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Guias e Dicas
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a linha do Oriente e o povo cigano na umbanda, Manuais, Projetos, Pesquisas de Cultura

No entanto, nos ritos umbandistas a linha de ciganos ocupa uma categoria significativa, uma vez que, é dada uma utilidade deles no corpus ...

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

2022

Compartilhado em 07/11/2022

jacare84
jacare84 🇧🇷

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, CIÊNCIAS E LETRAS DE RIBEIRÃO PRETO
DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA
PROGRAMA DE BACHARELADO EM PSICOLOGIA
Estradas sem fim: a linha do Oriente e o povo
cigano na umbanda
Lívia Alves dos Santos Macedo
José Francisco Miguel Henriques Bairrão
Monografia de Conclusão do Programa Optativo de
Bacharelado em Psicologia, apresentada ao
Departamento de Psicologia da Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da
USP.
RIBEIRÃO PRETO - SP
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Baixe a linha do Oriente e o povo cigano na umbanda e outras Manuais, Projetos, Pesquisas em PDF para Cultura, somente na Docsity!

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA, CIÊNCIAS E LETRAS DE RIBEIRÃO PRETO

DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA

PROGRAMA DE BACHARELADO EM PSICOLOGIA

Estradas sem fim: a linha do Oriente e o povo

cigano na umbanda

Lívia Alves dos Santos Macedo José Francisco Miguel Henriques Bairrão

Monografia de Conclusão do Programa Optativo de

Bacharelado em Psicologia, apresentada ao

Departamento de Psicologia da Faculdade de

Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da

USP.

RIBEIRÃO PRETO - SP

Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte. Catalogação na Publicação Departamento de Psicologia Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto FICHA CATALOGRÁFICA Macedo, Lívia Alves dos Santos Estradas sem fim: a linha do Oriente e o povo cigano na umbanda,; orientador José Francisco M. Henriques Bairrão - Ribeirão Preto, 2014 104 p.: il.; 30cm Monografia de Conclusão do Programa Optativo de Bacharelado em Psicologia, apresentada à Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo. 1.Etnopsicologia 2. Umbanda 3.Ciganos.

AGRADECIMENTOS

Agradeço a meus pais, Myrian, Tavico e João, por me ensinarem a estar no mundo e instigar ir além. Por todo amor, dedicação e proteção. A meus irmãos, Tomás, Lara, Daiana e Gabriel. Por compartilharem momentos repletos de aprendizado e cumplicidade. Ao Professor Doutor José Francisco Miguel Henriques Bairrão por sua maestria e escuta atenta sobre as incertezas e certezas dos próximos passos. A família ribeirão-pretana, Xoxó (Jorge), gafe (Taiunara), pantera (Ana Cristina), Jady, orinho (Yurin), Pedro, pudim (Miriam). Por juntos vivermos dúvidas, loucuras, angústias, risos e sonhos. Aos amigos do Laboratório de Etnopsicologia por propiciarem reflexões de forma espontânea e divertida. Pela disposição e auxílio sempre que necessário. Agradeço ao acolhimento do Terreiro de Pai Benedito, em especial Joana, Meire e Orestes. Aos colaboradores dos terreiros Cacique Pele Vermelha e Tenda de Umbanda Soldados da Mata Agradeço, sobretudo, a todos os ciganos e ciganas. Sem os quais não seria possível à pesquisa.

Macedo, Lívia Alves dos Santos (2014). Estradas sem fim: a linha do oriente e o povo ciganos na umbanda. Monografia de Conclusão do Programa de Bacharelado do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto. (Orientador: Prof. Dr. José Francisco Miguel Henriques Bairrão) A umbanda transforma grupos sociais em símbolos religiosos carregados de significados psicológicos. As hipóteses tradicionais sobre a origem da umbanda supõem a preservação em seu culto de grupos subalternos da sociedade brasileira (tais como indígenas e africanos escravizados), em geral entendidos como ancestrais da população contemporânea. O que não é o caso do povo cigano, histórica e socialmente alheio à construção identitária do país. Conhecidos como um povo sem pátria, os ciganos são compostos de doze milhões de indivíduos dispersos pelo mundo e que ciosamente preservam a sua identidade e alteridade relativamente aos povos com que convivem. No Brasil, estima-se uma população de um milhão de pessoas, sendo sua primeira aparição histórica no século XVI junto com a corte portuguesa. Ainda assim, são invisíveis no plano político e social do país. Destacam-se, apenas, pelas roupas coloridas usadas por suas mulheres e pela representação artística, como a música cigana disseminada em muitos países ocidentais. No entanto, nos ritos umbandistas a linha de ciganos ocupa uma categoria significativa, uma vez que, é dada uma utilidade deles no corpus religioso. O objetivo da pesquisa foi caracterizar a representação dos ciganos no panteão umbandista. O método utilizado foi o etnográfico (pesquisa de campo em terreiro e consulta a entrevistas e registros audiovisuais de festas rituais de espíritos ciganos arquivadas no banco de dados do Laboratório de Etnopsicologia) e pesquisa bibliográfica referente à etnia cigana. Participaram do estudo espíritos ciganos e os seus médiuns, por meio de entrevistas abertas em cultos umbandistas. As entrevistas foram realizadas e gravadas após o esclarecimento aos colaboradores sobre o estudo mediante a apresentação de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. A análise de dados foi feita a partir da identificação dos pontos de convergência, isto é, dos elementos que se repetiram nas narrativas transcritas e no diário de campo. Em seguida foi feito uma comparação com o que a literatura refere relativamente a outras categorias de espíritos, buscando encontrar as especificidades da representação do cigano na umbanda. Com base neste levantamento, estabeleceram-se tópicos no intuito de identificar sentidos explícita ou implicitamente associados regularmente a esse povo, que fornecessem pistas a respeito do papel da representação cigana neste imaginário. Dentre eles encontraram-se as sete linhas e a linha do oriente; autonomia e o pertencer ao grupo; relação de troca e a valorização de bens materiais; amor; liberdade; verdade; caminhos; cores vivas; festa; ouro; técnicas divinatórias; querer e mistério. Concluiu-se que a linha dos ciganos, aparentemente, não acrescenta novos sentidos à umbanda. Diferentemente dos demais grupos marginalizados existentes no panteão umbandista, ela reorienta significados já presentes no culto, numa perspectiva de futuro. Os espíritos ciganos interpelam os seus fiéis convidando-os a uma formulação clara do seu querer. Ao requerer que a pessoa se implique em suas próprias escolhas, o culto aos ciganos na umbanda também contraria a posição subjetiva de vítima do destino. A relação com o porvir permite também certo devaneio, favorece o otimismo com o amanhã e alivia angústias e sofrimentos com o presente. Palavras-chave: etnopsicologia, umbanda, ciganos. Área: Psicologia Social

Que puedo hacer? Donde puedo hallar leyendas y canciones? No voy hacia el bosque, ya no encuentro ríos! Oh bosque, padre mio, mi negro padre! El tiempo de los gitanos errantes paso ya hace mucho. Pero yo les veo, son alegres, fuertes y claros como el agua. La oyes correr cuando quiere hablar. Pero la pobre no tiene palabras… … el agua no mira atrás. Huye, corre, lejos, allá donde ya nadie la vera Nadie me comprende, solo el bosque y el río. Aquello de lo que yo hablo ha pasado todo ya, todo, y todas las cosas se han ido con ello… Y aquellos años de juventud. (Papuzka, Bronislawa Wads)

APRESENTAÇÃO

A população cigana está presente no Brasil desde século XVI, chegou com as primeiras embarcações portuguesas devido a uma lei, posteriormente instaladas no país, que proibia a presença de ciganos em Portugal. Claro, que isso não os impediu de circularem onde bem desejavam. O Brasil foi o espaço sonhado por muitos indivíduos da etnia com terras inexploradas os ciganos adaptaram-se bem ao novo continente. A perseguição de seu povo não se restringiu a Portugal, o Brasil manteve a ‘tradição’, no entanto, tinham a possibilidade estacionar suas caravanas afastadas da civilização quando lhe era conveniente (Fonseca, 1996). Atravessam fronteiras, mas não se vinculam a lugares por onde passam. A Índia os reconhece como povo, mas nem eles sabem bem sua origem, tampouco querem saber. De certa maneira, isto torna mais vulnerável a situação deles no mundo. São doze milhões de indivíduos espalhados pelos continentes, só no Brasil estima-se cerca de um milhão (Martinez, 1989; Sanches Silva, 2006). São muitos ciganos que vivem no país em uma condição de miséria, mais um grupo marginalizado e esquecido no plano social, econômico, político e cultural. A SEPPIR (Secretária de Políticas de Promoção da Igualdade Racial) criada em 2003, ainda no Governo Lula reconhece o povo cigano como comunidade tradicional (assinado em 2006) que reivindica políticas públicas específicas. A fim de garantir seus direitos humanos, sociais e culturais (Secretária de Políticas Públicas de Promoção de igualdade [SEPPIR], 2006). O mistério ‘cigano’ intriga, provoca, encanta e assusta o povo brasileiro, não sabemos, portanto, em que medida traços da sua cultura permeiam a brasileira, ou vice versa. Mas temos o conhecimento (Sanches Silva, 2006) que a representação religiosa existe, e em alguns terreiros de umbanda ocupam um expressivo papel. Nesse sentido, a umbanda dialoga com a etnia, mas o que tal ‘dramatização’ enuncia? A umbanda, religião afro-brasileira, é uma espécie de “caixa de ressonância” social, transforma pessoas e grupos em símbolos espirituais e psicológicos, segundo Bairrão (2003) mobiliza um monumental painel da história do país. Corrige deturpações ou ofensas da percepção de outros e da ancestralidade. A religião elabora processos coletivos, emocionais bem como reflete o funcionamento de uma parcela considerável da população do país. Em síntese, transforma a realidade social em símbolos psicológicos.

As hipóteses tradicionais sobre a seu nascimento supõem a preservação da ancestralidade brasileira como os caboclos (ameríndios), os pretos-velhos (africanos escravos), os exus-mirins (crianças de rua) e os baianos (migrantes nordestinos), através do sincretismo de traços da cultura africana, ameríndia e ocidental. O que não é o caso do povo cigano. Estes não fazem parte da construção identitária do país, no entanto no âmbito religioso umbandista, aparecem como símbolos relevantes neste imaginário. O povo cigano sempre me encantou, lembro-me de brincar de ler a sorte com cartas, mãos e borras de café quando criança com minhas primas. Na adolescência, fui apelidada de ‘cigana’ pelo meu gosto de viajar, ia visitar parentes que viviam longe, passava meses fora da cidade dos meus pais. Assim, aos poucos, o assunto foi me enfeitiçando, até o momento que me dei conta de estar bastante envolvida. Acredito que o fato de ter tido algumas vivências com os ciganos na época em que vivia em Andaluzia, Espanha, em 2009 e 2010, através do trabalho, bares e a rua, me encorajou a iniciar a pesquisa. Isto, em consonância, com meu interesse em etnopsicologia e umbanda, que me fascinam tanto quanto os ciganos

. Tal tema está inserido na área de psicologia social, no campo de etnopsicologia, a umbanda contribui ao resgate de grupos marginalizados através da inserção no campo religioso (Bairrão, 2003). O que colaborou ao refinamento da minha audição sobre a realidade psicossocial, afastando em parte, o olhar eurocêntrico.

1.1 Umbanda:

São múltiplos olhares que recaem sobre a umbanda, religião afro-brasileira. Ao longo do século XX, a umbanda bem como as demais religiões cujo fundamento carrega características trazidas pelos negros africanos, foi estudada por diversos pesquisadores. A visão sociológica e antropológica sobre a religião será brevemente descrita ao longo deste capítulo, explicitando as mais diversas abordagens e recortes metodológicos. Será oferecido um panorama geral sobre o tema, sem a pretensão de fazer uma exposição completa e minuciosa; nesse sentido, qualquer leitor que tenha um conhecimento prévio do assunto, provavelmente sentirá falta de algum autor ou abordagem importante. Trataremos de trazer ao leitor em que medida a religião dialoga com a realidade brasileira, quais os sentidos que ecoam aos fieis e a população em geral. Procedente das tradições culturais africanas e ocidentais, a umbanda situa-se entre o polo negro e branco. Muitos estudiosos reforçam a ‘brasileiridade’ da religião, considerada

assistência à população. Através de banho de ervas, chás, conversas e outras abordagens “mágicas” as entidades auxiliam em diferentes tipos de problemas (Dias, 2011). A umbanda expande-se justamente num momento em que a sociedade de classes se consolida; estes traços sociais encontram-se na própria síntese da nova estrutura religiosa. Surgiu em um contexto de mudanças sociais e políticas, final do século XIX e meados do século XX. Ortiz (1991) relata que foi uma época de grande mestiçagem, por exemplo, em 1890, 44% da população se declarou brancos, 12% negros e 33% mestiços. O nascimento da religião carrega um caráter político e social vivido na década de

  1. No período de Vargas, no qual a sociedade consolidava características urbanas e industriai. A umbanda rompia simbolicamente com o passado e reinterpretava antigas tradições (Brown, 1985). Nesse sentido, sua origem não é bem demarcada, considerada por Ortiz (1991) uma nova modalidade religiosa reflexo do movimento de desagregação das ‘arcaicas’ tradições afro-brasileiras. O ‘embranquecimento’ da sociedade brasileira, termo usado por Roger Bastide (1971) – no sentido de subir individualmente na estrutura social, sugere que o negro não tem alternativa, ele precisa aceitar os valores impostos pelo mundo do branco; recusando tudo aquilo que tem uma forte conotação negra, isto é, afro-brasileira – e isso coincide propositalmente com as práticas kardecista e o surgimento da umbanda. O espiritismo penetra nas camadas mais baixas da sociedade em meados do XX, reestruturando radicalmente o ritual, com elementos ditos “sobrenaturais”. Logo, ficou conhecido também como ‘baixo espiritismo’. Em uma época em que os cortiços passam a se chamar favelas, a fusão de etnias se torna intensa, o “feitiço” de práticas religiosas confortam a população da miséria, como afirma Ortiz (1991): Negros, mulatos, portugueses, à miséria da cor soma-se a miséria de classe; a favela torna-se o foco do feitiço, ou em outros termos, o lugar onde se agrupa uma classe marginal à sociedade, que tem como único consolo a religião e as práticas mágicas que se enriquecem na medida em que cada povo traz a sua contribuição. Desta forma, negros e imigrantes que não conseguem integrar-se imediatamente na sociedade passam a ocupar uma mesma posição social. O baixo espiritismo vai lhes oferecer um quadro que lhes permite enfrentar a vida (p. 35). [...] A umbanda aparece, pois, como uma solução original; ela vem tecer um liame de continuidade entre as práticas mágicas populares à dominância negra e a ideologia espírita. Sua originalidade consiste em reinterpretar os valores tradicionais, segundo o novo código fornecido pela sociedade urbana e industrial. O que caracteriza a religião é o fato de ela ser o produto das transformações socioeconômicas que ocorrem em determinado momento da história brasileira [...] O processo de embranquecimento, assim como o de empretecimento, resulta das próprias transformações sociais. É por causa delas que este processo se reproduz, com cores regionais, nos diversos pontos do país (p. 48).

A influência do espiritismo é notável nas práticas umbandistas, uma vez que ambas têm a caridade como alicerce das religiões. No entanto, ao contrário do kardecismo, no qual existe resistência com tradições mágicas e incorporações, a umbanda encontrou nas crenças afro-brasileiras forças para preservar o ritual de possessão e as divindades africanas. Conhecida em trabalhar com classes marginalizadas e recalcadas socialmente, espíritos retornam do mundo ‘sagrado’ para relembrar aos fiéis que em vida sofreram abusos de diferentes formas e que ao fim, transformaram-se em uma população socialmente alheia e desfavorecida no plano econômico e político. Em síntese, é provável que o surgimento da umbanda tenha ocorrido lentamente através das vivências urbanas e rurais da população marginalizada com rituais e feitiços, da conexão com o mundo espiritual. A partir do momento em que uma classe social mais favorecida economicamente teve contato com a religião, houve o reconhecimento social e o aumento de estudos científicos sobre o tema (Brumana & Martinez, 1991). Embora tenha sofrido inúmeras perseguições no início do século (Ortiz, 1991) e ainda exista grande intolerância religiosa no Brasil, a umbanda não deixa de ser um processo sincrético e contínuo, como afirma Dias (2011). No entanto, ainda traz mistério e o desconhecimento social perante a sociedade. A umbanda fundamenta-se no culto aos espíritos e por sua manifestação através do corpo dos indivíduos, os médiuns, conhecidos no linguajar umbandista como ‘cavalos’. Eles se encontram em um estado alterado de consciência, fazem a mediação entre o mundo sagrado e o profano. O desconhecimento social sobre a prática solidifica o estigma sobre o ritual, carregado de preconceitos, medos e desconfiança; traz consequências para os terreiros, bem como para os frequentadores da religião. Além de haver um constrangimento social de assumir a crença em determinados ambientes, o indivíduo pode ser discriminado acerca sua prática religiosa. Não se pode avaliar o alcance dos efeitos, uma vez que, envolvem aspectos emocionais, pessoais e profissionais. No Brasil, a possessão não se vincula somente às religiões afro-brasileiras, segundo Birman (1985) é uma forma particular de contato com o sobrenatural, uma referência constante na cultura do país. Apesar de frequente na linguagem religiosa brasileira, o ‘transe’ traz medo e encanto. Muitos foram os ataques feitos, principalmente por religiões cristãs, em especial o catolicismo oficial, aos cultos de possessão. Segundo Birman (1985), foram acusações temperadas por argumentos que destacavam o caráter primitivo dos povos praticantes destes tipos de culto. Ao longo dos anos, o medo, o preconceito e o distanciamento em relação a

diversidade da umbanda não se reduz ao seu nascimento, mas também a sua organização espiritual. Os espíritos que compõem o sistema umbandistas são categorizados entre espíritos de luz e espíritos das trevas, conhecidos popularmente entre a direita e a esquerda, respectivamente. Essa divisão faz parte da lógica cristã, na qual ocorre a dicotomia entre o bem e o mal; enquanto a direita representa unicamente o bem, como caboclos, preto- velho e crianças; a esquerda representa tanto o bem quanto o mal, como os exus e pomba giras (Ortiz, 1991). Existem basicamente, os espíritos que “dão consulta”, isto é, aqueles que se comunicam com os fiéis. As entidades (sinônimo de espíritos no jargão umbandista) se dividem, segundo Birman (1985), em mundo da natureza (caboclos), mundo civilizado (crianças e preto-velhos) e mundo marginal (exus). Existe uma combinação entre classe de entidade e orixás, estes, por sua vez, são ligados aos elementos da natureza, alguns representados por Iansã, Oxum, correspondem respectivamente ao vento e aos rios. A princípio temos Oxalá (Orixá), corresponde ao Deus católico. Os orixás são divindades de origem africana, relacionados com a natureza e associados a eles estão os espíritos ‘autorizados’ em conversar com a população (no jargão umbandistas são as entidades) que constituem os panteões. Cada entidade tem uma forma particular de se movimentar, falar, andar, além de terem artifícios, como gestos que lembram a vida que tiveram na terra. Cada uma representa um personagem da história brasileira, aparecem como símbolos religiosos e através da função designada se inserem na lógica do sistema. Ortiz (1991) descreve os caboclos como os índios ‘brasileiros’ que depois de mortos passaram a constituir o sistema, representam a “energia e a vitalidade”; os pretos-velhos representam a humildade, espíritos dos antigos escravos negros. Segundo Martinez e Brumana (1991) não é um significante livre, mas arrasta consigo significações que são lugares que ocupa no corpus narrativo da cultura brasileira. Isto é, fazem parte da miscigenação brasileira, cada qual representa, simbolicamente, uma peça do quebra-cabeça da história do Brasil. Apesar da semelhança de funções simbólicas que as entidades assumem dentro da umbanda, cada uma possui sua individualidade, que se identifica através do nome e da trajetória pessoal enquanto vivos. O culto umbandista remete a ideia de nacionalidade. Alguns estudiosos da religião dizem que ao contrário do candomblé, que aceita apenas influência africana, a umbanda traz esse caráter de união das “três raças”, branco, negro e indígena (Birman, 1985; Ortiz, 1991;

Brumana & Martinez, 1991; Negrão, 1996). Desta maneira, retomamos ideia sobre a relação entre a unidade e a multiplicidade, seria então grupos provenientes de diferentes culturas (ex: índios, negros) dentro de uma só nacionalidade. Não há como falar da umbanda, sem mencionar as linhas e falanges existentes em cada uma delas. Temos então conhecidas e citadas por muitos autores (Birman, 1985; Negrão, 1996; Brumana & Martinez, 1991; Brown, 1985; Ortiz, 1991) as sete linhas, comandadas por Oxalá, Iemanjá, Xangô, Ogum, Oxóssi, Crianças e Preto-velhos, associados respectivamente aos trovões e raios; agua doces, arco-iris; representante das águas; das matas. Birman (1985) explicita: Cada orixá é concebido de uma determinada maneira, com algumas qualidades e ligado a um domínio específico da natureza. As entidades que se manifestam “na linha” de um determinado orixá são representadas com seus atributos básicos. Constituem-se como variantes de um tipo fixado (p.41). Cada linha varia na forma de se apresentar e expressar dentro dos diversos terreiros; ao mesmo tempo em que se divergem, elas se cruzam, trazendo novos significados e configurações no universo sagrado umbandista. Em sua essência, carrega “energias que se irradiam” de diferentes modos, sem que possa ter interferência ou controle dos indivíduos frequentadores do terreiro. O sistema umbandista compreende a teoria das linhas, organização das entidades dentro do universo religioso. Neste sentido os Orixás, deuses africanos que governam o mundo dos homens guiados por elementos da natureza e Olurum (concepção africana de um Deus, embora adorado, situa-se distante das necessidades humanas.), são os responsáveis pelas linhas. (Ortiz, 1991) Cada linha possui um “chefe”, uma divindade (Orixá), na qual existem espíritos (entidades) subordinados que vêm em terra, incorporados, para cumprir sua missão. O lugar em que as entidades originam, reforçam sua identidade. Por exemplo, a mata é o habitat dos caboclos, carregam o arco, a flecha e as penas, estes são elementos que fazem parte da sua representação simbólica e estão conectados a sua procedência. Apesar de parecer bem organizada, o universo umbandista é bastante complexo e dinâmico, pois cada falange se divide em sete subfalanges e assim por diante; o alicerce do sistema são os guias (mensageiro espiritual), os protetores e o médium. Cada Orixá se integra ao plano, através da sua vibração interligada ao seu elemento, por “energias que se irradiam” (Birman, 1985), por exemplo, Iemanjá com as águas, Ogum com ferro, etc.