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A POESIA DE VIDAS SECAS PAU DOS FERROS-RN 2021, Notas de aula de Poesia

de la sociedad, con el objetivo de transformarlo. Palabras clave: Literatura brasileña. Poesía de Vidas secas. Graciliano Ramos.

Tipologia: Notas de aula

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Osvaldo_86
Osvaldo_86 🇧🇷

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO PROPEG
CAMPUS AVANÇADO DE PAU DOS FERROS CAPF
PROGRAMA DE PÓSGRADUAÇÃO EM LETRAS PPGL
Doutorado Acadêmico em Letras
Linha de pesquisa: Texto Literário, Crítica e Cultura
MARIA DE LOURDES DIONIZIO SANTOS
A POESIA DE VIDAS SECAS
PAU DOS FERROS-RN
2021
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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE – UERN

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEG

CAMPUS AVANÇADO DE PAU DOS FERROS – CAPF

PROGRAMA DE PÓS–GRADUAÇÃO EM LETRAS – PPGL

Doutorado Acadêmico em Letras Linha de pesquisa: Texto Literário, Crítica e Cultura MARIA DE LOURDES DIONIZIO SANTOS

A POESIA DE VIDAS SECAS

PAU DOS FERROS-RN

MARIA DE LOURDES DIONIZIO SANTOS

A POESIA DE VIDAS SECAS

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras do Campus Avançado de Pau dos Ferros da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, como requisito parcial à obtenção do grau de Doutor em Letras, do Curso de Doutorado Acadêmico em Letras. Orientador: PROF. DR. MANOEL FREIRE RODRIGUES

PAU DOS FERROS-RN

A tese “ A POESIA DE VIDAS SECAS , autoria de MARIA DE LOURDES DIONIZIO SANTOS , foi submetida à Banca Examinadora, constituída pelo PPGL/UERN, como requisito parcial necessário à obtenção do grau de Doutor em Letras, outorgado pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN Tese defendida e aprovada em 25 de novembro de 2021. BANCA EXAMINADORA Prof. Dr. Manoel Freire Rodrigues – UERN (Presidente) Profa. Dra. Mona Lisa Bezerra Teixeira – Examinador Externo (1º Examinador) Prof. Dr. Carlos Martins Versiani dos Anjos – IFRN (2º Examinador) Profa. Dra. Maria Edileuza da Costa – Examinador Interno – UERN (3º Examinador) Prof. Dr. Michel de Lucena Costa – Examinador Interno – UERN (4º Examinador) Profa. Dra. Laniza do Nascimento Silva Araújo – Suplente Externo – IF Sertão PE (Suplente) Profa. Dra. Maria Aparecida da Costa – Suplente Interno – UERN (Suplente) PAU DOS FERROS 2021 (Ano)

5 DEDICATÓRIA Ao meu pai; às minhas três irmãs; ao meu sobrinho; aos meus tios, tias, primos e primas; aos demais parentes e amigos ( in memoriam ). Mesmo que a travessia seja a certeza, não nos acostumamos com ela. Resta-nos a dor perene na garganta que não sana, e lágrimas contidas a todo custo, diante do eterno vazio que nos põe perplexos, em meio à constante ausência. Às pessoas que tiveram suas vidas ceifadas, na família, ou fora dela, minha homenagem. À minha mãe, pelo sonho roubado, sem restituição; pela vida exemplar – plena de fé, coragem, atitudes e desprendimentos. Sua inteligência, personalidade, espírito crítico e capacidade criativa nos inspiram e nos motivam a enfrentar o desconhecido e a vencer adversidades. À minha família, pelo incentivo e pela permanente colaboração com minhas buscas. Ao Manoel, à Sofia, ao Hugo e ao Vítor, pelo apoio, incentivo e compartilhamento de afeto. À Cecília, pelo brilho do seu olhar e pela sua alegria que irradia. Aos meus irmãos e irmãs, parcerias na luta pela vida e nos sonhos nem sempre concretizados. Ao João, por seu humanismo, amparo e dedicação à mamãe, junto aos demais. À Dores, pelo permanente apoio, incentivo, partilha e sugestões valiosas nessa caminhada. Ao Zé, inspiração humana e artística, e referência de luta e perseverança nas adversidades. Ao Jorge, pela solicitude e apoio incondicional em momentos cruciais, no percurso da vida. Ao Juvino, pelo seu pioneirismo e persistência na luta contra as injustiças sociais. Ao Pedro e ao Antônio, por sua coragem para desbravar o mundo. À Dilma, excelência nos desafios da vida e da educação. Aos meus tios e tias, parâmetro de humanismo, humildade e simplicidade, pelas belas lições. Ao tio Antônio, que, dono de uma memória privilegiada, desde minha infância despertou-me o gosto pela arte literária, ao trazer a poesia de cordel para a sala do nosso lar; bem como pela partilha do seu conhecimento artístico-cultural e potencial autodidata, transmitido de forma sutil e generosa, em sua modéstia. Aos demais familiares e amigos, força presente e apoio incondicional, em todos os tempos.

AGRADECIMENTO ESPECIAL

Ao Prof. Dr. Marcos Falchero Falleiros, pela leitura atenciosa do Projeto e pelas sugestões preciosas. Ao Prof. Dr. Fernando Alexandre de M. P. Lopes, pelas contribuições relevantes sobre o tema. . Às Profas. Dras. Guacira Marcondes Machado Leite e Karin Volobuef, pela solicitude incondicional. Ao Prof. Dr. Renato Franco, pelas generosas experiências compartilhadas, desde a Disciplina Teoria do Romance, legado precioso do conhecimento que obtive como Aluna Especial UNESP-Araraquara. Ao Prof. Dr. Igor Rossoni, pelas suas magníficas lições no Curso de Poesia (ministrado na UNESP-Araraquara), aprendizado inestimável para o conhecimento literário e da vida. Ao prof. Dr. Fernando Alexandre Pereira Lopes, por seu incentivo e suas relevantes sugestões, na V JOEEL, para o aperfeiçoamento deste trabalho. Ao saudoso Prof. Dr. Newton Ramos-de-Oliveira ( in memoriam ), por sua substancial contribuição nesse percurso. Aos professores prestimosos que me estenderam a mão, nessa trajetória: Dorgival Fernandes, Elri Bandeira, Henrique Miguel, Iris Helena, Josefa Pereira, Leireni, Natal Lânia, Nazareth Arraes, Nelma Arônia, Osmar Filho, Rejane Ribeiro, Risomar, entre outros.

Tempo de agradecer: Pela vida – que me possibilitou realizar esse sonho que acalentei – o de estudar, legado de minha mãe, que nunca se conformou por não poder frequentar a escola, por ser mulher. Dessa forma, externo aqui minha gratidão a todas as pessoas que, de alguma forma, contribuíram para que eu galgasse os degraus da educação e alcançasse esse espaço, rompendo com o destino preestabelecido para tantas pessoas, especialmente para as meninas que sequer ingressaram na escola, ou tiveram que interromper os ciclos da educação básica. A esta altura, o que conquistamos, como direito indispensável, torna-se privilégio, em uma Nação que exclui pretos, pobres e mulheres do acesso ao conhecimento, a exemplo do analfabetismo de minha mãe e de uma lista infinda de crianças, a quem este país desamparou e legou à escuridão. Dessa forma, não conseguiria elencar, nessas páginas, os nomes das pessoas que me estenderam a mão, no decurso de minha formação, até então, que vão de “A a Z”, e cometeria injustiça, citando alguns nomes. Entretanto, há um marco que requer registro; trata-se da atitude de Maria Petrúcia da Silva, cujo compromisso com a educação se confirmou, ao abrir portas para a sua turma concluinte seguir adiante. Definitivamente, jamais ultrapassaríamos essa fronteira, se ela não nos tivesse inscrito no Exame de Seleção, para que, aprovados, pudéssemos prosseguir os estudos. Ao incentivo primordial, ao apreço à arte, e à leitura dos textos literários, que as Professoras Gildete e Maria Madalena Barros de Menezes me propiciaram no antigo Curso Científico da Escola Estadual Prof. José Quintella Cavalcanti, de Arapiraca-Al. Conduzida pela Profa. Madalena, a minha Turma, concluinte em 1983, fez uma excursão com a finalidade de visitarmos o Museu Graciliano Ramos, em Palmeira dos Índios-Al. Assim, fica o meu reconhecimento de que, em cada passo dado, nunca estive só; afinal, para alcançarmos êxito em nossas buscas, há um universo de figuras anônimas, conhecidas ou não, que, de modo solícito, desempenham seu papel com vistas à concretização de nossas vitórias.

RESUMO

Trata-se da realização de uma investigação sobre a poesia de Vidas secas , conferida no discurso dessa obra, o qual apresenta facetas que matizam a tradição e a modernidade, em sua coerência estética. Nessa perspectiva, discutimos a resistência que confere lirismo a esse romance, com base na observação da poesia intrínseca à sua linguagem, levando em consideração os aspectos poéticos que se manifestam nos elementos que estruturam a narrativa. Partindo desse pressuposto, constatamos que o leitor, provocado pelas sugestões de imagens que emanam do mundo que a linguagem poética recria, a cada leitura realizada, é instigado a desvelar os meandros que envolvem a opressão a que o povo está submetido, na representação dessa obra, a qual expressa um protesto a essa condição dos indivíduos. Desse modo, esse romance configura-se um instrumento que desvela e se contrapõe à coisificação que desvirtua o homem. Assim sendo, através de estratégias que atestam seu potencial artístico, conferido na criação de sua arte resistente, o autor revela-se compromissado com o lirismo social, ao tempo em que intervém, de forma singular, no processo de dominação da sociedade, no intuito de transformá- la. Palavras-chave: Literatura Brasileira. Poesia de Vidas secas. Graciliano Ramos.

ABSTRACT

This is a study about the poetry of Vidas Secas , conferred in its discourse, which presents angles that ornament tradition and modernity, in its aesthetic coherence. In this perspective, we discuss the resistance that confers lyricism to this novel, based on the observation of the poetry intrinsic to its language, considering the poetic aspects that manifest themselves in the elements that structure the narrative. Based on this assumption, we verified that the reader, provoked by the suggestions of images that emanate from the world that the poetic language provides, in each reading done, is instigated to unveil the intricacies that involve the oppression to which the characters are subjected in this work, that expresses a protest against this condition of individuals. Thus, this novel is set up as an instrument that unveils and opposes the objectification that deforms the humankind. Therefore, through strategies that ensure his artistic potential, conferred in the creation of his resistant art, the author reveals himself committed to social lyricism, while intervening, in a singular way, in the process of domination of society, in order to transform it. Keywords : Brazilian Literature. Poetry of Vidas Secas. Graciliano Ramos.

SUMÁRIO

  • INTRODUÇÃO ___________________________________________________________
  • CAPÍTULO I _____________________________________________________________
  • EXPERIÊNCIA ESTÉTICA E RESISTÊNCIA NO LIRISMO DE VIDAS SECAS ____
    • LINGUAGEM E MITO: ESCAVANDO NO RASTO DA POESIA_____________________
    • O FARDO DA VIDA: PESO DEMASIADO HUMANO _____________________________
    • SILÊNCIO E INCONFORMISMO – A POESIA DA NEGAÇÃO ______________________
    • CONFINAMENTO E ABANDONO EM VIDAS SECAS _____________________________
  • CAPÍTULO II ____________________________________________________________
  • ESTRATÉGIA DE RESISTÊNCIA NO ITINERÁRIO DA POESIA ________________
    • DESEJO E IMPOTÊNCIA NA FORMAÇÃO DOS FILHOS: DESESPERO DE FABIANO
    • ENIGMA DA PALAVRA – O QUE A ESCRITA (DES)VELA? _______________________
    • EDUCAÇÃO E LITERATURA - BENS INCOMPRESSÍVEIS ________________________
    • INDIFERENÇA E INCONFORMISMO: O MENINO MAIS NOVO ___________________
    • VESTÍGIOS DE MEMÓRIAS: VITÓRIA E RESISTÊNCIA À ESCRAVIDÃO _________
    • NO FIO DA MEMÓRIA, A RESISTÊNCIA DA POESIA ____________________________
    • FIGURAS DE SONHO NA POESIA DE GRACILIANO RAMOS ____________________
    • DITÉRIOS E EXPRESSÕES METAFÓRICAS ____________________________________
  • CAPÍTULO III __________________________________________________________
  • FETICHIZAÇÃO E POESIA EM VIDAS SECAS ______________________________
    • A FAZENDA VAI À FESTA____________________________________________________
    • A REIFICAÇÃO EM VIDAS SECAS – ITINERÁRIO DA POESIA __________________
    • DESMORONAMENTO DO HERÓI NO MUNDO ADMINISTRADO ________________
  • CAPÍTULO IV ___________________________________________________________
  • SOBRE A POESIA DE VIDAS SECAS _______________________________________
  • CONCLUSÃO ___________________________________________________________
  • REFERÊNCIAS _________________________________________________________

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INTRODUÇÃO

Diante da fortuna crítica de ampla magnitude como é a dessa obra de Graciliano Ramos, perguntamo-nos se ainda há o que se dizer a seu respeito. Entretanto, não obstante os desafios para empreender uma pesquisa sobre a arte desse romancista, surge outra pergunta: devemos parar de inferir a respeito das problemáticas instigantes que suscitam discussão sobre sua criação? Compreendemos que a produção literária de Graciliano Ramos, a exemplo da obra Vidas secas, abriga mistérios a serem desvendados que sempre estimularão a investigação. Com efeito, para perguntas que surgem e se multiplicam, no âmbito investigativo, aparecem respostas que provocam novas perguntas, proporcionando um infinito encadeamento discursivo. Assim sendo, quando se trata de discutir a obra literária, fonte inesgotável de descoberta, por mais que se tenha dito a seu respeito, entendemos haver sempre algo mais a ser sondado, numa proposição para outros debates. Dessa forma, deparamo-nos com a poesia que perpassa a linguagem de Vidas secas , expressa na angústia causada pela ausência do que é essencial à vida, e que resulta na frustração dos personagens. No entanto, há um movimento em sentido contrário que os impulsiona à busca de superação de seu estado adverso, estabelecendo uma correlação de forças que atesta o lugar da poesia. Ou seja, se por um lado temos a seca, acompanhada de todos os seus contratempos que castigam os retirantes; estes, por sua vez, em sua resistência, encontram força e enfrentam os obstáculos, ainda que não os vença, na tentativa de suplantarem a opressão, movidos pela esperança de melhoria para suas vidas. Nessa perspectiva, apresentamos, aqui, resultados da investigação sobre a poesia de Vidas secas de Graciliano Ramos, a partir de um olhar sobre o poético, o simbólico e o sublime impressos na linguagem dessa obra, conforme fica evidenciado no drama enfrentado pelo grupo de retirantes, composto pelos sujeitos narrados. Desta arte, no primeiro capítulo, intitulado “Experiência estética e resistência no lirismo de Vidas secas ”, discutimos a respeito da impotência, bem como da falta de saída para o indivíduo que, no exemplo de Fabiano, o vaqueiro da fazenda, se submete aos desmandos do patrão e à violência da força invisível do sistema econômico e da figura do Soldado amarelo^1 , representação da instituição do Estado e materialização da opressão ao trabalhador. (^1) Chevalier e Gheerbrant (2009, p. 40), em seu Dicionário de símbolos , afirmam ser o amarelo, “a mais ardente das cores, difícil de atenuar e que extravasa sempre dos limites que o artista desejou encerrá-la”. Em suas variadas simbologias, esses autores ressaltam a representação da violência; de oposição, na dimensão espacial, entre os eixos vertical e horizontal – o que está embaixo o que está no plano mais elevado, no centro do universo.

16 de sua terra em consequência da seca reincidente, mas, também, do egoísmo e da ambição do outro que trapaceia. É essa força da natureza hostil que, de forma recorrente, impõe a fuga aos seres humanos desprovidos de recursos para sua manutenção. No segundo capítulo, intitulado “Estratégia de resistência no itinerário da poesia”, discutimos sobre o fenômeno artístico da resistência à opressão, desvelada através da arte literária. Assim, utilizando-se de subterfúgios em seu engenho e arte, Graciliano Ramos lança mão de estratégias que desnudam a realidade opressiva, ao iluminar, com sua poesia, os recônditos que obscurecem a verdade, trazendo-a à luz do entendimento do leitor. Desta forma, através do silêncio dos seus personagens, a obra desse autor é ressaltada por apresentar, em seu elevado potencial de teor contestatório, um caráter reconhecidamente inovador, capaz de provocar grande ruído entre os opressores. Não obstante esse traço artístico que perpassa a produção do Mestre Graça, Vidas secas destaca-se entre as demais, visto que nela torna-se evidente a busca pela descoberta e desvendamento da linguagem, desejo irrealizado pelos personagens dessa obra, a exemplo da curiosidade do menino mais velho, reprimida com a violência materna, no episódio do cocorote, conferido no capítulo “Inferno”. Ressaltamos que a violência também se explicita nessa narrativa pelo anonimato das crianças, as quais não têm direito ao nome, conforme mostram os capítulos do romance, intitulados “O menino mais novo” e “O menino mais velho”. Esse anonimato configura uma ironia mordaz, visto que, em sua ilusão, os personagens desejam ouvir e pronunciar a palavra, além de interpretar a história que ouvem ou contar os acontecimentos que os impressiona. Assim, a narrativa de Vidas secas instiga-nos a refletir sobre essa condição de isolamento e abandono do ser humano, em uma sociedade cujo foco é a exploração do homem e o desprezo aos sujeitos que não produzem a seiva ou “o lubrificante” que “amacia” a engrenagem da máquina do capitalismo. Como tal, presa desse sistema embrutecedor, o ser humano representado torna-se impotente para encontrar solução para seus problemas, visto que se encontra reduzido ao seu destino de ser autômato. No terceiro capítulo, intitulado “Fetichização e poesia em Vidas secas ” abordamos o fetichismo entranhado na poesia dessa obra, no intuito de refletir acerca de questões sobre contradições nela apresentadas. Nesta perspectiva, refletimos a respeito da própria luta autoral com a palavra, quando esta é a matéria que dará forma às figuras, às paisagens, ao espaço e a tudo o que for necessário para a recriação de uma realidade que, a despeito de estar entranhada em seu criador, torna-se um permanente desafio, quando a ideia precisa ganhar corpo.

17 Ao lançar mão da estratégia de apoiar-se no discurso antigo, para elaborar diferentes abordagens a respeito de algo, incorrerá na armadilha que a linguagem disfarça, em seu caráter multifacetário. Aliás, o caráter enigmático da linguagem, especialmente a poética, ainda mais a de Vidas secas , tem emaranhado em seu tecido a fetichização, a exemplo do fascínio que ela exerce sobre seus personagens. A similaridade entre o encantamento de Fabiano pelas palavras e o desejo obstinado do menino mais velho pela palavra-coisa “inferno” aparecem na narrativa como uma fixação, tal qual ocorre aos poetas, em busca da palavra, matéria-prima para elaborar sua poesia. Contudo, em seu deslumbramento pela beleza das palavras, esses sujeitos fictícios desenvolvem uma obsessão que traz como consequência a frustração, quando, ironicamente, sequer compreendem seus sentidos. Essa limitação na compreensão da palavra representa a subtração de um bem simbólico inerente ao homem, que é forçado a deixar seu território, quando se desvincula do seu espaço e rompe, de modo violento, irreversível e catastrófico o elo com sua comunidade e, por conseguinte, com sua cultura. A linguagem, bem comum de uma sociedade, internalizada no indivíduo usuário, é um bem simbólico de valor inestimável. Sua apropriação e institucionalização pelos detentores do poder exclui seu acesso aos despossuídos, que a ignoram mergulhados na escuridão da ignorância e no isolamento. Exemplo disso é o que encontramos na metáfora expressa no romance: os personagens “tinham-se habituado à camarinha escura, pareciam ratos” (RAMOS, 1994g, p. 18). Desprovidos de bens imediatos – comida, moradia, trabalho, educação, entre outros, os personagens são marginalizados, por não poderem arcar com o valor desses bens essenciais à vida. Ao converter os bens simbólicos em mercadoria, a sociedade burguesa tornou reificada a relação entre os homens. Diante disso, o ser humano passou a ser valorizado de acordo com suas posses, e avaliado conforme o mercado capitalista estipula; consequentemente, os despossuídos são espezinhados por quem manda nessa relação, conforme vemos no exemplo dos retirantes, no contexto de Vidas secas. Nessa obra, assim como os desejos dos sujeitos pelo domínio da linguagem apontam para uma relação reificada entre os homens, o fetiche manifesta-se, também, nos desejos frustrados de Fabiano quando este: quer cantar, mas recua para “economizar força”, por encontrar-se sedento, faminto e esgotado pela marcha exaustiva; sonha com a estação das águas, e, com ela, a conquista da felicidade, materializada na sensualidade que a mulher esbanjaria, vestida em “uma saia larga de ramagens” (RAMOS, 1994g, p. 15). A fantasia de Fabiano realiza a metamorfose de sinha Vitória, cuja “cara murcha” remoçaria; suas “nádegas bambas [...]

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CAPÍTULO I

EXPERIÊNCIA ESTÉTICA E RESISTÊNCIA NO LIRISMO DE

VIDAS SECAS

LINGUAGEM E MITO: ESCAVANDO NO RASTO DA POESIA

A partir de uma leitura de Vidas secas , percebemos, através da linguagem poética que estrutura essa obra, que seu discurso apresenta facetas que matizam a tradição e a modernidade, configurando, assim, sua coerência estética. Nessa perspectiva, discutimos acerca da resistência presente no lirismo desse romance, com base na observação da linguagem mítica que fundamenta o pensamento dos personagens, no exemplo de suas fraseologias e expressões idiomáticas, numa contraposição ao uso da Língua Oficial, cuja subversão consolida o caráter inovador do discurso artístico-literário, ao promover um embate nesse campo de domínio sociolinguístico e cultural. Situamo-nos, desse modo, diante de um dilema interposto pela alienação do homem que desconhece suas raízes, manifestada na linguagem de Fabiano, personagem que representa o camponês, cuja sabedoria é desprezada pelo seu interlocutor citadino. Não obstante, Fabiano, em sua autenticidade, resiste à opressão, ao manter seu conhecimento, fundamentado na experiência adquirida na coletividade, em conexão com a natureza. Exemplo disso é o que encontramos no primeiro parágrafo do capítulo dessa obra, intitulado “Fabiano”, quando este personagem “curou no rasto a bicheira da novilha raposa [Ele] supôs distinguir as pisadas [do animal] na areia, baixou-se, cruzou dois gravetos no chão e rezou. Se o bicho não estivesse morto voltaria para o curral, que a oração era forte” (RAMOS, 1994g, p. 17). À maneira do cumprimento dessa “obrigação”, Fabiano segue sua sina, reproduzindo os gestos e ritos dos seus antepassados, como mostra a descrição de sua imagem, no seguinte fragmento da narrativa: “A cabeça inclinada, o espinhaço curvo, agitava os braços para a direita e para a esquerda. Esses movimentos eram inúteis, mas o vaqueiro, o pai do vaqueiro, o avô e outros antepassados haviam-se acostumado a percorrer veredas, afastando os matos com as mãos”, gestos que os filhos repetiriam (RAMOS, 1994g, p. 17). A propósito, em sua obra Linguagem e mito , no capítulo intitulado Linguagem e mito: sua posição na cultura humana, Ernst Cassirer recorre ao que Max Müller postula a respeito de mito, ao afirmar que: “Tudo a que chamamos de mito é [...] algo condicionado e mediado pela

20 atividade da linguagem [...]” (MÜLLER apud CASSIRER, 2006, p. 18). O “mundo mítico”, na acepção de Müller (apud CASSIRER, 2006, p. 19), “é essencialmente um mundo de ilusão”. A respeito da linguagem de Vidas secas , reportamo-nos ao pensamento de Cassirer quando, em A filosofia das formas simbólicas , este filósofo afirma que: O mundo da linguagem envolve o ser humano a partir do primeiro momento em que dirige o seu olhar para ele, apresentando-se-lhe com a mesma determinação, necessidade e “objetividade” que definem o seu encontro com o mundo das coisas. Aqui, como lá, o homem depara com uma totalidade, que possui em si mesma a sua própria essência e suas próprias relações, livres de toda arbitrariedade individual. Para este primeiro nível da reflexão, o ser e a significação das palavras, tal como a natureza das coisas ou a natureza imediata de suas impressões sensíveis, não remontam a uma livre atividade do espírito. A palavra não é uma designação e denominação, não é, tampouco, um símbolo espiritual do ser, e sim uma parte real do mesmo (CASSIRER, 2001, p. 80). A concepção mítica da linguagem, conforme acrescenta Cassirer (2001, p. 81), “move- se na mesma direção, na medida em que se eleva cada vez mais da intuição da força especial contida na palavra isolada e na fórmula mágica particular, à idéia de uma potência universal, inerente à palavra como tal, ao discurso como um todo”; ou seja, “forma mítica” em que “ o conceito da linguagem é pela primeira vez concebido como unidade ”. Nessa perspectiva, mediante as tensões provocadas pelos contratempos enfrentados pela família, representada em Vidas secas , a linguagem é, dentre eles, um dos principais desafios a ser vencido. Percebemos, assim, o embate dos personagens, empenhados num permanente esforço, no intuito de desvendar os enigmas da linguagem e interpretar o mundo. Desse modo, observamos as ações dos adultos, ocupados dos afazeres cotidianos, sintonizados em um mesmo objetivo, com a mesma preocupação e a mesma crença, voltados para a cura dos bichos, nos moldes de seus antepassados – “que a oração era forte”, como deve ser a palavra, “no sentido mítico”. Ao modo do gesto de Fabiano, compenetrado na cura da novilha raposa, a narrativa apresenta também o cuidado de sinha Vitória com os animais, conforme verificamos no seguinte recorte da obra: “O chocalho da vaca laranja tilintou para os lados do rio. Fabiano era capaz de se ter esquecido de curar a vaca laranja” (RAMOS, 1994g, p. 41). A voz que comanda a narrativa com predomínio do discurso indireto, e conta o que se passa nos pensamentos dos personagens, concede a sinha Vitória expressar sua preocupação, em discurso direto: “– É capaz de Fabiano ter-se esquecido da vaca laranja” (RAMOS, 1994g, p. 42).