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Este documento discute a concepção de identidade pessoal, abordando diferentes aspectos filosóficos, como a identidade diacrônica, a permanência da pessoa ao longo do tempo, e a identidade em rede. O texto também explora a relação entre a identidade pessoal e o direito, e as implicações dessas ideias para a construção de identidades em rede.
Tipologia: Esquemas
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Faculdade de Direito Nara Pereira Carvalho
(Re)(Des)Construção Ético-Jurídica da Identidade Pessoal Tese Apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Minas Gerais para Obtenç ão do Grau de Doutora em Direito. Linha de Pesquisa: História, Poder e Liberdade. Projeto Estruturante: Identidade e Reconhecimento. Projeto Coletivo: Pessoa e Identidade Pós- Nacionais. Orientador: Prof. Dr. Brunello Stancioli. Belo Horizonte 2017
Faculdade de Direito Nara Pereira Carvalho
(Re)(Des)Construção Ético-Jurídica da Identidade Pessoal Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, enquanto requisito para obtenção do grau de doutora em Direito. Linha de Pesquisa: História, Poder e Liberdade. Projeto Estruturante: Identidade e Reconhecimento. Projeto Coletivo: Pessoa e Identidade Pós- Nacionais. Orientador: Prof. Dr. Brunello Stancioli. Belo Horizonte 2017
Carvalho, Nara Pereira C331p A pessoa atravessa o espelho : (re)(des)construção ético-jurídica da identidade pessoal / Nara Pereira Carvalho. - 2017 Orientador: Brunello Stancioli Tese (doutorado) – Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Direito.
A identidade pessoal consiste em fundamento do Direito no Ocidente. No entanto, é uma noção juridicamente assumida como simples e/ou evidente, sendo raros os estudos jurídicos que a problematizem, atendendo a requisitos de consistência teórica e aplicabilidade. Simultaneamente, o Direito determina, sob a pretensão de permanência, uma série de características da pessoa, em uma prática incompatível ao discurso ético-científico desenvolvido na modernidade. Sob os pressupostos da redescoberta do homem-indivíduo, formação da ciência moderna e construção da laicidade, analisa-se a compreensão da identidade pessoal, em um instante e ao longo do tempo, ultrapassando o sentido lógico formal e os critérios filosóficos da continuidade física e psicológica. Para tanto, apresentam-se as noções de identidade-pertencimento e identidade pessoal em rede, em um processo dinâmico e difuso de construções identitárias. Na tensão entre o “outro me constitui” e “aquilo que me vejo vivendo”, a identidade pessoal é construída. Em tempos em que se evidenciam multiplicidades de vivências, fazer escolhas implica renunciar, mesmo que por um instante, a um universo de possibilidades. Também, no “entorno”, seguem as tentativas de padronização (beleza, comportamento, valores, direitos...). Nisso, escolhas autônomas e a luta pelo reconhecimento de si podem ser difíceis, mas constitutivas do processo de (re)(des)construção da identidade pessoal, no qual o Direito deve, antes, viabilizar esferas efetivas de interlocução, em que a pessoa tenha possibilidades de se afirmar como quiser. Palavras-chave: Identidade Pessoal, Pessoa, Autonomia, Alteridade, Reconstrução de Si.
Às pessoas que se percebem vivendo e reivindicam o reconhecimento do que foram, são e/ou querem ser.
Este trabalho é resultado de uma construção de ideias que vêm sendo discutidas há alguns anos no grupo Persona. Às pessoas que participaram dessa construção, sou extremamente grata, embora receie que a forma final (embora provisória) aqui apresentada não esteja compatível à importância que têm para mim: Brunello, Carol Nasser, Laís e Marçal, especialmente, agradeço pela interlocução de anos e por integrarem, de maneira profunda, o que sou. Valores, visões de mundo, teorizações, projetos de vida... são partilhados e vivenciados. São colegas e amigos. Ana Guatimosin, Antonio Cota Marçal, Brunello Stancioli, Carolina Nasser, Daniel Ribeiro, Fernanda Gomide, Francisco Prates, Laís Lopes, Marina Delfino, Matheus Silvério, Paula Cury e Pedro Nicoli participaram do grupo de estudos Identidade(s): Entre o Determinismo e a Reconstrução de Si , sob coordenação minha e do doutorando Daniel Ribeiro. Tal grupo teve funcionamento em 2013 e 2014, integrando as atividades do grupo Persona , e voltado para a discussão de temas atinentes a esta tese. A essas pessoas agradeço a disponibilidade, o interesse e a paciência, porque foram semestres de vicissitudes, mas de interlocução profícua. Simultaneamente, há pessoas que não participaram diretamente da construção da tese, mas foram extremamente importantes nesses quatro anos de doutorado. Adamo Alves, Alisson Martins, André Drumond, Braulio Santos, Cynthia Lessa, Daniel Carnaúba, Eder Azevedo, Fabi Alves, Gabriela Navarro, Guilherme Figueiredo, João Paulo, Kalline Carvalho, Marcelo Giacomini, Murilo Procopio, Nathane Fernandes, Renato Gonçalves e Tayara Lemos são pessoas queridas que a UFJF, campus Governador Valadares, me aproximou e a quem agradeço por ter a oportunidade de conviver e trabalhar junto.
Is this the real life? Is this just fantasy? Caught in a landslide No escape from reality Open your eyes Look up to the skies and see I'm just a poor boy I need no sympathy Because I'm easy come, easy go Little high, little low Anyway the wind blows Doesn't really matter to me To me... [...] Nothing really matters Anyone can see Nothing really matters Nothing really matters to me Anyway the wind blows^1 ... (^1) MERCURY, Freddie. Bohemian Rhapsody. In: QUEEN. A Night at the Opera [7’’, cassette, CD]. EMI-Elektra-Parlophone-Hollywood, 1975. Música.
APRESENTAÇÃO: Da Escolha do Assunto à Execução do Projeto ... 14 CAPÍTULO I: Identidade Pessoal Na Modernidade............................. 19
Ser pessoa é ser local e global. Ter identidade. Ter direitos da personalidade. Poder renunciar. Mas nunca ser uma possibilidade que se esgotou^2_._ A pretensão de tratar a identidade pessoal de maneira mais detida ocorreu antes da elaboração (direta) do projeto de pesquisa para participação do processo seletivo de doutorado, em 2012. Na segunda metade de 2007, o professor Brunello Stancioli, ora orientador deste trabalho, e eu discutíamos sobre trecho da tese dele, defendida em outubro daquele ano, no qual se afirma que a pessoa pode modificar-se numa “ quase - transcendência”^3. Argumentávamos sobre a possibilidade ou não da completa transcendência pessoal – a pessoa pode modificar-se a ponto de superar inteiramente aquilo que foi/é, em uma nova identidade? A discussão, ao final, parecia pouco profícua, aproximando-se do que PARFIT denomina de “pergunta vazia”. Mesmo que não tenhamos resposta alguma à pergunta, já sabemos o que ocorreu. A pergunta simplesmente nos dá descrições diferentes do mesmo resultado. Podemos saber a verdade completa sobre o resultado sem escolher uma dessas descrições. Mas, se decidirmos dar uma resposta a essa pergunta vazia, uma das descrições é melhor do que as outras^4. Não obstante, ficou claro o meu interesse em dedicar ao estudo da identidade pessoal – o que já vinha sendo, em certa medida, abordado no grupo Persona, que ganhava seus contornos iniciais à época^5. (^2) STANCIOLI, Brunello. Renúncia ao Exercício de Direitos da Personalidade ou Como Alguém se Torna o que Quiser. Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p. 125. (^3) Cf. STANCIOLI. Renúncia..., cit. , p. 125. (^4) PARFIT, Derek. Reasons and Persons. Oxford: Clarendon Press, 1984, p. 260. (^5) Hoje, o Persona consiste em grupo de pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais, registrado no CNPq, voltado para o estudo da pessoa e suas implicações ético-jurídicas.
diante das vivências identitárias em um contexto de democracia, sobretudo porque ainda são poucos os trabalhos jurídicos voltados especificamente ao tema. Da mesma maneira, a realização de grupo de estudos na Faculdade de Direito da UFMG, a fim de se discutirem o significado e as repercussões ético- jurídicas da identidade da pessoa. Refletir e escrever sobre identidade pessoal não é fácil. Não só pela complexidade e alcance do tema, o qual vem sendo discutido por diferentes autores, em diferentes áreas, há séculos, mas também porque, em vários momentos, me percebi vivenciando-o de maneira profunda. Foi, então, necessária maior atenção quanto a recortes, marcos teóricos, clareza e objetividade de raciocínio^9. A identidade pessoal é complexa, dinâmica, podendo ser não linear e incoerente. Tais elementos contribuem para uma maior dificuldade no tratamento da identidade da pessoa, a qual, por vezes, parecer ser intraduzível em um texto escrito. Há argumentos que demandam multiplicidade e simultaneidade de informações, quando o texto escrito é linear, bidimensional, e que demanda um compartilhamento semântico. A utilização de alguns recursos linguísticos, como o termo “(re)(des)construção”, presente no título do trabalho, teve como propósito formulação de argumentos de maneira mais precisa, mas não repetitiva: a identidade pessoal pode ser construída, reconstruída e/ou desconstruída, em um mesmo instante, a depender do(s) intérprete(s). Outras situações são o emprego de termos em itálico e citações (como epígrafes) que dialogassem com as artes. Objetivou-se, assim, que a identidade pessoal, tendo a dinamicidade como característica, não recebesse neste texto mais uma tentativa (demasiada) de fixá-la no tempo. Não redundar em deficiências apontadas foi uma preocupação constante, mas nem sempre evitável. (^9) Cf. STRAWSON, Peter F. Análise e Metafísica : Uma Introdução à Filosofia. São Paulo: Discurso Editorial, 2002, p. 66.
Por exemplo, é defendida, no texto, a diferença entre pessoa e identidade pessoal, já que esta concerne a uma pessoa específica, única, que se diferencia dos demais e permanece no tempo. Cotidianamente, é comum a utilização do nome civil para diferenciar uma pessoa da outra e, quando necessárias, de referências a outras características (filiação, data de nascimento, número de registro etc. – informações contidas na carteira de “identidade”). Mas, em um texto científico, que trata da identidade pessoal e coloca em questão as constantes tentativas de simplificar o que uma pessoa foi/é/será, como se referir a uma pessoa especificamente, a qual a identidade concerne? Sobretudo porque o termo “identidade pessoal” tem aplicação quando se refere a uma pessoa em específico. Não se trata apenas da “identidade da pessoa”, mas da “identidade da pessoa x ”, onde x tem a pretensão de traduzir esse conjunto de informações, por vezes contraditórias, que fazem a pessoa x diferente da pessoa y. Para tanto, foram utilizadas expressões como “pessoa a qual a identidade concerne/se refere” e “identidade da pessoa x ”, bem como o emprego da primeira pessoa do singular – o eu que reflete sobre a própria identidade. Tal recurso somente é possível identidade da pessoa, em que “objeto” e “sujeito” forma um contínuo. Sendo o próprio “objeto” capaz de fala e ação, quem define quem/o que eu sou? O Direto, o Estado, todas as pessoas, eu, ninguém...? Como o Direito insere e qual deve ser a atuação jurídica em um contexto de afirmação e (re)(des)construções identitárias? O trabalho foi então estruturado em cinco Capítulos. No Capítulo I , Identidade Pessoal na Modernidade , apresentam-se os três pressupostos centrais de desenvolvimento do trabalho, que viabilizam afirmar- se a possibilidade de tratamento científico da identidade pessoal ao longo do tempo e se questionar a consistência da atuação jurídica no tratamento da identidade pessoal, diante do discurso ético-científico desenvolvido na modernidade.
O autor contemporâneo – o escritor que está agudamente em contato com a vida de que faz parte – é obrigado a partir do zero: a realidade não existe, o tempo não existe, a personalidade não existe. Deus era o autor onisciente, mas ele morreu; agora, ninguém conhece o enredo e, como a nossa realidade não tem a sanção de um criador, não há nenhuma garantia quanto à autenticidade da versão recebida. O tempo se reduz à presença, o conteúdo de uma série de momentos descontínuos. O tempo já não é intencional; e, assim, não há nenhuma densidade, apenas o acaso. A realidade é, simplesmente, a nossa experiência, e a objetividade é, certamente, uma ilusão. A personalidade, depois de passar por uma fase de consciência desajeitada de si mesma, tornou- se um mero lócus da nossa experiência. Tendo em vista essas aniquilações, não é surpresa que a literatura também não exista – e como poderia? Só existe o ler e o escrever [...], maneiras de manter um respeitável tédio diante do abismo^10_._
1. “Quem sou eu?” Questionamentos sobre a identidade pessoal são, por vezes, traduzidos pela expressão “quem sou eu?”. Diferenciando-se das identidades de outros tipos, cujos objetos de análise não são a pessoa, a identidade pessoal diz respeito a uma entidade cognoscente – sujeito e objeto podem ser um só. Sobretudo no caso da auto identidade, que coloca em evidência como a própria pessoa a que a identidade concerne se percebe, sujeito e objeto perdem a distinção dicotômica, apresentando uma continuidade. A pergunta, no entanto, é mais complexa. Por identidade pessoal, designa-se o conjunto de fatos e/ou estados sobre uma determinada pessoa ( x ), que a faz única e diferente dos outros. Como a pessoa se estende no tempo e (^10) SUKENICK, Ronald. The Death of the Novel and Other Stories [1969]. Fiction Collective Two, 2003, p. 41.
no espaço^11 , essas características são modificáveis, permanecendo, não obstante, a mesma pessoa, embora diferente. Não há contradição. A pessoa modifica e pode manter a sua identidade, sendo una e única. Mais ainda, a identidade pessoal envolve não só a auto identidade, o que já implica uma variedade de percepções de si (por vezes divergentes, que variam ao longo do tempo). Envolve também as interpretações das outras pessoas a respeito da pessoa x , que são múltiplas e podem ser contraditórias. A pergunta é, então, mais abrangente – “quem é a pessoa x ?” – , sendo a(s) resposta(s) não unívoca(s). Na filosofia, mantém-se discussão sobre qual o melhor critério para se tratar a identidade da pessoa ao longo do tempo (continuidade física e/ou continuidade psicológica). Contudo, ao centralizar na questão mente-cérebro de um indivíduo, não se considera, por vezes, o quanto a identidade de alguém é (re)(des)construída pelos outros e com os outros, sendo-lhe adequado um tratamento mais dinâmico. Por “identidade em rede”, denota-se que a identidade pessoal não possui uma localização definida, como o corpo da pessoa a que concerne, por exemplo. Suportada por uma rede de interlocutores, os quais se estendem no tempo e no espaço, a identidade é (re)(des)construída pelos que fomentam informações sobre x (inclusive a própria pessoa x ). Não consiste em uma percepção linear e coerente, já que as informações sobre x podem ser (re)interpretadas, por ela e pelos outros, e, assim, múltiplas e contraditórias. A definição de quais informações são/devem ser verdadeiras/válidas é construída na rede de interlocutores, a qual, não obstante, deve viabilizar escolhas da própria pessoa x e a sua autorrealização, embora não de maneira irrestrita. (^11) Prefere-se o uso de “extensão” da pessoa no tempo e no espaço a “situa-se no tempo e no espaço”, atentando-se à compreensão contemporânea da Física, pela qual não é o espaço que contém objetos físicos, mas sim pelos objetos físicos que se criam o espaço e o tempo. Por exemplo, cf. SWARTZ, Norman. Beyond Experience : Metaphysical Theories and Philosophical Constraints [1991]. 2. ed. Burnaby, 2001. Disponível em: <http:// www.sfu.ca/~swartz/beyond_experience/>. Acesso em: 14 maio 2016, p. 274-327.