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Uma pesquisa sobre as consequências sociais e identitárias da cegueira branca na obra ensaio sobre a cegueira de josé saramago. A pesquisa utiliza a teoria da psicologia social e a psicanálise para analisar a estrutura narrativa do romance, com ênfase na construção do espaço e nas relações entre as mudanças sociais e as alterações nos personagens. O autor busca demonstrar que a cegueira branca é uma condição necessária para que o ser humano passe a ver e perceber o mundo ao redor dele, e que a construção da narrativa de saramago instaura reflexões sobre o comportamento do homem e a possibilidade de superar a anarquia social.
Tipologia: Notas de estudo
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unesp UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” Faculdade de Ciências e Letras Campus de Araraquara - SP
Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) apresentado ao Conselho de Curso de Estudos Literários, da Faculdade de Ciências e Letras – Unesp/Araraquara, como requisito para obtenção do título de Bacharel em Letras.
Orientadora: Profa. Dra. Maria Lúcia Outeiro Fernandes
ARARAQUARA – S.P. 2015
Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) apresentado ao Conselho de Curso de Estudos Literários, da Faculdade de Ciências e Letras – Unesp/Araraquara, como requisito para obtenção do título de Bacharel em Letras.
Orientadora: Profa. Dra. Maria Lúcia Outeiro Fernandes
Data da defesa/entrega: //____
MEMBROS COMPONENTES DA BANCA EXAMINADORA:
Presidente e Orientador: Profa. Dra. Maria Lúcia Outeiro Fernandes Universidade Estadual Paulista (UNESP).
Membro Titular: Profa. Dra. Wilma Patrícia Marzari Dinardo Maas
Universidade Estadual Paulista (UNESP).
Membro Titular: Profa. Dra. Natália Corrêa Porto Fadel Barcellos Universidade Estadual Paulista (UNESP). Local : Universidade Estadual Paulista Faculdade de Ciências e Letras UNESP – Campus de Araraquara
À minha mãe, Thereza C. P. Kristensen de Camargo, que sempre me mostrou a importância do estudo, sem nunca deixar de acreditar em meu potencial. Ao meu pai, Silvino Pontes de Camargo, onde quer que ele esteja. À minha avó, Neusa P. Kristensen, minha inspiração e eterna professora. Ao meu namorado, Alencar Campos, meu companheiro e leitor. À Profa. Dra Maria Lúcia Outeiro Fernandes, pelos conselhos valiosos, e por jamais ter menosprezado meus ideais.
“[...] fizemos dos olhos uma espécie de espelhos virados para dentro, com o resultado, muitas vezes, de mostrarem eles sem reserva o que estávamos tratando de negar com a boca.”
José Saramago (1995, p.7)
Esta pesquisa tem como objetivo investigar quais as consequências de uma possível mudança provocada pelo contexto social na vida e no comportamento dos personagens principais do romance Ensaio sobre a cegueira, [de José Saramago]. Partindo da constatação de uma correlação alegórica entre a cegueira branca, tematizada por Saramago em seu romance- ensaio e a construção do Mito da caverna , de Platão, e tomando como fundamentação teórica as reflexões de alguns pensadores, como Stuart Hall (1992), Goffman (2002) e Antonio da Costa Ciampa (2005) buscar-se-á descrever a ocorrência do fenômeno de mudança de papel social dos personagens e as suas consequências na desconstrução identitária dos sujeitos ficcionais.
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Considerar a influência do meio exterior no comportamento do homem, propondo a zoomorfização deste ou a perda gradual de sua identidade como elemento recorrente na literatura, foi objeto de observação primordial para o desenvolvimento deste trabalho.
Notou-se no romance que será analisado, Ensaio sobre a Cegueira (1995), de José Saramago, o artifício da elaboração de uma construção espacial extrema (e até mesmo apocalíptica) como instrumento determinante para o desenvolvimento de um enredo psicológico. Expondo, pois, a fundo, a visão descrente do narrador em relação à essência doente do ser humano num tempo e espaço indeterminados, o enredo, psicológico e de mote alegórico, possibilita, a partir da união dos personagens em um manicômio, devido o surgimento de uma cegueira branca e contagiosa que abate uma civilização indeterminada instaurando o caos, a análise, e até mesmo como apresenta o autor, o ensaio, desta condição coletiva alienante que tomou conta da capacidade óptica, e alegoricamente, de discernimento, do homem.
Esta forma pessimista com que o comportamento do homem é exposto na obra em questão, não é uma novidade temática na produção literária mundial, e é exatamente essa recorrência, que tem suscitado grande interesse de uma área da psicologia denominada Psicologia social. Nesta monografia, pretende-se recorrer a algumas constatações relativas a esta área, sem perder de vista que o romance de Saramago apresenta uma estrutura narrativa literária, devendo, portanto, ser abordado aqui, como objeto da área de Estudos Literários. Desse modo, a metodologia de trabalho adotada, embora recorra a fundamentos teóricos da área da Psicologia Social, por envolver a análise do contexto, e também da psicanálise, por descrever estados psíquicos decorrentes de fatos sociais, irá se concentrar, principalmente, na análise textual da estrutura narrativa, com ênfase aos aspectos relacionados à construção do espaço, uma vez que o principal objetivo será analisar as relações entre as mudanças ocorridas no espaço social e as alterações sofridas pelos personagens em seu comportamento.
Na obra Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais , escrita por três estudiosos, respectivamente, Kathryn Woodward, Tomaz Tadeu da Silva e Stuart Hall, os autores promovem uma elucidação acerca de questões identitárias, que perpassam argumentações conceituais, beirando a reflexão filosófica. A importância desse estudo para
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possível desconstruir estas identidades doentes, por meio de um resgate de valores sociais, calcados na solidariedade e na ênfase aos bens coletivos.
No primeiro capítulo deste trabalho, “A desconstrução da identidade no romance Ensaio sobre a Cegueira ” , além da exposição e conceituação do termo identidade e o motivo da utilização deste para o entendimento geral do trabalho, será feita uma problematização da situação fragmentária do homem contemporâneo e a sua aproximação com os personagens ficcionais construídos na obra em destaque, uma vez que há uma correspondência ideológica aparente entre este e aqueles. No item um do primeiro capítulo denominado “A identidade e o ser social” haverá uma abordagem, acerca da percepção conceitual da identidade tida neste trabalho, e, na segunda subdivisão do primeiro capítulo: “Os personagens sem nome de Saramago” a descrição da relação desta deformação identitária com a construção dos personagens sem uma referência particular. A possibilidade da determinação da transformação do meio na mudança comportamental dos personagens será abordada no ítem três do capítulo um, subintitulado como “A influência do meio na desconstrução do sujeito” e a visualização da cegueira como elemento excludente de toda e qualquer característica que relacione o indivíduo a suas funções sociais consta no ítem quatro do primeiro capítulo como “A cegueira como neutralização de papeis sociais”. Como conclusão do primeiro capítulo no ítem 1.5, denominado: “ A mudança do meio e a transformação de comportamentos”, buscar- se-á apresentar já como um fato, a relação da mutação do ambiente como um determinante na mudança comportamental individual. No segundo capítulo desta análise, denominado “ Ensaio sobre a cegueira e o Mito da caverna de Platão”, buscar-se-á, a partir do enredo, e tendo como base teórica a questão da alegoria, correlacionar a construção da narrativa de Saramago com a elaboração do mito da caverna, de Platão, a fim de comprovar que ambas as construções além de instaurarem uma reflexão acerca do comportamento do homem, apontam para uma tentativa de construção de um modelo para a superação da anarquia social, e, principalmente para a possibilidade de se atingir a verdade, a partir do conhecimento, das ações, e, sobretudo, pela capacidade consciente de discernimento do homem.
1. A DESCONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE NO ROMANCE ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA
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Assim como a zoomorfização do homem mostrou-se um tema recorrente na produção ficcional literária, a questão da identidade ou a deformação desta, tornou-se um termo amplamente abordado nos fundamentos tanto da teoria social, quanto da psicologia social. Ambas as abordagens cabem a este estudo. Acentuando a primeira, é perceptível a busca de teóricos desta área, como Stuart Hall, em construir um quadro em que entidades externas e internas relacionam-se desenvolvendo um estado que pode ser entendido como uma “crise identitária”.
A assim chamada "crise de identidade" é vista como parte de um processo mais amplo de mudança, que está deslocando as estruturas e processos centrais das sociedades modernas e abalando os quadros de referência que davam aos indivíduos uma ancoragem estável no mundo social. (HALL, 2006, p.1) A partir desta citação, fica clara a relação que o teórico aponta existir entre o exterior: “quadros de referências” e o particular “indivíduo”, concretizando este vínculo abstrato com o termo “ancoragem”.
Levando em consideração, portanto, a afirmação de que “[...] as identidades modernas estão sendo "descentradas" isto é, deslocadas e fragmentadas (Stuart Hall, 2006, p. 1), buscar- se-á associar este processo transformacional, desde os primórdios da perspectiva externa (sociedade) à desintegração da identidade do indivíduo moderno e, propor, por fim uma relação entre alegoria ficcional e realidade, à dos personagens retratados na obra Ensaio sobre a Cegueira:
O sujeito, previamente vivido como tendo uma identidade unificada e estável, está se tornando fragmentado; composto não de uma única, mas de várias identidades, algumas vezes contraditórias ou não- resolvidas. Correspondentemente, as identidades, que compunham as paisagens sociais "lá fora" e que asseguravam nossa conformidade subjetiva com as "necessidades" objetivas da cultura,estão entrando em colapso, como resultado de mudanças estruturais e institucionais. (HALL, 2006, p.1)
Pode-se, pois, aplicar o fenômeno da crise identitária, não somente ao indivíduo, como também ao bloco social, analisando sua estrutura e suas instituições como categorias suscetíveis a sofrer transformações e a realizá-las.
Algumas sociedades modernas, como Portugal, por exemplo, buscando por uma relação de identificação entre seus cidadãos para com suas ideologias e propósitos, buscavam, muitas vezes, no saudosismo e na idealização de feitos e símbolos, meios para uma solidificação e
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degenerativo e à situação desumana que lhes fora imposta. Neste ponto está, mais uma questão relevante que intensifica o que se busca provar neste trabalho: a influência do meio no comportamento do sujeito.
José Saramago insere na obra Ensaio sobre a Cegueira a sua visão pessimista em relação à sociedade capitalista e as consequências desiguais da organização desta, explicitando sua visão de mundo marxista. Entretanto, a abordagem do autor mostra-se múltipla, pois, posteriormente à apresentação geral do enredo, ou seja, após expor a cegueira branca como praga que atinge uma sociedade desconhecida, o autor acentua o caráter contagioso desta que, além de constituir mote alegórico para representar a alienação do homem, possibilita a construção de um espaço extra-social, visto que, devido o contágio da cegueira, em sociedade, ter, aparentemente, se dado de forma absolutamente rápida, e sem explicações, há, a partir da decisão governamental, um contato forçoso, com caráter de quarentena, entre os novos cegos, havendo um intercruzamento de identidades:
[...] Os primeiros a serem transportados para o manicómio desocupado foram o médico e a mulher [...] Os outros cegos chegaram juntos. Tinham-nos apanhado nas suas casas, um após outro, o do automóvel, primeiro de todos [a cegar], o ladrão que o roubou, a rapariga dos óculos escuros, o garotinho estrábico, este não, a este foram-no buscar ao hospital onde a mãe o levou. (Saramago, 1995, p.47) Ao estabelecer o manicômio como espaço de base para a relação dos cegos, Saramago não só ironicamente obriga os indivíduos a retirarem suas máscaras sociais, como os iguala em relação a condições materiais e organizacionais.
Retomando, pois, a segunda aplicação do termo identidade, adotada pela psicologia social, que destaca a constituição do indivíduo, é possível aplicar a teoria de Ciampa (2005) a esta análise. O teórico afirma que tal termo está correlacionado à vida ativa do sujeito, ao que ele faz ao longo de sua vida e ao que o torna único, ou seja, quem ele é no mundo. Dessa maneira, pode-se inferir, que é exatamente a partir da desconstrução relacional do sujeito sobre os quesitos anteriormente expostos, por meio de sua retirada forçada da sociedade, e da perda de suas funções individuais, que se torna mais uma vez cabível apresentar a partir do enredo de Ensaio Sobre a Cegueira um quadro de deformação e reconstrução identitária.
Essa reconstrução identitária, por sua vez, basear-se-ia na busca do ser humano enxergar conscientemente a sua essência e a de seu semelhante, e para verdadeiramente obter sucesso nesse processo, este indivíduo precisaria reencontrar sentimentos que deveriam ser
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inerentes à sua espécie, e isto somente seria possível a partir da neutralização dos sujeitos pela cegueira e do encontro destes, em um ambiente insípido, onde a busca por uma reorganização social e uma nova relação entre os indivíduos se consolidasse.
Além de promover um retrato do horror de uma praga, Saramago buscava representar a essência doente da humanidade que se perdeu em si mesma. É notável, ao longo da obra, a intenção do narrador em demonstrar a cegueira branca como condição necessária para que o ser humano passasse a ver, uma vez que, mesmo quando anteriormente, possuindo o sentido da visão, recusava-se a enxergar, perceber, reparar; a partir da cegueira branca isso se torna possível. Pode-se, pois, considerar a cegueira branca a partir de uma dupla interpretação: aquela que instaura o caos, a desgraça, e vem mostrar ao homem a sua fragilidade (animalizando-o, muitas vezes) e, ao mesmo tempo, aquela que, obrigando o homem a reinventar a própria identidade, sua relação com o seu semelhante, e a percepção que tem do mundo, busca uma possível reconstrução da essência humana. Numa entrevista concedida ao jornal O Globo, o próprio escritor assim define um dos principais objetivos desta narrativa:
[...] criticar e perguntar se não podemos mudar, se não podemos ter uma vida mais digna do que a que temos, se não temos que ser menos egoístas, menos interessados naquilo que é nosso, sem perder evidentemente o apreço humano que cada um tem por aquilo que lhe pertence. Mas sem converter este apreço numa arma contra os outros. (MORAES NETO, 2009)
Ao construir um enredo cujas referências espaciais e sociais não são nomeadas, embora possam ser reconhecidas pelo leitor como sendo relativas à sociedade contemporânea, Saramago reafirma a falha identitária em que o sujeito moderno se encontra, e constrói a possibilidade de o leitor se reconhecer neste sujeito e, mais especificamente, ver na mulher do médico, personagem que finge cegueira para acompanhar o marido, uma mulher que luta em prol de seus semelhantes, não apenas no sentido de auxiliá-los por causa de sua deficiência física, mas principalmente no empenho para conduzi-los à lucidez.
A construção desta personagem, além de ser essencial à trama, possui a finalidade de demonstrar uma transformação da acomodação do sujeito-leitor e uma possível reconsideração de seus anseios egoístas em prol da coletividade. Desta maneira, a análise dessa construção se dará de maneira detalhada posteriormente na segunda sessão do capítulo 1: “Os personagens sem nome de Saramago ”.
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Ao serem levados a se relacionar de maneira extra-social, quando colocados no hospício, os personagens sofrem uma mudança de contexto, e, portanto, a sua relação dialética (subjetiva e objetiva) se transforma.
O espaço caótico elaborado por Saramago é exatamente a solução (ainda que drástica) para o indivíduo se reorganizar e se desprender das amarras sociais, que, transformando sua essência natural, apesar das ilusões aparentes de coletividade, acaba por torná-lo um ser egoísta, egocêntrico, cuja aspiração essencial é a busca de poder, descaracterizando, portanto, o senso coletivo. Desde os primórdios do homem, e de que as primeiras sociedades se organizaram, a busca egoísta, de alguns indivíduos, por poder, em relação a seus semelhantes, é nítida. “O homem nasceu livre e em toda parte está a ferros. Este se acredita senhor de outros, e não deixa de ser mais escravo que aqueles” (ROUSSEAU, p.17). E isto se reflete no ensaio, como uma forma de protesto. Para isso, o narrador constrói um quadro em que, em sociedade, indivíduos maltratados pelo sistema buscam se aproveitar uns dos outros, e quando enclausurados, apesar de neutralizados pela cegueira, e motivados pela hipocrisia e sede de poder, ainda que infundada, cegos objetivam oprimir cegos.
1.2. Os personagens sem nome de Saramago O enredo de Ensaio sobre a Cegueira começa situando o leitor em relação ao espaço. Durante um dia normal, em uma cidade bastante movimentada, barulhenta e cujo nome e localização ao certo não se sabe, mas pode-se deduzir ser uma grande e moderna cidade; há um carro parado, cujo motorista, perante um sinal verde, o qual deveria lhe indicar que a passagem está livre, não realiza nenhuma reação, instaurando, assim, o caos geral.
A partir desse fato, alguns motoristas vão até o responsável pela anarquia e são surpreendidos com um pedido de socorro: “Estou cego, estou cego, repetia com desespero enquanto o ajudavam a sair do carro, e as lágrimas, rompendo, tornaram mais brilhantes os olhos que ele dizia estarem mortos” (SARAMAGO, 1995, p.12).
Este, do qual se tem a descrição do momento que cegara, é o primeiro personagem apresentado ao leitor. Assim como os demais personagens, ele também não possui nome
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próprio, sendo reconhecido mediante apenas uma característica marcante que logo é informada pelo narrador: “ O cego implorava, Por favor, Alguém me leve para a casa” (p.14)
A não nomeação dos personagens ultrapassa qualquer marca meramente estilística. Trata- se de um artifício narrativo intencional extremamente útil para reafirmar a tese de que há, desde o início do romance, indícios da promoção de uma desconstrução da identidade de cada um dos personagens, os quais, concomitantemente, e de maneira não menos intencional, por não possuírem um nome que os defina e os diferencie dos demais, e até mesmo dos leitores, acabam por gerar uma maior aproximação para com estes.
Segundo Ciampa (2005), o indivíduo, ao nascer, recebe um nome, o qual diz a ele e aos demais quem ele é. O prenome é responsável por diferenciá-lo das outras pessoas, enquanto o sobrenome o iguala aos seus familiares, os de mesma origem:
[...] Um nome nos identifica e nós com ele nos identificamos. Por isso dizemos “eu me chamo ....” Então nós nos chamamos , mas isto só depois de uma certa idade, pois inicialmente somos chamados por um nome que nos foi dado. [...] O nome é mais que um rótulo ou etiqueta: serve como uma espécie de sinete ou chancela, que confirma e autentica a nossa identidade. (CIAMPA, 2005, p. 131) Dessa forma, a construção dos personagens sem um nome específico, demonstra que estes não possuem uma diferenciação em relação a si mesmos nem em relação ao seu exterior (que também não é nomeado). Esta sensação de anonimato torna-se ainda mais forte com a disseminação da epidemia da cegueira branca que, causando o confinamento, o caos, e impondo limites de sobrevivência, vem dizer-lhes que todos são iguais:
[...] Não tarda que comecemos a não saber quem somos, nem nos lembramos sequer de dizer-nos como nos chamamos, e para quê, para que iriam servir-nos os nomes, nenhum cão reconhece outro cão, ou se lhe dá conhecer, pelos nomes que lhe foram postos, é pelo cheiro que identifica e se dá a identificar, nós aqui somos como uma outra raça de cães, conhecemo-nos pelo ladrar, pelo falar, o resto, feições, cor dos olhos, da pele, do cabelo, não conta, é como se não existisse [...] (SARAMAGO, 1995, p. 64) Com o desenvolvimento do enredo, e a partir da repetição de suas características, o leitor consegue distinguir os personagens principais, por meio das particularidades com que o narrador se refere a eles, já que são retratados como o primeiro cego , o ladrão , a rapariga dos óculos escuros , o menininho estrábico, o médico, a mulher do médico e o homem da venda preta.