzida por uma oleira N’hungué; são recipientes de uso comum, fabricados num ambiente microlocal, mas em que se fizeram sentir diversas tradi- ções com base regional e também a inclusão de elementos funcionais não africanos. Alguns apre- sentam pormenores morfológicos como bicos, asa e gargalos, o que denota a influência de cultu- ras de outras proveniências, nomeadamente da portuguesa, cujos representantes há muito residiam em Tete. A caracterização dos recipientes cerâmicos, mostra uma produção artesanal de alguma beleza, que merece, em nosso entender, um estudo pormenorizado, não só pela morfologia, como pela temática decorativa. Neles estão presentes diversos elementos constituintes da base cultural e iden- titária da cerâmica de populações da Idade do Ferro africana, dado apresentarem na sua morfologia e gramática decorativa motivos que documentam essas tradições. Para a representação dos recipien- tes, estes foram fotografados, sendo essa base depois digitalizada, utilizando o programa Adobe Photoshop (Figs. 6 a 9).
5. Estudo da cerâmica
5.1. Análise e caracterização técnica
A análise e caracterização técnica deste núcleo cerâmico baseou-se nos atributos intrínsecos resultantes dos aspectos estruturais, como são a pasta e as cores, e dos aspectos conceptuais (forma e decoração). Demos ainda grande importância à representação de cada uma das peças para, assim, possibilitar uma melhor identificação.
Maria da Conceição Rodrigues A primeira cerâmica “tradicional recente”proveniente de Tete (Província de Tete, Moçambique)
Fig. 6 Representação dos recipientes cerâmicos: peças n.os^ 1, 2 e 3.
CERÂMICA “TRADICIONAL RECENTE” – TETE
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Fig. 8 Representação dos recipientes cerâmicos: peças n.os^ 6 e 7.
A primeira cerâmica “tradicional recente”proveniente de Tete (Província de Tete, Moçambique) Maria da Conceição Rodrigues
Fig. 9 Representação dos recipientes cerâmicos: peças n.os^ 9, 10 e 11.
A primeira cerâmica “tradicional recente”proveniente de Tete (Província de Tete, Moçambique) Maria da Conceição Rodrigues
5.1.2. Cor
A cor tem neste núcleo cerâmico grande representatividade e é mesmo um elemento comple- mentar da sua temática decorativa. Os recipientes em estudo não se apresentam superficialmente alterados e a cor de fundo distribui-se uniformemente pela superfície polida. A cor dominante neste conjunto é o vermelho-cuba, 9E8 segundo o código de cores Methuen Handbook of Colour (1978) e 10R,2.5/6 segundo Munsell Color Chart (1975) para os recipientes polidos. Os recipientes que apresentam apenas uma parte alisada, a cor da pança e do fundo é o ocre-alaranjado: Munsell 2.5YR, 4/6 (peça n.º 7 – Fig. 8) e 5YR, 4/6 (peça n.º 8). Na coloração das peças foi empregue a hematite (substância que existe na zona de Tete em abundância), moída em suspensão aquosa, mais calcite e pó de grafite^4 , dissolvida para as zonas de cor negra. Para encher os sulcos das incisões nos recipientes n.os^ 7 e 8 e na bilha com asa — peça n.º 11 —, foi utilizada a calcite (branca) misturada com quartzo previamente reduzido a pó em sus- pensão aquosa. Este preencher dos sulcos para valorizar a decoração é também comum na cerâmica Maconde (Dias e Dias, 1964, Fig. 117). Quanto aos aspectos tecnológicos, as cores foram cuidadosamente aplicadas:
5.1.3. Cozedura
Quanto à cozedura, esta foi efectuada de modo tradicional, ou seja, em forno redutor: cova aberta no chão, não muito longe de casa, coberta de capim seco, onde eram colocados os recipientes. Cobria-se depois tudo com ramos e bosta de bovino seco (Santos Júnior, 1940a, p. 52) e pegava-se o fogo. A temperatura atingida terá sido, no máximo, da ordem dos 600 a 650ºC. O tipo de pasta, a colocação dos recipientes na campo da fogueira, a temperatura atingida e ainda o retirar dos recipientes depois de cozidos, são os elementos fundamentais para a obtenção de uma boa cerâmica, de que este conjunto é um bom exemplo. São visíveis ligeiras manchas negras (afogalhado) nas paredes de alguns dos recipientes, o que confirma o seu cozimento em forno redutor. Nas zonas de fractura, dado que em alguns recipientes é visível o cerne, este é cinzento-escuro e alaranjado, sendo a primeira cor a presente em maior per- centagem, o que assinala uma boa cozedura.
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5.2. Caracterização morfológica
No que respeita à forma, estes recipientes constituem um conjunto com algumas variantes quanto à morfologia; esta surge consoante o fim a que se destinam os recipientes e um pouco, tam- bém, segundo a inspiração da oleira, se bem que sem grandes alterações, quando comparados com os produzidos e referenciados como cerâmica do “passado recente”, nomeadamente por Schofield, K. Odner, Derricourt e Phillipson, entre outros. Os recipientes deste núcleo eram destinados principalmente a uso doméstico; passamos a caracterizá-los de acordo com as respectivas categorias, atributos e designações.
Peça n.º 1 Recipiente de forma elíptica — Chicalango ; com tampa de forma troncocónica — Balê (Fig. 6). Reci- piente: Lábio em bisel — L3. Bordo secante inclinado para o interior com perfil exterior arredon- dado convexo — tipo B6. Cor — castanha-avermelhado na pança e no fundo; o bordo é negro obtido com grafite. Tampa: Tampa em calote e bordo de perfil côncavo com um elemento de preensão em forma de coroa ou anel ao centro — Balê e que assenta no bordo do Chicalango. Cor — castanha-avermelhado no exterior e polido; o interior é castanho, mas foi apenas alisado.
Peça n.º 2 Recipiente de forma semielipsóide — Pendêcale (Fig. 6). Lábio aplanado arredondado — L 2 /1. Bordo tangente dirigido para o exterior — tipo B 0. Cor — castanha-avermelhado na face externa. Decoração — sem decoração marcada na pasta.
Peça n.º 3 Recipiente de forma semielipsóide — Taxo Engono (tacho pequeno) (Fig. 6) (este recipiente, bem como as peças n.os^ 9 e 10 estão presentes junto da oleira — ver Fig. 3). Lábio aplanado arredon- dado — L 2 /1. Bordo tangente dirigido para o exterior — tipo B 0. Cor — vermelha- -acastanhado no interior e exterior do bordo, parte inferior da pança e fundo.
Peças n.os^ 4 e 5 Recipientes de forma globular — Tchicanga (singular) (Fig. 7). Peça n.º 4: Lábio aplanado arre- dondado — L 2 /1. Bordo tangente e dirigido para o exterior — tipo B 0. Colo ligeiramente divergente — C1. Peça n.º 5: Lábio arredondado — L1. Bordo secante inclinado para o exterior, com perfil exterior arredondado côncavo — tipo B 1. Colo ligeiramente divergente — C 1. Cor — vermelha-acastanhado em ambos os recipientes desde o interior do bordo, no colo, na pança e no fundo na face exterior.
Peça n.º 6 Recipiente de forma composta de curva contínua, elíptica e tronco hiperbólica, com uma carena acusada — Mucate ; com tampa de forma discóide — Sambigué (Fig. 8). Recipiente: Lábio arredondado — L1. Bordo secante dirigido para o exterior com perfil arredondado côncavo — tipo B 1. Cor — vermelha-acastanhado, no interior do bordo, no colo, na pança e no fundo. Tampa: Tampa em calote aplanada com rebordo de perfil côncavo — Sambigué que assenta no bordo do Mucate e sem elemento de preensão. Cor — ocre-alaranjado e foi apenas alisada tanto no interior como no exterior.
Maria da Conceição Rodrigues A primeira cerâmica “tradicional recente”proveniente de Tete (Província de Tete, Moçambique)
Tipo IV — recipiente ovalóide de bordo aberto (2 exemplares — Messuco ). D — 12,2 e 14,8 cm — valores integrados na categoria — Médio, Dmb — 30,5 e 34 cm; A — 30,5 e 37,2 cm respecti- vamente.
Quanto aos recipientes que se considerou terem formas compostas, foram definidos dois tipos:
Tipo A — recipiente com carena onde, à forma semi-esférica, da pança e fundo, como que se justapõe uma outra tronco-hiperbolóide, que define o ombro e o colo, sendo o bordo aberto. Tem uma tampa de forma discóide (um exemplar — Mucate ). Dm — 11,5 cm e A — 3,1 cm (tampa). D — 11 cm — valor integrado na categoria — Médio; Dmb — 17,7 cm; A — 14,5;
Tipo B — recipiente de pança esférica e um longo gargalo cilíndrico (2 exemplares — Moringa ). D — 3,7 e 3,9 cm; Dmb — 17,5 e 21 cm; A — 25,8 e 31 cm respectivamente. O mesmo tipo de pança, mas com asa anelar e dois bicos cilíndricos de cada lado no ombro (um exemplar — Bilha ). D — 25,5 cm e A — 35,4 cm.
5.2.2. Fundo ou base
O fundo, ou base, deste conjunto de recipientes é predominantemente convexo, salientando- se a peça n.º 3 ( Taxo Engono ou tacho pequeno), porque apresenta uma ligeira depressão basal com cerca de 6 cm de diâmetro de forma circular. É a única peça com este tipo de fundo. Será este tipo de fundo uma reminiscência da tradição da cerâmica “Kwale”, que teria subsis- tido como tradição, ou será apenas, e tão-somente, uma necessidade para favorecer uma utilização? Os recipientes n.os^ 9 a 11 têm como base um pé anelar ou em coroa. Nestes três recipientes, são visíveis diferentes sinais de aculturação, pois neles está patente a influência de objectos de outras culturas, nomeadamente a europeia, que foi sendo assimilada e introduzida na cerâmica de uso comum, com mais ou menos consciência. É possível definir uma certa evolução nas formas deste espólio cerâmico, tendo como ponto de partida a forma globular.
5.3. Organização decorativa
5.3.1. Técnicas e motivos
Este núcleo cerâmico documenta uma representativa presença de técnicas e motivos quanto à decoração marcada na pasta em recipientes de diferentes tipos morfológicos, constituindo a sua organização decorativa um dos aspectos mais significativos. As organizações decorativas encontram-se sempre na superfície exterior em dez dos recipien- tes em estudo, sendo que apenas a peça n.º 2 ( Pendêcale ) e as tampas das peças n.os^ 1 e 6 não apresen- tam qualquer decoração marcada na pasta (como já referido). A decoração marcada na pasta regista-se sempre abaixo do limite do bordo até cerca de dois terços da pança, nos recipientes de morfologia considerada tradicional. Nas peças ditas “acultura- das”, como as n.os^ 9 e 10, este tipo de decoração desenvolve-se no ombro e no início da pança; no caso da peça n.º 11, a decoração ocorre até à base da pança.
A primeira cerâmica “tradicional recente”proveniente de Tete (Província de Tete, Moçambique) Maria da Conceição Rodrigues
Foram identificadas três organizações decorativas que tiveram em atenção a ordenação refe- renciada na sua representação esquemática, na qual se atendeu ao tipo morfológico, temática e organização decorativa, bem como às dimensões (Fig. 10 a, 10b e 10c), a saber:
Regista-se ainda a presença de uma organização atípica — peça n.º 11. A análise tipológica da decoração presente nos diferentes recipientes cerâmicos, com base na sequência ou organização decorativa (atendendo às técnicas e temáticas), conduziu à determinação dos critérios para a sua diferenciação. Assim, consideram-se duas categorias de sequências temáticas :
Categorias:
Sequência metopada 1 — S 4 — banda horizontal formando faixa de motivos alternados incisos e impressos, inter- rompidos por traços verticais incisos (métopa). Os motivos são definidos por incisões largas que delimitam zonas preenchidas por impressões de pente de oleiro de denteado bem defi- nido, que alternam com zona lisa. Ambas as zonas são delimitadas por incisão vertical, sendo a banda circunscrita por linhas incisas paralelas. Motivos — traços horizontais, verticais, den- teado oblíquo bem marcado e traçados lineares contínuos horizontais — peça n.º 1.
2 — S 4 — banda horizontal formando faixa de motivos alternados incisos e impressos, inter- rompidos por traços verticais incisos. Os motivos definidos por traçados triangulares incisos são preenchidos por impressões de pente de oleiro de denteado oblíquo, que alternam com zonas lisas ou pintadas alternadamente a preto e a vermelho, que intercalam com espaço divi- dido por traços incisos em pequenas áreas horizontais. Estas são preenchidas por impressões que alternam com áreas pintadas a preto e a vermelho, sendo cada uma das zonas delimitada por incisão vertical e a banda circunscrita por linhas incisas paralelas. Motivos — traços oblí- quos cruzados, verticais, horizontais, denteado oblíquo bem marcado e traçados lineares con- tínuos horizontais — peça n.º 3.
3 — S 4 — banda horizontal formando faixa de motivos alternados incisos e impressos, inter- rompidos por traços verticais incisos. Os motivos definidos por traçados triangulares incisos são alternadamente preenchidos por impressões de pente de oleiro de denteado oblíquo ou pintados a negro, que intercalam com pequenas áreas horizontais definidas por incisões largas que os ligam, e cada uma destas áreas é pintada a vermelho, sendo as zonas limitadas por inci- são vertical e a banda circunscrita por linhas incisas paralelas. Motivos — traços oblíquos cru-
A primeira cerâmica “tradicional recente”proveniente de Tete (Província de Tete, Moçambique) Maria da Conceição Rodrigues
Fig. 10a Morfologia e organização decorativa: peças n. os^ 1 a 5. Representação esquemática dos recipientes cerâmicos.
CERÂMICA “TRADICIONAL RECENTE” – TETE
Maria da Conceição Rodrigues A primeira cerâmica “tradicional recente”proveniente de Tete (Província de Tete, Moçambique)
Fig. 10b Morfologia e organização decorativa: peças n. os^ 6 a 8. Representação esquemática dos recipientes cerâmicos.