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Este documento investiga a possibilidade de modificação do currículo escolar por iniciativa das escolas, considerando a base legal para sua determinação na educação básica no brasil. O texto aborda o modo como o direito à educação se materializou legalmente no país, como o currículo da educação básica é determinado a partir da lei especial, e a descrição de uma nova disciplina chamada metodologia de estudo, incluindo sua justificação, conteúdos, didática e avaliação. O documento afirma que as instituições de ensino básico possuem autonomia para criar novas disciplinas e reformular a oferta de conteúdos, e que os instrumentos legais disponíveis contribuem para a consolidação do direito à educação efetivo.
O que você vai aprender
Tipologia: Notas de estudo
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Monografia de Conclusão de Curso apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito FÁBIO CANTERGIANI RIBEIRO MENDES Porto Alegre 2010
Monografia de Conclusão de Curso apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito FÁBIO CANTERGIANI RIBEIRO MENDES PROF. DR. JUAREZ FREITAS ORIENTADOR Porto Alegre Novembro de 2010
O presente trabalho não teria sido possível sem o valoroso auxílio de diversas pessoas. Agradeço primeiramente ao Prof. Dr. Juarez Freitas, por ter aceitado a orientação deste trabalho, por sua inestimável contribuição e incentivo. Agradeço à Profª Mariza Borges e à equipe da Assessoria Técnica do Conselho Estadual de Educação do RS, pelo apoio relativo à legislação pertinente. Agradeço à Profª Maria Ângela Pauperio Gandolfo, pelo auxílio relativo ao tema complexo da distinção pedagógica entre conceitos, competências e conteúdos. Agradeço ao Prof. Fernando Becker, da Faculdade de Educação da UFRGS, por ter-me recebido e orientado o início desta pesquisa em tópicos específico. Agradeço ao SINEPE/RS pelas informações passadas por telefone em demoradas ligações. Muito obrigado a todos. Um agradecimento especial é dirigido aos alunos, pais, professores, coordenadores e equipes diretivas das diversas instituições que acolheram meu trabalho. Obrigado. Finalmente, não poderia deixar de abraçar minha família e amigos, em especial minha esposa, Elisa, agradecendo-a por todo o auxílio no período de elaboração do trabalho e pela ajuda na revisão do texto. Obrigado a todos.
A educação é condição necessária para o desenvolvimento humano. Sem ela, a cultura não alcança homens e mulheres: adquire-se conhecimento, desenvolvem-se tecnologias, mas ambos chegam apenas como novos instrumentos de poder. Faz-se necessário, portanto, constantemente repensar e reformar o modo como educamos para que o ser humano possa continuar se desenvolvendo. A educação divide-se naquela conferida pela família e na adquirida nas instituições de ensino. Em relação a esta última, precisamos ser capazes de formular um currículo que garanta a formação de pessoas com a faculdade de responder de forma ativa aos diversos desafios contemporâneos. Isso significa a formação de agentes com autonomia intelectual, com capacidade crítica, com a habilidade de aprender de forma constante e independente. Para tanto, far-se-ia necessária a inserção curricular de uma nova disciplina, de Metodologia de Estudo, cuja ementa incluiria conteúdos como a preparação para o estudo, programação de horários e a metodologia de estudo propriamente dita. A viabilidade da referida disciplina fundamenta-se na experiência do autor, que trabalha há 4 anos com projetos desta natureza em escolas públicas e privadas do estado, esforço que resultou em reconhecimento público através da obtenção de um importante prêmio em educação em 2010. O objetivo deste trabalho é investigar a possibilidade de modificação do currículo escolar por iniciativa das escolas, considerando a base legal para sua determinação na educação básica em nosso país. Em especial, busca-se o espaço para a inserção de uma disciplina especial, de Metodologia de Estudo. Para isso, trata-se de três objetos: i) o modo como o direito à educação se materializou legalmente no Brasil na lei específica sobre as diretrizes e bases da educação, ii) como o currículo da educação básica é determinado a partir desta lei especial e iii) a descrição da nova disciplina, sua justificação, conteúdos, didática e avaliação. A conclusão do trabalho é a identificação dos dispositivos legais que de fato possibilitam a inserção da disciplina de Metodologia de Estudo e que conferem às escolas a competência de deliberar amplamente, com elevada autonomia sobre sua matriz curricular. Conclui-se que há espaço, e manifesto estímulo, na legislação brasileira para a inserção curricular da nova disciplina na educação básica. Cabe às comunidades escolares, que incluem direção, professores, pais e alunos, organizarem- se para trazer novo oxigênio aos currículos e, desta forma, modificar a ensino em nosso país. ABSTRACT Education is a necessary condition for human development. Without it, culture does not reach women and men: one acquires knowledge, develops technologies, but both come just as new instruments of power. It is necessary, therefore, constantly rethinking and redesigning the way we educate so that humans can continue developing. The education is divided between what is afforded by the family and what is gained in educational institutions. Regarding the latter, we must be able to formulate a curriculum that ensures the training of people with the ability to respond proactively to the diverse challenges of today. This means the training of agents with intellectual autonomy, with critical skills with the ability to learn continuously and independently. Therefore, it is necessary to insert a new course curriculum, Study Methodology, whose menu includes content such as the preparation for the study, scheduling and methodology of the study itself. The feasibility of this discipline is based on the experience of the author, who has worked for four years with projects of this nature in public and private schools in the state of Rio Grande do Sul, an effort that resulted in public recognition by achieving a prestigious award in education in 2010. The aim of this study is to investigate the possibility of changing the curriculum, at the discretion of schools, considering the legal basis for its determination in basic education in our country. In particular, it is desired to insert a special discipline, Study Methodology. Thus, three objects are considered: i) how the right to education legally materialized in Brazil, with respect to the specific law on the guidelines and bases of education, ii) how the basic education curriculum is determined from this particular law and iii) a description of the new discipline, with justification, content, teaching and assessment. The conclusion is the identification of legal devices that not only, in fact, allow for the insertion of the discipline of Study Methodology, but also give schools the power to act broadly, with high autonomy over their curriculum. We conclude that there is space, and manifest stimulus, within the Brazilian legislation for the inclusion of the new discipline in the curriculum of basic education. It is for school communities, which include leadership, teachers, parents and students to organize themselves to bring new oxygen into the curricula and thus change the education in our country.
e perigoso. Faz-se necessário, portanto, constantemente repensar e reformar o modo como educamos para que o ser humano possa continuar se desenvolvendo.^1 Isto vale para todos, inclusive para nós, brasileiros. Em nosso país, o Brasil, a educação é tema de grande destaque neste início de século XXI. Faz parte da opinião geral que, sem educação de qualidade, o crescimento econômico, político e social estará comprometido. Pergunta-se, portanto, que educação queremos e precisamos para nossas crianças e jovens. Para responder a esta pergunta, é preciso saber que educação os jovens efetivamente recebem hoje em nossas escolas, considerar quais são as causas que determinam tal educação e as possibilidades de modificação. A educação divide-se naquela conferida pela família e na adquirida nas instituições de ensino. No primeiro caso, cada família possui a liberdade para educar sua prole do modo que parecer conveniente, certamente sem maus tratos e observando os direitos destas crianças e adolescentes. E as escolas, possuem estas liberdade para educar como parecer-lhes conveniente? A resposta parece ser que não: elas precisam seguir diversas orientações, consubstanciadas em um currículo. Pois bem, qual é, então, o espaço de liberdade das escolas na elaboração destes currículos? Será possível uma instituição criar ou extinguir disciplinas, aumentar e reduzir suas cargas horárias, retirar e adicionar-lhes conteúdos? Mesmo sem conhecer a resposta exata, é possível fazer a constatação de que o currículo das escolas é extremamente semelhante, aparentemente engessado em relação a conteúdos tradicionais e cada vez mais inchado de novos saberes, que atendem a necessidade de atualização das escolas frente a um mundo em constante modificação. Deste modo, é possível responder à primeira das perguntas sobre o currículo a partir de nossa experiência cotidiana, pois todos tivemos a experiência da vida escolar para saber como de fato ocorre nossa educação. Entretanto, a resposta às perguntas seguintes, sobre as causas do currículo ser como de fato é e se há possibilidade de modificação, não recebem respostas vindas de nossa experiência ordinária. (^1) “Todo progresso cultural, por meio do qual o ser humano avança em sua educação, tem o objetivo de aplicar este conhecimento e perícia adquiridos para o uso no mundo. Mas o mais importante objeto no mundo ao qual ele pode aplicá-los é o ser humano: porque o ser humano é seu próprio fim.” (KANT, Immanuel. Anthropology ..., 7:119) O progresso da humanidade, segundo Kant, é de um estado animal, bruto, a uma vida livre e moralizada. Ele se dá tanto por mecanismos involuntários (como o antagonismo entre os indivíduos, a “insocial sociabilidade”, que acaba levando as instituições humanas a um desenvolvimento), quanto por meios voluntários, fruto de nossa liberdade. Kant trata do progresso não-intencional da espécie em seus escritos sobre história e do progresso intencional nos escritos sobre educação. A educação é o instrumento pelo qual o ser humano ativamente busca seu progresso em direção a uma vida moralizada. (Cf. LOUDEN, B. Robert. Preface. In.: KANT. Anthropology, History and Education. p. 15).
É fundamental notar a importância destes questionamentos: é através do currículo que recebemos nossa educação comum e, portanto, depende dele o desenvolvimento humano e, em nosso caso, da nação. Precisamos ser capazes de elaborar um currículo que garanta a formação de pessoas capazes de responder de forma ativa aos diversos desafios contemporâneos. Isso significa a formação de agentes com autonomia intelectual, com capacidade crítica, com a habilidade de aprender de forma constante e independente. De alguma forma, o currículo precisa modificar-se para atender a esta finalidade, pois a mera adição de conteúdos nas disciplinas atuais tende a fazer de nossa educação mais um processo de desenvolvimento da capacidade de memorização e paciência do que de autonomia. Há um modo de estimular nas crianças e jovens diretamente sua autonomia. Isto se faz com orientações a respeito de metodologia de estudo. Ao invés de apenas ensinar e fazê-los aprender, é possível ensiná-los sobre como aprender. Tenho trabalhado com o tema pelos últimos 4 anos e posso afirmar: é justamente este tipo de orientação que estimula os jovens a receber uma educação formal. Neste curto espaço de tempo, já trabalhei com mais de 6. crianças, jovens, pais e professores por meio de palestras, oficinas e cursos que orientam sobre como estudar sozinho ou, em outras palavras, sobre como desenvolver a autonomia no aprendizado. Lancei dois livros sobre o tema 2 e recentemente fui vencedor de um importante prêmio de educação do estado.^3 Hoje, além dos projetos nas escolas, curso Doutorado em Filosofia na UFRGS sobre o tema da autonomia efetiva e a educação em Kant. Metodologia de Estudo é um tema que, se pudesse ser inserido no currículo da educação básica, certamente traria enormes benefícios para os estudantes, na medida em que lhes fornece ferramentas para o aprendizado autônomo. O objetivo deste trabalho é justamente tentar responder tais questões acerca do currículo, considerando a base legal para sua determinação na educação básica em nosso país. Em especial, busca-se o espaço para a inserção de uma disciplina especial, de Metodologia de Estudo. Para isso, trata-se de três objetos: i) o modo como o direito à educação se materializou legalmente em nosso país na lei específica sobre as diretrizes e bases da educação, ii) como o currículo da educação básica é determinado a partir desta lei especial e iii) a descrição da nova disciplina, sua justificação, conteúdos, didática e avaliação. O primeiro capítulo trata do direito à educação e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996. Inicialmente, é traçado um panorama histórico abrangente, a (^2) Vestibular 100%, Método de Estudo, Descanso e Lazer (Literalis, 2006, 112 páginas) e Revolução no Aprendizado, Autonomia e Hábito de Estudo (Dom Quixote, 2009, 208 páginas). (^3) Trata-se do Prêmio Educação RS 2010, oferecido pelo Sindicato dos Professores do Ensino Privado do RS, na categoria Profissional.
órgãos similares em outros estados e nos municípios. Este órgão explicita como as instituições devem proceder para elaborar o Plano de Estudos, que é a materialização do currículo da escola, a partir do qual os professores elaboram seus próprios planos de trabalho. É neste momento que se pode afirmar, com pulmões a pleno ar, que as instituições de educação básica possuem sim autonomia para criar novas disciplinas, reformular a oferta de conteúdos e inovar. Isto significa: a uniformidade curricular das escolas não tem causa legal. Com tal dado em mãos, é possível apontar a importância de provas e avaliações externas como a causa principal para o engessamento curricular e a modificação do currículo apenas pela adição de conteúdos. A falta de integração da comunidade escolar faz com que a qualidade seja averiguada somente por meio de tais parâmetros, o que ocasiona que os conteúdos previstos por um vestibular, por exemplo, determinem o que os professores do ensino médio devem abordar em sala de aula. A solução para este problema está na integração da comunidade escolar e na oferta de oportunidades para os alunos desenvolverem sua capacidade de aprendizado com autonomia por meio de projetos e de orientações sobre metodologia de estudo. O terceiro e último capítulo traz a descrição da nova disciplina de Metodologia de Estudo. Começa-se pela justificação de sua necessidade, o que é alcançado pela análise de fatores que fazem do mundo atual especificamente diferente de outros momentos da humanidade. O acesso massificado à informação e a progressão tecnológica vertiginosa criam um ambiente novo, no qual o aprendizado constante não é uma opção, mas sim um requisito essencial para qualquer agente. Assim, ao inserir uma disciplina que promove a autonomia no aprendizado, as escolas podem responder de forma adequada ao desafio de formar membros da sociedade com capacidade de aprender por conta própria, de forma contínua, durante toda a vida. Poder-se-ia indagar, diante de disciplina de tão valorosos frutos, como ela é possível ou como veio a ser real: tal é o intuito da seção seguinte, na qual é relatado de forma breve, mas ilustrativa, o caminho empírico de sua elaboração. Em seguida, a disciplina é descrita a partir dos conceitos, competências e conteúdos que a compõem, para então tratar de sua didática própria, assim como da possibilidade concreta de avaliação, sem a qual os conteúdos não poderiam ter seu aprendizado constatado pelos professores. É com o mais puro otimismo que o presente trabalho tem seu fechamento. Em busca de uma diminuta brecha legal que permitisse a inserção curricular de Metodologia de Estudo, encontrou-se uma ampla avenida para seu avanço. Buscava-se um punhado de terra para que tal iniciativa florescesse – ou mesmo um pequeno espaço no asfalto, o suficiente para fazer
brotar uma pequena flor, como a de Drummond^4 – mas ali havia uma planície fértil. Um entrave legal tornaria penosa, mas ainda assim digna, a batalha por levar aos alunos as ferramentas para construírem seu conhecimento com liberdade. Felizmente, pôde-se concluir afirmando: sim, cabe a nós, professores, pais e alunos, construir uma escola renovada, repleta de oxigênio, leve, criativa e que ensine nossos filhos a concretizar seus sonhos. (^4) “... Uma flor nasceu na rua! / Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego. / Uma flor ainda desbotada / ilude a polícia, rompe o asfalto. / Façam completo silêncio, paralisem os negócios, / garanto que uma flor nasceu. “Sua cor não se percebe. / Suas pétalas não se abrem. / Seu nome não está nos livros. / É feia. Mas é realmente uma flor. “Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde / e lentamente passo a mão nessa forma insegura. / Do lado das montanhas, nuvens macias avolumam-se. / Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico. / É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.” (ANDRADE, Carlos Drummond de. A flor e a náusea.)
sinônimo de todo local de formação além da básica^6. Contudo, apesar de vários pensadores sugerirem sistemas públicos de educação, eles eram uma realidade para poucos. A educação ainda era restrita aos estamentos superiores da sociedade. A situação perdurou durante a Idade Média^7 , quando o conhecimento era um bem altamente privilegiado e acessível apenas a monges em seus isolados mosteiros.^8 Apenas no final deste período, através do estudo do Direito Romano e do contato com os escritos e pensadores gregos, conservados pelos árabes e redescobertos pela Europa, a discussão intelectual ganhou abertura progressiva. Formaram-se as Universidades, locais que tinham como objetivo não apenas transmitir, mas principalmente avançar no conhecimento das matérias estudadas. Entretanto, esse ainda era um privilégio de poucos e se ligava necessariamente a uma vida religiosa, sendo o restante da população excluída.^9 O renascimento do comércio e fortalecimento da burguesia trouxeram consigo o Humanismo e a valorização do ser humano. A cultura passou a ser expandida, e valorizada, fora dos limites religiosos: foi o chamado Renascimento. A Reforma Protestante, com Lutero e Calvino, estimulou o contato de todos com o saber religioso, o que serviu de levou consigo o ideal da liberdade de pensamento nos diversos campos. O ensino passou a ser acessível à classe burguesa. 10 A Igreja Católica criou a Companhia de Jesus em reação à reforma e ao novo pensamento crítico com o objetivo inicial de evangelizar novos povos^11. Contudo, os jesuítas acabaram por atuarem de forma decisiva na educação. Assim, o embate de idéias, com ênfase ainda grande na formação religiosa, levou o ensino a populações antes (^6) Cf. PLATÃO. Vida e Obra [os pensadores], p. 12. (^7) A concepção da Idade Média como um período sombrio e sem avanços no conhecimento está hoje superada. A denominação de “Idade das Trevas” é enganadora, mesmo em relação à Alta Idade Média. Houve momentos de alta produção intelectual e expansão do conhecimento neste período da História. Exemplos são as obras de Santo Agostinho (séc. IV), o chamado Renascimento Irlandês (sécs. VI e VII) e o Renascimento Carolíngeo (séc. VIII). (Cf. BURNS, Edward M. História da Civilização Ocidental, pp.277-81, BRAIK, Patrícia R.; MOTA, Myriam B. História das cavernas ao terceiro milênio, pp. 10 7 - 8 e ARANHA, Maria L. de A. História da Educação e da Pedagogia, pp. 106-7) (^8) “... durante todas as fases da Idade Média perdurou o ideal clássico de formação da personalidade... impunha-se sobranceiro o propósito de se plasmar o perfeito cristão” (NUNES, Ruy Afonso da Costa. História da educação na Idade Média. p. 100.), contudo a educação como erudição não era acessível. Os camponeses dispunham da formação somente como cristãos, o que nem mesmo incluía a possibilidade de leitura da Bíblia, em latim (a tradução da Bíblia para a língua vulgar, aliás, foi uma iniciativa da Reforma Protestante). (^9) “Os monges eram os únicos letrados, porque os nobres e muito menos os servos sabiam ler” (ARANHA, Maria L. de A. História da Educação e da Pedagogia, p. 104). (^10) A partir do Renascimento que nascem os primeiros colégios, entre os sécs. XVI e XVIII, para atender a pequena nobreza e a burguesia em ascensão. (Cf. ARANHA, Maria L. de A. História da Educação e da Pedagogia, pp. 125-6). (^11) Inácio de Loyola fundou em 1536 a Companhia de Jesus com uma estrutura militar e objetivo de combater a Reforma Protestante e o florescimento das artes, consideradas prejudiciais ao Catolicismo. “Chegou à conclusão de que deveria promover, em todas as localidades possíveis, a fundação de colégios que, a par de substanciosa instrução literária e científica, ministrariam uma excelente instrução religiosa” (MONTEIRO, Eduardo C. Introdução à edição brasileira. In. LOYOLA, Inácio. Exercícios Espirituais de Inácio de Loyola , p. 18.)
absolutamente excluídas do mundo intelectual. Todavia, a educação ainda não era vista como um direito, mas sim como um privilégio, neste período mais acessível, porém não universal^12. Na Modernidade, cujo ápice foi o Iluminismo, a educação passou a ser vista como um importante requisito para o ser humano manifestar sua natureza. As idéias políticas efervescentes tinham como pressuposto uma natureza humana bruta que, no contato com demais seres iguais, manifestava os comportamentos visíveis na sociedade. Assim, a idéia da formação do homem passou a ser assunto de interesse comum, pois o ser humano individual formava a sociedade e da reforma do primeiro chegaríamos na transformação do segundo. Estas idéias são encontradas em Rousseau em seu escrito sobre educação bastante influente, intitulado “Emílio”. A natureza humana precisaria ser desenvolvida para que o homem fosse pleno, o que incluiria o cultivo de sentimentos como a compaixão e piedade^13. Nas revoluções liberais, Gloriosa (1688), Americana (1776) e Francesa (1789), são declarados valores ligados à felicidade individual e ao direito de cada pessoa a buscá-la, o que inclui o direito de revoltar-se contra a opressão, de ir e vir e de manifestação. Neste ponto, poder-se-ia pensar, e com razão, que o direito à educação também seria proclamado, já que o direito de revolta contra o status quo pressupõe capacidade crítica e, assim, alguma educação. Porém, não foi desta vez. O maior interesse destes revolucionários era livrar-se de uma estrutura política, o Antigo Regime, que sufocava o poder político e econômico de uma classe já poderosa há algum tempo, mas desta vez pronta para assumir o controle das nações: a burguesia 14
. As cartas da época proclamam os chamados “direitos fundamentais de primeira geração”, que protegem os indivíduos do poder excessivo do estado. Mesmo que hoje em dia consideremos o direito à educação implícito, à época o principal objetivo era libertar-se do jugo do Estado. (^12) Lutero e Melanchton, os principais reformadores alemães, trabalharam para implementar a escola primária para todos, ainda que o ensino médio e superior não fosse acessível à classe trabalhadora. Em reação a esta extensão do ensino que Inácio de Loyola criou a Companhia de Jesus. (Cf. ARANHA, Maria L. de A. História da Educação e da Pedagogia , pp. 127). (^13) Para Rousseau, educar um homem “trata-se menos de impedi-lo de morrer do que de fazê-lo viver. Viver não é respirar, mas agir, é fazer uso de nossos órgãos, de nossos sentidos, de nossas faculdades, de todas as partes de nós mesmos que nos dão sentimento de nossa existência. O homem que viveu não é aquele que contou maior número de anos, mas o que sentiu na vida”. Ao observar com repugnância o instituto absolutamente corrente em sua época das mães recorrerem à amas de leite, Rousseau salienta que a formação da criança depende da ternura de sua mãe para cultivar seus sentimentos naturais: “Se as mães se dignarem a amamentar seus filhos, os costumes reforçar-se-ão por si mesmos, e os sentimentos da natureza despertarão em todos os corações”. (Cf. ROUSSEAU, J-J. Emílio ou da educação. p. 16 e 23) (^14) “As exigências do burguês foram delineadas na famosa Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de
O marco decisivo para falarmos de “ direito à educação” é o fim da Segunda Guerra Mundial. A poeira das bombas nem havia baixado e as nações já se organizavam para declarar a existência incontestável de direitos humanos, sem os quais a civilização corria o risco de mais uma vez derramar oceanos de sangue civil. Dentre estes direitos, o da educação, denominada na Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948) como “instrução”. Lê-se no artigo XXVI:
tanto entre os povos dos próprios Estados-Membros, quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição. [sublinha adicionada] A partir deste primeiro documento, surgiram outras cartas. A Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (aprovada ainda em 1948, em Bogotá) dispôs, em seu art. XII, mais uma vez ressaltando a importância da educação como meio capaz de proporcionar uma vida futura digna: Toda pessoa tem direito à educação, que deve inspirar-se nos princípios de liberdade, moralidade e solidariedade humana. Tem, outrossim, direito a que, por meio dessa educação, lhe seja proporcionado o preparo para subsistir de uma maneira digna, para melhorar o seu nível de vida e para poder ser útil à sociedade. Termos estes que são reforçados pelo princípio 7º da Declaração dos Direitos da Criança (ONU, 1959), quando se adiciona a importância do desenvolvimento da capacidade crítica: Ser-lhe-á propiciada uma educação capaz de promover a sua cultura geral e capacitá-la a, em condições de iguais oportunidades, desenvolver as suas aptidões, sua capacidade de emitir juízo e seu senso de responsabilidade moral e social, e a tornar-se membro útil da sociedade. Uma série de outros tratados, pactos e declarações^18 elevaram a educação progressivamente ao patamar de um direito fundamental em si mesmo e em função do seu aspecto estratégico na garantia dos demais. Sem educação, não temos os conhecimentos sobre o mundo necessários para tomarmos nossas próprias decisões. Entretanto, precisamos mais do que o mero conhecimento: é fundamental desenvolver a capacidade de continuar aprendendo , mesmo após a instrução formal. Lemos no artigo 1º, alínea 1 da Declaração Mundial de Educação para Todos (UNESCO 1998): ARTIGO 1. SATISFAZER AS NECESSIDADES BÁSICAS DE APRENDIZAGEM
que seria equivalente ao artigo 5º de nossa constituição atual, encontramos o direito à instrução primária e gratuita como uma das garantias da inviolabilidade dos direitos civis: Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte. ... XXXII. A Instrucção primaria, e gratuita a todos os Cidadãos. Na Constituição Republicana de 1891, outra vez de forma surpreendente, temos um retrocesso: a retirada deste direito à instrução primária e gratuita. Apesar de mencionar a criação de “instituições de ensino superior e secundário nos estados” (art. 35, 2º) e da função do congresso em “animar o desenvolvimento das letras, artes e ciências” (art. 35, 1º), não há explícito o compromisso com a gratuidade ou a centralidade da educação para a garantia dos direitos civis, como na Constituição do Império. Apenas quase meio século depois, na Constituição de 1934, o direito à educação volta a ser mencionado e, desta vez, ocupa um local privilegiado. Há um capítulo inteiro dedicado à educação, que contempla inclusive a criação de órgãos e fundos responsáveis por sua manutenção e desenvolvimento. Lê-se no artigo 149: Art 149 - A educação é direito de todos e deve ser ministrada, pela família e pelos Poderes Públicos, cumprindo a estes proporcioná-la a brasileiros e a estrangeiros domiciliados no País, de modo que possibilite eficientes fatores da vida moral e econômica da Nação, e desenvolva num espírito brasileiro a consciência da solidariedade humana. O artigo 150 atribui à União o dever de elaborar um plano nacional de educação e fiscalizar sua observância (caput), sendo que este deve contemplar obrigatoriamente: a) ensino primário integral gratuito e de freqüência obrigatória extensivo aos adultos; b) tendência à gratuidade do ensino educativo ulterior ao primário, a fim de o tornar mais acessível; No mesmo capítulo, encontramos garantias do legislador para a efetividade deste direito pela criação de Conselhos de Educação nos estados (art. 152, Parágrafo Único), a fixação de receitas para a manutenção e desenvolvimento dos sistemas educativos (art. 156) e a formação de fundos da União e Estados de educação.
Três anos após, o advento do Estado Novo trouxe consigo a Constituição de 1937. No campo do direito à educação, merece destaque a proteção à infância e juventude (arts. 127 e 129), assim como o cuidado em relação ao ensino profissional vinculado à economia do país (art. 129, 130 e 132), incluindo a obrigatoriedade de trabalhos manuais e “adestramento físico” de modo a preparar a juventude “ao cumprimento dos seus deveres para com a economia e a defesa da Nação” (art. 132). Deve ser mencionado que a gratuidade do ensino primário não exclui, em 1937, “uma contribuição módica e mensal para o caixa escolar” (art. 129). A Constituição de 1946 retomou em grande parte a de 1937, com algumas ampliações. O ensino posterior ao primário é garantido como gratuito “para quantos provarem falta ou insuficiência de recursos” (art. 168, II) e tornam-se obrigatórios os serviços de orientação educacional voltados aos alunos com problemas de eficiência escolar (art. 172). É reiterada a competência da União para legislar sobre as diretrizes e bases da educação nacional (art. 5º, XV, d). Somente quinze anos mais tarde, em 1961, o Brasil recebe uma lei tratando das diretrizes e bases da educação a Lei nº 4.024/61 ou LDB/61. A lei amplia e especifica o direito à educação garantido pela Constituição de 1946, estruturando o sistema de ensino no Brasil encabeçado pelo Conselho Federal de Educação (arts. 7º ao 10). Divide o ensino (arts. 23 a 78) em pré-primário, primário, secundário, técnico, normal e superior; estrutura as universidades e outros estabelecimentos (art. 79 a 87); prevê educação para excepcionais e assistência social (arts. 88 a 91) e especifica como ocorrerá o financiamento da educação (arts. 92 a 96). Durante o período militar (1964 a 1985), não houve alterações constitucionais significativas em relação ao direito à educação, ressalvada a possibilidade de intervenção dos Estados nos Municípios caso o percentual previsto para a educação não fosse observado (Emenda Constitucional 1/69, art. 15, §3º, f). Contudo, no campo infraconstitucional, temos a Lei 5.692/71 ou LDB/71. Esta nova lei de diretrizes e bases trata especificamente da criação do 1º e 2º graus (equivalentes ao ensino primário e médio), estimulando a formação profissional e criando o exame supletivo para ambos.^21 Para tanto, trata com maiores detalhes do currículo e suas disciplinas, o que será importante para os propósitos do capítulo 2 deste trabalho. (^21) Esta lei, ao elencar um grande número de matérias obrigatórias (Cf. PILETTI, Nelson. História da educação no Brasil. p. 122), é uma das grandes responsáveis pelo inchaço do currículo atual.