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Análise da Guerra Coreana (1950-1953) no pensamento de Carr: Realismo e sistema anárquico, Resumos de Conflito

Este documento discute a guerra coreana (1950-1953) em relação às ideias de carr sobre o sistema internacional anárquico e o equilíbrio de poder. Ele aborda a importância da demanda popular para o surgimento da ciência política internacional, a natureza do poder militar, econômico e sobre a opinião, além dos papéis da propaganda e da persuasão no plano internacional. O texto também aborda os problemas morais na política internacional, a natureza do direito internacional e suas relações com a política internacional.

O que você vai aprender

  • Qual é a importância da propaganda e persuasão no plano internacional na Guerra Coreana, de acordo com Carr?
  • Qual é a importância da demanda popular para o surgimento da ciência política internacional na Guerra Coreana?
  • Como Carr descreve o sistema internacional anárquico e o equilíbrio de poder na Guerra Coreana?
  • Como Carr descreve o papel do poder militar, econômico e sobre a opinião na Guerra Coreana?
  • Como Carr aborda os problemas morais na política internacional na Guerra Coreana?

Tipologia: Resumos

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Andre_85
Andre_85 🇧🇷

4.5

(124)

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A GUERRA DA COREIA (1950-1953): um estudo sob a ótica do legado
teórico de Edward Hallet Carr
1
Mieny Cássia Nakamura dos Santos
2
Rodrigo Duarte Fernandes dos Passos
3
“O pensamento imaturo é predominantemente utópico e busca um objetivo.
O pensamento que rejeita o objetivo como um todo é o pensamento da velhice.
O pensamento maduro combina objetivo com observação e análise.” Carr
4
Resumo: O objetivo deste texto é responder de modo introdutório à seguinte questão: como
analisar a Guerra da Coreia (1950-1953) à luz do pensamento de Carr? Para buscar responder
a tal indagação, buscar-se-á testar a seguinte hipótese: a partir da caracterização do construto
teórico de Carr, é possível caracterizar as origens, desenrolar e dificuldades do desfecho do
conflito na península coreana como associadas ao excesso de realismo por parte das duas
superpotências no contexto da Guerra Fria. O texto apresenta uma visão geral do pensamento
de Carr em Vinte anos de crise e busca aplicar seu conteúdo de modo a proporcionar uma
breve análise sobre o conflito mencionado, mostrando como o excessivo realismo associado à
postura preponderante das duas superpotências naquele conflito inicial da Guerra Fria foi
fundamental para o início e desfecho específicos daquele conflito.
Palavras-chave: Guerra da Coreia, Carr, realismo.
Abstract: The purpose of this paper is to answer introductory way the question: how to
analyze the Korean War (1950-1953) in the light of the thought of Carr? To seek to answer
this question, will be sought-test aa following hypothesis: from the characterization of the
theoretical Carr construct, it is possible to characterize the origins, progress and difficulties of
the conflict outcome on the Korean peninsula as associated with the excess of realism by part
of the two superpowers in the context of the Cold War. The paper presents an overview of the
thought of Carr in "Twenty years of crisis (1919-1939)" and seeks to apply its contents to
provide a brief analysis of the mentioned conflict, showing how excessive realism associated
with the dominant position of the two superpowers in that Cold War initial conflict was of
outstanding to understand the specific beginning and outcome of that conflict.
Key-words: Carr, Korean War, Realism.
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Texto elaborado com base no relatório final do Programa Iniciação Científica sem bolsa da Unesp 2014/2015.
2
Graduanda em Relações Internacionais pela Faculdade de Filosofia e Ciências de Marília da Unesp.
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Docente do curso de Relações Internacionais da Unesp de Marília.
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Citado em (CARR, 2001: p. 15).
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A GUERRA DA COREIA (1950-1953): um estudo sob a ótica do legado

teórico de Edward Hallet Carr^1

Mieny Cássia Nakamura dos Santos^2 Rodrigo Duarte Fernandes dos Passos^3

“O pensamento imaturo é predominantemente utópico e busca um objetivo. O pensamento que rejeita o objetivo como um todo é o pensamento da velhice. O pensamento maduro combina objetivo com observação e análise.” – Carr^4

Resumo: O objetivo deste texto é responder de modo introdutório à seguinte questão: como analisar a Guerra da Coreia (1950-1953) à luz do pensamento de Carr? Para buscar responder a tal indagação, buscar-se-á testar a seguinte hipótese: a partir da caracterização do construto teórico de Carr, é possível caracterizar as origens, desenrolar e dificuldades do desfecho do conflito na península coreana como associadas ao excesso de realismo por parte das duas superpotências no contexto da Guerra Fria. O texto apresenta uma visão geral do pensamento de Carr em “Vinte anos de crise” e busca aplicar seu conteúdo de modo a proporcionar uma breve análise sobre o conflito mencionado, mostrando como o excessivo realismo associado à postura preponderante das duas superpotências naquele conflito inicial da Guerra Fria foi fundamental para o início e desfecho específicos daquele conflito.

Palavras-chave: Guerra da Coreia, Carr, realismo.

Abstract: The purpose of this paper is to answer introductory way the question: how to analyze the Korean War (1950-1953) in the light of the thought of Carr? To seek to answer this question, will be sought-test aa following hypothesis: from the characterization of the theoretical Carr construct, it is possible to characterize the origins, progress and difficulties of the conflict outcome on the Korean peninsula as associated with the excess of realism by part of the two superpowers in the context of the Cold War. The paper presents an overview of the thought of Carr in "Twenty years of crisis (1919-1939)" and seeks to apply its contents to provide a brief analysis of the mentioned conflict, showing how excessive realism associated with the dominant position of the two superpowers in that Cold War initial conflict was of outstanding to understand the specific beginning and outcome of that conflict.

Key-words: Carr, Korean War, Realism.

(^1) Texto elaborado com base no relatório final do Programa Iniciação Científica sem bolsa da Unesp 2014/2015. (^2) Graduanda em Relações Internacionais pela Faculdade de Filosofia e Ciências de Marília da Unesp. (^3) Docente do curso de Relações Internacionais da Unesp de Marília. (^4) Citado em (CARR, 2001: p. 15).

1. INTRODUÇÃO

O objetivo deste texto é apresentar um estudo sumário, não exaustivo no qual se possa estabelecer um nexo entre uma das principais obras de Edward Hallet Carr, uma referência teórica da maior importância para as Relações Internacionais e sua vertente realista^5. Busca-se relacionar o que Carr entende, em sua obra 1919-1939: Vinte anos de crise – Uma introdução ao estudo das relações internacionais, como utopia e como realismo – e as diversas formas nas quais esta antítese pode ser notada – com os acontecimentos que conduziram a Guerra da Coreia. Além disso, também serão expostas reflexões e questionamentos que surgiram ao longo deste processo de conexão entre a teoria de Carr e as ações tomadas pelos países que dividiam o território da Coreia^6. Um ponto caro à análise de Carr no livro mencionado é o desencontro entre o ideário utopista exagerado e o contexto histórico específico do período entreguerras. Tal recurso metodológico relevante da formulação de Carr é uma ressalva importante para buscar a análise de um período totalmente distinto daquele que foi objeto de sua obra mais conhecida. De certa forma, o ponto de partida aqui tratado de forma bastante sumária é o ponto de chegada de Carr – o pós-guerra - no livro citado na medida em que o autor britânico esboçou algumas possibilidades daquilo que poderia ser o mundo dos construtores da paz vindoura a quem ele dedica seu escrito. Buscando preconizar uma política com elementos eficientes e equilibrados entre utopismo e realismo – cuja avaliação em termos históricos globais no pós-

(^5) A vertente teórica realista é normalmente associada ao primado do interesse e da consecução do poder no além- fronteiras por aqueles agentes contemporâneos tidos pela corrente citada como os mais importantes, os Estados. Tais atores agem em contexto onde não há um poder ou Estado soberano sobre os demais, um sistema de Estados anárquico, normalmente pautado por um ambiente de busca ou caracterização de equilíbrio de poder, com enormes dificuldades de transformação substantiva de tal quadro. Portanto, uma situação com a marca do risco e possibilidade da violência no plano internacional. Ressalvando-se que o realismo é apenas um rótulo de caráter didático para caracterização de diversos autores semelhantes entre si, mas com muitas diferenças e particularidades também. Neste sentido, a questão do sistema internacional anárquico e do equilíbrio de poder não dizem respeito especificamente ao construto teórico de Carr. Além de Carr, seriam representantes desta corrente Hans Morgenthau e Kenneth Waltz. Por oposição, a vertente utopista ou idealista ou liberal teria como elementos marcantes o reconhecimento de todas as características mencionadas do realismo, mas com a ressalva da possibilidade de transformação do sistema internacional e do aumento da importância das questões morais, éticas, racionais e econômicas contrárias à guerra, além de todos os aspectos identificados com o pacifismo. O principal expoente desta perspectiva é Norman Angell (2002), mencionado e criticado diretamente por Carr em Vinte Anos de Crise. 6. Sabe-se das ressalvas e dos limites que uma simples classificação de Carr como autor realista no sentido de prover uma caracterização mais adequada de sua obra como um todo, inclusive livros e escritos posteriores ao seu famoso “Vinte anos de crise”. Existem várias abordagens realistas, como as de Waltz (1979) e Morgenthau (2003), todas elas distintas entre si. A título de exemplificação são mencionadas algumas contribuições importantes sobre o autor. Para uma avaliação de contribuição importante de Carr sobre a emancipação humana, não o credenciando meramente como um realista qualquer, consulte-se: Linklater (1997), Tickner (1995) e Deutscher (s/ d.). Para uma crítica bastante consistente sobre “Vinte anos de crise”, consultar Rosenberg (2001 e 2016).

escritos de Carr, o pensamento ideal seria equilibrado, pois somente assim haveria uma postura sensata em relação aos fatos políticos. Isto seria alcançado combinando o objetivo (no caso a face utópica da questão) com a análise dos meios possíveis para alcançá-lo (que é a face realista) conforme demonstra o autor que, o pensamento imaturo é predominantemente utópico e busca um objetivo. O pensamento que rejeita o objetivo como um todo é o pensamento da velhice. O pensamento maduro combina objetivo com observação e análise. Utopia e realidade são, portanto, as duas facetas da ciência política. Pensamento político e vida política sensatos serão encontrados onde ambos tiverem seu lugar (CARR, 2001: p. 15). De certa forma, a Guerra da Coreia apresenta alguns momentos que podem ser considerados utópicos. A maioria de teor diplomático e de negociação entre as partes envolvidas na guerra. Tais momentos poderiam até equilibrar o realismo e o utopismo do conflito de alguma forma, entretanto encontram-se em âmbitos tão diferentes (diplomático e bélico) que acabam não se mesclando ao longo do conflito, não alcançando, portanto, a sensatez que Carr menciona no trecho acima. O pensamento objetivado, de teor utópico, segundo Carr, é encontrado somente no plano diplomático como é visto na intenção de reunificação das Coreias através da intervenção da Organização das Nações Unidas. Em contrapartida, temos o plano civil sendo transformado em militar novamente^7 , movimento que é fortalecido com a forte presença das duas grandes potências mundiais da época, os Estados Unidos e a URSS, e a chegada de suas tropas ao território coreano, tanto no lado sul quanto no norte – tropas estas que pouco sabiam por qual causa deveriam lutar. Nota-se que o objetivo utópico, o de reunificar os lados, não foi o suficiente para fazer com que a força do sentimento realista, bélico, fosse parada. Trata-se dos ideais do intelectual entrando em conflito com as atitudes do burocrata e, principalmente, deste não assimilar as intenções daquele, gerando conflito, o que os levou ao extremo realismo.

2. EXPOSIÇÃO SUMÁRIA DO PENSAMENTO DE CARR

O objetivo desta seção é fazer um abordagem sumária do pensamento de Carr (1981) em “Vinte anos de crise” de forma não exaustiva.

2.1 Conceitos fundamentais: realismo e utopismo no contexto da nova ciência da política internacional

(^7) Faço o uso do termo "novamente", pois a Coreia também foi palco para as disputas durante a II Guerra Mundial.

A Guerra de 1914-18 consiste num marco - coloca um fim no entendimento de que a guerra afeta exclusivamente soldados profissionais e compete somente aos diplomatas profissionais. Assim, ante os clamores por paz que o enorme impacto da violência e destruição deixaram, o surgimento da ciência da política internacional ocorre devido a uma demanda popular. Nas ciências humanas, de maneira diversa das ciências exatas, o objetivo da pesquisa não é irrelevante e separável em relação à investigação. É, antes de qualquer coisa, um dos fatos a serem investigados. Como disciplina que se situa nos seus primeiros passos, no seu entender, a política internacional deve ser situada no âmbito da ciência política e não como uma disciplina autônoma. Para avançar nisto, em termos teóricos, pode-se estabelecer a diferença entre o papel do pesquisador (papel de estabelecer os fatos) e o prático (aquele que traça o curso certo da ação) (CARR, 2001: p. 3-15).

2.2. Utopia e realismo Na política internacional, esquemas elaborados não como produto da análise, mas como resultado da aspiração a ser alcançada, não funcionarão. Neste ensejo, o desejo de evitar a guerra motivou o início, a infância da ciência política. Ou seja, a intenção de erradicar esta doença do corpo político internacional, como outras ciências na infância, é marcadamente e francamente utópico. A análise crítica - levando em consideração fatos existentes e meios disponíveis - é pouco encontrada, concentrando-se nos fins a serem alcançados. Carr assim menciona o seu entendimento sobre o realismo: o impacto do raciocínio sobre o desejo, que, no desenvolvimento de uma ciência, segue-se ao colapso de seus primeiros projetos visionários, e marca o fim de seu período especificamente utópico.(...) No campo da ação, o realismo tende a enfatizar o poder irresistível das forças existentes e o caráter inevitável das tendências existentes, e a insistir em que a mais alta sabedoria reside em aceitar essas forças e tendências, e adaptar-se a elas”.(...) O pensamento maduro combina objetivo com observação e análise (CARR, 2001: p. 14-15). Ao discorrer sobre utopia e realidade, Carro a considera uma antítese fundamental. Recorrendo a Sorel, Carr a vê como uma eterna disputa entre os que imaginam o mundo de modo a adapta-lo à sua política, de modo a adaptá-la às realidades do mundo. Há as seguintes coincidências com esta antítese: a) Livre Vontade e Determinismo

o laissez-faire a uma época distinta do século 19 (quando estes mesmos princípios dirigiram a expansão industrial e comercial) com necessidades práticas tremendamente diferentes em relação ao século anterior. A teoria abstrata, longe da realidade, foi o que levou ao fracasso das teorias liberais após a Primeira Guerra Mundial. Ainda no que diz respeito à aplicação de idéias, a fundação da Liga das Nações foi uma tentativa de aplicação dos princípios do liberalismo de Locke para erguer um mecanismo da ordem internacional. Contudo, esta tentativa de transposição do racionalismo democrático do âmbito nacional para o nível internacional encontrou muitas dificuldades imprevistas. O que parecia ser anteriormente um meio-termo entre utopia e realidade no interior da Liga das Nações - e fizesse com que esta fosse um instrumento efetivo da política internacional tornou-se, a partir de 1922, um organismo no rumo da utopia. O Pacto pretendido pela Liga não funcionava e “os pratos utópicos preparados durante esses anos em Genebra eram intragáveis para a maioria dos governos interessados e constitui um sintoma do divórcio crescente entre teoria e prática”(CARR, 2001: p. 42). De maneira geral, começou-se a acreditar que as soluções dos problemas mundiais estariam em textos. “Os metafísicos de Genebra acharam difícil de acreditar que uma acumulação de textos engenhosos proibindo a guerra não fosse uma barreira contra a própria guerra” (CARR, 2001: p. 43). Este era o propósito do “Protocolo” elaborado em 1924. Por isto, estava à vista o fim da Liga como instrumento político. Em diapasão semelhante acreditava-se no papel da opinião pública no sentido de guiar a um resultado acertado e pacífico: Tampouco teve melhor sorte a tentativa de transplantar para a esfera internacional a fé democrática liberal na opinião pública. E aqui houve uma dupla falácia. A crença do século dezenove na opinião pública compreendia dois pontos: primeiro (e nas democracias isto era, com algumas reservas, verdade), que a opinião pública está fadada, a longo prazo, a prevalecer; e, segundo (esta era a visão de Bentham), que a opinião pública está sempre certa. Ambas as crenças, não sempre claramente distinguíveis uma da outra, foram reproduzidas, sem espírito crítico, no campo da política internacional (CARR, 2001: p. 44). Dirigentes políticos relevantes neste período, como os presidentes norte-americanos Taft e Wilson, contemplaram em seus discursos e políticas a perspectiva aqui apontada. De modo geral, havia a compreensão de que, se as potências inimigas haviam sido desarmadas pela força, “a voz da razão, falando através da opinião pública seria suficiente para desarmar os aliados” (CARR, 2001: p. 45). O curso dos fatos levou à punição da utopia de maneira súbita. Em setembro de 1931, o Japão, por exemplo, iniciou sua campanha na Manchúria. Mesmo assim, o discurso de líderes neste período até o início da Segunda Guerra Mundial - como o do presidente

americano Roosevelt - ainda apelavam à força moral da opinião pública. Logo se percebeu que a opinião pública não era, na prática, tão relevante e também necessariamente portadora de opiniões acertadas. Carr apresenta sua divergência em relação à interpretação de historiadores sobre o período - como Toynbee^8 - e coloca sua interpretação: houve a falha dos que se recusaram a fazer funcionar a Liga das Nações.

2.3. A harmonia de interesses e a crítica ao realismo A doutrina da harmonia de interesses assim caracteriza a síntese utópica: a) o utópico, baseando-se na primazia da ética, crê no caráter, indepentemente do direito do mais forte; b) o indivíduo deve submeter-se às regras da comunidade porque o utópico entende que o mais elevado interesse da comunidade e do indivíduo convergem. A maior responsável pela propagação da doutrina da harmonia de interesses foi a escola do laissez-faire na economia política. No plano internacional, esta utopia liberal baseou-se no pressuposto da expansão infinita dos mercados. De maneira equivocada, acreditou-se que o que era verdade para os indivíduos, também o era para as nações. Assim, como os indivíduos visam o seu próprio bem, inconscientemente promovem o bem de toda a sociedade e as nações servem à humanidade ao servirem a si próprias. Já no século 19 duvidava-se da teoria do laissez-faire e as indústrias norte-americanas e alemãs davam mostras disto na prática ao serem erguidas por trás de tarifas protetoras. A competição econômica na segunda metade do século dezenove levou a uma mudança: a competição econômica implicava exatamente no que Darwin proclamou a lei biológica da natureza: ou seja, a sobrevivência do mais forte à custa do mais fraco. Sendo assim, a doutrina da harmonia de interesses teve a seguinte mudança: o bem da comunidade ainda era idêntico ao bem de seus membros individuais, mas somente o dos indivíduos que eram competidores efetivos na luta pela sobrevivência. As ideais do laissez-faire foram reintroduzidas após a Primeira Guerra Mundial no âmbito da política internacional por inspiração norte-americana, embora ressalvas a ela

(^8) Este historiador acreditava ser este período uma época muito mesquinha devido à condita ‘gananciosa’ da maioria absoluta dos países.

Interpretações da realidade posteriores a Maquiavel libertaram o realismo da coloração pessimista. No entanto, tornaram-na determinista, seja em termos da economia, geografia ou da história. Carr sustenta tratar-se de relevante realização do realismo moderno revelar os aspectos determinísticos do processo histórico e o caráter relativo e pragmático do próprio pensamento. Assim, quanto ao pensamento, é possível afirmar que as teorias elaboradas não moldam o curso dos acontecimentos, mas que são inventadas para explicá-los. Diferentemente, é possível afirmar também que o desenvolvimento da teoria abstrata é freqüentemente influenciado por acontecimentos que não possuem qualquer relação com ela. No que tange à política internacional, o pensamento na ótica realista não é simplesmente relativo às circunstâncias e interesses do pensador. É também pragmático, no sentido de que se dirige à execução de seus objetivos. Os realistas, ao partirem da compreensão de que o credo utópico aponta ser o bem para o indivíduo o mesmo para os outros e vice-versa - ou seja, o que é bom para o mundo é também para os outros países - desmontam esta proposição quando percebem que os defensores do Império Britânico apenas mascaram a defesa de seu interesse, no sentido de impô-lo ao resto do mundo. A doutrina da harmonia de interesses defende que o interesse individual é o interesse da comunidade. A crítica realista a isto coloca que apenas uma classe privilegiada, que possui voz dominante na comunidade, está propensa a identificar os seus interesses como os desta mesma comunidade. Qualquer um que ataque estes interesses estará atacando a si mesmo. Trata-se, portanto, de um artifício engenhoso para justificar e manter a posição da classe dominante. Da mesma maneira que os apelos por “solidariedade nacional” são feitos por grupos dominantes no sentido de fortalecer seu poder sobre a nação como um todo, os apelos de solidariedade e união internacional originam-se das nações dominantes, tendo esperança de exercem controle sobre um mundo unificado. Aqueles países que lutam contra o grupo dominante tendem a invocar o nacionalismo, contra o internacionalismo das potências hegemônicas. As próprias armas usadas pelo realismo, em que pesem sua eficiência esmagadora, podem ser usadas contra ele próprio. Assim formula Carr (2001: p. 117): A impossibilidade de se um realista congruente e completo é uma das mais corretas e curiosas lições da ciência política. O realismo congruente exclui quatro coisas que parecem ser ingredientes essenciais de todo pensamento político eficaz: um objetivo finito, um apelo emocional, um direito de julgamento moral e um campo de ação.

Explicando os quatro pontos aludidos por Carr como ingredientes essenciais de um pensamento político eficaz:

  1. um objetivo finito É incompreensível ou incompatível para a mente humana, a longo prazo, uma concepção da política com um processo infinito. Todo pensador político que objetive atrair seus contemporâneos precisa estabelecer um objetivo finito. Isto, no entanto, não está contemplado no pensamento de Maquiavel, quando exorta a Itália a libertar-se dos bárbaros ou mesmo numa sociedade sem classes à qual Marx alude. Nos momentos históricos em que eles formulam isto, não há nenhuma premissa realista.
  2. Um apelo emocional. Sobre isto, o acadêmico britânico menciona: “O objetivo finito, assumindo o caráter de uma visão apocalíptica, adquire uma atração emocional e irracional, por este motivo, que o próprio realismo não pode justificar ou explicar” (CARR, 2001: p. 118). É ilustrativo neste sentido o “paraíso” sem classes formulado por Marx.
  3. Um direito de julgamento moral. Legitimar os argumentos com as vestimentas de princípios morais é um dos sintomas da insuficiência do realismo. Assim o fez Marx ao retratar a crueldade dos capitalistas em “O Capital”.
  4. Um campo de ação. Carr assim formula sobre o tema: “Acima de tudo, o realismo congruente falha porque deixa de oferecer qualquer campo para ação objetivista e significativa” (CARR, 2001: p. 121). Mesmo alguns pensadores realistas, como Maquiavel, Marx e Lênin deixam implícitos que os homens têm a liberdade de seguirem ou não as suas idéias e intervirem no curso dos acontecimentos, não assumindo somente a postura contemplativa. Toda a discussão anterior enseja elementos para refletir sobre a natureza da política. Assim, a existência de uma sociedade política implica, conforme vários autores da teoria política, a existência de um caráter dualista fortemente marcante, envolvendo, por exemplo, coerção e consciência, inimizade e boa vontade, autoafirmação e auto-subordinação. O Estado baseia-se em dois aspectos conflitantes da natureza humana: utopia e realidade, o ideal e a instituição, moral e poder. Se isto for verdade, pode-se chegar a uma conclusão importante: é fatal, na política, ignorar tanto o poder quanto a moral. A China, no século 19, é um exemplo do que acontece num país quando se limita a crer na superioridade moral de sua civilização e despreza os caminhos do poder. Por outro lado, o argumento usado para justificar o Tratado de Versailles

b) O poder econômico. A força econômica sempre foi um instrumento do poder político e, quando nem tanto, foi através de sua associação com o instrumento militar. Os economistas clássicos, adeptos do laissez-faire, conceberam uma ordem econômica própria, independente da política, visando o maior lucro de todos com o mínimo de intervenção da autoridade política. Esta lógica funcionou no século dezenove, notadamente na Grã-Bretanha. Já no final do século 19, dava mostras de que este divórcio estava no fim. A guerra tornou-se intimamente vinculada à associação do braço armado e do braço econômico, sendo este último, o objetivo maior de inutilização de uma potência inimiga. Tratemos sobre como Carr trata o nexo entre economia e política. Há algumas falácias sobre a separação entre economia e política. As falácias a que Carr refere-se são as seguintes:

  1. Tentativas de resolução de problemas internacionais através da aplicação de princípios econômicos divorciados da política estão condenadas ao fracasso. Exemplo prático: a falência das sanções da Liga das Nações em 1936.
  2. É um equívoco pensar que há o dilema: investir em armas ou alimentos? A questão real é: “já temos armas suficientes que nos permitam conseguir algum alimento?” ou “tomando por base que precisamos de x armas, podemos aumentar a receita suficientemente para também conseguirmos mais alimentos?”. Nesta lógica, ‘os Estados de bem-estar’ são aqueles que, já possuindo um predomínio de poder, não estão preocupados prioritariamente em aumentá-lo; por sua vez, os ‘Estados de poder’ são aqueles inferiores em poder, o que os leva aumentar o poder e destinar maioria de seus recursos a este fim (CARR, 2001: p. 156). Tratemos da autarquia, tema relacionado à temática do poder. Embora a autarquia - ou autossuficiência - seja um dos objetivos da política econômica mercantilista, sua importância prática, onde ela serve como instrumento da política nacional, voltou a ser reconhecido após a Primeira Guerra. Carr entende que ela e um elemento de poder e, como tal, deve ser entendido como uma das grandes categorias de método pelos quais o poder econômico é colocado a serviço da política nacional. O outro instrumento econômico a serviço da política nacional, voltado para adquirir poder e influência no exterior assume duas formas principais: a) exportação de capital: o processo de substituição de armas, pelo processo mercantil, por capital, impulsionou as economias britânica - apoiada no fato de Londres ser o centro financeiro mundial e na sua frota naval - e norte-americana - primeiramente como financiador

da América Latina, expandindo-se para a Europa, também apoiada numa esquadra naval crescente. b) o controle de mercados estrangeiros: como outro exemplo da interação entre economia e política, a luta pelo controle dos mercados não esclarece se o objetivo maior é o fortalecimento do poder econômico ou do poder político. O entrelaçamento entre poder econômico e poder militar numa dada área, por vezes, acontece simultaneamente. A Grã-Bretanha, devido à sua força econômica inerente e da política de livre comércio, possível graças a esta força, podia exercer em vários países uma grande influência e controle indiretos que nenhuma outra potência teria conseguido sem interferência na independência política dos países envolvidos. Esta se tornou uma vantagem natural para a Grã-Bretanha e uma desvantagem para os outros países, ao surgir como defensora da independência política das outras nações. Assim procedeu a referida potência em relação ao Egito e ao abrir mão de sua autoridade formal sobre o Iraque, conseguiu manter os seus interesses intactos sobre o mesmo.

c) o poder sobre a opinião. Outro ponto correlato ao poder sobre a opinião contemplado pela análise de Carr (2001: p. 172-188) é o papel da propaganda e da persuasão no plano internacional como instrumento moderno de poder em termos de poder sobre a opinião. Conforme Carr, a persuasão sempre foi uma qualidade necessária a um líder político. Isto porque se deve entender a importância da opinião popular e da propaganda como arma fundamentalmente moderna para influenciar a primeira. Desde os primórdios do cristianismo - provavelmente, o primeiro grande movimento de massas - a Igreja Católica parece ter compreendido, já na Idade Média, a importância da propaganda. Esta permanece assim até a atualidade seja nas democracias ou Estados totalitários, fascistas ou comunistas. O mais antigo instrumento de propaganda e, provavelmente, o mais poderoso é o da educação popular. Esta possibilitou o uso do rádio, do cinema e da imprensa popular. Antes usada predominantemente pelos revolucionários, o uso da propaganda intensiva era vista com algo indigno por parte dos governos. Já na guerra de 1914-18 percebeu-se que a guerra psicológica deve acompanhar a guerra econômica e a guerra militar. O sucesso nas frentes econômica e militar dependia que o “moral” próprio fosse mantido e o das tropas e populações inimigas fosse solapado e destruído. Deve ser lembrado que a vitória de 1918 sobre a Alemanha foi a combinação de poder militar, do poder econômico e do poder sobre a

  1. O monopólio dos estudos sobre o que a moral internacional deveria ser - por parte da escola utopista - não envolveu uma discussão dos pressupostos do homem comum sobre a moral internacional.
  2. No que tange ao campo internacional, os autores que abordam a moral internacional não concordam entre si e não há sempre clareza se pretendem discutir a moral dos Estados ou a dos indivíduos. Os vários autores abordados colocam uma confusão sobre o que é a moral do Estado e o que é a moral do indivíduo. Não há clareza também se a ação é dos indivíduos ou dos Estados, sendo estes, muitas vezes, despersonificados pelos pensadores liberais. Outra confusão é a de que a moral internacional é a moral de entidades fictícias, que Carr considera um equívoco, pois não há como considerar o Estado uma entidade fictícia. O nexo entre a moral e o utopismo e o realismo pode ser, grosso modo, assim resumido (CARR, 2001: p. 198) Nem a visão realista de que nenhuma obrigação moral prende os Estados, nem uma visão utopista de que os Estados estão sujeitos às mesmas obrigações morais dos indivíduos, correspondem aos pressupostos do homem comum acerca da moral internacional. Dentro do mesmo tema envolvendo a moral dos Estados e indivíduos, assim se manifesta o ex-funcionário do Foreign Office: A opinião de que o mesmo padrão ético é aplicável tanto ao acompanhamento dos Estados quanto ao dos indivíduos está tão distante da crença corrente como a opinião de que nenhum padrão se aplica aos Estados. (CARR, 2001: p. 201). Além da expectativa por parte da maioria das pessoas por um padrão de conduta moral diferente por parte dos Estados, os fatos relativos aos acordos entre países demonstraram, no entre-guerras, que a moral não foi seguida à risca no período. As razões pelas quais não se deve esperar que os Estados observem o mesmo padrão moral dos indivíduos são as seguintes: I) Pode-se esperar justiça por parte do Estado, mas não altruísmo ou generosidade. Mesmo quando o Estado “socorre” com “doações compassivas” em caso de tragédias, por exemplo, não é a pessoa, ou o governante, que realiza o ato moral, mas o Estado, ou seja, a pessoa-grupo. Neste sentido, Carr (2001: p. 205) assinala: O padrão aceito da moral internacional, em relação às virtudes altruísticas, parece ser o de que um Estado deva fazer uso delas na medida em que não sejam incompatíveis com seus interesses mais importantes. II) O fato de uma pessoa pertencer a um certo grupo faz, muitas vezes, com que ela tenha um comportamento leal ao mesmo, como pessoa coletiva, que condenaria se fosse a sua própria.

III) O Estado, por possuir um direito à autopreservação, supera na sua conduta a obrigação moral. IV) As colocações anteriores nos colocam o seguinte problema: em que sentido podemos encontrar uma base para a moral internacional pressupondo uma sociedade de Estados? Existe uma comunidade internacional? Sobre tal indagação, Carr entende que aqueles que negam a existência de uma moral internacional não concordam com a existência de uma comunidade internacional. Esta pode existir apenas como hipótese de trabalho. Por outro lado, supor a existência da comunidade internacional hipotética não pode vir acompanhada da ilusão de que ela possui a unidade e a coerência de comunidades do tamanho ou menores que o Estado. Estas insuficiências dão a pista das imperfeições da moral internacional, principalmente de duas maneiras:

  1. o princípio da igualdade entre os membros de uma comunidade não se aplica e realmente não é facilmente aplicável, à comunidade internacional;
  2. princípio de que o bem do todo tem procedência sobre o bem da parte, que é um postulado de qualquer comunidade totalmente integrada, não é geralmente aceito. Neste sentido, como fica o princípio da igualdade? Levando em conta ser difícil, no âmbito da comunidade, por uma serie de fatores culturais, estabelecer no âmbito interno a igualdade entre os indivíduos, a dificuldade intensifica-se no âmbito internacional devido à estrutura da comunidade internacional. É dado como exemplo o fato de que a constante intromissão, ou intromissão em potencial das potências torna quase sem sentido qualquer concepção de igualdade entre os membros da comunidade internacional. Há um dilema fundamental para o princípio mencionado acima: embora seja reconhecido universalmente um sentimento de obrigação com o todo por parte da comunidade, isto é, desta com a comunidade internacional, há uma relutância quase universal em admitir, que, nesta comunidade internacional, o bem da parte (ou seja, nosso próprio país) possa ser menos importante que o bem do todo. Há dois modos de ser resolvido este dilema:
  3. O método que Hitler tomou emprestado da Escola Darwiniana, onde o bem do todo é o bem do mais apto e este, por sua vez, é o mais apto.
  4. A doutrina da harmonia de interesses. Não há escapatória para o dilema da moral internacional se não houver o sacrifício da parte em prol do todo. Qualquer moral internacional deve repousar sobre alguma hegemonia de poder, onde não há um elemento de dar e receber, tampouco o auto-sacrifício.
  1. O direito é tido como obrigatório porque é imposto pelo braço forte da autoridade: pode ser, e freqüentemente é, opressivo. Ambas as respostas são verdadeiras; e ambas são apenas meias-verdades. A reconciliação destas duas meias verdades contraditórias e inadequadas encontra a resposta no relacionamento da política com o direito. Ainda conforme o acadêmico britânico (CARR, 2001, p. 230-231): Política e direito estão indissoluvelmente interligados pois as relações de homem a homem em sociedade, que são o objeto da política, também são o objeto do direito. O direito, como a política, é um ponto de encontro para ética e poder. O mesmo é verdade sobre o direito internacional, que não pode ter existência exceto na medida em que exista uma comunidade internacional que, tendo por base um consenso mínimo, o reconheça como obrigatório. O direito internacional é uma função da comunidade política das nações. Seus defeitos se devem, não a qualquer falha técnica, mas ao caráter embrionário da comunidade em que funciona. Assim como a moral internacional é mais fraca do que a moral nacional, o direito internacional é necessariamente mais fraco e pobre em conteúdo do que o direito local de um estado moderno altamente organizado. O diminuto número de estados que formam a comunidade internacional cria os mesmos problemas especiais tanto no direito quanto na ética. A evolução das regras sociais igualmente aplicáveis a todos, que é a base do elemento ético do direito, torna-se extremamente difícil. As regras, por mais gerais que sejam na forma, sempre estarão voltadas para um Estado particular ou para um particular grupo de estados e, por esta razão, senão por outras, o elemento do poder é mais predominante e mais óbvio no direito internacional do que no direito doméstico, cujos sujeitos são um grande corpo de indivíduos anônimos. As mesmas considerações tornam o direito internacional mais francamente político do que outros ramos do direito. Tangenciável ao tema do direito internacional há a questão dos tratados internacionais e sua eventual inviolabilidade, tema em pauta no utopismo dominante do entreguerras. Sendo o fato de que as únicas obrigações a serem seguidas pelos Estados são aquelas escritas e que o direito internacional é incerto, conferiu aos tratados um papel de maior destaque que os contratos no direito internacional. A discussão que será levada adiante aqui é a confusão estabelecida pelo fracasso da distinção entre a “inviolabilidade dos tratados” como uma regra do direito internacional, e a “inviolabilidade dos tratados” como um princípio da ética internacional. Diante das circunstâncias, qualquer tratado assinado pode ser rejeitado por uma nação. Além disso, os juristas internacionais desenvolveram a doutrina de que uma chamada cláusula rebus sic stantibus estaria implícita em todo tratado, isto é, que as obrigações de um tratado só teriam eficácia, frente ao direito internacional, na medida em que as condições que prevaleciam à época da conclusão do tratado continuassem. Argumentos desta natureza e de outras também levaram ao rompimento de Tratados, como o de Versailles, em 1935, tendo Hitler como razão “a moral eterna”. De maneira geral, as violações de tratados tiveram, no período sua justificativa centrada no entendimento de que a moral internacional fora violada.

O tratado de Versailles é exemplar deste tipo, uma vez que foi assinado sob pressão de ultimato. A propaganda alemã divulgou este tratado como uma imposição sem validade moral. A propósito disto, enuncia Carr (2001, p. 243): Na medida, portanto, em que se reconheça qualquer tipo de guerra como moral, tratados concluídos sob coação não podem ser incondicionalmente condenados como imorais. As objeções morais mais freqüentemente feitas ao tratado de Versailles parecem, de fato, ter sido baseadas não tanto em sua assinatura sob coação como na severidade de seu conteúdo, e no fato de que os governos aliados, invertendo o processo seguido em todas as conferências de paz importantes até, e inclusive, a de Brest-Litovsk, recusaram-se a manter negociações orais com os plenipotenciários das potências derrotadas. Este ato de insensatez desacreditou o tratado mais do que o ultimatum que precedeu sua assinatura. Em virtude do conteúdo de certos tratados, pode-se argumentar a sua não-validade devido a seu conteúdo. O maior obstáculo que este tipo de argumento encontra corresponde à ausência de qualquer regra no direito internacional correspondente à regra do direito nacional que invalide contratos “imorais” ou “contrários à política pública”. Um argumento realista no sentido de que os tratados são instrumentos opressivos, divorciados da ética é o de que os tratados são uma arma suada pelas potências mais fortes para subordinar as nações mais fracas. O historiador britânico assim se coloca sobre o tema (CARR, 2001: p. 248): De todas as considerações que tornam improvável a observância da regra legal da inviolabilidade dos tratados, e que apresentam uma justificativa moral plausível para denúncia dos tratados, esta última é, de longe, a mais importante. O respeito pelo direito internacional e pela inviolabilidade dos tratados não aumentará em virtude dos sermões dos que, tendo muito a ganhar com a manutenção da ordem existente, insistem mais firmemente no caráter moralmente obrigatório do direito. O respeito pelo direito e pelos tratados só será mantido na medida em que o direito reconheça mecanismos políticos eficazes através dos quais ele se possa modificar e superar. Deve haver um reconhecimento claro deste jogo de forças políticas que antecedem todo o direito. Somente quando estas forças estão em equilíbrio pode o direito cumprir sua função social, sem se tornar uma ferramenta nas mãos dos defensores do status quo. Atingir esse equilíbrio não é uma tarefa legal, e sim política. Em que pese a existência de uma Corte Permanente de Arbitragem instituída em Haia em 1899 e a Corte Permanente de Justiça Internacional da Liga das Nações, o direito internacional não reconhece, para a solução de litígios, nenhuma jurisdição compulsória. A maioria dos acordos no âmbito internacional que envolviam litígios até o século dezenove foram feitos ad hoc. Isto é, para uma finalidade específica sem uma lógica mais ampla que apontasse para um núcleo comum de princípios e mecanismos de solução de controvérsias. Levando em conta que não é a natureza do direito de um litígio específico que o torna impróprio para a solução judiciária, mas sim a ausência de interesse de um estado em vê-lo resolvido através da aplicação do direito. Diante disto, o problema que se coloca é o seguinte: por que os estados desejam submeter à solução judiciária apenas certos tipos de litígios, e por