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Guias e Dicas
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A poética do cordel, Teses (TCC) de Ciências da Educação

Dissertação de mestrado na área de educação

Tipologia: Teses (TCC)

2020

Compartilhado em 05/11/2020

gabriela-dos-santos-barbosa
gabriela-dos-santos-barbosa 🇧🇷

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA UNEB
MESTRADO EM EDUCAÇÃO, CULTURA E TERRITÓRIOS
SEMIÁRIDOS
GABRIELA DOS SANTOS BARBOSA
A POÉTICA DE CORDEL COMO ARTEFATO DE AQUISIÇÃO DE
LETRAMENTO: NA VOZ, NO CORPO/PERFORMANCE
CONTEXTOS DE ORALIDADE NO MUNICÍPIO DE UAUÁ-BA
JUAZEIRO
2016
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Baixe A poética do cordel e outras Teses (TCC) em PDF para Ciências da Educação, somente na Docsity!

UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB

MESTRADO EM EDUCAÇÃO, CULTURA E TERRITÓRIOS

SEMIÁRIDOS

GABRIELA DOS SANTOS BARBOSA

A POÉTICA DE CORDEL COMO ARTEFATO DE AQUISIÇÃO DE

LETRAMENTO: NA VOZ, NO CORPO/PERFORMANCE –

CONTEXTOS DE ORALIDADE NO MUNICÍPIO DE UAUÁ-BA

JUAZEIRO 2016

GABRIELA DOS SANTOS BARBOSA

A POÉTICA DE CORDEL COMO ARTEFATO DE AQUISIÇÃO DE

LETRAMENTO – NA VOZ, NO CORPO/PERFORMANCE –

CONTEXTOS DE ORALIDADE NO MUNICÍPIO DE UAUÁ

Dissertação apresentada ao Programa de Pós Graduação – Stricto Sensu - Mestrado em Educação, Cultura e Territórios Semiáridos (PPGESA) da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Educação, Cultura e Territórios Semiáridos.

ORIENTADOR: PROF. DR. COSME BATISTA DOS SANTOS

JUAZEIRO

Aos filhos e filhas do Sol e também da chuva, deste vasto Sertão!

AGRADECIMENTOS

De um lado a poesia o verbo a saudade do outro a luta, a força e a coragem para chegar no fim e o fim é belo, incerto... Ele é sempre o começo.

Sigo a passos lentos e comedidos entre léguas de caminhos onde encontrei amor, afeto, confiança, sobretudo, amizades. Por isso agradeço aos que fizeram esta jornada possível. A Deus, primeiramente, pela vida. A minha mãe, paciente “guerreira impaciente”. Acredite em mim! Levarei seu nome em altos voos. As minhas irmãs, mesmo longe estão muito perto; em minha carne. Aos poetas de Uauá; vagalumes que alumiam meu caminho. Ao professor Cosme Batista dos Santos, sempre tão presente na orientação. Obrigada pela delicadeza e sensibilidade em apontar os caminhos. Obrigada pelos ensinamentos (in)formais que me despertaram o olhar atento durante conversas, risos e orientações. Aos professores e professoras do Programa de Pós-Graduação, Mestrado em Educação, Cultura e Territórios Semiáridos-PPGESA, meus agradecimentos pelas contribuições e aprendizagens. Aos colegas de sala de aula, juntos tornamos-na mais colorida. A Universidade do Estado da Bahia; minha „outra‟ morada. A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia; FAPESB, pelo incentivo à pesquisa. A Robson Rodrigues, pela paciência em me conduzir pelas veredas nem sempre abertas de Uauá, antes e durante a estada no campo de pesquisa. A Núbia Oliveira, primeiro colega, depois amiga; ainda ouço nossos risos ecoando em nossa casa de papel, onde compartilhamos o „calor‟ de Juazeiro. Ao Professor Edmerson Reis – coordenador do PPGESA, a borboleta segue voando o semiárido. Aos técnicos do PPGESA. Agora, agradeço também a Francisco, um pequeno ser que ainda não é presença, mas é plenamente corpo dentro de mim e, na medida que findo a escritura, ele , cá dentro anda, dá voltas redondas em minha barriga, que por ora é seu pequeno mundo, mas já cheio de poesia – eu canto para ele.

RESUMO

O projeto que me trouxe a um mestrado em Educação tornou-se possível porque descobri novas formas de enxergar as mesmas coisas. A hipótese central que norteou momentos cruciais de inquietações se pautou na seguinte questão: de que modo a poética do cordel afetou a aquisição do letramento ao promover formação literária/escrita dos poetas cordelistas no município de Uauá-Ba? Assim, o trabalho caminhou para a composição de uma cartografia, a qual buscou analisar, em contextos de oralidade, no município de Uauá-BA, como ela aproximou/aproxima estes sujeitos da cultura escrita, tendo como instrumentos o corpo e a voz (performance) na condução desse evento. Para tanto, selecionamos como referenciais teóricos, o conceito de letramento, como prática social, contextualizada e ideológica, trazido por Street (1984; 2014) e Kleimam, (1995), também Galvão (2007) ajudou a pensar os saberes colhidos na cotidianidade e na oralidade para a aquisição de letramento e inserção dos sujeitos no universo da cultura escrita. Alargando o campo de discussão o conceito de oralidade e escrita a partir de Ong (1998); Chartier (1996; 1998; 2001) e Certeau (1996). Tendo em vista esse contexto intercultural da oralidade e da escrita, vislumbrei a possibilidade de pensá-lo a partir da poesia de cordel, e, para isso, lancei mão de outros estudos seminais, a saber, Ana Maria Galvão (2001). No campo do entendimento da poesia oral e sua performance Paul Zumthor (1993; 1995; 2010; 2014) foi de fundamental importância. Além desses, outros importantes ensinamentos serviram ao desenvolvimento do referencial teórico dessa pesquisa. Quanto a abordagem trata-se de uma pesquisa qualitativa ancorada na fenomenologia. Do ponto de metodológico, ela apoia-se na cartografia, cuja perspectiva é mapear a poética das vozes no município de Uauá- Ba, tendo como suporte os estudos Biembengut (2014) e Kastrup (2014). Os resultados nos permitiram concluir que, a poesia de cordel, objeto de nossa pesquisa, é tomada como conteúdo de aprendizagens que promoveu a formação literária/escrita dos poetas cordelistas de Uauá ao contribuir significativamente para o processo de alfabetização, emergindo-os na cultura do escrito fora do espaço formal de ensino: a escola. Nessa medida, a poesia de cordel, oriunda do saber popular e da cotidianidade, captada pela tinta da caneta dos poetas e transformada em poesia, retorna ao povo, através do corpo e da voz do seu criador levando conhecimento acerca da realidade vivenciada pelo poeta, constituindo, assim, um ciclo: o poeta que se serve da poesia para sua formação, forma outros sujeitos com os saberes ali embutidos. Eis a grande contribuição para a educação, utilizar-se da poesia de cordel como espaço pleno de conhecimento.

Palavras-chave: Poesia de cordel. Letramento. Saber popular. Performance.

ABSTRACT

The project that brought me to a master's degree in Education becomes possible because I discovered new ways of seeing the same things. The central hypothesis that guided crucial moments of restlessness was based on the following question: how has the poetics of cordel affected the acquisition of literacy while promoting literary/written formation of poets of cordel in the municipality of Uauá-Ba? Thus, the work goes to the composition of a cartography, which seeks to analyze in oral contexts in the municipality of Uauá-BA, how it approached/approaches these subjects of written culture, having as instruments the body and the voice (performance) in the conduction of this event. For this, we selected as theoretical frameworks the literacy as social, contextualized and ideological practice (Street, 1984; Kleimam, 1995). Widening the field of discussion to the concept of orality and "writing"; and the concept of literature of cordel is necessary fundament to develop the work. Considering this intercultural context of oral and written communication, I glimpsed the possibility of thinking about it from the literature (cordel), and for that I have made use of other seminal studies besides Brian Street, Paul Zumthor (1993 ; 2010; 2014); Ana Maria Galvão (2001); Jorge Glusberg (2003); Roger Chartier (1996) and other important lessons that served to the development of the theoretical framework. From the theoretical and methodological point of view, this work is based on cartographic, whose perspective is to map the poetic voices in the municipality of Uauá-Ba, having as support the studies of Biembengut (2014); Boaventura Souza Santos (2000); Kastrup (2009). Brief results allowed us to conclude, from the studies that are aligned now, that the poetry of cordel is a form of production of meaning. To the extent, the poetry of cordel, derived from the popular knowledge and from everyday life, captured by the ink of the pen of the poets and transformed in poetry, returns to the people through the body and the voice of its creator bringing knowledge about the reality experienced by the poet; constituting, thus, a cycle: the poet who uses his poetry for his formation forms other guys with the knowledge embedded there. This is the great contribution to education that is to use the poetry of corel that is a full space of knowledge.

Keywords: Poetry of cordel. Literacy. Popular knowledge. Performance.

  • Fotografia 1: Alvorada de São João – Banda de Pífanos, Uauá,
  • Fotografia 2: Alvorada de São João – Igreja São João Batista, Uauá -
  • Fotografia 3: Alvorada de São João, Uauá, 2013...................................................
  • Fotografia 4: Alvorada de São João, Uauá,
  • Fotografia 5: Entrada leste da cidade de Uauá – BA
  • Fotografia 6: BGG da Mata Virgem declamando Uauá, Pirilampo, Vagalume
  • 2015...................................................................................................................... Fotografia 7: BGG da Mata Virgem e a banda de pífanos nas veredas de Uauá,
  • Fotografia 8: Perfomance poética de João Aleixo Ridrigues,
  • Mapa 1: Localização do município de Uauá no mapa da Bahia MAPAS
  • Mapa 2: Mapa Viário do município de Uauá
  • Figura 1: Capa do folheto – O sofrimento do eleitor e o político ignorante FIGURAS
  • Figura 2: Capa do folheto – Falando de Lampião
  • Figura 3: Capa do folheto – O bode mandingueiro...................................................
  • TEAR DOS SONHOS SUMÁRIO
  • 1 INTRODUÇÃO
  • 1.1 O primeiro sonho: “antes do verbo”
  • DESENHO DAS ÁGUAS
  • 2 A EMERGÊNCIA DE NOVOS SABERES NAS PRÁTICAS DOCENTES
  • OLHARES 3 UMA INCURSÃO PELOS CAMINHOS DO LETRAMENTO: PRIMEIROS
  • 3.1 Configuração dos modelos de letramento
  • 4 APROXIMAÇÃO: ORALIDADE E CULTURA ESCRITA
  • 4.1 Cordel: poética do oral no impresso
  • leitura – um ato de performance 4.2 Avisem aos amigos que o poeta chegou: corpo e voz na condução da
  • CONTEXTO BRASILEIRO 5 O “DITO”NO ESCRITO – ORIGENS DA LITERATURA DE CORDEL NO
  • MAPAS DE PIRATAS
  • 6 PELO CAMINHO AS MIGALHAS: O FAZER CIENTÍFICO
  • 6.1 Devaneios de uma viajante: a dança entre a cartografia e a etnografia
  • 6.1.1 Olhos de tormenta: a etnografia como caminho investigativo
  • 6.1.2 A linha que tece o caminho: a entrevista e a observação participante
  • 6.2 Perseguidores de vozes: os sujeitos da pesquisa
  • 6.3 Travessias e rotas em uauá: “terra dos vagalumes”
  • TESOUROS
    1. A CULTURA ESCRITA DOS POETAS DE CORDEL EM UAUÁ
  • 7.1 O cordel na mediação da leitura/escrita
  • FOLHETO 8. CORDEL: SABERES QUE DIALOGAM EM UAUÁ - O PAPEL EDUCATIVO DO
    1. CORDELISTAS EM PERFORMANCE: VOZ E GESTOS QUE ENSINAM
    1. DESCAMINHOS: BREVES CONSIDERAÇÕES (NÃO) FINAIS
  • REFERÊNCIAS
  • ANEXO

TEAR DOS SONHOS

trago as marcas de terra na pele aos corpos atirados da janela dei epitáfios, sobrenomes. do negro que me gerou tirei música da infância que não me deixa, a doença de festejar e crer (sempre) dos sem-tudo que cruzam a rua, a crença de não ser. converso com os velhos. sou prima dos indecentes. sou irmã dos cegos, dos aleijados, e dos dementes. sou filha da poesia (neta dos enjeitados) que me adotou, vestiu e me deu nome: a muda da rua quatro, que só sabe a língua dos ventos. Clarissa Macedo, 2014.

A partir dessa informação deduz-se que os sujeitos da pesquisa, e nessa categoria se incluem todos os poetas, retiram, nas palavras de Benjamim (1994), da própria experiência o que narra, do cotidiano vivido a metéria prima de suas poesias. Por exemplo, o escritor não retira do vazio os motivos fictícios para comporem suas obras. Por essa razão não há que se falar em oposição entre oral e escrito e sim ressonâncias. Logo, pretende-se uma abordagem que traga possíveis diálogos entre oral e impresso, saber popular e saber científico, os quais podem ser utilizados na escola como artefato de aprendizagem. Afora a motivação pessoal que me levou a eleger a poética do cordel como objeto de pesquisa, elenco também outros eventos que justificam sua presença nesta produção escrita. Durante o processo de experimentação de linguagens que se deu na graduação optei por trabalhar com a poesia. Com isso, desenvolvi oficinas com grupos de alunos em Escolas do Ensino Médio, como parte do projeto de extensão do qual participava. Encantada com a performance produzida pela declamação da poesia, sendo embalada por um complexo conjunto de sentidos, o qual envolvia a enunciação da palavra através da força vocal que tangia o corpo para um instante único de produção de movimentos ou simplesmente gestos silenciosos, mas que representam um emaranhado de vozes, comecei a pensar sobre o corpo na poesia escrita e fui adentrando caminhos desconhecidos que me levaram a outros caminhos, na busca de entender essas tantas vozes presentes no texto. Se por um lado encantava-me, por outro questiona o motivo pelo qual, não raro, a poesia é relegada à margem das discussões, como se fosse uma linguagem restrita somente à literatura. Entretanto, é por meio da subjetividade que o discurso poético se constitui em uma multiplicidade de práticas sociais, políticas. Nesse sentido, a poesia se constitui como espaço de materialização de saberes. Foi por meio dela que os poetas de cordel ajudaram na formação do entendimento sobre o que é o Nordeste e o Sertão, ao imprimir nela elementos constituintes desse espaço, usando da razão, da história, da sensação, do imaginário e da memória. A partir de tais intersecções que norteou momentos cruciais de inquietações quanto ao papel da poesia de cordel para/na formação dos sujeitos, esta pesquisa se pautou na seguinte questão: de que modo a poética de cordel afetou a aquisição

do letramento ao promover formação literária/escrita dos poetas cordelistas do município de Uauá-Ba? Assim, trago-a para pensá-la enquanto instrumento potencializor de letramento ao buscar analisar em contextos de oralidade do muncípio de Uauá, o modo como a poética de cordel afetou a aquisição do letramento ao promover formação literária/escrita dos poetas cordelistas do município de Uauá, haja vista a gama sígnica que ele carrega: texto/escrita; movimento/gestualidade; oralidade. Para tanto, analiso também a cultura escrita desses poetas, e nela encontro a poesia de cordel como veículo que os inseriram nessa cultura. O cordel, nesse sentido, dialoga com muitas semioses, pois sua utilização está além da leitura/escuta. Seu processo de produção agarra-se a práticas de linguagens, como os elementos performativos utilizados, por exemplo, no momento declamatório. Nesse sentido, a poesia de cordel vem servir como meio de inserção de sujeitos no âmbito da cultura escrita, uma vez que existem nela certos padrões, como a organização estrófica que fazem parte de sua própria composição e que favorece aos sujeitos sua „entrada‟ nesse universo. Os aspectos lúdicos empregados em cada folheto são considerados recursos que fazem com que sua composição se apresente no formato de um texto prazeroso, agradável e de fácil assimilação que, ao ser lido, os sujeitos se envolvem em suas histórias, através da cadência rítmica, como que dançassem em um ciclo sem início ou fim. Além disso, destaca-se no sentido didátido/pedagógico, pois permite que o leitor faça seu uso para apreensão dos fatos ocorridos em seu contexto, assim como fora dele, uma vez que permite diálogos com outras culturas. É válido acrescentar que o recorte espacial dessa pesquisa não corresponde a um contexto único, não se situando, portanto, em um lugar específico, por isso se primou por uma cartografia das vozes. Diante disso, a pesquisa se teceu em seu próprio caminhar indicando os passos a serem perscrutados. A cartografia, dessa forma, permitiu configurar tais espaços em uma rede tecida por múltiplas vozes. Assim, elas surgiram como princípio, um meio de poder acompanhar os percursos dos poetas cordelistas durante a pesquisa. Nesse mapa que se delineou, não houve um único sentido, mas uma heterogenia de sentidos, posto que “são múltiplas as entradas em uma cartografia” (KASTRUP, 2014, p.10). A realidade cartografada se apresenta como um mapa móvel , de tal maneira que tudo aquilo que tem aparência

habitação de um território que, em princípio, o pesquisador não habitava. Nesta medida, a cartografia se aproxima da pesquisa etnográfica e lança mão da observação participante no espaço onde habitam os entes da pesquisa, “lá onde conhecer e fazer se tornam inseparáveis, impedindo qualquer pretensão à neutralidade” (KASTRUP, 2014, p. 30). Desse modo, no campo da etnografia, a Interpretação das Culturas (2011) de Clliford Geertz e, no campo da cartografia, Pistas do método da cartografia (2014) serviram na imersão do território de pesquisa na busca de uma possível “descrição densa”, no sentido de que o pesquisador quando imerso noutra realidade deve buscar compreender os aspectos simbólicos do imaginário cultural que investiga. Passa então ao cartógrafo, pelo ofício de acompanhar processos sem deixá-los escapar por entre os dedos, na tentativa de atribuir um sentido interpretativo das representações simbólicas construídas pela poesia que os poetas empenham. É com esse desenho, ora amadurecido, que se ancoraram os bordados desta pesquisa. O que, no início, eram águas remexidas, como quando a gente era criança e arremessávamos uma pedra no lago e ela saia rolando na água sem afundar, fazendo ondas, hoje, depois de esperar que ondas se desfizessem, bem em nossos pés prostrados à beira do lago, a água tornou-se límpida, houve sua cristalização, materializada na presente escritura e dividida em quatro partes. No Tear dos Sonhos (que ora se constitui), além dessa apresentação, conto um pouco sobre as leituras que minha mãe fazia dos “romances de cordel” para mim e para minhas irmãs, em raros momentos de descanso. Tal leitura, mesmo que despretensiosa, já nos emergia no campo da cultura escrita, posto que “a leitura em voz alta permite o ingresso dos mal alfabetizados ou dos analfabetos no mundo da cultura do escrito” (CHARTIER, 2001, p. 86). Como me embebedei de palavras ainda na minha primeira infância e como aquela voz cantada de minha mãe se transformou numa memória corporal até conhecer as vozes dos poetas sertanejos. Em seguida construo a fundamentação teórica com o Desenho das águas, ora diáfana, como o espelho de Narcizo, ora opaca como se tivesse atirado uma pedra no lago e ela saísse pululando sobre suas águas sem se saber ao certo. Observa-se nesse desenho contornos de novas epistemologias acerca da significatividade de perceber os saberes oriundos da cultura dita popular, considerados acientíficos, para e na a formação dos sujeitos, e de como tal saber é

necessário à educação, na busca de um diálogo entre o ensino formal e o conhecimento advindo do cotidiano. Também coloca-se no palco algumas discussões acerca da poética da oralidade e sua passagem para o texto escrito, no intento de compreender o retorno à palavra oral quando o texto passa novamente por via da oralidade. Nesse âmbito observa-se a relação dialógica entre oralidade e escrita, em que uma se serve da outra, embora “o verbo” tenha vindo antes da escrita. Mas, são processos imbricados e que, portanto, não possuem fronteiras de separação, o que se observa é uma “movência” entre as poéticas orais e impressas. Ademais discute-se também o conceito de performance cunhado por Zumthor, na tentativa de destacar os efeitos da voz no ato da leitura de uma obra literária ou mesmo em presença. E com o Mapa de piratas enveredo por uma viagem, floresta adentro, na busca de uma metodologia que me guie durante a pesquisa, no intento de que não me perca diante da beleza dos lugares visitados. Assim, como o mapa de um pirata que não tem a rosa dos ventos, a pesquisa também o é, pois ela não nasce pronta: “são processos em curso” que vão se desdobrando no próprio ato de fazer. Em sua última parte, chego ao “Eldorado” para buscar os Tesouros colhidos pelo caminho: meus “achados arqueológicos”. É onde se pretendeu perfazer a cartografia da poética do cordel a partir dos dados coletados em campo. Aqui coloca-se a cultura escrita dos poetas cordelistas de Uauá, como estes, ainda criança, mesmo que em processos de observação ou de audição do escrito estavam imersos nessa cultura, tendo na poesia de cordel sua principal fonte de letramento. A partir de uma noção de voz e corpo, mostrando como esses elementos se encontram e se imbricam, reclamando uma produção de sentidos. E, assim, há uma convergência entre o oral/voz e o escrito preservado no corpo do poeta.

1. 1 O primeiro sonho: “antes do verbo”

Meu mundo corre em uma folha em branco, reclamando poesia e cantos. Com essa primazia cresceu em mim a vontade de pesquisar a linguagem das poéticas da oralidade. Linguagem esta que cerca minha vida, desde cedo. Então venho despetalando pelos caminhos um pouco das Flores do Mal ao rumar em

Um ou outro ano depois comecei a frequentar a escola „regular‟^2. Concomitante a isso, se davam as viagens à casa dos meus avós, que acontecia uma vez ao ano, durante as férias, então mais uma vez eu fui imersa no mundo dos livros na biblioteca onde minha tia trabalhava. Ela funcionava em uma casa antiga pintada de amarelo com janelas verdes, que diante do meu pequeno tamanho mais pareciam portas. Era uma casa antiga, mas sua velhice não queria dizer abandono, ao contrário, sua estrutura se mostrava conservada, com dois ou três salões sustentados por colunas de onde pendiam prateleiras feitas mesmo de tijolos e lá os livros ocupavam seus espaços. Então, eu ficava esperando „vovó‟ aprontar o almoço e logo me candidatava para levar à minha tia. Lá eu me estendia na tarde, em plena felicidade clandestina. Ela emprestava-me alguns livros para eu ler e dizia que podia leva-los comigo, para que pudesse continuar a leitura ao longo do ano e, no ano seguinte eu devolveria - não sei se era certo tirá-los da biblioteca, mas foi válido, totalmente. Assim, passaram-se alguns anos entre livros que vinham e livros que iam. Nesse ínterim, conheci muitos lugares na garupa de certo cavaleiro errante, pelo caminho duelei com Athos, Aramis e Porthos, naveguei nas mesmas águas de MobyDich , livrando-a da ira dos deuses de Camões e não me deixei embotar pelo canto das sereias de Homero, para que pudesse brincar com Oliver Twist nas ruas por onde andou David Coperfield. Sem medo entrei na toca do coelho e sair graças ao balão de O Mágico de Oz. Depois de decifrar os enigmas do não tão elementar Sherlock Homes mirei O Retrato de Dorian Gray. Os anos se seguiram e as viagens extinguiram-se totalmente, mas as minhas personagens ficaram, estabeleciam lugar em meu corpo, cada uma delas. O passo seguinte, após as viagens à casa de minha avó, foi descobrir outros mundos em outras leituras, elas me levavam a seus lugares de origem, me fazendo sonhar para, em seguida, recriar aqueles passos. Nessa outra viagem encontrei outros amigos. Foram leituras que me abriram as Portas da Percepção, e que nem mesmo os duros golpes de „ Machado ‟ impediram-me que, aos quatorze anos, eu conhecesse

(^2) Lembro-me do primeiro dia que fui para a escola – Escola Municipal José de Anchieta. Lembro-me ainda, acho que na primeira semana, após apresentações, a professora Maria Lúcia nos colocou para ler o “ABC”, eu deslanchei e o li por completo naquela mesma aula. Acho que ela não soube o que dizer, e semanas depois fui para a “cartilha”, li em pouco tempo também. E não demorou mandaram- me para outro anexo da escola onde ingressei na antiga 1ª série.

Raskolnikov, nem de penar por dezenove junto a Jean Valjean, depois de ter passado Cem anos de solidão na montanha de Zaratustra. Muitos anos se passaram até eu conhecer a poesia „sertânica‟, embalada pelo verso dos cantadores nordestinos. Eram versos sonoros evocando brasões e emblemas; palavras misteriosas que provocava em mim uma estranha alteridade e, por isso, chamava-me à atenção. Foi quando conheci outros amigos pelas veredas de Guimarães, os quais me fizeram adentrar o sertão e tantos outros sertões embalados pelos causos e contos de Aleiton Fonseca sobre esse lugar de encantamentos, onde até hoje se espera a volta do Rei D. Sebastião para livrar este povo da injustiça dos desmandos. Também, conheci o sertão no verso de Chico Pedrosa, Mestre Ambrósio, Patativa do Assaré, Ariano Suassuna, Franklin Maxado, Luar do Conselheiro, além da prosa de tantos conhecidos, como Raquel de Queiroz, Graciliano Ramos, José Lins do Rego, nomes que não cabem nas palavras. Na poética de Luar do Conselheiro^3 encontrei os vagalumes das terras de Uauá, que iluminam meus caminhos pelas veredas, nem sempre abertas, deste sertão acinzentado, mas que bem ali no meio do nada uma „caraibeira‟ repleta de flores amarelas „ourifica‟ o chão. O sertão é assim, um vazadouro de contradições que se encontram “nas mais estreitas veredas”. Também é presença no movimento alucinatório da ação modernizadora. Ele não se intimida ante a velocidade das motocicletas, quando elas cortam a estrada levantando poeira tingindo o vento de vermelho para revelar as ondas cibernéticas àqueles que no mesmo ritmo se apressam em ir e vir. Este sertão que cresce, que se desenvolve e (des)envolve continua sendo “o mesmo outro” do imaginário dos poetas das vozes. Assim, descobri a poética das vozes na escrita de poetas/cantadores/cordelistas que em seus trabalhos rememoravam a vida no sertão. Desde então, procuro apresentá-la em um lugar específico da literatura dita popular^4 , como um lugar onde a herança medieval e cavalheiresca, com todos seus

(^3) A poesia de Luar do Conselheiro foi objeto de estudo em monografia do curso de graduação em Letras Vernáculas. A partir dela, analisei a presença do corpo 4 – performance – no texto escrito. Popular é um termo literalmente repleto de definições, verdadeiras ou falsas, que gerações de estudiosos tornaram problemáticas. IdeletteMuzart nos diz que cultura popular designa então um conjunto cultural caracterizado pela produção, circulação ou consumo. Dois fatos acentuam essa particularização cultural: por uma parte o aparecimento de uma cultura de massa, por outra parte, o desejo de traduzir a descrição das diferenciações socioeconômicas no plano cultural (SANTOS, 2009).