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Este texto discute a evolução da jurisprudência romana sob a égide da doutrina do direito natural. A documento aborda como as idéias clássicas sobre ética e concepção do homem e do estado influenciaram o desenvolvimento da jurisprudência romana. Além disso, o texto discute como a filosofia cristã, sob a influência do neoplatonismo, orientou a evolução do pensamento filosófico e jurídico.
Tipologia: Esquemas
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PROF. LUIZ FERNANDO COELHO Assistente de Filosofia do Direito, do Departamento de Direito Privado da Universidade Federal do Paraná
§ 1. Introdução
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A Jurisprudência romana se desenvolve sob a égide da doutri- na do direito natural!, na esteira das concepções herdadas do pen- samento clássico. No primeiro século antes de Cristo, as idéias di- manadas da cultura grega começam a surtir efeitos na civilização romana, e justamente, como observa RIVAUD, na ordem técnica e na ordem jurídica2. O surgimento dos grandes impérios e decadência da cidade- Estado, a pólis, exigiram nova ética e nova concepção do homem e do Estado; em Roma, as idéias mais ou menos difusas da moral estói- ca e epicurista, de que os postulados da razão teriam força- e alcan- ce universais, encontram ambiência favorável à sua aplicação prá- tica; o direito natural, que não é mais o fundado na idéia do Estado perfeito, e nem o direito da cidade fundado na observação da na- tureza, o justo natural de ARISTÓTELES,é agora concebido como a própria natureza baseada na razão, traduzida em princípios de valor universal; e os romanos utilizam tal concepção para transformar o seu rígido sistema jurídico num sistema cosmopolita, apto a gover- nar o mundo.
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Acostumados a encarar a civiliação romana como a pátria do direito, maravilhados ante a construção técnica da ordem jurídica
cuparam os estudiosos com a filosofia do direito dimanada do gênio romano; no contexto da romanística o papel reservado à filosofia é
226 A FILOSOFIA^ DO^ DIREITO EM ROMA
pequeno, em parte porque, de espírito prático, ocupava.m-se os ro- manos em solucionar os problemas do dia-a-dia, na medida em que se apresentavam, e em parte porque, sendo herdeiros da filosofia gre- ga, a sua contribuição neste campo é realmente singela, quando com- parada às notáveis construções sistemáticas do pensamento grego. Salvo as obras de LUCRÉC!OCARO, os tratados de CfCERO e as obras de SÊNECA, a filosofia propriamente quase não está repre- sentada em Roma, sendo que, ao segundo, atribui-se o mérito de ter tornado popular em Roma a filosofia3.
Isso não impede todavia de se avaliar a dimensão filosófica do gênio romano, seja para descobrir a parcela de originalidade que lhe cabe na evolução do pensamento europeu, seja para descobrir e res- saltar os princípios fundamentais implícitos na Jurisprudência roma- na.
Os princípios da ciência jurídica romana no período clássico derivam da filosofia grega, particularmente, de três doutrinas: o platonismo, o peripatetismo e o estoicismo. Em menor grau, do epi- curismo e das diversas escolas socráticas.
Não que os pensadores romanos tenham se agrupado em torno desta ou daquela doutrina, mas que o gênio. romano é eclético e de- monstra ter assimilado a filosofia dimanada das mais expressivas correntes do pensamento grego.
§ 2. A InF:uênciado platonismo
A visão de uma ordem social hierarquizada, onde cada classe cumpre o seu papel e cada cidadão ocupa o seu lugar, segundo os objetivos imanentes na sua idéia e coerentes com a idéia do todo, nunca deixou de exercer alguma influência, em maior ou menor grau, no pensamento jurídico e político de todas as épocas.
No contexto romano, esta influência é a princípio tímida, che- gando a ser predominante no século 111da era cristã: quando se afirma a corrente do néo-platonismo, reunindo os nomes de PLO-
TINO, PORFfRIO, JAMBLlCO, PROCLUSe outros. Finalmente, quando a filosofia cristã, através da patrística, passa a orientar a evolução do pensamento filosófico e jurídico, fá-Io sob a égide do néo-pla- tonismo, em cujo contexto SANTO AGOSTINHO idealiza a Civitas Dei.
22.8 A filOSOFIA^ DO^ DIREITO^ EM ROMA
cia-se nos grandes impérios, sendo Roma o momento culminante desse processo histórico. Os grandes jurisconsultos romanos eram estóicos. Acreditavam na supremacia de um Logos, o qual se manif.estaria na razão humana, determinando a escolha da virtude. Somente, que o desinteresse es- tóico pela vida pública e a submissão ao destino não encontraram eco na efe.rvescente e jovem cultura romana; sob a influência de PA- NÉCIO e POSSIDÔNIO, o humanismo estóico passa a conceber a no- ção do dever .e a determinar a escolha da atitude rac:onalmente mais aceitável; o estoicismo passivo transforma-se e passa a exercer pa- pel ativo na edificação da ordem social justa. A maior conseqüência dessa mudança de orientação ocorreu com a teoria do direito natural.
CíCERO, ele mesmo um estóico, provavelmente discípulo de POSSIDÔN:O, exara a célebre defnição, em seu tratado da Rep'úbli- ca: Es~quidem vera lelx, r'eda ratio, naturae congruens, diffusa in :om- nes, constans, sempiterna. A tradução é a seguinte: "Existe uma ver- dadeira lei, a reta razão, conforme a natureza, difusa em todos, imu- tável e sempiterna"6. Nesta definição o jurisconsulto identifica a ra- zão com a lei natural, centralizando as tendências estóicas à funda- mentação racional de uma visão cosmopolita do direito, do Estado
A asserção de CíCERO contraditava o relativismo dos céticos, em especial CARN'ÉADES;neste ponto a sua posição histórica é aná- loga à de SÓCRATES, pois ambos procuraram restabelecer a convic- ção de uma fundamentação absoluta para o direito e a justiça. Essa lei, consubstanciada na razão, constituia o fundamento, não só do jus naturale, como também do jus gentium - observado por todos os povos e do jus civile; não haveria portanto oposição entre as três expressões do jus, pois cada uma delas corresponderia a determina- ções graduais do mesmo princípio, a reda ratio7.
Encontramos um ULPIANO a cifação, tornada clássica, que pre- coniza um direito natural comum a homens e animais quod natura omnia animalia docuit8.
Essa idéia de que todos os seres vivos estão sujeitos a uma lei; bem como a um Deus - logos, ratio ou pneu ma é um dos prin-
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cípios fundamentais do estoicismo, difuso na mentalidade roma- na9. Segundo atesta FRIEDR!CH,a propósito da citação de ULPIANO, esse princípio dimana de uma concepção da lex ou nomos que não distingue entre o que estamos habituados a considerar como lei da natureza e normas básicas do direito, mas que concebe ambas co- mo determinantes da natureza das coisas1o; e assevera que a trans- posição do significado da lei da natureza para o sentido que se tor- nou familiar no ocidente, ocorre a partir de CíCER011; entretanto os intérpretes do pensamento de CíCERO se dividem, atribuindo-lhe uns haver identificado o direito natural universal e o direito priva- do romano, e outros, que ele teria separado a ambos muito clara e definidamente12.
'É evidente que resquícios da antiga identificação cosmológica entre a ordem natural e a humana permanecem insinuados no cos-
mopolitismo estóico, conjugado com o seu racionalismo, o que im- plica um panlogismo, a noção de que os seres vivos {animalia} parti- cipam da ratio universal. Forçoso é porém reconhecer que a trilogia consagrada pela Jurisprudência romana, na esteira de CíCERO e UL-
ses jurisconsultos reconhecessem a existência de um direito para os animais, porém, somente que a idéia do direito natural é inerente à idéia de ordem que governa todas as criaturas. Esta doutrina re- pousa inequivocamente no estoicismo, pois os estóicos preconiza-
No desenvolvimento dessa doutrina chegou. a ciência +urídica romana a equiparar o ius gentium ao ius naturale, por considerar es- te uma implicação da naturalis ratioj assim, GAlO preconizava a di- visão bipartite, em que o ius naturaleestá abrangido pelo ius gen- tium14; e ULPIANO, a final, acaba por esclarecer que a divisão do direito não t.rata propriamente de estabelecer três ordens jurídicas, mas tão somente de uma idéia que unifica as expressões do direito criado pelos povos; é por isso que, para ele, a justiça é vontade cons- tante de dar a cada um o seu direito 15.
No mesmo sentido, CíCERO, ao que parece, concebia as três ordens expressas na tricotomia do direito .romano, como dimanadas do mesmo princípio racional, o qual estaria difuso em todos,
Droit, Paris, LGDJ, 1965, pág. 51.
Ciência y filosofia dei Derecho, Buenos Aires,
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rido nos primórdios do processo histórico de sistematização da or- dem jurídica dos romanos e ter presidido a afirmação do direito ro- mano como sistema científico, fez com que a caracterização geral do pensamento filosófico-jurídico ficasse eivada dos princípios da fi-
pansão do peripatetismo. O próprio CrCERO, estóico, escreveu uma
na Tópica aristotélica17. E a concepção ciceroniana do Estado é uma renovação da doutrina aristotélica, pois, para o jurisconsulto roma- no, o homem está naturalmente impelido, por instinto natural, pa-
O historiador POUBIO, para explicar a expansão territorial e o poderio de Roma, elaborou uma teoria da gênese do direito e do Estado, inspirado em ARISTÓTELESiem 156 a. C. um dos mais ilus- tres sucessores do Estagirita na direção de sua escola do Liceu, CRI- TOLAOS, foi mandado a Roma como embaixador dos atenienses, em companhia de DIÓGENES de Babilônia, estóico, e CARNÉADES, da escola de PLATÃO. Essa embaixada causou grande interesse e teve a maior repercusão em Roma, pois reuniam-se na mesma oca- sião os chefes das três mais importantes escolas filosóficas da Gré- cial9. E as escolas de retórica, em Roma, divulgavam a filosofia aris- totélica e a sua compreensão do direito e da justiça.
A formação da Jurisprudência como sistema científico absorveu destarte as noções aristélicas da justiça e da eqüidade,-concebendo-se inicialmente o direito como dimanado do justo e não da norma. A seguinte expressão, contida no Digesto, o evidencia: lus non a regula sumatur, sec ex iure, quod est, regula fiat20.
A despeito das alterações de conteúdo procedidas pelos estói- cos, o pensamento romano definiu o direito como ars boni et aequi, na fórmula de CELS021, iusti atque iniusti scientia, segundo ULPIA- N022.
A teoria estóica do direito natural fundado na razão, na ver- dade apenas atribuiu conteúdo racionalista à distinção aristotélica en- tre o justo natural e o justo por lei.
232 A FILOSOFIA DO DIREITO EM ROMA
A influência mais importante entretanto, da filosofia de ARIS- TÓTELES, se manifestou na caracterização geral da Jurisprudência ro- mana como sistema científico; e isso ocorreu em dois momentos, os quais correspondem aos dois sentidos que tomou a evolução da lógi- ca peripatética, após a morte do mestre; e também à concepção do direito em dois planos, o do iusto e o do normativo.
ARISTOTELES havia dedicado as duas Análíticas ao silogismo apodítico e a Tópica ao silogismo dia!ético. Por razões históricas cujo processo tem início entre os discípulos do filósofo, sendo incremen- tado pelo racionalismo estóico, preocupado com a verdade eterna e imutável fundada no Logos" a silogística contida nas Analíticas foi destacada e desenvolveu-se fora do contexto da obra aristotélica, sendo aos poucos olvidados os seus estudos dedicados aos tópicos. Isto f.ez com que o modo de pensar típico do mundo ocidental ficasse impregnado da idéia de sistema e da necessidade de fundar todo o conhecimento científico em métodos analíticos e princípios apodíc- ticos.
Ora, o pensamento problemático e argumentativo, base da re- tórica, a mais nobre das artes no mundo antigo, constituia o núcleo da Jurisprudência. Sistematizado na Tópica, presidia a busca do ius- to nas situações concretas; o processo de elaboração do direito admi- tia o recurso aos textos, dimanados das decisões pretorianas, dos comícios ou do senado; e, ainda dentro da doutrina do Liceu, admitia-se a correção dos textos em nome da aequitas, a con- frontação de opiniões e a consideração casuística e circunstncial das situações concretas; a atividade dos primeiros prudentes limitava-se a respondere, cavere, agere, no tocante às quaestiones que os cidadãos Ihes submetiam.
A mesma tendência se observa na obra dos '.egisladores; as pri-
res; disso é exemplo a lei Aquilia; e a consideração das normas -
Esta fora a filosofia jurídica correspondente ao conceito do di- reito como expressão da justiça, e que encontrou na Tópica a sua fundamentação lógica; a construção sistemática do direito romano, inspirado na consideração gradual das necessidades sociais, tenden- do à solução dos litígios na medida em que iam se apresentando e em grau crescente de complexidade, foi o resultado dessa filosofia.
É que o modo de pensar tópico, o do pensamento argumentati- vo que tem o problema por ponto de referência, corresponde à es-
234 A fILOSOFIA DO DIREITO EM ROMA
mum do pensamento filosófico, político e jurídico na antiguidade greco- romana é sem dúvida o mais importante; ela persiste por todas as escolas e manifestações da sabedoria grega e romana, mes- mo nos movimentos negativistas da sofística e do ceticismo antigo. No mundo romano, essa idéia do direito natural é incorporada à Jurisprudência, sendo que todas as concepções que a expressaram; das mais variadas formas, são cultivadas pelos juristas, filósofos e literatos romanos.
O segundo princípio é a racionalidade, cuja incorporação ao di- reito, encarado como sistema e a ciência jurídica como dogmática, ocorreu no mundo romano, embora suas raízes estejam na analítica aristotélica e na ética estóica.
Finalmente, o terceiro dos princípios gerais do direito ocidental é a noção da justiça vinculada ao conceito do di.reito. Este princípio está ligado ao primeiro, o do direito natural, e o alcance que se lhe atribui é ainda implicação da racionalidade que caracterizou a ordem jurídica e a Jurisprudência a partir de certa época na história do direito romano.
Seja no sentido subjetivo, de gênese platônica, ou no objetivo, de origem pitagórica e aristotélica, o conteúdo valorativo do direito esteve sempre relacionado com a idéia de justiça, a partir da primi- tiva identificação entre as duas noções, na mitologia e na física dos jônios antigos e posteriores. Trata-se porém de um ponto em que o direito moderno parece desvincular-se de suas origens, pois a. con- cepção legalista e dogmática enfatizou o princípio da racionalidade levando-o às últimas consequências, quando, no direito romano, es- tava ela delimitada e coerente com a idéia do direito natural e do
ius - o direito coma o justo.
Isso não obstante, a tradição ocidental está profundamente im- pregnada da idéia da justiça como conteúdo do direito, e é à luz desta noção que exsurgem as críticas às ordens jurídicas conside- radas iniustas ou ilegítimas; é à luz a identificação entre o direito e o justo que se questiona a legitimidade das leis atentatórias aos di-
de privilégios aristocráticos.
Vimos como essa compreensão profunda e humana do fenôme-
dignidade de nossa Ciência do Direito.
que ora se processa em torno dos seus fundamentos constitui na ver- dade uma tentativa de retomar às origens greco-romanas, quando
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o direito significava justiça e a Jurisprudência era a ciência e a téc- nica da solução razoável, prudencial, equilibrada e justa dos litígios sociais.
Uma ordem jurídica adequada às necessidades do mundo de hoje em transformação, cada vez mais unificado numa sociedade glo- bal/ não pode prescindir do princípio da Justiça/ o que implica a restauração do velho conceito do direito como di,kaion e como ius.
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