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instituto jurídico. A partir da pesquisa bibliográfica, analisamos os estudos sobre a política pública como instituto que interessa ao estudo do Direito.
Tipologia: Slides
Compartilhado em 07/11/2022
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Flavia Donini Rossito^1
A política pública foi desenvolvida originariamente entre os estudiosos da ciência política. Ao transcender-se para a ciência jurídica, a política pública ganhou espaço e importância na literatura jurídica e no dia a dia do aplicador do Direito. A discussão teórica sobre a natureza jurídica da política pública é recente na ciência jurídica, mas a dificuldade em se trabalhar com um instituto que não era puramente jurídico vem sendo superada. O presente artigo tem por objetivo estudar e analisar a literatura jurídica que trabalha a política pública como instituto jurídico. A partir da pesquisa bibliográfica, analisamos os estudos sobre a política pública como instituto que interessa ao estudo do Direito. Com a constitucionalização dos direitos sociais, culturais e econômicos a política pública passou a figurar como instituto jurídico, assumindo relevante papel de instrumento concretizador de direitos fundamentais e sociais. PALAVRAS-CHAVE : Direito Administrativo; Atuação Estatal; Política Pública.
RESUMEN La política pública fue desarrollada originalmente entre los estudiosos de la ciencia política. A transcenderse a sí misma para la ciencia jurídica, la política pública ganó espacio y la importancia en la doctrina jurídica y en el día a día del aplicador del Derecho. La discusión teórica acerca de la naturaleza jurídica de la política pública es reciente en la ciencia jurídica, pero la dificultad de trabajar con una institución que no era puramente jurídica ha sido superada. El presente artículo tiene como objetivo estudiar y analizar la doctrina jurídica que trabaja con la política pública como una institución jurídica. Desde la revisión bibliográfica, hemos analizado los estudios a cerca de la política pública como una institución que importa el estudio del Derecho. Con la inscripción en el texto constitucional de los derechos sociales, culturales y económicos la política pública pasa a ser una institución jurídica, asumiendo un papel relevante como instrumento de realización de los derechos fundamentales y sociales. PALABRAS CLAVE : Derecho Administrativo; La Acción Del Estado; Política Pública.
Com raízes estabelecidas na ciência política a política pública transcendeu suas fronteiras mostrando-se relevante para o estudo da ciência jurídica. Mesmo diante dos contornos políticos da política pública, o Direito teve de estudá-la e delineá-la como um instituto jurídico capaz de se transformar em instrumento de efetivação de direitos sociais, culturais e econômicos e, consequentemente, de direitos fundamentais. (^1) Mestranda em Direito Agroambiental pela Universidade Federal de Mato Grosso. Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Escola Paulista de Direito. Advogada.
Diante do processo de constitucionalização dos direitos sociais, culturais e econômicos, as políticas públicas também ingressam nos textos constitucionais como instrumentos concretizadores destes direitos. De forma mais específica, a política pública se incorpora ao estudo do Direito Administrativo, o qual, na ordem interna, rege a Administração Pública (LIMA, 1987, p. 19- 26). Tal incorporação surge em um momento de reformas gradativas impostas às ações da Administração Pública com o intuito de tornar mais eficiente a atuação da máquina estatal, ocasião em que se destacam as ações que partem de métodos de gestão pública, bem como pela adoção de políticas públicas como forma de planejar e elaborar a atuação estatal para que o Estado possa melhor atender às necessidades sociais. Esse movimento de reforma não é exclusivo do Direito Administrativo brasileiro, pois acompanha a crescente tendência mundial de tentativa de reformulação do modelo jurídico-institucional que compõe a Administração Pública (BUCCIa, 2006, p. 1-40). Dentre os novos institutos discutidos pelo Direito Administrativo encontra-se a política pública, ponto de transcendência entre o Direito e a ciência política. Neste trabalho, ocupamo-nos do estudo sobre a inclusão da política pública dentre os institutos jurídicos, vez que interessa sobremaneira ao estudo do Direito. Em outras palavras, o presente artigo tem como objetivo expor alguns dos pensamentos doutrinários mais relevantes sobre a incorporação da política pública na ciência do Direito, sua importância jurídica e como passou a figurar dentre os institutos jurídicos. Não temos a intenção de esgotar toda a matéria sobre política pública, mas apenas expor ideias de como a política pública transpõe as fronteiras da ciência política e passa a figurar como um instituto jurídico. Utilizamos o método da pesquisa bibliográfica para estudar e analisar a literatura jurídica que se debruça sobre a discussão da matéria. Desta forma, partimos da análise de dados secundários, que são aqueles já desenvolvidos por outros pesquisadores e doutrinadores do Direito. A problematização do tema encontra-se na dificuldade de se delinear contornos jurídicos a um instituto que nasceu e sempre foi objeto de estudo de ciência diversa da ciência do Direito. Para compreendermos melhor a questão o trabalho foi dividido em duas partes. Em um primeiro momento, traçamos, em breves considerações, a trajetória histórica que a política pública percorreu para se tornar um instituto jurídico, de forma a ser incorporada pelos textos constitucionais. A discussão segue no momento seguinte a partir da análise da literatura jurídica que
realização de finalidades coletivas”, isto é, “de metas coletivas”, formando um Estado fundado em políticas públicas ou “programas de ação governamental” (1997, p. 43-44), ou ainda o government by policies (1989, p. 102). O government by policies , para o autor,
[...] supõe o exercício combinado de várias tarefas, que o Estado liberal desconhecia por completo. Supõe o levantamento de informações precisas sobre a realidade nacional e mundial, não só em termos quantitativos (para o qual foi criada a técnica da contabilidade nacional), mas também sobre fatos não redutíveis a algarismos, como em matéria de educação, capacidade inventiva ou qualidade de vida. Supõe o desenvolvimento de técnica previsional, a capacidade de formular objetivos possíveis e de organizar a conjunção de forças ou a mobilização de recursos – materiais e humanos – para a sua consecução. Em uma palavra, o planejamento (1989, p. 102).
Podemos observar que o autor, ao tocar no ponto histórico da inclusão da política pública como matéria que interessa ao estudo do Direito, retrata a incompatibilidade do modelo de Estado Liberal com o Estado que atua diretamente na sociedade por meio de políticas públicas, isto é, com o Estado que desenvolve técnicas previsional, que planeja e executa metas a serem alcançadas em prol da sociedade em geral. Desta forma, Maria Paula Dallari Bucci destaca que uma das primeiras observações a ser feita ao trabalharmos com a política pública no Direito é sobre a relação entre o Direito e o modelo de Estado (2006a, p. 244-245) Após a primeira Guerra Mundial, surge a necessidade de reavaliação da relação entre Estado e sociedade, momento também marcado pela gênese das Constituições que incorporaram em seus textos os direitos fundamentais e sociais. A passagem do Estado Liberal para o Estado Social não ocorreu de uma só vez, ou por meio “de uma só transformação” (GRAU, 1978, p. 20), mas sim paulatinamente diante das “novas exigências de socialidade e democracia no século XX ” , ocasionando a denominada “estadualização da sociedade e a socialização do Estado ” (NOVAIS, 1987, p. 51 e ss.) Vanice Regina Lírio do Vale nos ensina que:
O Estado não mais se pode reputar externo, estranho à sociedade; e essa não se pode posicionar mais numa perspectiva de subordinação e não pertencimento em relação às coisas do poder. O desafio é a construção de uma fórmula de convivência reciprocamente influente (2009, p. 20-21).
Dessa forma, é no bojo do Estado Social que direitos econômicos, sociais e culturais são constitucionalizados, a começar pela Constituição Mexicana de 1917 e a Constituição de
Weimar de 1919, que influenciaram as Constituições brasileiras a partir do século XX, iniciando-se pela Constituição de 1934, em um movimento que Paulo Bonavides (2012, p. 378-382) explica como “constitucionalismo do Estado social”. O intervencionismo estatal no desenvolvimento econômico e social é característica marcante do Estado social pós-guerra. Conforme ressalta Eros Grau (1978, p. 20-21), “a liberdade econômica que constrói, que viceja no Estado Social, compatível com os ideais de bem-estar e desenvolvimento, é então moldada pela política de intervencionismo econômico e social”. É dentro desse cenário consolidado após as duas grandes Guerras Mundiais que o Estado atinge seu ápice na direção e na intervenção na sociedade, momento em que floresce o Estado de bem-estar social como um Estado intervencionista e de bem-estar, representado, mais especificamente, pelo Estado de bem-estar europeu e pelo New Deal norte-americano, com base no capitalismo como forma de mercado, o qual atingiria sua idade de ouro durante as décadas de cinquenta e sessenta ao representar o crescimento mais rápido da história (ANDERSON, 1995, p. 9-10). Entretanto, o Estado de bem-estar social, com forte regulação social e econômica pelo Estado, apesar dos anos de glória que atingiu no pós-guerra, experimentou sua decadência no início da década de setenta, como salienta Perry Anderson:
A chegada da grande crise do modelo econômico do pós-guerra, em 1973, quando todo o mundo capitalista avançado caiu numa longa e profunda recessão, combinando, pela primeira vez, baixas taxas de crescimento com altas taxas de inflação, mudou tudo. A partir daí as ideias neoliberais passaram a ganhar terreno (1995, p. 10).
Assim, com a perda de força do Estado de bem-estar e com a máquina estatal que se tornara pesada diante das prestações sociais assumidas, ganham força, principalmente na Inglaterra, as ideias neoliberais, exigindo do Estado uma contenção dos gastos com o bem- estar (ANDERSON, 1995, p. 10-11). Entretanto, Maria Paula Dallari Bucci nos ensina que não se deve confundir Estado de bem-estar social com o Estado Social de Direito. Expressa a autora que “o Estado social de direito, que se consagrou nas Constituições do século XX, não é sinônimo de Estado de bem- estar, produto de trinta anos de excedentes capitalistas no pós-guerra” (2006, p. 247). Continua Maria Paula Dallari Bucci:
A inscrição de direitos sociais nas cartas políticas nacionais não é um
Mesmo que ainda haja margem de discricionariedade nas escolhas políticas da Administração, existem diretrizes mínimas constitucionais que precisam ser observadas na atuação estatal por meio de políticas públicas.
3 A POLÍTICA PÚBLICA COMO INSTITUTO JURÍDICO
Para tentarmos compreender o que é a política pública sob a ótica jurídica, é preciso nos atentar à discussão doutrinária que se forma sobre sua natureza jurídica. De forma pioneira no direito pátrio, Fábio Konder Comparato se dedicou ao estudo da política pública sob a ótica jurídica, assim discursando sobre sua composição e sua natureza:
A primeira distinção a ser feita no que diz respeito à política como programa de ação, é de ordem negativa. Ela não é uma norma nem um ato, ou seja, ela se distingue nitidamente dos elementos da realidade jurídica, sobre os quais os juristas desenvolveram a maior parte de suas reflexões, desde os primórdios da iurisprudentia romana (1997, p. 44).
Para o autor, a política pública não se encaixa em elementos que tradicionalmente compõem as discussões jurídicas, tais como os atos e as normas. Para Comparato a política pública não é norma e nem ato, apesar de englobá-los como seus componentes. Para o autor, a política pública teria natureza de atividade , conforme exposição a seguir:
Mas, se a política deve ser claramente distinguida das normas e dos atos, é preciso reconhecer que ela acaba por englobá-los como seus componentes. É que a política aparece, antes de tudo, como uma atividade, isto é, um conjunto organizado de normas e atos tendentes à realização de um objetivo determinado (1997, p. 44-45).
De forma bastante clara, Comparato se manifesta sobre a natureza da política pública, que para o autor é de atividade, esta, por sua vez, é definida por ele como um conjunto organizado de normas e atos com finalidade de alcançar determinado objetivo. Ao identificar a abrangência da atividade na ciência do direito, Comparato aponta que a atividade ora é debatida no Direito Empresarial como substituta dos antigos atos de comércio, outrora emprega novos contornos ao Direito Administrativo ao delinear a noção de “serviço público, dos procedimentos administrativos”, bem como da noção de “direção estatal na economia” (1997, p. 45).
Desta forma, como bem ensina Comparato, a atividade é instituto bastante aceito no Direito Administrativo. Aparece nas discussões que elegem os critérios para a definição de Administração Pública e até mesmo do próprio Direito Administrativo (DI PIETRO, 2010, p. 46-47; LIMA,1987, p. 19-26; MEIRELLES, 1990, p. 74-75). Sobre a atividade, Rui Cirne Lima esclarece que:
Traço característico da atividade assim designada é estar vinculada, - não a uma vontade livremente determinada, - porém, a um fim alheio à pessoa e aos interêsses particulares do agente ou órgão que a exercita. Uma atividade e um fim supõem uma norma que lhes estabeleça, entre ambos, o nexo necessário. Entre uma causa e o fenômeno que lhe é efeito, a lei natural estabelece esse êsse nexo. Entre uma atividade e um fim, sómente uma lei prática, no caso, jurídica, o poderá estabelecer (1987, p. 21)
Portanto, estaria a atividade vinculada aos fins estabelecidos pela lei. Como atividade, a política pública estaria submetida à aplicação de princípios administrativos, ou seja, legalidade, moralidade, impessoalidade, eficiência e publicidade, uma vez que tais princípios se aplicam “a todas as atividades da Administração Pública, eles necessariamente funcionam como vetores axiológicos das políticas públicas” (BREUS, 2007, p. 228-229). José Cretella Júnior, por sua vez, entende pela necessidade de se distinguir a atividade entre as atividades jurídicas e sociais:
Atividade jurídica é tôda ação desenvolvida pelo Estado para a tutela do Direito (1966, p. 138). Atividade social é tôda ação desenvolvida pelo Estado para assegurar aos cidadãos bem-estar, cultura e progresso (1966, p. 140).
Ao analisar a natureza de atividade da política pública, levantada no ensaio de Comparato, Nagibe de Melo Jorge Neto entende que a política pública pode ser dividida em dois campos de interesse distintos:
Mirando-se exclusivamente na esfera da atividade, as políticas públicas podem ser definidas, de modo bastante amplo, como qualquer fazer, qualquer atuação ou atividade estatal que tenham por escopo implementar os fins do Estado, oferecer aos cidadãos os bens da vida e os serviços que cumpre ao Estado fornecer. [...] poderíamos dizer que o conceito de política pública está relacionado a um fazer estatal, a uma noção ou atuação pública, com vistas a concretizar, mediata ou imediatamente, os direitos fundamentais. Poderíamos ainda falar em políticas públicas querendo significar os programas de governo ou planejamento de ação dos órgãos públicos nas mais diversas áreas. Essa segunda acepção difere da primeira. Uma coisa é a
são representados por princípios e políticas, como fórmulas para a resolução de casos difíceis, que não são solucionados apenas com a aplicação das regras (2011, p. 35 e ss.). Portanto, para o autor, política e princípios não são regras, mas devem compor o sistema normativo para auxiliar na resolução de conflitos (2011, p. 35 e ss.). Sobre a política, Dworkin defende que esta não tem natureza de regra e nem de princípio, apesar de com este se confundir às vezes. Para o autor a política seria um padrão com metas a serem atingidas em prol da coletividade. Tais metas seriam baseadas em fundamentos econômicos, políticos ou sociais e beneficiariam toda a comunidade (2011, p. 36). Eros Grau também aponta insuficiências ao que chamou de “pensamento jurídico moderno”, que tem como marca a adoção do formalismo ou do positivismo (2005, p. 30-31), os quais, em regra, não conhecem valor normativo aos princípios (2005, p. 31). O autor entende que “as normas compreendem um gênero do qual são espécies, as regras e os princípios” (2005, p. 22), ou seja, para o autor os princípios possuem conteúdo normativo. Patrícia Massa-Arzabe afirma que este tema é de grande complexidade jurídica e que a “pirâmide Kelsiana não é adequada a explicar a normatividade da política pública em seu conjunto” (2006, p. 67-68). Afirma ainda que ao se incluírem novas categorias normativas no sistema jurídico, este acaba por precisar de uma reestruturação. Expressa a autora:
Note-se que a política pública funciona numa dimensão diferente da norma tradicional estruturada sobre a coerção. É importante ressaltar que a ação estatal meramente repressiva é insuficiente e não raro inócua para dar cabo de situações disseminadas e culturalmente toleradas na sociedade. A estrutura da política pública, ao contrário, permite o encaminhamento e tratamento do problema de forma mais razoável e possibilitando aos agentes causadores do problema em questão uma reconceitualização de si, de suas próprias ações frente ao mundo e da realidade de seu entorno. Seja isto com questão ambiental, quanto ao poluidor, seja na questão social, com a prostituição infantil ou o trabalho infantil, como modo de obtenção de renda para mitigar a pobreza familiar. Sob este prisma, pela via da participação na implantação da política pública, as crianças, os pais e a comunidade dialogam com o Estado, passam a respeitar a si próprias e tornam-se respeitados como pessoas dignas de serem ouvidas e como cidadãos. Assim, em lugar tão somente da via repressiva, pela vedação de determinada atividade ou conduta, que consistiria no caminho mais simples, mas de duvidosa efetividade, como mostra a experiência, busca-se interferir nas causas do problema, no caso, na necessidade de complementação da renda familiar. E a intervenção do Estado em estreita participação da sociedade dá- se, positivamente, por essa porta (2006, p.57).
Eros Grau avalia o impacto no sistema jurídico da atuação do Estado por meio de
políticas públicas ao explicar a atuação estatal na economia e sobre a economia:
O impacto dessas técnicas de atuação estatal reflete efeitos sobre a teoria geral do direito, o fenômeno das sanções premiais e da prospectividade do direito reclamando a reanálise da norma jurídica. A utilização do direito como instrumento de implementação de políticas públicas coloca em pauta outro fenômeno, o da profusa produção de normas pela Administração, que Carnelutti referiu como “inflação normativa” (2006. p. 27).
Maria Paula Dallari Bucci aponta algumas diferenças entre a política e outras categorias normativas, uma vez que “a lei, como categoria jurídica, caracteriza-se pela generalidade e abstração. Embora tenha uma dimensão teleológica, isto é, vise atingir um fim, isso não lhe confere, necessariamente, „endereço certo‟” (2006a, p. 25). Continua a autora, “as políticas, diferentemente das leis, não são gerais e abstratas, mas, ao contrário, são forjadas para a realização de objetivos determinados” (2006a, p. 25). Maria Paula Dallari Bucci também diferencia a política pública dos princípios, citando a distinção feita por Dworkin, a autora aponta que “Princípios são proposições que descrevem direitos; políticas (policies) são proposições que descrevem objetivos” (2006a, p. 25). Desta forma, a política pública não seria nem regra e nem princípio, mas seria possível sustentar que a política pública compõe uma categoria especial de norma a partir dos ensinamentos de Maria Paula Dallari Bucci:
Poder-se-ia dizer que as políticas públicas atuam de forma complementar, preenchendo os espaços normativos e concretizando os princípios e regras, com vista a objetivos determinados. Caberia, então, encontrar lugar (ou melhorar os seus contornos) para uma categoria jurídico-formal, situada provavelmente abaixo das normas constitucionais e acima ou ao lado das infraconstitucionais. Por esse raciocínio, as políticas públicas corresponderiam, no plano jurídico, a diretrizes, normas de um tipo especial, na medida em que romperiam as amarras dos atributos de generalidade e abstração – que extremam as normas dos atos jurídicos, esses sempre concretos -, para dispor sobre matérias contingentes (2006a, p.26-27).
Dos ensinamentos de Maria Paula Dallari Bucci destaca-se que as políticas públicas seriam instrumentos concretizadores de princípios e regras com fins determinados. E quanto à sua organização no ordenamento jurídico, estaria sob a superioridade da Constituição, mas ao lado das normas infraconstitucionais ou até mesmo acima destas normas. Nesta última hipótese, as políticas públicas teriam natureza supra legal.
disposições constitucionais, ou em leis, ou ainda em normas infralegais, como decretos e portarias e até mesmo em instrumentos jurídicos de outra natureza, como contratos de serviço público, por exemplo. (2006a, p. 11).
Desta forma, as políticas públicas podem ser inseridas no ordenamento jurídico pelo texto constitucional, por leis ou por outras espécies normativas, tais como os decretos e as portarias, ou até mesmo por meio de outros instrumentos jurídicos, como, por exemplo, os Planos Diretores e os contratos de concessão de serviço público (BUCCI, 2006a, p. 11-22). Alguns autores se preocuparam ao longo da sua pesquisa em trazer um conceito jurídico para a política pública. Comparato aponta Ronald Dworkin como um dos “raros autores contemporâneos” que enfrentaram o conceito de política (1997, p. 44). Dworkin conceitua política como:
[...] aquele tipo de padrão que estabelece um objetivo a ser alcançado, em geral uma melhoria em algum aspecto econômico, político ou social da comunidade (ainda que certos objetivos sejam negativos pelo fato de estipularem que algum estado atual deve ser protegido contra mudanças adversas). (2011, p. 36).
Em seu conceito, Dworkin deixa claro que a política pública é instituída para um fim determinado, ou seja, para que certo objetivo seja alcançado em prol da coletividade. Em sua tese, Maria Paula Dallari Bucci preocupou-se em construir um conceito jurídico para política pública:
Políticas públicas são programas de ação governamental visando a coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados. (2006, p. 241).
Assim, a política pública seria um programa de ação estatal composta de metas e objetivos predeterminados a serem alcançados. Em um segundo momento, Maria Paula Dallari Bucci reformula o conceito de política pública que construiu em sua tese, com o objetivo de incluir os “processos juridicamente regulados” como componentes da política pública. Nas palavras da autora:
Política pública é o programa de ação governamental que resulta de um processo ou conjunto de processos juridicamente regulados – processo eleitoral, processo de planejamento, processo de governo, processo orçamentário, processo legislativo, processo administrativo, processo judicial – visando coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades
privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados. Como tipo ideal, a política pública deve visar a realização de objetivos definidos, expressando a seleção de prioridades, a reserva de meios necessários à sua consecução e o intervalo de tempo em que se espera o atingimento dos resultados. (2006a, p. 39).
Maria Paula Dallari Bucci nesse segundo conceito preocupa-se em incluir todo o conjunto de processos pelo qual passa a política pública, desde seu planejamento até a sua execução e possibilidade de controle. Observando tal conjunto de processos é possível perceber que as políticas públicas são compostas por várias etapas, vários processos, ciclos, passando por distintos órgãos competentes para que possam ser planejadas, elaboradas, executadas e, finalmente, controladas. Maria Paula Dallari Bucci justifica que a política pública figura como programa ou quadro de ação governamental “porque consiste num conjunto de medidas articuladas (coordenadas), cujo escopo é dar impulso, isto é, movimentar a máquina do governo, no sentido de realizar algum objetivo de ordem pública ou, na ótica dos juristas, concretizar um direito” (2006a, p. 14). Eros Grau vai adiante ao designar o próprio Direito como uma manifestação de política pública:
A expressão políticas públicas designa todas as atuações do Estado, cobrindo todas as formas de intervenção do poder público na vida social. E de tal forma isso se institucionaliza que o próprio direito, neste quadro, passa a manifestar-se como uma política pública – o direito é também, ele próprio, uma política pública. (2006, p. 26).
Sobre a busca por um conceito jurídico para a política pública, Maria Paula Dallari Bucci encerra sua pesquisa com a seguinte conclusão:
Embora estejamos raciocinando há algum tempo sobre a hipótese de um conceito de políticas públicas em direito, é plausível considerar que não haja um conceito jurídico de políticas públicas. Há apenas um conceito de que se servem os juristas (e os não juristas) como guia para o entendimento das políticas públicas e o trabalho nesse campo. Não há propriamente um conceito jurídico, uma vez que as categorias que estruturam o conceito são próprias ou da política ou da administração pública. Entretanto, se não há um conceito jurídico, deve haver, com certeza, uma metodologia jurídica. As tarefas dessa são descrever, compreender e analisar as políticas públicas, de modo a conceber as formas e processos jurídicos correspondentes. (2006a, p. 47).
seria possível abarcar a política pública como uma espécie especial de norma, isto é, norma- objetivo, sistema este que não seria facilmente encaixado na pirâmide Kelsiana. As políticas públicas podem ser inseridas no ordenamento jurídico por distintos suportes legais, ou seja, pelo texto constitucional, por leis ou ainda por normas infralegais, ou até mesmo por instrumento jurídico de outra natureza, tal como o contrato de serviço público. Logo, exerceria a norma o fio condutor da política pública para o ordenamento jurídico, por meio da qual ganha vida e exigibilidade. A política pública traz como herança da ciência política seu desdobramento em ciclos, em processos que, ao serem transpostos ao universo jurídico, passam a ser processos juridicamente regulados. Dessa forma, constitui a política pública resultado de um processo juridicamente regulado, uma vez que de forma normativa são estabelecidas as competências para seu planejamento, sua elaboração e sua execução como instrumento concretizador dos direitos fundamentais, sociais, culturais e econômicos.
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