



Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity
Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium
Prepare-se para as provas
Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity
Prepare-se para as provas com trabalhos de outros alunos como você, aqui na Docsity
Os melhores documentos à venda: Trabalhos de alunos formados
Prepare-se com as videoaulas e exercícios resolvidos criados a partir da grade da sua Universidade
Responda perguntas de provas passadas e avalie sua preparação.
Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium
Comunidade
Peça ajuda à comunidade e tire suas dúvidas relacionadas ao estudo
Descubra as melhores universidades em seu país de acordo com os usuários da Docsity
Guias grátis
Baixe gratuitamente nossos guias de estudo, métodos para diminuir a ansiedade, dicas de TCC preparadas pelos professores da Docsity
A linguagem é fundamental no trabalho dos profissionais de saúde, mas é frequentemente negligenciada. Este documento destaca a degradação da linguagem médica, com o uso de palavras incorretas, imprecisas e excesso de abreviaturas em processos clínicos. Discutem-se erros comuns, tais como a utilização errada de termos como leucemia, alcoolemia, hipercalcemia e hiponatremia, e a confusão entre hipoxia e hipoxemia, acidose e acidemia. O documento também aborda a importância de se evitar certas expressões ao se comunicar com doentes, tais como 'colega' ou 'colegas', e 'então como estamos?'. Por fim, discute-se a importância de se evitar o uso excessivo de abreviaturas e se assegurar que a linguagem utilizada seja compreensível para todos os envolvidos no processo clínico.
Tipologia: Notas de estudo
1 / 5
Esta página não é visível na pré-visualização
Não perca as partes importantes!
A linguagem é um aspecto fundamental do trabalho dos médicos e de outros profissionais de saúde. É, no entanto, um aspecto frequentemente negligenciado. Penso que a linguagem se está a degradar com o uso de palavras incorrectas, imprecisas e com o excesso de abreviaturas nos processos clínicos. A persistência em erros óbvios, por vezes parece propositado, parece que se faz gala em falar e escrever erradamente. Há alguns anos atrás ouvia termos como leucémia, alcoolémia, hipercalcémia, hiponatrémia e outros semelhantes aos meus colegas de Lisboa. Não se falava assim no Porto. Agora, a maioria dos médicos usa erradamente esses termos e, penso mesmo que acham errados os termos correctos: leucemia, alcoolemia, hipercalcemia, hiponatremia, etc. Basta que os escrevam no Word, como eu estou a fazer aqui, para que automaticamente o programa os corrija. Para os escrever erradamente tenho de repetir o erro e, depois, a palavra fica sublinhada a vermelho. Experimentem. Outro erro frequente, sobretudo nos oncologistas, é o uso da palavra estadio, pretendendo significar uma fase da evolução do cancro. A palavra correcta é estádio. Essa é a palavra que significa o que se pretende significar com a outra. Mais uma vez o Word me dá razão. Já não me dá razão quando escrevo correcta, porque quer que eu tire o c, mas essa é outra história e nesta minha escolha estou muito bem acompanhado. Horrível (não quero exagerar, mas …) foi ter assistido a uma breve discussão sobre o uso de estádio e estadio e alguém dizer que eu dizia estádio para ser diferente. Extraordinário. Usam-se também termos médicos erradamente. Por exemplo, usam-se os termos hipoxia e hipoxemia como se fossem sinónimos, mas hipoxia significa oxigenação tecidular inadequada e hipoxemia significa redução do conteúdo de oxigénio no sangue. Outro exemplo, acidose e
acidemia; se tivermos uma acidose respiratória pode não ser necessário intervir, se o pH for normal, mas se houver acidemia, isto é pH < 7,35, é necessário intervir. É vulgar, e eu já o fiz também, escrever expressões como “nega dor” ou “nega uso de drogas”. Ora, dizer isto não significa que o doente não tem dor ou não usa drogas, mas que se recusa a admiti-lo. Significa que ele nega, como o criminoso nega o seu crime, não significando isso que não o cometeu. Quase todos usamos o termo raio x do tórax em vez de radiografia do tórax. Raio x é uma forma. de radiação electromagnética que não se vê. O uso da palavra queixa ou queixas, ex., “doente sem queixas”. Não me parece adequado este termo, seria melhor usar sintomas. Um último exemplo, muito usado é o termo “evidência”. É comum ler-se ou ouvir-se expressões equivalentes a “não há evidência da eficácia do medicamento x na situação y” ou “a evidência mostra que …”. Fala-se na medicina baseada na evidência, há mesmo um Centro de Estudos de Medicina Baseados na Evidência. Ora o uso da palavra evidência resulta da tradução da palavra inglesa evidence, que também significa evidência, mas que no contexto em que é usada em medicina significa prova, não o que é óbvio.
A comunicação é um processo complexo, sobretudo em situações em que há uma grande assimetria na posição dos intervenientes. A posição dos doentes é frágil e vulnerável. Estão numa posição de inferioridade, eventualmente ansiosos ou com défices cognitivos, por vezes subtis. Podem estar numa fase de adaptação psicológica a uma situação grave, em negação, por exemplo. Não é raro constatar que o doente não tem a informação que se afirma ter-lhe sido prestada. É indispensável confirmar que o doente compreendeu o que lhe foi dito e não apenas fornecer a informação. Mesmo assim, pode ser necessário voltar ao tema numa conversa
normal). Portanto, devemos ter consciência disso e certificarmo-nos de que o doente compreendeu correctamente o que queríamos transmitir.
O uso de abreviaturas é muito frequente em medicina. Tenho a impressão (não tenho provas) de que tem aumentado desde há alguns anos. Há abreviaturas que são do conhecimento de todos e todos as usam. Por exemplo, TAC, RNM, DPOC, AVC, todos os profissionais conhecem e seria até estranho que se escrevessem por extenso. No entanto, há muitas outras abreviaturas cujo significado não é evidente para a generalidade dos profissionais. São por vezes conhecidas numa especialidade ou num hospital, mas não são de uso generalizado. Por exemplo, o que significa PD (progressão da doença) ou BSC (best supportive care) não é evidente. Provavelmente só um grupo restrito conhece o seu significado. Há um outro risco com os processos electrónicos. Se houver um engano de escrita na abreviatura, ela pode tornar-se incompreensível mesmo para os profissionais acostumados à sua forma habitual. Além desses aspectos, é preciso notar que o processo clínico é um veículo de comunicação entre os profissionais, não é um bloco de notas pessoal, nem mesmo para um grupo restrito. A informação que consta no processo clínico pode ser consultada pelos doentes ou pelos seus representantes, pode servir como elemento num processo judicial, etc. Portanto, o que consta no processo clínico deve ser compreensível para todos os que legalmente possam a ele ter acesso. Há, no entanto, justificação para usar abreviaturas, como disse acima, mas devem ser compreensíveis. Para isso, as abreviaturas a usar numa determinada instituição, devem ser poucas e devem ser padronizadas e aprovadas pela direcção da instituição, para que todos as percebam.
Todos cometemos erros ocasionalmente, mas não foi desses erros que quis falar. Falei dos erros sistemáticos, dos vícios da linguagem e da comunicação verbal. Dou alguns exemplos de erros, imprecisões e práticas incorrectas comuns nos profissionais de saúde, mas muitos outros poderiam ser dados. Uns não têm consequências práticas, são “apenas”, digamos, inestéticos. Outros podem ter consequências desagradáveis. Concluo dizendo que a comunicação e a linguagem utilizada pelos profissionais de saúde, incluindo os médicos, grupo a que eu pertenço, deve ser rigorosa e clara, para evitar erros e mal- entendidos e, também, pela estética das palavras.