










Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity
Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium
Prepare-se para as provas
Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity
Prepare-se para as provas com trabalhos de outros alunos como você, aqui na Docsity
Os melhores documentos à venda: Trabalhos de alunos formados
Prepare-se com as videoaulas e exercícios resolvidos criados a partir da grade da sua Universidade
Responda perguntas de provas passadas e avalie sua preparação.
Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium
Comunidade
Peça ajuda à comunidade e tire suas dúvidas relacionadas ao estudo
Descubra as melhores universidades em seu país de acordo com os usuários da Docsity
Guias grátis
Baixe gratuitamente nossos guias de estudo, métodos para diminuir a ansiedade, dicas de TCC preparadas pelos professores da Docsity
A Evolução Histórica,. Filosófica e Teórica da Pena. Felipe Machado Caldeira. Professor de Direito Penal da UERJ. Moni- tor acadêmico de Direito Penal e de ...
Tipologia: Notas de estudo
1 / 18
Esta página não é visível na pré-visualização
Não perca as partes importantes!
Felipe Machado Caldeira Professor de Direito Penal da UERJ. Moni- tor acadêmico de Direito Penal e de Direito Processual Penal da EMERJ.
Desde a origem da civilização, o ser humano começou a in- teragir com a natureza e com outros seres humanos. A partir da percepção do mundo natural que o cerca, o ser humano adquiriu conhecimentos sobre os fenômenos naturais e desenvolveu formas de controlá-los, por meio do desenvolvimento da tecnologia (con- trole objetivo ou tecnológico). Por outro lado, o desenvolvimento das relações intersubjetivas propiciou que os seres humanos ad- quirissem conhecimentos sobre a sua posição, individual ou coleti- va, em sociedade, bem como que passassem a compreender o seu mundo e as normas que o disciplinam e orientam as suas condutas em sociedade (controle subjetivo ou social), baseados em traços morais e éticos da convivência coletiva com o escopo de promoção da convivência harmônica, estável e pacífica em sociedade. O sis- tema jurídico-penal se insere como um subsistema dentro do con- trole social formal, ocupando o espaço destinado à transformação dos conflitos mais graves com os meios mais rigorosos. Foi desta forma que as sociedades se formaram e desenvolve- ram, assumindo características e perculiaridades próprias e, dada a sua complexidade e heretogeneidade – desde as mais antigas até as modernas –, além da multiplicidade de suas necessidades existenciais, surgem os conflitos, naturais e sociais, cada vez mais intensos, complexos e profundos. Neste contexto, a manutenção e a expansão das sociedades só foi possível em razão do desen-
volvimento e aperfeiçoamento de meios de controle, objetivo (ou tecnológico) e subjetivo (ou social). O estudo da História do homem demonstra que estas formas de controle jamais possuíram um equilíbrio, o que enseja uma sé- rie de conseqüências, principalmente a decadência da sociedade. Na Idade Antiga, observa-se que, apesar de um escasso controle tecnológico, as sociedades tinham complexos e efetivos sistemas de controle social. Na Idade Contemporânea, por sua vez, os con- troles tecnológicos possuem um desenvolvimento e avanço extra- ordinário e maravilhoso^1 ; por outro lado, esta sociedade contem- porânea vivencia um profundo abalo nos seus meios de controle social, distanciando-se cada vez mais dos valores éticos e morais que devem orientá-la. Importa, porém, afirmar que a repercussão deste desequi- líbrio entre as formas de controle alcança, inclusive, o Direito. A cultura, que pode ser concebida como o conjunto de contro- les tecnológicos e sociais, não é elaborada, em tempos de pós- modernidade, por toda a sociedade, e sim por parte dela, que constitui a classe dirigente democraticamente eleita, vez que a titularidade do poder soberano pertence ao povo. A esta classe digirente é atribuída a tarefa de buscar a solução para todos os problemas da sociedade. Ocorre que, quando os desafios físicos ou sociais não são enfrentados e respondidos, a classe dirigida se insurge contra a classe dirigente na busca mediata de transfor- mações e imediata de soluções. É neste quadro caótico, experi- mentado principalmente pelo modelo formal de controle social, que o Direito Penal ganha destaque e passa a ser percebido, in- genuamente pela classe dirigida e maliciosamente pela classe dirigente, como a solução para todos os males que a socieda- de contemporânea vivencia. Por outro lado, a sociedade realiza constantes julgamentos morais, políticos e sociais, ao sabor das notícias e dos valores expressos pela mídia, sob a influência da emoção, amor e paixão. Ocorre que este tipo de controle não
(^1) A título exemplificativo, vale citar o desenvolvimento da tecnologia espacial, o desenvol- vimento da engenharia genética etc.
combinar a necessidade de proteger a sociedade com as garantias aos seres humanos oferecidas pelos princípios limitadores (matriz constitucional penal proibitiva). Esta exposição introdutória reflete no Direito Penal em sua totalidade. O estudo que se pretende, por ora, limita-se à teo- ria da pena, especialmente uma abordagem histórica, filosófica e teórica da pena, passando pelas Idades Antiga (ou Antiguidade), Média, Moderna (ou Modernidade) e Pós-moderna (ou Contempo- rânea, ou Pós-modernidade). Este estudo objetiva não apenas a compreensão da evolução da teoria da pena, mas principalmente a reflexão sobre a sua eficiência ou não no modelo da sociedade contemporânea.
1. MOVIMENTOS HISTÓRICO, FILOSÓFICO E TEÓRICO^2 A importância do estudo dos movimentos histórico, filosófico e teórico se liga à possibilidade de compreensão ampla e sistemáti- ca de qualquer instituto jurídico. Desta forma, é possível o estudo do instituto jurídico dentro de seu contexto histórico, filosófico e teórico para, posteriormente, interpretá-lo e aplicá-lo no seu exa- to sentido e extensão, porém, de forma contextualizada. No Brasil, a doutrina não sistematiza de maneira uniforme este estudo. Com base nos grandes movimentos penais, sob o pon- to de vista da legislação de cada Estado e em cada momento his- tórico, Roberto Lyra expõe que são cinco os momentos identificá- veis^3 : o período da vingança privada, o período da vingança divina, o período da vingança pública, o período humanitário e o período científico; entretanto, em um estudo ainda mais profundo, iden- tifica-se um período anterior: o período da reação social. Já Alceu Corrêa Júnior e Sérgio Salomão Shecaira^4 optaram por eleger três períodos da história do homem: Antiguidade, Idade Média e Idade
(^2) A origem da pena coincide com o surgimento do Direito Penal, em virtude da constante necessidade de existência de sanções penais em todas as épocas e todas as culturas. A pena é a conseqüência jurídica principal que deriva da infração penal. (^3) LYRA, Roberto. Comentários ao Código Penal. 2ª ed., Rio de Janeiro: Forense, v. II, p. 12. (^4) CORRÊA Júnior, Alceu; SHECARIA, Sérgio Salomão. Teoria da pena: finalidades, direito positivo, jurisprudência e outros estudos de ciência criminal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.
Moderna que, todavia, são insuficientes à sua exata compreensão. Raymond Saleilles^5 , por sua vez, se preocupa em sistematizar a evolução da pena entre as escolas penais (clássica e positivista), o que também é insuficiente, dada a restrição temporal que com- preende este estudo. Por fim, Guilherme de Souza Nucci^6 não se preocupou em identificar os períodos da história da humanidade em correspondência com a evolução da pena. Desta forma, no intuito de sistematizar estes movimentos da teoria da pena, relacionando-os aos períodos da história da humani- dade, o seu estudo será feito a partir das quatro eras da História da Europa^7 – cenário no qual a teoria da pena se desenvolveu –, quais se- jam, a Idade Antiga (ou Antiguidade), a Idade Média, a Idade Moderna (ou Modernidade) e a Idade Contemporânea (ou Pós-Modernidade).
1.1. Idade Antiga ou Antiguidade 1.1.1. Compreensão histórica do período A Idade Antiga (ou Antigüidade) foi o período que se esten- deu desde o desenvolvimento da escrita (4000 a.C. a 3500 a.C.) até a queda do Império Romano do Ocidente (476 d.C.) e o início da Idade Média (século V). A importância do estudo deste período se prende, para fins do estudo do Direito, principalmente a dois fatores: (i) foi nesta era que se formaram os primeiros Estados organizados com certo grau de nacionalidade, de territórios e or- ganizações mais complexas; (ii) foi o período no qual algumas das
(^5) SALEILLES, Raymond. A individualização da pena. Trad. Thais Miremis Sanfelippo da Silva Amadio. São Paulo: Rideel. 2006. (^6) NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da pena. 2ª ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. (^7) A fase da pré-história é o período da história que antecede o desenvolvimento da escrita (evento que marca o começo dos tempos históricos registrados), que ocorreu aproximada- mente em 4000 a.C.. A transição para a “história propriamente dita” se dá por um período chamado proto-história, que é descrito em documentos, mas são documentos ligeiramente posteriores ou documentos externos. O termo pré-história mostra, portanto, a importância da escrita para a civilização ocidental. Uma vez que não há documentos desse momento da evolução humana, seu estudo depende do trabalho de arqueólogos ou antropólogos, como por vezes de outros cientistas, que analisam restos humanos e utensílios preservados para determinar o que acontecia. Desta forma, o presente estudo se dará a partir da Idade Anti- ga, período em que se iniciou a escrita.
sorte. Acreditava-se nas forças sobrenaturais – que, por vezes, não passavam de fenômenos da natureza – razão pela qual, quando a punição era concretizada, imaginava o povo primitivo que pode- ria acalmar os deuses. Por outro lado, caso não houvesse sanção, acreditava-se que a ira dos deuses atingiria a todo o grupo. Após o período da reação social, ganha espaço o período da vingança privada. O corpo social cresce e começa a se dividir em grupos menores e secundários, e a idéia de vingança privada sur- ge quando a agressão a um membro do grupo por um membro de outro grupo gera reação vingativa por parte do grupo ofendido, porém, em uma forma de vingança coletiva^11. A punição era im- posta exclusivamente como vingança pelo próprio ofendido, sem que houvesse qualquer relação com a pessoa do criminoso ou com o crime cometido. Neste período, a Lei de Talião ganhou desta- que. Revela-se aqui o primeiro traço do princípio da proporciona- lidade^12 – ainda que em seu aspecto meramente formal – entre a pena e o crime, ao prescrever a máxima “olho por olho, dente por dente”^13. Havia vingança privada na origem das sociedades, que os particulares realizavam por um ato de guerra. O que foi ofendido pega em armas e declara guerra ao seu agressor. O duelo é a forma primitiva do Direito Penal; a idéia de sanção e de reprovação era completamente estranha. Com a o desenvolvimento dos grupos sociais e seu apego à religião, vem o período da vingança divina, quando as normas pos- suíam natureza religiosa e, portanto, o agressor deve ser castigado para aplacar a ira dos deuses e reconquistar a sua benevolência. A
(^11) CORRÊA Júnior, Alceu; SHECARIA, Sérgio Salomão. Op. cit. , p. 26. (^12) Segundo observa Guilherme de Souza Nucci, o princípio da proporcionalidade na apli- cação das penas surgiu, primeiramente, no Código da Dinastia Chon (1122 aC), embora definitivamente consagrado, nos meios jurídicos, a partir da obra “Dos delitos e das penas”. NUCCI, Guilherme de Souza. Op. cit. , p. 59. (^13) Na China, as penas variavam da pena de morte para o homicídio e da castração para o estupro até uma marca na testa para os delitos menores. Penas como o espancamento não eram estranhas. Na Índia, as penas de multa eram destinadas às pessoas hierarquicamente superiores, que ficaram eximidas das penas corporais. No Egito, a revelação de segredos era punida com a amputação da língua.
prova dos fatos era feita através das ordálias ou “prova de Deus”: se a pessoa andasse sobre o fogo e não tivesse queimaduras, seria inocente; do contrário, seria culpada. Por fim, se segue o período da vingança pública. A idéia de paz social começou, pouco a pouco, a progredir, e se consideraram as guerras privadas como obstáculos à paz pública. Então a coleti- vidade se interpôs para fazê-las cessar. Ademais, com a evolução das organizações sociais e o avanço e reforço da vida política, sur- giram comunidades maiores e com tendência de centralizar o po- der, passando a pena a representar uma reação desta coletividade, com o objetivo de autopreservação. Dessa concepção já se pode extrair a idéia de prevenção da pena, uma vez que a preservação antecede qualquer forma de agressão ao bem jurídico tutelado pena norma. Portanto, desde o início a pena surge em sua função muito mais do que individual. É uma reação social contra os elementos refratários às condições de vida coletiva; é a pena no interior do grupo, a pena interna, mas é uma defesa contra os inimigos do ex- terior a pena externa. Onde quer que exista um grupo organizado (família, clã ou tribo), encontramos estas duas formas de pena: a pena proteção, sob o aspecto exterior, e a pena expiação, sob o aspecto interior. Com efeito, talvez a característica mais marcante da Idade Antiga não seja o estudo dos períodos de fundamentação da pena, mas a sua forma de execução. A idéia de privação da liberdade como forma de punição era completamente estranha; a pena pos- suía uma função meramente acautelatória do corpo do sentencia- do para posterior aplicação da pena de morte.
1.2. Idade Média 1.2.1. Compreensão histórica do período A transição da Idade Antiga para a Idade Média é marcada por inúmeros acontecimentos históricos, especialmente no âmbito político: (193 d.C.) tem início a crise do terceiro século no Império Romano; (285 d.C.) Diocleciano salva o Império Romano do colap- so, dando a ele seu último fôlego; (313 d.C.) com o Édito de Milão,
1.2.2. Compreensão histórica, filosófica e teórica da pena neste período Neste período da história, o Direito Canônico exerceu gran- de influência, pois a Igreja adquiria cada vez mais poder e suas decisões eclesiásticas eram executadas por tribunais civis. A pena possuía um caráter precipuamente sacral, de base retribucionista, porém – e aqui o seu mérito^16 –, já com preocupações de correção do infrator, além de consolidar a punição pública como a única justa e correta. Vale destacar, ainda, que foi neste período, mais precisamente no século V, que produz-se o primeiro antecedente substituto da pena de morte: a Igreja, para punir clérigos faltosos, usava aplicar como penalidade a reclusão em celas ou a internação em mosteiros. Surge, então, a privação da liberdade como pena: a prisão eclesiástica, que tinha por finalidade fazer com que o recluso me- ditasse, refletisse e arrependesse da infração cometida. Cárcere como penitência e meditação, originando a palavra “penitenciá- ria”. Esta foi a grande contribuição deste período da história para a teoria da pena.
1.3. Idade Moderna ou Modernidade 1.3.1. Compreensão histórica do período O fim da Idade Média está relacionado a grandes transforma- ções, como a ascensão das monarquias nacionais européias; o iní- cio da recuperação demográfica e econômica após a peste negra; os descobrimentos marítimos; o movimento de redescoberta da cultura clássica, por volta do século XV; e a reforma protestante, a partir de 1517. Tradicionalmente aceita-se o início estabelecido pelos histo- riadores franceses, em 1453, quando ocorreu a tomada de Cons- tantinopla pelos Turcos otomanos, e o término com a Revolução Francesa, em 1789. Entretanto, apesar de a queda de Constanti- nopla ser o evento mais aceito, não é o único. Têm sido propostas
morte era certa. Para complicar ainda mais a situação, muitos atribuíam a doença a fatores compor- tamentais, ambientais ou religiosos. Muitos fugiam para o campo com medo de serem infectados. (^16) CORRÊA Júnior, Alceu; SHECARIA, Sérgio Salomão. Op. cit. , p. 31.
outras datas para o início deste período, como a conquista de Ceu- ta pelos portugueses em 1415, a viagem de Cristóvão Colombo ao continente americano em 1492, ou a viagem à Índia de Vasco da Gama em 1497. A noção de “Idade Moderna” tende a ser desvalori- zada pela historiografia marxista, que prolonga a Idade Média até o advento das Revoluções Liberais e o fim do regime senhorial na Europa, devido à ampla ação das Cruzadas, que expandiram o co- mércio na Europa. Algumas correntes historiográficas anglo-saxô- nicas preferem trabalhar com o conceito de “Tempos Modernos”, entendido como um período não acabado, introduzindo nele sub- divisões entre Early Modern Times (mais antiga) e Later Modern Times (mais recente), ou então procedem a uma divisão entre sociedades pré-industriais e sociedades industriais. A dificuldade da delimitação cronológica do período se deve, principalmente, às divergências de interpretação quanto à origem e evolução do sistema capitalista. Contudo, o período histórico, que vai do século XV ao XVIII, é genericamente percebido com um “período de transição”, sendo este que interessa à teoria da pena. Como resultado de inúmeras guerras religiosas, a pobreza se generaliza pela Europa, crescendo o número de desafortunados e, conseqüentemente, o número de delinqüentes. Este quadro social faz com que o Direito Penal passe a ser utilizado como instrumento de segregação social, com a uti- lização do trabalho forçado do condenado. A época moderna pode ser considerada exatamente como uma época de “revolução social”, cuja base consiste na substitui- ção do modo de produção feudal pelo modo de produção capitalis- ta. A partir do século XV o comércio cresceu extraordinariamente, fruto, naturalmente, de modificações ocorridas no interior das so- ciedades feudais européias (aumento da população, crescimento das cidades, desenvolvimento das manufaturas etc.).
1.3.2. Compreensão histórica, filosófica e teórica da pena neste período Durante a Idade Moderna, novamente o Direito Canônico exerceu grande influência. A pena desenvolve seus traços de resso-
Filangieri e Pagano (Itália), grandes pensadores iluministas e ela- boradores de princípios iluminados no projeto de uma sociedade baseada na razão, nascem as grandes idéias sobre a soberania da lei, sobre a defesa dos direitos subjetivos e sobre as garantias ne- cessárias no processo penal e sobre a oportunidade de racionalizar as penas numa relação o mais objetivo possível com a gravidade do delito e o dano infligido à sociedade. Inicia-se o período humanitário da pena e surge a Escola Clás- sica do Direito Penal que, com base na idéia de livre-arbírtro do ser humano, abandona o caráter cruel e irracional das penas para se aproximar da idéia racional e humanitária da pena, com base na proporcionalidade entre o crime e a respectiva sanção, uma vez que, conforme observa Antonio Moniz Sodré de Aragão, “o cri- minoso é penalmente responsável, porque tem a responsabilidade moral e é moralmente responsável porque possui livre-arbítrio. Este livre-arbítrio é que serve, portanto, de justificação da pena que se impõe aos delinqüentes como um castigo merecido, pela ação criminosa e livremente voluntária”^18 Decorrência do caráter humanitário da pena foi a sua con- traposição ao arbítrio e à prepotência dos juízes, com a idéia de que somente as leis poderiam fixar penas, não cabendo aos magis- trados interpretá-las, mas somente aplicá-las. Houve preocupação com a racionalização na aplicação das penas, combatendo-se o reinante arbítrio judiciário; a sociedade voltava-se contra o terro- rismo punitivo, uma vez que cada cidadão teria renunciado a uma porção de liberdade para delegar ao Estado a tarefa de punir, nos limites da necessária defesa social. Até então, a pena não possuía um caráter utilitário, e não se concebia a punição de um crime pela privação da liberdade; a custódia possuía a mera função de guardar o corpo do condenado para, posteriormente, sofrer a pena que, na maioria das vezes, era a de morte ou de multilações. A pobreza se generalizou, au- mentando o número de desafortunados e delinqüentes. Sob a óti- ca da política criminal, a morte passava a não ser a solução mais
(^19) NUCCI, Guilherme de Souza. Op. cit ., p. 66.
adequada, uma vez que não poderia ser aplicada a tanta gente^19. Por outro lado, já que se passava pelo período do desenvolvimen- to do sistema econômico do capitalismo, esses desafortunados e delinqüentes passaram a ser aproveitados como mão-de-obra gratuita, o que permitia, ainda, a manutenção do controle so- bre ela. A idéia de prisão como forma de privação da liberdade surge, na verdade, mais como uma ideologia do modo de produ- ção capitalista do que com o propósito humanitário e idealista de reabilitação do condenado; havia uma necessidade urgente e emergente de mão-de-obra e, também, de controlar essa massa delinqüente que acabara de surgir. Desta forma, a prisão surge em razão da necessidade do regime econômico capitalista em crescente desenvolvimento, e também como forma de controle social da classe que dominava tal regime, possuindo, na verdade, finalidade de controle social (da classe dominante, burguesa, so- bre a dominada, proletariado). Havia o aumento da pobreza e da mendicância causadas pelas mudanças socioeconômicas e pela ineficácia da pena de morte e, do outro lado, as razões econô- micas da classe burguesa em ascensão, que precisava ensinar o modo de produção capitalista e, ao mesmo tempo, controlar os trabalhadores, além de garantir mão-de-obra barata em épocas de pleno emprego e altos salários. Houve, ainda, uma crescente valorização da liberdade e destaque para o racionalismo, bem da vida mais importante e forma mais humana de pena. Ademais, havia a necessidade de ocultação do castigo para evitar a disse- minação do mal causado pelo delito. Todos estes fatores colabo- raram para a consolidação da prisão como pena. Todavia, como o crime passou a ser tratado como um ente jurídico e não como um simples fato do homem, a Escola Clássica, que definia a pena não somente como castigo, mas precipuamente como retribuição – o criminoso era ignorado, voltando-se a aten- ção para o crime, sendo a pena proporcional a este, e não àquele –, perde espaço para a Escola Positiva, que colocou o homem como
(^19) BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão, causas e alternativas. 2ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 15.
Conforme observa Antonio Moniz Sodré de Aragão, “a escola Antropológica baseia-se no método positivo. A observação rigorosa e exata dos fatos é a fonte única e o fundamento racional de suas conclusões indutivas. O assunto primordial dos seus estudos é a pessoa real e viva do delinqüente, e não a figura abstrata e jurídi- ca do crime”.^26 A Escola Positivista exerceu forte influência sobre o campo da individualização da pena – supera a idéia de proporcionalidade da Escola Clássica levando em consideração, por exemplo, a per- sonalidade e a conduta social do criminoso para o estabelecimento da justa sanção. Enquanto os clássicos olvidavam a necessidade de reeducação do condenado, os positivistas fechavam os olhos para a responsa- bilidade resultante do fato, ao fundar a punição no indeterminado conceito de periculosidade, e conferir poder ilimitado ao Estado, ao mesmo tempo em que não resolve o problema do delinqüente ocasional, portanto, não perigoso, pois “o assunto primordial dos seus estudos é a pessoa real e viva do delinqüente, e não a figura abstrata e jurídica do crime.”^27 Por fim, surgem as Escolas Criticas ou Ecléticas que também se desenvolvem sobre a idéia de que a pena funcionaria como uma forma de defesa social, mas diferenciam-se da Escola Positiva ou Antropológica, pois admitiam que os loucos sejam suscetíveis a mudanças bruscas nas atitudes, tendo em vista castigos ou recom- pensas.^28 Se, por um lado, a sociedade odeia os delinqüentes e vibra quando um é punido, por outro lado, os loucos deixaram de ser odiados como eram um século antes.^29 Agora, eles passam a ser considerados irresponsáveis, ao contrário do que pregavam os clássicos, que diziam serem todos responsáveis, por causa do livre-arbítrio. A loucura passa a ser concebida como uma moléstia como outra qualquer.^30 Portanto, o Direito Penal deve estudar o
(^26) NUCCI, Guilherme de Souza. Op. cit. , p. 67. (^27) ARAGÃO, Antionio Moniz Sodré. Op. cit. p. 43. (^28) Ibid ., p. 296. (^29) Ibid ., p. 297. (^30) Ibid ., p. 299.
criminoso como espírito e matéria, como pessoa humana, em face dos princípios éticos a que está sujeito e das regras jurídicas que imperam na vida social, e também ante as leis do mundo natural que lhe afetam a parte contigente e material. Durante o século XIX, especialmente após a Segunda Guer- ra Mundial, surgiram novos movimentos dogmáticos denominados Nova Defesa Social, que se afastam do positivismo e voltam a afir- mar o livre-arbítrio como fundamento da impunidade, demons- trando que o crime é expressão de uma personalidade única, im- possível de haver padronização. Têm por mérito reconhecer que a prisão é um mal necessário – uma vez que ainda não se formulou um substituto a ela – embora possua inúmeras conseqüências nega- tivas, devendo-se, todavia, abolir a pena de morte e descrimina- lizar certas conduta, como aquelas consideradas crimes de baga- tela, evitando-se o encarceramente indiscriminado. O ineditismo da Nova Defesa Social, ao formular a teoria da prevenção geral positiva, que é a sua única finalidade, concentra-se apenas em ne- gar os outros de seus aspectos, como a retribuição e a prevenção especial.
1. Traçadas as linhas gerais do estudo histórico, filosófi- co e teórico da pena proposta pela doutrina, observa-se a sua insuficiência para a compreensão pela sociedade contemporâ- nea. Insuficiente, pois além da grande limitação que promove no estudo da teoria da pena, ensejando o seu engessamento, mostra-se contraditória: enquanto se admite, na formulação his- tórica e filosófica, que a sociedade contemporânea experimenta o pós-positivismo, ainda que implicitamente, por dedução dos argumentos expostos, no plano teórico não há a preocupação de promover a sua adequação e compatibilização entre os planos filosófico e teórico; limita-se, por conseqüência, a uma análise extremamente positivista com o escopo, equivocadamente, de preservar a segurança juridica. 2. Embora não se neguem os méritos de cada construção, é necessário um aprofundamento teórico-filosófico para o fim de sua exata compreeensão e inteligência e superação da crise e insufici-