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Terminologização de Perverseness em contos de Edgar Allan Poe, Notas de estudo de Literatura

Este trabalho analisa o conceito de 'perverseness' em contos de edgar allan poe, demonstrando como a linguagem literária pode oferecer um ambiente para as linguagens científicas. Através de uma análise do processo de terminologização da etno-terminologia de maria aparecida barbosa, o estudo mostra como 'perverseness' possui características de termo dentro da obra literária de poe. Além disso, é abordado o uso de conceitos frenológicos em seus contos, especialmente no conto 'the imp of the perverse'.

Tipologia: Notas de estudo

2022

Compartilhado em 07/11/2022

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A PERVERSIDADE NA LITERATURA DE EDGAR ALLAN POE:
UM AMBIENTE DE TERMINOLOGIAS CIENTÍFICAS
Juan Carlos Acosta
Submetido em 28 de maio de 2018.
Aceito para publicação em 15 de outubro de 2018.
Cadernos do IL, Porto Alegre, n.º 56, novembro. p. 10-23
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A PERVERSIDADE NA LITERATURA DE EDGAR ALLAN POE:

UM AMBIENTE DE TERMINOLOGIAS CIENTÍFICAS

Juan Carlos Acosta

Submetido em 28 de maio de 2018. Aceito para publicação em 15 de outubro de 2018.

Cadernos do IL , Porto Alegre, n.º 56, novembro. p. 10- ________________________________________________________________

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A PERVERSIDADE NA LITERATURA DE EDGAR

ALLAN POE: UM AMBIENTE DE TERMINOLOGIAS

CIENTÍFICAS

PERVERSENESS IN EDGAR ALLAN POE’S

LITERATURE: A SCIENTIFIC TERMINOLOGY

ENVIRONMENT

Juan Carlos Acosta

RESUMO: Este trabalho visa demonstrar como um vocábulo pode se comportar como termo num texto literário. Neste caso, analisaremos o conceito de perverseness , que permeia alguns dos contos de Edgar Allan Poe, demonstrando, assim, que a linguagem da literatura pode também oferecer um ambiente para as linguagens científicas. Para delimitarmos o espaço em que dito conceito se encontra na obra de Poe, fazemos uma busca de palavras dentro de um corpus composto da obra poética e em prosa do autor para encontrar os textos em que perverseness aparece. Após isso, analisamos os seus contextos de uso e as suas diferentes traduções. Logo, abordamos o processo de terminologização da etno-terminologia de Maria Aparecida Barbosa para compreender como perverseness possui características de termo dentro da obra literária de Poe.

PALAVRAS-CHAVE : Terminologia; Edgar Allan Poe; Frenologia; Perversidade.

ABSTRACT: The purpose of this work is to demonstrate how a word can behave like a term in a literary text. In this case, we analyze the concept of “perverseness”, which permeates some of the short tales of Edgar Allan Poe, demonstrating that literature language can also offer a scientific language environment. In order to delimit the space in which such concept is found in Edgar Poe's work, we make a word search in a corpus composed by the author’s works (prose and poetry) to find the texts in which “perverseness” appears. After that, we analyze its contexts of use and its different translations. Then, we provide an overview of the terminologization process of Maria Aparecida Barbosa’s ethno-terminology theory in order to comprehend how “perverseness” has term characteristics inside Poe’s literary works.

KEYWORDS: Terminology; Edgar Allan Poe; Phrenology; Perverseness.

1. Introdução

A obra de Poe, sobretudo os seus contos de terror, apresenta uma grande mistura de mistério, maldição, crimes, confissões e uma busca por uma explicação racional dos atos vis de seus narradores criminosos. Poe interessava-se pela Frenologia, pseudociência que tinha grande prestígio no início do século XIX e que acreditava que as concavidades da cabeça pudessem demonstrar as tendências dos seres humanos. Além de escrever uma resenha sobre Frenologia, ele incorporou alguns conceitos frenológicos em seus contos, especialmente no conto “ The Imp of the Perverse ” (1845). Nesse conto, o narrador afirma que os frenólogos teriam deixado de analisar um

 (^) Mestrando em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande Do Sul, juannacosta82@gmail.com.

seu discípulo Johann Gaspar Spurzheim, cientistas alemães. Esses cientistas acabaram difundindo suas ideias primeiramente na França e depois na comunidade anglo-saxônica (MACEDO, 2016, p. 133). Enquanto Gall permanece em Paris, seu discípulo Spurzheim rompe com o mestre e passa a divulgar a Frenologia na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos. Na Grã-Bretanha, Spurzheim teria conhecido o advogado George Combe, criando uma versão mais acessível ao público do sistema de Gall. Foi dessa forma que se tornou conhecido o termo Frenologia (do grego para mente, phren , mais logos ). A Frenologia, cujo auge foi na década de 1830, postulava que as boças (os caroços do crânio) refletiam o tamanho relativo de cada parte do cérebro que designava as faculdades mentais do indivíduo. É como se fosse possível, apenas apalpando o crânio, compreender as qualidades e o caráter da pessoa. Nessa época, inclusive, Poe chegou a escrever uma favorável resenha sobre Frenologia. Quando ele trabalhava para a Southern Literary Messenger , escreveu, no dia 3 de março de 1836, uma resenha sobre um livro de Frenologia intitulado Phrenology, and the Moral Influence of Phrenology , com autoria de Mrs. L. Miles, da Filadélfia. Poe abre seu texto dizendo que “a Frenologia não é mais motivo de riso” (POE, 1836, p. 286, tradução nossa^2 ). Nessa resenha, Poe demonstra grande conhecimento da história da Frenologia, dos caminhos que a então ciência percorreu desde a Europa às Américas e recomenda que “quanto aos usos da Frenologia – um de seus usos mais salutares é para o autoexame e autoconhecimento” (POE, 1836, p. 286, tradução nossa^3 ). Poe mostra que conhecia a terminologia frenológica ao falar de suas faculdades. Segundo sua resenha, as faculdades seriam divididas em “Propensões Instintivas e Sentimentos” e “Faculdades Intelectuais”. Na primeira subdivisão, encontramos diversos termos como Amativeness , Combativeness , Destructiveness e Gustativiness ,^4 etc. No último parágrafo da página 286, Poe dedica parte de seu texto à definição de Combativeness :

No capítulo de Combatividade, encontramo-nos com a observação muito sensata e necessária de que não devemos considerar a posse de propensões particulares e instintivas, como que nos absolvendo de responsabilidade na indulgência de ações culpáveis. Pelo contrário, é a perversão de nossas faculdades que causa o maior sofrimento que padecemos e ao qual (tendo o livre exercício da razão) somos responsáveis perante Deus (POE, 1836, p. 286, tradução nossa^5 ).

No fragmento acima, vemos o Poe resenhista, dez anos antes de escrever tais contos, comentando que é a perversão dos impulsos que leva o indivíduo a padecer dos sofrimentos aos quais se é responsável perante Deus. Tem-se a impressão de que esse

(^2) No original: “ phrenology is no longer to be laughed at. (^3) No original: “ In regard to the uses of Phrenologyits most direct, and, perhaps, most salutary, is that

of self 4 - examination and self-knowledge. Traduzido seria: Amatividade, Combatividade, Destrutividade, Gustatividade. (^5) No original: “ In the chapter on Combativeness, we meet with the very sensible and necessary

observation that we must not consider the possession of particular and instinctive propensities, as acquitting us of responsibility in the indulgence of culpable actions. On the contrary it is the perversion of our faculties which causes the greatest misery we endure, and for which (having the free exercise of reason) we are accountable to God.

texto prenuncia um espaço no qual o Poe contista iria desenvolver seu conceito de perverseness em sua literatura. Não obstante, o conto “ The Imp of the Perverse ” parece dirigir um olhar crítico à Frenologia. Em suas notas de tradução do conto para o castelhano, Julio Cortázar comenta que “Poe, como quase todos em seu tempo aceitava em geral os princípios da Frenologia; aqui, entretanto, parece advertir que se trata de uma pseudociência e não o oculta” (CORTÁZAR, 1956, p. 890, tradução nossa^6 ). Almeida (2012) nos aponta que o narrador de “ The Imp of the Perverse ” parece ser um “inimigo acirrado da Frenologia” (ALMEIDA, 2012, p. 196). É importante termos em mente que o propósito de Poe com sua resenha era de divulgar um livro na revista em que trabalhava. A resenha foi escrita no auge da Frenologia. Já os contos de Poe foram escritos vários anos depois, quando a Frenologia começa a cair em descrédito. O fato é que o narrador do conto de Poe demonstra ter não apenas bastante conhecimento do assunto, mas a perspicácia de apontar as suas limitações.

3. Apresentação dos textos e o contexto de uso de perverseness

Para entendermos o conceito e chegarmos aos contextos de uso de “ perverseness ”, primeiramente compilamos um corpus com todos os 66 contos, a única novela ( A narrativa de Arthur Gordon Pym ) e os poemas escritos por Poe. Fizemos o upload do corpus na ferramenta Sketch Engine^7 e procuramos todas as vezes que a palavra apareceu. Os resultados apontaram ocorrência de perverseness em apenas três textos do autor: “ The Black Cat ”, “ The Imp of the Perverse ” e “ The Narrative of Arthur Gordon Pym ”. Os dois primeiros textos são contos breves de terror e o terceiro é a única novela publicada por Poe. “ The Black Cat ” é um conto em primeira pessoa em que o narrador, cujo nome não é mencionado, é o protagonista da ação. Temos a história de um homem que tinha um especial afeto pelos animais. Ele possuía vários animais de estimação, além de um gato chamado Plutão. Num determinado momento o narrador se confessa alcoólatra e diz que, por causa da bebida, teria sido inicialmente acometido pelo Demônio da Intemperança, o que provocou uma alteração no seu caráter e em sua relação com o seu gato. Em um dado momento, acometido por tal demônio, o homem arranca um dos olhos do animal. Como o gato passou a evitá-lo por medo de uma nova agressão, o narrador passou da intemperança para um sentimento de irritação, logo veio o “ spirit of PERVERSENESS” (POE, 2013, p. 236). Num dado momento em que estava alterado pela bebida, o narrador acaba matando o gato enforcando-o numa árvore. Mais tarde na história, enquanto o homem bebia num bar, aparece um segundo gato, e o homem o leva para casa. O segundo gato era muito parecido com Plutão, com a diferença de ter uma mancha branca no peito. Essa mancha branca aos poucos vai tomando a forma de uma forca, fazendo com que o homem se lembre constantemente do enforcamento do primeiro gato. O homem busca um machado para tentar matar o animal. Sua esposa tenta evitar, mas ele acaba matando-a a machadadas. O gato desaparece. O homem então empareda a esposa em um vão do porão da casa. Quando os policiais vão à casa

(^6) No original: “ Poe, como casi todos en su tiempo aceptaba en general los principios de la frenología;

aquí, sin embargo, parece advertir que se trata de una seudociencia y no lo oculta 7 ”. O Sketch Engine é uma ferramenta online (https://www.sketchengine.co.uk/) que permite realizar análises linguísticas semiautomáticas em grandes quantidades de texto.

existe como um sentimento fortemente antagônico (POE, 2013, p. 440, tradução nossa^12 ). Aqui o impulso parece mais claramente ligado, além do ato de persistir no erro, à auto-aniquilação do indivíduo. Por isso o contraste com Combativeness. Em seu texto Le démon du pervers : entre perversité et perversion , Claude-Olivier Doron comenta que “esta perverseness define muitas vezes uma tendência à autodestruição (DORON, 2011, p. 7, tradução nossa^13 ). Na segunda parte do conto, quando a história de fato se desenvolve, o narrador protagonista conta que este impulso é o motivo pelo qual fora impelido a cometer seu crime. Ele teria uma espécie de tutor que deveria lhe passar os seus bens como herança. Para apoderar-se desses bens, o narrador se utiliza de uma ideia que teria lido num livro francês de memórias de uma tal Madame Pilau, em que o criminoso, sabendo que a vítima costumava ler à noite, substitui a vela do quarto por outra contendo veneno. Após a morte do tutor, o narrador escapa de qualquer suspeita do crime. Mas, aos poucos, algo começa a se apoderar dos pensamentos do narrador e o impele, de uma maneira incontrolável, a confessar o seu crime. O narrador acaba por sair gritando pelas ruas, “Estou a salvo! Sim! Se eu não for tão tolo a ponto de confessar!” (POE, 2013, p. 442 , tradução nossa^14 ). Logo, ele é encarcerado e, atrás das barras de sua cela, conta-nos como foi abatido por este impulso que, aos poucos, se tornou irrefreável. O narrador deixa claro neste conto que o impulso vem gradualmente tomando conta do indivíduo até que ele comete um ato “perverso”. Depois de sair ileso da perfeição com a qual o narrador escondeu as provas de seu crime, algo lhe aparece, como um pequeno demônio que gradualmente o incita a confessar seu crime e ser punido pelo ato. No caso da novela The Narrative of Arthur Gordon Pym , embora o uso de perverseness não esteja diretamente ligado ao conceito visto nos dois contos, é interessante analisar como a palavra está sendo utilizada no romance. A novela é narrada em primeira pessoa e conta a história de Arthur Gordon Pym, um rapaz amante de aventuras marítimas que, acompanhando seu amigo Augustus Barnard, entra de forma clandestina no Grampus, um navio baleeiro em que trabalhava o pai do seu amigo e que percorreria os mares do sul. Dentro dessa embarcação acontecem diversas coisas – tempestades, motins a bordo, etc. – , o que faz com que Pym fique muito tempo sem saber o que acontece no lado de fora do porão onde ele havia se escondido. Em determinado momento da história, depois de dias de incertezas e de delírios causados pelo enclausuramento, o protagonista descobre que foi seguido pelo seu cachorro. O cão passa a ficar escondido com ele no lado de dentro do porão do barco enquanto as suas provisões de comida vão ficando cada vez mais escassas. Pym acaba ficando muitos dias desnutrido e, em um dado momento, ele é atacado pelo seu cão, que também padecia de fome e sede. Ao se desvencilhar do ataque do animal raivoso, Pym perde o último pedaço de carne que tinha guardado e fica apenas com um gill (cerca de 125ml) de licor nas mãos. Ao invés de guardar o pouco recurso que tinha em mãos, ele decide tomar a bebida até o fim e depois toca a garrafa no chão com fúria:

(^12) No original: “ in the case of that something which I term perverseness, de desire to be well is not only

not aroused, b 13 ut a strongly antagonistical sentiment exists. No original : “ cette perverseness définit souvent une tendance à l’autodestruction ”. (^14) No original: “ I am safe – I am safe – yes – if I be not fool enough to make open confession! ”.

Nesta luta, no entanto, eu tinha sido forçado a soltar o pedaço de presunto, e agora encontrei todo o estoque de provisões reduzidas a alguns poucos goles de licor. À medida que essa reflexão atravessava minha mente, senti-me tomado por um desses ataques de perverseness que poderia se supor que influenciasse uma criança malcriada em circunstâncias semelhantes, e ergui a garrafa até meus lábios, esvaziei até a última gota e a estraçalhei furiosamente contra o chão. (POE, 2013, p. 793, tradução nossa^15 ).

O uso de perverseness aqui parece estar ligado com o ato de o personagem não agir com a razão e simplesmente acabar com o pouco de bebida que tinha em mãos numa atitude imediatista. Aqui seu uso parece se assemelhar a uma atitude impulsiva. O que talvez se assemelhasse ao conceito visto nos contos seria o caráter autodestrutivo de tal atitude. De certa forma, Pym descarta o pouco recurso que tinha sem pensar nas consequências. Portanto, a utilização de perverseness dentro da novela não está ligada a um ato criminoso, mas à atitude irracional e desmedida. Após este momento de destruição da garrafa, Arthur Pym consegue reencontrar seu amigo Augustus e a história dentro do barco continua. Voltando aos dois contos, os crimes diferem entre si. No primeiro, o homem mata a mulher com um machado e a empareda em um vão do sótão. No segundo, o homem troca a vela da vítima, que costumava ler à noite, por uma vela envenenada. Para Manrique (2011), o conceito de perverseness ( perversidad ) difere entre os dois contos. No primeiro “o impulso primário da perversidad instiga o protagonista a matar o seu gato e a sua mulher. Aqui (“ The Imp of the Perverse ”) a questão é diferente: a perversidad instiga o protagonista a confessar o seu homicídio, e não a cometê-lo (MANRIQUE, 2011, p. 94, tradução nossa^16 ). Diferentemente de Manrique, acreditamos que o impulso instiga o assassino a confessar em ambos contos. A diferença é que, em “ The Black Cat, o assassino parece não perceber que está sendo manipulado pelo impulso, pois o narrador chama os policiais a retornarem ao local do crime e assume ao leitor que mal sabia o que dizia, como se as palavras saíssem sozinhas de sua boca. Apenas em “ The Imp of the Perverse ” a confissão é exteriorizada, embora fosse gradualmente incitada pelo imp (diabrete, em inglês). O biógrafo de Poe, Arthur Hobson Quinn (1998), ao comentar sobre a publicação de “ The Black Cat ”, aponta a confissão do crime como um elemento comum nos contos de Poe. “A revelação do crime, assim como em “ The Tell-Tale Heart ”, é causada pela consciência do assassino” (QUINN, 1998, p. 395 , tradução nossa^17 ). Sendo assim, acreditamos que se trata de um mesmo conceito para os dois contos. Embora o impulso se manifeste de maneira mais sutil no primeiro conto, é o mesmo conceito sendo aplicado em ambos casos.

(^15) No original: “ In this struggle, however, I had been forced to drop the morsel of ham-skin, and I now

found my whole stock of provisions reduced to a single gill of liqueur. As this reflection crossed my mind, I felt myself actuated by one of those fits of perverseness which might be supposed to influence a spoiled child in similar circumstances, and raising the bottle to my lips, I drained it to the last drop, and dashed it furiously upon the floor. (^16) No original: “ el impulso primario de la perversidad instiga al protagonista a matar a su gato y a su

mujer. Aquí (The Imp of the Perverse) la cuestión es diferente: la perversidad instiga al protagonista a confesar su homicidio, no a cometerlo 17 ”. No original: “ The disclosure of the crime, as in “The Tell-Tale Heart”, is caused by the conscience of the murderer.

qualquer coisa que seja evil será inevitavelmente wrong, mas nem tudo que é wrong deverá ser, obrigatoriamente, evil. Parece-nos que a palavra em inglês está muito mais ligada ao delito do que à maldade em si. A respeito da tradução de perverseness para as línguas latinas, Julio Cortázar compartilha uma importante observação em suas notas de tradução deste conto:

Acertadamente Emile Lauvrière alerta o leitor sobre a diferença de sentido que a palavra perverse tem para um inglês e um francês. A distinção se aplica igualmente em nosso caso. Perverseness , perversidade, não é “grande maldade ou corrupção” (ainda que possa sê-lo), mas – citamos Lauvrière – “o sentido de obstinação em fazer algo que não se quer e que não se deve fazer”. Por seu lado, Poe o explica no início do relato; na tradução, entretanto, subsiste o inconveniente de não dispor de um termo mais preciso (CORTÁZAR, 1956, p. 890, tradução nossa^18 ).

Esta nota de Cortázar demonstra a dificuldade de encontrar uma tradução exata nas línguas latinas para perverseness. Assim, entende-se o porquê de os tradutores brasileiros mais contemporâneos evitarem a sua tradução por “perversidade”. Para eludir uma interpretação ligada à maldade, os tradutores usaram “obstinação” e “impulsividade”. Ao traduzi-lo por “obstinação”, Guilherme da Silva Braga (POE,

  1. evita a associação do impulso com a maldade, mas carece do aspecto errôneo contido em perverseness, visto que a própria nota de Cortázar indica que se trata da “obstinação em fazer algo que não se quer ou que não se deve fazer”. Pode-se dizer que essa solução tradutória contempla parte do significado, mas não o todo. Já a “impulsividade”, de Rodrigo Breunig (POE, 2011), embora evite o aspecto de maldade contido em “perversidade”, não liga o impulso ao aspecto errôneo, mas a algo impulsivo. A “impulsividade” parece estar mais ligada à pressa, à ansiedade de fazer algo sem medir as consequências. Entretanto, o conceito de Poe parece ser algo pensado. O sujeito sabe que não é certo fazê-lo, mas mesmo assim o faz. Para Squallice et al (2011), “a impulsividade, em sentido estrito, consiste no agir rápido e irreflexivo, atento aos ganhos presentes, sem prestar atenção nas consequências a médio e longo prazo” (SQUILLACE; JANEIRO; SCHMIDT , 2011, p. 10, tradução nossa^19 ). Assim sendo, traduzir perverseness por “impulsividade” parece estar mais relacionado com o contexto de uso desta palavra encontrado na novela The Narrative of Arthur Gordon Pym , em que, conforme dito anteriormente, o personagem age impulsivamente e joga a garrafa no chão com força, sem pensar nas consequências de ter desperdiçado o seu último gole da bebida. De qualquer maneira, diante dessa complexa tarefa de traduzir esse conceito, acreditamos que essas são soluções tradutórias interessantes. Elas demonstram que os tradutores contemporâneos não apenas buscam formas de traduzir o texto de Poe que se afastem das opções que perduram desde os tempos de Baudelaire, mas também que esses tradutores estão refletindo as considerações feitas pelos tradutores que os

(^18) No original: “ Acertadamente previene Emile Lauvrière al lector sobre la diferencia del sentido que la

palabra perverse tiene para un inglés y un francés. El distingo se aplica igualmente en nuestro caso. Perverseness , perversidad, no es gran maldad o corrupción (aunque pueda serlo), sino – citamos a Lauvrière– 'el sentido de encarnizamiento en hacer lo que no se quisiera y no se debiera hacer’. Por su parte, Poe lo explica al comienzo del relato; en la traducción, empero, subsiste el inconveniente de no disponer de un término más preciso. (^19) No original: “ La impulsividad en sentido estricto, consiste en el actuar rápido e irreflexivo, atento a las

ganancias presentes, sin prestar atención a las consecuencias a mediano y largo plazo.

precederam. Dito em outras palavras, se eles não leram as notas de Cortázar e as observações de Lauvrière, por exemplo, pode-se, ao menos, pensar que eles chegaram às mesmas conclusões. Também é importante levar em conta, pelo menos no caso do conto “ The Imp of the Perverse ”, que o conceito de perverseness é explicitado de maneira minuciosa pelo narrador durante a primeira parte do conto. Dessa forma, independente da opção tradutória que for utilizada, o leitor compreenderá do que se trata o conceito criado por Poe.

5. O processo de terminologização

Segundo Barbosa (2006, p. 49), terminologização é um termo que integra a Terminology work – Vocabulary (ISO/DIS 1087-1) , que o define como “um processo através do qual uma palavra ou expressão da língua geral é transformada em um termo”^20. No universo terminológico de uma mesma ciência ou tecnologia, “há uma constituição de subconjuntos terminológicos de natureza e funções diversas” (BARBOSA, 1998, p. 29). Pode-se dividir esses subconjuntos da seguinte maneira:

a) Unidades terminológicas criadas para uma área e caracterizadoras dessa mesma área. b) Unidades terminológicas provenientes de outra área. c) Unidades terminológicas provenientes da língua geral (i.e., um vocábulo que se transforma em um termo). d) Unidades terminológicas com acepções parcialmente comuns às de outras áreas. e) Unidades terminológicas complexas em que um elemento é emprestado de outra área, combinando-se com elementos da própria área.

Nas obras aqui estudadas, acreditamos que perverseness se comporta como uma unidade terminológica proveniente da língua geral, pois é uma palavra de uso corrente e que não pertencia a nenhuma área de especialidade até aquele momento. As noções de “perverso” e “perversão” da psicanálise, por exemplo, vieram meio século depois do texto de Poe. Quanto ao processo de terminologização, Barbosa (1998) divide-o em duas definições: terminologização strictu sensu (vocábulo que se transforma em termo) e terminologização latu sensu (conceito que se transforma em termo). Nesta segunda definição do processo, Barbosa considera o seguinte:

Aqui, pois, a terminologização é equivalente à lexemização e tem como ponto de partida, no percurso gerativo da enunciação a própria realidade fenomênica, em que se tem uma informação virtual, amorfa, que, em outro nível, o do recorte observacional e cultural, se transforma no conceptus ; este, por sua vez, será terminologizado. [...] Nesta concepção, há uma restrição muito grande no processo de criação de termos, já que prevê apenas o aproveitamento de vocábulos da língua geral – processo primário – , por meio de alterações semânticas – processo secundário (BARBOSA, 1998, p. 31).

(^20) No original: “ a process by which a general language word or expression is transformed into a term ”.

Démon de la Perversité ’, pois tudo leva a pensar, no texto de Poe, que não se trata de ‘perversidade’ senão de ‘perversão’”(DORON, 2011, p. 15, tradução nossa^21 ). Isso demonstra como pode ser válido traduzir perverseness por “perversão”, visto que o próprio Poe afirma, em sua resenha de 1836, que a causa das ações culpáveis é a perversão dos nossos impulsos. Quanto às opções que os tradutores brasileiros contemporâneos utilizaram, pode-se dizer que não são plenamente equivalentes com o sentido de perverseness. “Obstinação” e “impulsividade” contemplam apenas parte do sentido da palavra inglesa. Poder-se-ia dizer que se trata de uma solução tradutória que se utiliza de uma parte para dizer o todo, pois, se perverseness é um “impulso da obstinação em fazer algo que se sabe que não deve ser feito”, traduzir apenas por “obstinação” não contempla todo o conceito de Poe, da mesma forma que a “impulsividade”. Por outro lado, apenas manter perverseness por “perversidade”, como tem sido feito ao longo de décadas desde Baudelaire, também não contempla totalmente o conceito criado por Poe. Quando entendemos que perverseness não está ligado diretamente com a maldade, mas com fazer algo errado, o impulso se amplia. Não é apenas um assassino que pode ser acometido por esse impulso, mas qualquer pessoa, não necessariamente má, que se deixa levar pelo impulso de praticar um ato que sabe que não deveria fazê-lo. Dessa forma, a genialidade de Poe evidencia que esse impulso é mais próximo do ser humano dito “normal” do que podemos pensar. Não é uma exclusividade de seus narradores assassinos. Por fim, concluo que o presente artigo pretende ser útil não só para os amantes da literatura fantástica e de mistério, interessados em compreender o conceito de perverseness, que permeia, ainda que de forma mais sutil, vários dos contos mais aterrorizantes de Edgar Allan Poe, mas também para os interessados pelos estudos de Terminologia, em especial pelos conceitos de terminologização, e pelos Estudos de Tradução, especialmente pela tradução literária. Acredito que este trabalho seja um exemplo válido para que se observe como um ambiente de linguagem científica pode aparecer dentro do campo da literatura. Este é, sem dúvidas, um caminho amplo para diversos estudos posteriores.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Leonardo Vieira de. Por uma semiótica do mal: "The imp of the perverse", de Edgar Allan Poe. SOLETRAS – Revista do Departamento de Letras FFP/UERJ, Rio de Janeiro, n. 24, p. 196-206, jul./dez. 2012. BARBOSA, Maria Aparecida. Terminologização, vocabularização, cientificidade, banalização: relações. Acta Semiotica et Linguistica , São Paulo, v. 7, p. 25-44, 1998. ______. Para uma etno-terminologia: recortes epistemológicos. Ciência e cultura , São Paulo, v. 58, n. 2, p. 48-51, abr./jun. 2006. CORRÊA, Carlos Pinto. Perversão: trajetória de um conceito. Estudos de Psicanálise , Belo Horizonte, n. 29, p. 83-88, set. 2006. CORTÁZAR, Julio. Notas. In: POE, Edgar Allan. Obras en prosa, Tomo I, Cuentos. Madrid: Universidad de Puerto Rico, 1956.

(^21) No original: " si bien qu’on peut dire que Baudelaire a fait une faute en traduisant ‘The Imp Of The

Perverse’ par ‘le démon de la perversité’, car tout laisse à penser, dans le texte de Poe, qu’il ne s’agit pas de ‘perversité’ mais bien de ‘perversion’".

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