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Este documento discute a guerra coreana (1950-1953) em relação às ideias de carr sobre o sistema internacional anárquico e o equilíbrio de poder. Ele aborda a importância da demanda popular para o surgimento da ciência política internacional, a natureza do poder militar, econômico e sobre a opinião, além dos papéis da propaganda e da persuasão no plano internacional. O texto também aborda os problemas morais na política internacional, a natureza do direito internacional e suas relações com a política internacional.
O que você vai aprender
Tipologia: Resumos
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Não perca as partes importantes!
Mieny Cássia Nakamura dos Santos^2 Rodrigo Duarte Fernandes dos Passos^3
“O pensamento imaturo é predominantemente utópico e busca um objetivo. O pensamento que rejeita o objetivo como um todo é o pensamento da velhice. O pensamento maduro combina objetivo com observação e análise.” – Carr^4
Resumo: O objetivo deste texto é responder de modo introdutório à seguinte questão: como analisar a Guerra da Coreia (1950-1953) à luz do pensamento de Carr? Para buscar responder a tal indagação, buscar-se-á testar a seguinte hipótese: a partir da caracterização do construto teórico de Carr, é possível caracterizar as origens, desenrolar e dificuldades do desfecho do conflito na península coreana como associadas ao excesso de realismo por parte das duas superpotências no contexto da Guerra Fria. O texto apresenta uma visão geral do pensamento de Carr em “Vinte anos de crise” e busca aplicar seu conteúdo de modo a proporcionar uma breve análise sobre o conflito mencionado, mostrando como o excessivo realismo associado à postura preponderante das duas superpotências naquele conflito inicial da Guerra Fria foi fundamental para o início e desfecho específicos daquele conflito.
Palavras-chave: Guerra da Coreia, Carr, realismo.
Abstract: The purpose of this paper is to answer introductory way the question: how to analyze the Korean War (1950-1953) in the light of the thought of Carr? To seek to answer this question, will be sought-test aa following hypothesis: from the characterization of the theoretical Carr construct, it is possible to characterize the origins, progress and difficulties of the conflict outcome on the Korean peninsula as associated with the excess of realism by part of the two superpowers in the context of the Cold War. The paper presents an overview of the thought of Carr in "Twenty years of crisis (1919-1939)" and seeks to apply its contents to provide a brief analysis of the mentioned conflict, showing how excessive realism associated with the dominant position of the two superpowers in that Cold War initial conflict was of outstanding to understand the specific beginning and outcome of that conflict.
Key-words: Carr, Korean War, Realism.
(^1) Texto elaborado com base no relatório final do Programa Iniciação Científica sem bolsa da Unesp 2014/2015. (^2) Graduanda em Relações Internacionais pela Faculdade de Filosofia e Ciências de Marília da Unesp. (^3) Docente do curso de Relações Internacionais da Unesp de Marília. (^4) Citado em (CARR, 2001: p. 15).
O objetivo deste texto é apresentar um estudo sumário, não exaustivo no qual se possa estabelecer um nexo entre uma das principais obras de Edward Hallet Carr, uma referência teórica da maior importância para as Relações Internacionais e sua vertente realista^5. Busca-se relacionar o que Carr entende, em sua obra 1919-1939: Vinte anos de crise – Uma introdução ao estudo das relações internacionais, como utopia e como realismo – e as diversas formas nas quais esta antítese pode ser notada – com os acontecimentos que conduziram a Guerra da Coreia. Além disso, também serão expostas reflexões e questionamentos que surgiram ao longo deste processo de conexão entre a teoria de Carr e as ações tomadas pelos países que dividiam o território da Coreia^6. Um ponto caro à análise de Carr no livro mencionado é o desencontro entre o ideário utopista exagerado e o contexto histórico específico do período entreguerras. Tal recurso metodológico relevante da formulação de Carr é uma ressalva importante para buscar a análise de um período totalmente distinto daquele que foi objeto de sua obra mais conhecida. De certa forma, o ponto de partida aqui tratado de forma bastante sumária é o ponto de chegada de Carr – o pós-guerra - no livro citado na medida em que o autor britânico esboçou algumas possibilidades daquilo que poderia ser o mundo dos construtores da paz vindoura a quem ele dedica seu escrito. Buscando preconizar uma política com elementos eficientes e equilibrados entre utopismo e realismo – cuja avaliação em termos históricos globais no pós-
(^5) A vertente teórica realista é normalmente associada ao primado do interesse e da consecução do poder no além- fronteiras por aqueles agentes contemporâneos tidos pela corrente citada como os mais importantes, os Estados. Tais atores agem em contexto onde não há um poder ou Estado soberano sobre os demais, um sistema de Estados anárquico, normalmente pautado por um ambiente de busca ou caracterização de equilíbrio de poder, com enormes dificuldades de transformação substantiva de tal quadro. Portanto, uma situação com a marca do risco e possibilidade da violência no plano internacional. Ressalvando-se que o realismo é apenas um rótulo de caráter didático para caracterização de diversos autores semelhantes entre si, mas com muitas diferenças e particularidades também. Neste sentido, a questão do sistema internacional anárquico e do equilíbrio de poder não dizem respeito especificamente ao construto teórico de Carr. Além de Carr, seriam representantes desta corrente Hans Morgenthau e Kenneth Waltz. Por oposição, a vertente utopista ou idealista ou liberal teria como elementos marcantes o reconhecimento de todas as características mencionadas do realismo, mas com a ressalva da possibilidade de transformação do sistema internacional e do aumento da importância das questões morais, éticas, racionais e econômicas contrárias à guerra, além de todos os aspectos identificados com o pacifismo. O principal expoente desta perspectiva é Norman Angell (2002), mencionado e criticado diretamente por Carr em Vinte Anos de Crise. 6. Sabe-se das ressalvas e dos limites que uma simples classificação de Carr como autor realista no sentido de prover uma caracterização mais adequada de sua obra como um todo, inclusive livros e escritos posteriores ao seu famoso “Vinte anos de crise”. Existem várias abordagens realistas, como as de Waltz (1979) e Morgenthau (2003), todas elas distintas entre si. A título de exemplificação são mencionadas algumas contribuições importantes sobre o autor. Para uma avaliação de contribuição importante de Carr sobre a emancipação humana, não o credenciando meramente como um realista qualquer, consulte-se: Linklater (1997), Tickner (1995) e Deutscher (s/ d.). Para uma crítica bastante consistente sobre “Vinte anos de crise”, consultar Rosenberg (2001 e 2016).
escritos de Carr, o pensamento ideal seria equilibrado, pois somente assim haveria uma postura sensata em relação aos fatos políticos. Isto seria alcançado combinando o objetivo (no caso a face utópica da questão) com a análise dos meios possíveis para alcançá-lo (que é a face realista) conforme demonstra o autor que, o pensamento imaturo é predominantemente utópico e busca um objetivo. O pensamento que rejeita o objetivo como um todo é o pensamento da velhice. O pensamento maduro combina objetivo com observação e análise. Utopia e realidade são, portanto, as duas facetas da ciência política. Pensamento político e vida política sensatos serão encontrados onde ambos tiverem seu lugar (CARR, 2001: p. 15). De certa forma, a Guerra da Coreia apresenta alguns momentos que podem ser considerados utópicos. A maioria de teor diplomático e de negociação entre as partes envolvidas na guerra. Tais momentos poderiam até equilibrar o realismo e o utopismo do conflito de alguma forma, entretanto encontram-se em âmbitos tão diferentes (diplomático e bélico) que acabam não se mesclando ao longo do conflito, não alcançando, portanto, a sensatez que Carr menciona no trecho acima. O pensamento objetivado, de teor utópico, segundo Carr, é encontrado somente no plano diplomático como é visto na intenção de reunificação das Coreias através da intervenção da Organização das Nações Unidas. Em contrapartida, temos o plano civil sendo transformado em militar novamente^7 , movimento que é fortalecido com a forte presença das duas grandes potências mundiais da época, os Estados Unidos e a URSS, e a chegada de suas tropas ao território coreano, tanto no lado sul quanto no norte – tropas estas que pouco sabiam por qual causa deveriam lutar. Nota-se que o objetivo utópico, o de reunificar os lados, não foi o suficiente para fazer com que a força do sentimento realista, bélico, fosse parada. Trata-se dos ideais do intelectual entrando em conflito com as atitudes do burocrata e, principalmente, deste não assimilar as intenções daquele, gerando conflito, o que os levou ao extremo realismo.
O objetivo desta seção é fazer um abordagem sumária do pensamento de Carr (1981) em “Vinte anos de crise” de forma não exaustiva.
2.1 Conceitos fundamentais: realismo e utopismo no contexto da nova ciência da política internacional
(^7) Faço o uso do termo "novamente", pois a Coreia também foi palco para as disputas durante a II Guerra Mundial.
A Guerra de 1914-18 consiste num marco - coloca um fim no entendimento de que a guerra afeta exclusivamente soldados profissionais e compete somente aos diplomatas profissionais. Assim, ante os clamores por paz que o enorme impacto da violência e destruição deixaram, o surgimento da ciência da política internacional ocorre devido a uma demanda popular. Nas ciências humanas, de maneira diversa das ciências exatas, o objetivo da pesquisa não é irrelevante e separável em relação à investigação. É, antes de qualquer coisa, um dos fatos a serem investigados. Como disciplina que se situa nos seus primeiros passos, no seu entender, a política internacional deve ser situada no âmbito da ciência política e não como uma disciplina autônoma. Para avançar nisto, em termos teóricos, pode-se estabelecer a diferença entre o papel do pesquisador (papel de estabelecer os fatos) e o prático (aquele que traça o curso certo da ação) (CARR, 2001: p. 3-15).
2.2. Utopia e realismo Na política internacional, esquemas elaborados não como produto da análise, mas como resultado da aspiração a ser alcançada, não funcionarão. Neste ensejo, o desejo de evitar a guerra motivou o início, a infância da ciência política. Ou seja, a intenção de erradicar esta doença do corpo político internacional, como outras ciências na infância, é marcadamente e francamente utópico. A análise crítica - levando em consideração fatos existentes e meios disponíveis - é pouco encontrada, concentrando-se nos fins a serem alcançados. Carr assim menciona o seu entendimento sobre o realismo: o impacto do raciocínio sobre o desejo, que, no desenvolvimento de uma ciência, segue-se ao colapso de seus primeiros projetos visionários, e marca o fim de seu período especificamente utópico.(...) No campo da ação, o realismo tende a enfatizar o poder irresistível das forças existentes e o caráter inevitável das tendências existentes, e a insistir em que a mais alta sabedoria reside em aceitar essas forças e tendências, e adaptar-se a elas”.(...) O pensamento maduro combina objetivo com observação e análise (CARR, 2001: p. 14-15). Ao discorrer sobre utopia e realidade, Carro a considera uma antítese fundamental. Recorrendo a Sorel, Carr a vê como uma eterna disputa entre os que imaginam o mundo de modo a adapta-lo à sua política, de modo a adaptá-la às realidades do mundo. Há as seguintes coincidências com esta antítese: a) Livre Vontade e Determinismo
o laissez-faire a uma época distinta do século 19 (quando estes mesmos princípios dirigiram a expansão industrial e comercial) com necessidades práticas tremendamente diferentes em relação ao século anterior. A teoria abstrata, longe da realidade, foi o que levou ao fracasso das teorias liberais após a Primeira Guerra Mundial. Ainda no que diz respeito à aplicação de idéias, a fundação da Liga das Nações foi uma tentativa de aplicação dos princípios do liberalismo de Locke para erguer um mecanismo da ordem internacional. Contudo, esta tentativa de transposição do racionalismo democrático do âmbito nacional para o nível internacional encontrou muitas dificuldades imprevistas. O que parecia ser anteriormente um meio-termo entre utopia e realidade no interior da Liga das Nações - e fizesse com que esta fosse um instrumento efetivo da política internacional tornou-se, a partir de 1922, um organismo no rumo da utopia. O Pacto pretendido pela Liga não funcionava e “os pratos utópicos preparados durante esses anos em Genebra eram intragáveis para a maioria dos governos interessados e constitui um sintoma do divórcio crescente entre teoria e prática”(CARR, 2001: p. 42). De maneira geral, começou-se a acreditar que as soluções dos problemas mundiais estariam em textos. “Os metafísicos de Genebra acharam difícil de acreditar que uma acumulação de textos engenhosos proibindo a guerra não fosse uma barreira contra a própria guerra” (CARR, 2001: p. 43). Este era o propósito do “Protocolo” elaborado em 1924. Por isto, estava à vista o fim da Liga como instrumento político. Em diapasão semelhante acreditava-se no papel da opinião pública no sentido de guiar a um resultado acertado e pacífico: Tampouco teve melhor sorte a tentativa de transplantar para a esfera internacional a fé democrática liberal na opinião pública. E aqui houve uma dupla falácia. A crença do século dezenove na opinião pública compreendia dois pontos: primeiro (e nas democracias isto era, com algumas reservas, verdade), que a opinião pública está fadada, a longo prazo, a prevalecer; e, segundo (esta era a visão de Bentham), que a opinião pública está sempre certa. Ambas as crenças, não sempre claramente distinguíveis uma da outra, foram reproduzidas, sem espírito crítico, no campo da política internacional (CARR, 2001: p. 44). Dirigentes políticos relevantes neste período, como os presidentes norte-americanos Taft e Wilson, contemplaram em seus discursos e políticas a perspectiva aqui apontada. De modo geral, havia a compreensão de que, se as potências inimigas haviam sido desarmadas pela força, “a voz da razão, falando através da opinião pública seria suficiente para desarmar os aliados” (CARR, 2001: p. 45). O curso dos fatos levou à punição da utopia de maneira súbita. Em setembro de 1931, o Japão, por exemplo, iniciou sua campanha na Manchúria. Mesmo assim, o discurso de líderes neste período até o início da Segunda Guerra Mundial - como o do presidente
americano Roosevelt - ainda apelavam à força moral da opinião pública. Logo se percebeu que a opinião pública não era, na prática, tão relevante e também necessariamente portadora de opiniões acertadas. Carr apresenta sua divergência em relação à interpretação de historiadores sobre o período - como Toynbee^8 - e coloca sua interpretação: houve a falha dos que se recusaram a fazer funcionar a Liga das Nações.
2.3. A harmonia de interesses e a crítica ao realismo A doutrina da harmonia de interesses assim caracteriza a síntese utópica: a) o utópico, baseando-se na primazia da ética, crê no caráter, indepentemente do direito do mais forte; b) o indivíduo deve submeter-se às regras da comunidade porque o utópico entende que o mais elevado interesse da comunidade e do indivíduo convergem. A maior responsável pela propagação da doutrina da harmonia de interesses foi a escola do laissez-faire na economia política. No plano internacional, esta utopia liberal baseou-se no pressuposto da expansão infinita dos mercados. De maneira equivocada, acreditou-se que o que era verdade para os indivíduos, também o era para as nações. Assim, como os indivíduos visam o seu próprio bem, inconscientemente promovem o bem de toda a sociedade e as nações servem à humanidade ao servirem a si próprias. Já no século 19 duvidava-se da teoria do laissez-faire e as indústrias norte-americanas e alemãs davam mostras disto na prática ao serem erguidas por trás de tarifas protetoras. A competição econômica na segunda metade do século dezenove levou a uma mudança: a competição econômica implicava exatamente no que Darwin proclamou a lei biológica da natureza: ou seja, a sobrevivência do mais forte à custa do mais fraco. Sendo assim, a doutrina da harmonia de interesses teve a seguinte mudança: o bem da comunidade ainda era idêntico ao bem de seus membros individuais, mas somente o dos indivíduos que eram competidores efetivos na luta pela sobrevivência. As ideais do laissez-faire foram reintroduzidas após a Primeira Guerra Mundial no âmbito da política internacional por inspiração norte-americana, embora ressalvas a ela
(^8) Este historiador acreditava ser este período uma época muito mesquinha devido à condita ‘gananciosa’ da maioria absoluta dos países.
Interpretações da realidade posteriores a Maquiavel libertaram o realismo da coloração pessimista. No entanto, tornaram-na determinista, seja em termos da economia, geografia ou da história. Carr sustenta tratar-se de relevante realização do realismo moderno revelar os aspectos determinísticos do processo histórico e o caráter relativo e pragmático do próprio pensamento. Assim, quanto ao pensamento, é possível afirmar que as teorias elaboradas não moldam o curso dos acontecimentos, mas que são inventadas para explicá-los. Diferentemente, é possível afirmar também que o desenvolvimento da teoria abstrata é freqüentemente influenciado por acontecimentos que não possuem qualquer relação com ela. No que tange à política internacional, o pensamento na ótica realista não é simplesmente relativo às circunstâncias e interesses do pensador. É também pragmático, no sentido de que se dirige à execução de seus objetivos. Os realistas, ao partirem da compreensão de que o credo utópico aponta ser o bem para o indivíduo o mesmo para os outros e vice-versa - ou seja, o que é bom para o mundo é também para os outros países - desmontam esta proposição quando percebem que os defensores do Império Britânico apenas mascaram a defesa de seu interesse, no sentido de impô-lo ao resto do mundo. A doutrina da harmonia de interesses defende que o interesse individual é o interesse da comunidade. A crítica realista a isto coloca que apenas uma classe privilegiada, que possui voz dominante na comunidade, está propensa a identificar os seus interesses como os desta mesma comunidade. Qualquer um que ataque estes interesses estará atacando a si mesmo. Trata-se, portanto, de um artifício engenhoso para justificar e manter a posição da classe dominante. Da mesma maneira que os apelos por “solidariedade nacional” são feitos por grupos dominantes no sentido de fortalecer seu poder sobre a nação como um todo, os apelos de solidariedade e união internacional originam-se das nações dominantes, tendo esperança de exercem controle sobre um mundo unificado. Aqueles países que lutam contra o grupo dominante tendem a invocar o nacionalismo, contra o internacionalismo das potências hegemônicas. As próprias armas usadas pelo realismo, em que pesem sua eficiência esmagadora, podem ser usadas contra ele próprio. Assim formula Carr (2001: p. 117): A impossibilidade de se um realista congruente e completo é uma das mais corretas e curiosas lições da ciência política. O realismo congruente exclui quatro coisas que parecem ser ingredientes essenciais de todo pensamento político eficaz: um objetivo finito, um apelo emocional, um direito de julgamento moral e um campo de ação.
Explicando os quatro pontos aludidos por Carr como ingredientes essenciais de um pensamento político eficaz:
b) O poder econômico. A força econômica sempre foi um instrumento do poder político e, quando nem tanto, foi através de sua associação com o instrumento militar. Os economistas clássicos, adeptos do laissez-faire, conceberam uma ordem econômica própria, independente da política, visando o maior lucro de todos com o mínimo de intervenção da autoridade política. Esta lógica funcionou no século dezenove, notadamente na Grã-Bretanha. Já no final do século 19, dava mostras de que este divórcio estava no fim. A guerra tornou-se intimamente vinculada à associação do braço armado e do braço econômico, sendo este último, o objetivo maior de inutilização de uma potência inimiga. Tratemos sobre como Carr trata o nexo entre economia e política. Há algumas falácias sobre a separação entre economia e política. As falácias a que Carr refere-se são as seguintes:
da América Latina, expandindo-se para a Europa, também apoiada numa esquadra naval crescente. b) o controle de mercados estrangeiros: como outro exemplo da interação entre economia e política, a luta pelo controle dos mercados não esclarece se o objetivo maior é o fortalecimento do poder econômico ou do poder político. O entrelaçamento entre poder econômico e poder militar numa dada área, por vezes, acontece simultaneamente. A Grã-Bretanha, devido à sua força econômica inerente e da política de livre comércio, possível graças a esta força, podia exercer em vários países uma grande influência e controle indiretos que nenhuma outra potência teria conseguido sem interferência na independência política dos países envolvidos. Esta se tornou uma vantagem natural para a Grã-Bretanha e uma desvantagem para os outros países, ao surgir como defensora da independência política das outras nações. Assim procedeu a referida potência em relação ao Egito e ao abrir mão de sua autoridade formal sobre o Iraque, conseguiu manter os seus interesses intactos sobre o mesmo.
c) o poder sobre a opinião. Outro ponto correlato ao poder sobre a opinião contemplado pela análise de Carr (2001: p. 172-188) é o papel da propaganda e da persuasão no plano internacional como instrumento moderno de poder em termos de poder sobre a opinião. Conforme Carr, a persuasão sempre foi uma qualidade necessária a um líder político. Isto porque se deve entender a importância da opinião popular e da propaganda como arma fundamentalmente moderna para influenciar a primeira. Desde os primórdios do cristianismo - provavelmente, o primeiro grande movimento de massas - a Igreja Católica parece ter compreendido, já na Idade Média, a importância da propaganda. Esta permanece assim até a atualidade seja nas democracias ou Estados totalitários, fascistas ou comunistas. O mais antigo instrumento de propaganda e, provavelmente, o mais poderoso é o da educação popular. Esta possibilitou o uso do rádio, do cinema e da imprensa popular. Antes usada predominantemente pelos revolucionários, o uso da propaganda intensiva era vista com algo indigno por parte dos governos. Já na guerra de 1914-18 percebeu-se que a guerra psicológica deve acompanhar a guerra econômica e a guerra militar. O sucesso nas frentes econômica e militar dependia que o “moral” próprio fosse mantido e o das tropas e populações inimigas fosse solapado e destruído. Deve ser lembrado que a vitória de 1918 sobre a Alemanha foi a combinação de poder militar, do poder econômico e do poder sobre a
III) O Estado, por possuir um direito à autopreservação, supera na sua conduta a obrigação moral. IV) As colocações anteriores nos colocam o seguinte problema: em que sentido podemos encontrar uma base para a moral internacional pressupondo uma sociedade de Estados? Existe uma comunidade internacional? Sobre tal indagação, Carr entende que aqueles que negam a existência de uma moral internacional não concordam com a existência de uma comunidade internacional. Esta pode existir apenas como hipótese de trabalho. Por outro lado, supor a existência da comunidade internacional hipotética não pode vir acompanhada da ilusão de que ela possui a unidade e a coerência de comunidades do tamanho ou menores que o Estado. Estas insuficiências dão a pista das imperfeições da moral internacional, principalmente de duas maneiras:
O tratado de Versailles é exemplar deste tipo, uma vez que foi assinado sob pressão de ultimato. A propaganda alemã divulgou este tratado como uma imposição sem validade moral. A propósito disto, enuncia Carr (2001, p. 243): Na medida, portanto, em que se reconheça qualquer tipo de guerra como moral, tratados concluídos sob coação não podem ser incondicionalmente condenados como imorais. As objeções morais mais freqüentemente feitas ao tratado de Versailles parecem, de fato, ter sido baseadas não tanto em sua assinatura sob coação como na severidade de seu conteúdo, e no fato de que os governos aliados, invertendo o processo seguido em todas as conferências de paz importantes até, e inclusive, a de Brest-Litovsk, recusaram-se a manter negociações orais com os plenipotenciários das potências derrotadas. Este ato de insensatez desacreditou o tratado mais do que o ultimatum que precedeu sua assinatura. Em virtude do conteúdo de certos tratados, pode-se argumentar a sua não-validade devido a seu conteúdo. O maior obstáculo que este tipo de argumento encontra corresponde à ausência de qualquer regra no direito internacional correspondente à regra do direito nacional que invalide contratos “imorais” ou “contrários à política pública”. Um argumento realista no sentido de que os tratados são instrumentos opressivos, divorciados da ética é o de que os tratados são uma arma suada pelas potências mais fortes para subordinar as nações mais fracas. O historiador britânico assim se coloca sobre o tema (CARR, 2001: p. 248): De todas as considerações que tornam improvável a observância da regra legal da inviolabilidade dos tratados, e que apresentam uma justificativa moral plausível para denúncia dos tratados, esta última é, de longe, a mais importante. O respeito pelo direito internacional e pela inviolabilidade dos tratados não aumentará em virtude dos sermões dos que, tendo muito a ganhar com a manutenção da ordem existente, insistem mais firmemente no caráter moralmente obrigatório do direito. O respeito pelo direito e pelos tratados só será mantido na medida em que o direito reconheça mecanismos políticos eficazes através dos quais ele se possa modificar e superar. Deve haver um reconhecimento claro deste jogo de forças políticas que antecedem todo o direito. Somente quando estas forças estão em equilíbrio pode o direito cumprir sua função social, sem se tornar uma ferramenta nas mãos dos defensores do status quo. Atingir esse equilíbrio não é uma tarefa legal, e sim política. Em que pese a existência de uma Corte Permanente de Arbitragem instituída em Haia em 1899 e a Corte Permanente de Justiça Internacional da Liga das Nações, o direito internacional não reconhece, para a solução de litígios, nenhuma jurisdição compulsória. A maioria dos acordos no âmbito internacional que envolviam litígios até o século dezenove foram feitos ad hoc. Isto é, para uma finalidade específica sem uma lógica mais ampla que apontasse para um núcleo comum de princípios e mecanismos de solução de controvérsias. Levando em conta que não é a natureza do direito de um litígio específico que o torna impróprio para a solução judiciária, mas sim a ausência de interesse de um estado em vê-lo resolvido através da aplicação do direito. Diante disto, o problema que se coloca é o seguinte: por que os estados desejam submeter à solução judiciária apenas certos tipos de litígios, e por