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A EVOLUÇÃO DO CONHECIMENTO E ACRIAÇÃO, Manuais, Projetos, Pesquisas de Fisioterapia

Hipertensão Arterial

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

Antes de 2010

Compartilhado em 12/11/2009

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Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 13 — No 1 — Janeiro/Fevereiro de 2003
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KRIEGER EM
A evolução do
conhecimento e a
criação das
Sociedades de
Hipertensão
INTRODUÇÃO
Neste artigo será feita uma breve síntese históri-
ca sobre a evolução da pesquisa e a criação de no-
vos conhecimentos em hipertensão, que, natural-
mente, motivaram os pesquisadores da área a se
organizar, formando as Sociedades de Hipertensão.
A EVOLUÇÃO DO CONHECIMENTO
Com a introdução, no início do século XX,
da medida da pressão arterial no homem pelo
método esfigmográfico, e a constatação de ser
freqüente a ocorrência de hipertensão, houve
grande interesse de produzir modelos de hiper-
tensão em animais de experimentação. A des-
coberta dos nervos depressores aórticos e ca-
rotídeos, que exercem ação tônica de inibição
sobre o simpático, suscitou inúmeros estudos
na década de 30, visando à provocação de hi-
pertensão neurogênica permanente no cão e no
coelho pela desnervação sinoaórtica. Consta-
tou-se, porém, que se era bem verdade que os
animais desnervados apresentavam picos de
hipertensão de grande intensidade, associados
A EVOLUÇÃO DO CONHECIMENTO E A
CRIAÇÃO DAS SOCIEDADES DE HIPERTENSÃO
EDUARDO M. KRIEGER
Unidade de Hipertensão — Instituto do Coração (InCor) — HC-FMUSP
Endereço para correspondência: Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 — CEP 05403-000 —
São Paulo — SP
Neste artigo é feita uma breve revisão sobre a evolução do conhecimento e a criação das Socieda-
des de Hipertensão.
Palavras-chave: hipertensão, Sociedades de Hipertensão.
(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo 2003;1:1-6)
RSCESP (72594)-1288
à maior labilidade da pressão arterial, a hiper-
tensão era bem tolerada, não acarretando gran-
des alterações nos órgãos-alvo, como ocorria
com a hipertensão no homem. O grande salto
aconteceu em 1934, quando Goldblatt e cola-
boradores(1) desenvolveram uma pinça para pro-
duzir compressão controlada da artéria renal de
cães, obtendo, pela primeira vez, hipertensão
renal crônica, revivendo o interesse pela renina
descrita por Tigerstedt e Bergman, no fim do
século XIX. O grupo argentino liderado por
Braun-Menendez(2) e o grupo norte-americano
liderado por Page(3), simultaneamente, descobri-
ram, em 1940, que a hipertensão produzida pela
renina, na verdade, era mediada pela formação
de angiotensina (inicialmente descrita como hi-
pertensina pelos argentinos e angiotonina pe-
los norte-americanos). Nas décadas seguintes,
o sistema renina-angiotensina foi estudado in-
tensamente, esclarecendo-se a cadeia de for-
mação da angiotensina II e das outras angio-
tensinas, o papel central da enzima conversora,
e as ações funcionais e tróficas exercidas pelo
sistema. Um marco importante foi a descoberta
dos inibidores da enzima conversora por Sergio
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Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 13 — No^ 1 — Janeiro/Fevereiro de 2003 1

KRIEGER EM A evolução do conhecimento e a criação das Sociedades de Hipertensão

INTRODUÇÃO

Neste artigo será feita uma breve síntese históri- ca sobre a evolução da pesquisa e a criação de no- vos conhecimentos em hipertensão, que, natural- mente, motivaram os pesquisadores da área a se organizar, formando as Sociedades de Hipertensão.

A EVOLUÇÃO DO CONHECIMENTO

Com a introdução, no início do século XX, da medida da pressão arterial no homem pelo método esfigmográfico, e a constatação de ser freqüente a ocorrência de hipertensão, houve grande interesse de produzir modelos de hiper- tensão em animais de experimentação. A des- coberta dos nervos depressores aórticos e ca- rotídeos, que exercem ação tônica de inibição sobre o simpático, suscitou inúmeros estudos na década de 30, visando à provocação de hi- pertensão neurogênica permanente no cão e no coelho pela desnervação sinoaórtica. Consta- tou-se, porém, que se era bem verdade que os animais desnervados apresentavam picos de hipertensão de grande intensidade, associados

A EVOLUÇÃO DO CONHECIMENTO E A

CRIAÇÃO DAS SOCIEDADES DE HIPERTENSÃO

EDUARDO M. KRIEGER

Unidade de Hipertensão — Instituto do Coração (InCor) — HC-FMUSP

Endereço para correspondência: Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 — CEP 05403-000 — São Paulo — SP

Neste artigo é feita uma breve revisão sobre a evolução do conhecimento e a criação das Socieda- des de Hipertensão.

Palavras-chave: hipertensão, Sociedades de Hipertensão.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo 2003;1:1-6) RSCESP (72594)-

à maior labilidade da pressão arterial, a hiper- tensão era bem tolerada, não acarretando gran- des alterações nos órgãos-alvo, como ocorria com a hipertensão no homem. O grande salto aconteceu em 1934, quando Goldblatt e cola- boradores(1)^ desenvolveram uma pinça para pro- duzir compressão controlada da artéria renal de cães, obtendo, pela primeira vez, hipertensão renal crônica, revivendo o interesse pela renina descrita por Tigerstedt e Bergman, no fim do século XIX. O grupo argentino liderado por Braun-Menendez(2)^ e o grupo norte-americano liderado por Page(3), simultaneamente, descobri- ram, em 1940, que a hipertensão produzida pela renina, na verdade, era mediada pela formação de angiotensina (inicialmente descrita como hi- pertensina pelos argentinos e angiotonina pe- los norte-americanos). Nas décadas seguintes, o sistema renina-angiotensina foi estudado in- tensamente, esclarecendo-se a cadeia de for- mação da angiotensina II e das outras angio- tensinas, o papel central da enzima conversora, e as ações funcionais e tróficas exercidas pelo sistema. Um marco importante foi a descoberta dos inibidores da enzima conversora por Sergio

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Ferreira(4-6), em Ribeirão Preto, na década de 60, naturalmente influenciada pela descoberta da bradicinina por Mauricio Rocha e Silva(7), em

  1. Nos últimos vinte anos, foi claramente estabelecida a existência do sistema renina-an- giotensina tecidual, que atua ao lado do clássi- co sistema endócrino dependente da renina re- nal, cuja importância fisiológica e fisiopatológi- ca não está totalmente elucidada. De grande importância foi o reconhecimento dos fatores endoteliais na regulação da pressão arterial, a partir da histórica descoberta de Furchgott(8), em 1980, sobre o fator de relaxamento endotelial identificado como óxido nítrico. Também impor- tante foi a descoberta do peptídeo natriurético atrial por De Bold(9), em 1981. Foi amplamente reconhecido que a elevação da pressão arterial na hipertensão primária é multifatorial, resultan- do do desequilíbrio entre os fatores pressores (simpático, sistema renina-angiotensina, endo- telina, vasopressina, etc.) e depressores (óxido nítrico, cininas, peptídeo natriurético atrial, etc.), cada um deles estudado intensamente quanto às ações vasoconstritoras ativas e quanto às alterações trófico-estruturais, que perpetuam a elevação da resistência periférica e da hipertro- fia cardíaca. Tanto os fatores pressores como os depressores envolvem uma cadeia de rea- ções na qual as proteínas desempenham papel fundamental, e cuja síntese está subordinada ao funcionamento dos respectivos genes. Uma verdadeira revolução está ocorrendo na pesqui- sa da hipertensão com a introdução das técni- cas que permitem a identificação e a manipula- ção dos genes que sintetizam as proteínas que integram os mecanismos de regulação da pres- são arterial. O mapeamento de genes candida- tos associados ao aparecimento e ao desenvol- vimento da hipertensão, a obtenção de animais de experimentação geneticamente modificados, o conhecimento do painel regulador da expres- são dos genes, a associação de marcadores genéticos com marcadores funcionais, entre outras, são ferramentas de grande poder e que estão avançando rapidamente nosso conheci- mento sobre os mecanismos responsáveis pela hipertensão, prevendo-se para breve melhoria na prevenção e tratamento da enfermidade de forma individualizada e racional(10, 11).

CRIAÇÃO DAS SOCIEDADES DE HIPERTENSÃO

“Council for High Blood Pressure Research” O grande marco nas reuniões que congre-

gam os que se dedicam à hipertensão ocorreu em 1949, com a criação do “Council for High Blood Pressure Research of the American He- art Association”. Essa sociedade funcionou du- rante décadas, realizando reuniões anuais na cidade de Cleveland, considerada a Meca da hi- pertensão graças à notável personalidade de Irving Page, que aí vivia, trabalhando na Cleve- land Clinic. Ainda hoje suas reuniões são consi- deradas como da mais alta qualidade no campo da hipertensão, cujos trabalhos são altamente selecionados (em pequeno número) e depois pu- blicados em um número especial do “Hyperten- sion”.

“International Society of Hypertension” (ISH) Depois de uma conferência em Paris, foi a reunião realizada em Oxford, em 1970, que re- almente iniciou as atividades da “International Society of Hypertension”. Essa sociedade, or- ganizada por Sir George Pickering, então dire- tor do Pembrocke College-Oxford, e por Irving Page, contou, ainda, com os grandes chefes de escola daquela época: C. Bartorelli (Itália), Sir Horace Smirk (Nova Zelândia), J. Genest (Ca- nadá), E. F. Gross (Alemanha). Foram apresen- tados 26 trabalhos nessa ocasião, o que é notá- vel, pois, no último congresso da “International Society of Hypertension” em Praga, em 2002, foram apresentados mais de 1.500 trabalhos, evidenciando o crescimento extraordinário da pesquisa na área da hipertensão nos últimos trin- ta anos. Como curiosidade, as Figuras 1 e 2 apresentam cópias do programa como ele foi impresso na época. A Figura 3 representa o es- quema de distribuição dos lugares aos partici- pantes dessa sociedade no refeitório do Pem- brocke College. Depois de Oxford, a “International Society of Hypertension” vem realizando reuniões regula- res a cada dois anos: Milão (1972), Milão (1974) e Sydney (1976) foram as três primeiras, e Ams- terdã (1998), Chicago (2000) e Praga (2002) as três últimas. Em 2004, a previsão é de que a reunião da “International Society of Hypertensi- on” ocorra em São Paulo, e que seja presidida pelo Dr. Artur Ribeiro.

“Inter-American Society of Hypertension” (IASH) Foi criada em Mendoza, Argentina, em 1974, no “Pan American Symposium on Vasoactive Peptides and Hypertension”, com a presença de 53 participantes (25 dos Estados Unidos, 19 da Argentina, 4 do Canadá, 3 do Chile e 2 do Bra-

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KRIEGER EM A evolução do conhecimento e a criação das Sociedades de Hipertensão

Figura 2. Cópia do progra- ma da reunião da “Inter- national Society of Hyper- tension”, realizada em Oxford, em 1970 (segun- da parte, 4 de setembro, sexta-feira).

de Brasileira de Cardiologia, da Sociedade Bra- sileira de Nefrologia e da Federação das Soci- edades de Biologia Experimental (FESBE), reu- niram-se inicialmente nas chamadas Jornadas Integradas de Hipertensão em 1983, 1985, 1987 e 1989, sem ainda constituírem uma nova soci- edade. Isso só ocorreu em 1990, depois de um relatório feito pelo Comitê de Organização indi- cado para constituir a nova sociedade: Oswal-

do Ramos (Nefrologia), Emilio Francischetti (Cardiologia) e Eduardo M. Krieger (FESBE). O primeiro congresso anual foi realizado em São Paulo, em 1991, e o último, em Porto Alegre, em 2002. O próximo está programado para a cidade de Natal, em 2003, esperando-se o com- parecimento de aproximadamente mil partici- pantes, que tem sido a média de assistência dos últimos congressos. A Sociedade Brasilei-

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KRIEGER EM A evolução do conhecimento e a criação das Sociedades de Hipertensão

Figura 3. “ Conference Dinner” durante a reu- nião da “International Society of Hypertensi- on”, realizada em Oxford, em 1970: es- quema de distribuição dos lugares aos parti- cipantes.

ra de Hipertensão, que funciona com sede permanente em São Paulo, tem como princi- pal característica a multidisciplinaridade, reu- nindo profissionais das mais variadas disci- plinas interessadas no estudo e no avanço da

hipertensão, principalmente da Cardiologia e da Nefrologia, e pesquisadores das áreas básicas (fisiologistas, farmacologistas, biolo- gistas moleculares, professores de educação física, etc.).

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BRANDÃO AP e cols. Epidemiologia da hipertensão arterial

INTRODUÇÃO

A importância da hipertensão arterial como um dos principais fatores de risco para o desen- volvimento da doença arterial coronariana, do acidente vascular encefálico, da insuficiência car- díaca, da insuficiência renal e da doença arteri- al periférica encontra-se, na atualidade, perfei- tamente estabelecida. O Estudo de Framingham classificou a hipertensão arterial como um dos fatores de risco de maior magnitude e, dessa maneira, essa condição responde por grande

EPIDEMIOLOGIA DA HIPERTENSÃO ARTERIAL

AY RTON PIRES BRANDÃO, ANDRÉA ARAÚJO BRANDÃO,

MARIA ELIANE CAMPOS MAGALHÃES, ROBERTO POZZAN

Setor de Hipertensão Arterial — Serviço de Cardiologia — Hospital Universitário Pedro Ernesto — Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Endereço para correspondência: Rua Abade Ramos, 107/101 — Jardim Botânico — CEP 22461-090 — Rio de Janeiro — RJ

A hipertensão arterial é altamente prevalente em praticamente todos os países. O VI Joint National Committee on Detection, Evaluation and Treatment of High Blood Pressure destaca que um dos maio- res desafios deste milênio será o de modificar essa realidade. Calcula-se que pelo menos 50 milhões de norte-americanos são hipertensos e estudos brasileiros têm mostrado prevalência entre 12% e 35% em diferentes regiões. Sabe-se que os indivíduos portadores de hipertensão arterial têm maior risco para desenvolver doença arterial coronariana, além de freqüentemente agregarem diversos fatores de risco cardiovas- cular. A associação entre a hipertensão arterial e o risco de doença cardiovascular é forte, contínua e está presente mesmo quando as cifras pressóricas ainda são consideradas normais. Nesse contexto, considerando-se que o ponto de corte de normalidade das cifras pressóricas é arbitrário, o valor nu- mérico da pressão arterial deve necessariamente ser contextualizado e individualizado, para permitir avaliar a real dimensão do problema. Estudos epidemiológicos e clínicos têm demonstrado que valores de pressão situados abaixo do ótimo (inferiores a 120/80 mmHg), mesmo em crianças e adultos jovens, já são capazes de se associ- ar a eventos cardiovasculares, notadamente em presença de fator de risco cardiovascular. Sabendo- se que quanto menor o ponto de corte admitido como normal maior é a expressão populacional do problema, políticas de saúde voltadas para a detecção e abordagem precoce desses indivíduos de- vem ser priorizadas, até que estudos clínicos bem conduzidos sejam realizados para avaliar o impacto dessas medidas na morbidade e na mortalidade cardiovascular.

Palavras-chave: hipertensão, epidemiologia, fatores de risco.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo 2003;1:7-19) RSCESP (72594)-

parte da morbidade e da mortalidade cardiovas- culares nos países industrializados(1).

CONCEITUAÇÃO DA HIPERTENSÃO

ARTERIAL E SUA CLASSIFICAÇÃO

A hipertensão arterial é modernamente en- tendida como uma doença inserida em um con- texto mais abrangente do que apenas aquele resultante da simples definição dos níveis pres- sóricos, hoje considerados por muitos como um critério intermediário dentro de um quadro mais

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BRANDÃO AP e cols. Epidemiologia da hipertensão arterial

amplo. Cifras pressóricas elevadas são reconhe- cidas como marcadores de risco cardiovascu- lar, porém, isoladamente, carecem de suficien- te sensibilidade e especificidade. Assim, o con- ceito mais atual da doença caracteriza-a como uma condição sistêmica que envolve a presen- ça de alterações estruturais das artérias e do miocárdio, associadas a disfunção endotelial e constrição e remodelamento da musculatura lisa vascular(1). Essas condições estão freqüente- mente relacionadas com a presença de fatores de risco (distúrbios metabólicos ligados à obe- sidade, ao diabete e às dislipidemias, entre ou- tros) e/ou de lesões em órgãos-alvo e devem ser levadas em conta na estratificação do risco individual tendo em vista a decisão terapêuti- ca(2). Nesse cenário, a elevação da pressão ar- terial é muito freqüente, porém seu valor numé- rico deve ser contextualizado. As diretrizes definem a hipertensão arterial em adultos, quando a pressão arterial sistólica se encontra em níveis iguais ou acima de 140 mmHg e/ou quando a pressão arterial diastóli- ca for igual ou maior que 90 mmHg em duas ou mais ocasiões, na ausência de uso de medica- ção anti-hipertensiva. Pressão arterial normal é definida como valores inferiores a 130/85 mmHg e ótima quando for igual ou inferior a 120/ mmHg(2, 3)^ (Tab. 1).

O CONHECIMENTO ACUMULADO SOBRE A EPIDEMIOLOGIA DA HIPERTENSÃO ARTERIAL

Dados internacionais indicam grande varia- ção geográfica na prevalência da hipertensão arterial. A Organização Mundial da Saúde pro- moveu uma pesquisa de grande alcance (“MO- NICA Communities Study”), que coletou dados

de 36 países e mostrou que, em adultos com idades variando entre 35 e 64 anos, a prevalên- cia de hipertensão em indivíduos do sexo mas- culino e feminino, respectivamente, variou de 6,3% e 3,6% na Espanha a 42,4% e 34,5% na Finlândia(4). Doze dessas comunidades apresen- tavam taxas de prevalência de hipertensão ar- terial maiores que 30% para o sexo masculino, enquanto para o sexo feminino apenas quatro comunidades demonstraram esses mesmos por- centuais, reforçando os achados de que, em relação ao sexo, as pressões são mais eleva- das nos homens até os 45 anos e que, após essa idade, o número de mulheres hipertensas é maior. Recentemente, esse dado também foi ressaltado pelo “2002 Heart and Stroke Statisti- cal Update” da American Heart Association(5). A hipertensão pode ser de três tipos: hiper- tensão sistólica isolada, hipertensão predomi- nantemente diastólica e hipertensão combina- da, sistólica e diastólica. Em geral a pressão di- astólica aumenta com a idade até a sexta déca- da de vida e depois começa a declinar, enquan- to a sistólica continua a aumentar com a idade, tornando-se a hipertensão sistólica isolada a for- ma mais comum de hipertensão após os 60 anos(6). Quanto à raça, o impacto da hipertensão ar- terial não é uniforme. Os negros têm as maiores cifras pressóricas, possivelmente relacionadas a maior ingesta de sal, quando comparados en- tre si e com outras raças, sendo essa prevalên- cia 1,77 maior que nos brancos(6, 7). Significativa variação na prevalência da hipertensão arterial tem sido encontrada em populações de diferen- tes etnias; também tem sido observado que al- gumas delas estão mais expostas às complica- ções da hipertensão arterial do que outras, por razões não totalmente esclarecidas. A contribui-

Tabela 1. Classificação da pressão arterial (> 18 anos).

Pressão sistólica Pressão diastólica Classificação (mmHg) (mmHg)

Ótima < 120 < 80 Normal < 130 < 85 Normal-alta 130-139 85- Hipertensão arterial Estágio I (leve) 140-159 90- Estágio II (moderada) 160-179 100- Estágio III (grave) > 180 > 110 Hipertensão sistólica Isolada > 140 < 90

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BRANDÃO AP e cols. Epidemiologia da hipertensão arterial

tras populacionais brasileiras foram os de Achutti e colaboradores(21), no final da década de 70, na cidade de Porto Alegre, Costa(22), no Rio Gran- de do Sul, em 1983, Ribeiro e colaboradores(23), em São Paulo, em 1981, e Klein e colaborado- res(24), na cidade de Volta Redonda, no Rio de Janeiro, em 1980. Esses estudos traduziam o início do interesse nacional pelo assunto, porém apenas o primeiro deles foi desenvolvido com os cuidados metodológicos necessários para a obtenção de uma amostra representativa da população. Nesse estudo, os autores demons- traram prevalência de hipertensão arterial no Estado do Rio Grande do Sul de 11,58%, to- mando-se como base o critério de pressão ar- terial maior ou igual a 160/95 mmHg. Também foi registrado que a região metropolitana de Porto Alegre apresentava maior prevalência da doen- ça que a área rural do interior do Estado. Os mesmos autores, em 1987,(21)^ realizaram novo estudo de base populacional apenas na cidade de Porto Alegre, utilizando os mesmos critérios diagnósticos para hipertensão arterial, e obser- varam que a prevalência da doença nos homens foi de 4,2% na faixa de 20 a 24 anos e de 33,3% entre 55 e 59 anos, e de 0,0% a 29,8%, respec- tivamente, em mulheres nas mesmas faixas etá- rias. Nesse mesmo estudo, quando considera- do o ponto de corte de pressão arterial maior ou igual a 140/90 mmHg, as prevalências ob- servadas cresceram significativamente. Assim, para a faixa etária de 20 a 24 anos, a prevalên- cia aumentou mais de 15 pontos porcentuais nos homens, alcançando 20,9%, enquanto nas mu- lheres passou para 3,7%. Por sua vez, na faixa etária compreendida entre 55 e 59 anos, as pre- valências atingiram 58,3% nos homens e 57,5% nas mulheres. Na década de 90, ainda na cidade de Porto Alegre, Fuchs e colaboradores(16)^ realizaram outro importante estudo de base populacional e encontraram prevalência de hipertensão arteri- al de 19,2% quando utilizado o critério 160/ mmHg acrescentados àqueles com pressão ar- terial normal em uso de anti-hipertensivos e de 29,8% com o critério 140/90 mmHg acrescenta- dos àqueles normotensos em uso de medica- mentos. O mesmo grupo, em outro estudo de base populacional realizado mais recentemen- te na mesma cidade(25), registrou prevalências bem maiores. Foi observado que 24% e 35% da amostra avaliada era hipertensa ou estava com as cifras pressóricas controladas com o uso de medicamentos, para o ponto de corte de 160/ mmHg e 140/90 mmHg, respectivamente, suge-

rindo aumento da prevalência da doença nessa cidade. Outros autores também estudaram as pre- valências da hipertensão arterial em diferentes cidades brasileiras. Na cidade de Araraquara, no interior de São Paulo, no final dos anos 80, Lolio(15)^ observou que 32% dos homens e 25,3% das mulheres apresentavam pressão arterial maior ou igual a 160/95 mmHg. Em outro estu- do também de base populacional realizado pra- ticamente na mesma época, na cidade de Co- tia, na Grande São Paulo, Martins e colabora- dores(17)^ encontraram prevalências elevadas de hipertensão arterial. Assim, 33,4% dos homens e 29,8% das mulheres apresentavam pressão arterial maior ou igual a 160/95 mmHg, enquan- to 47,9% dos homens e 41,0% das mulheres tinham pressão arterial maior ou igual a 140/ mmHg. Na Ilha do Governador, na cidade do Rio de Janeiro, em estudo de base populacional para essa região administrativa, Bloch e colaborado- res(19)^ descreveram prevalência global de hiper- tensão arterial de 24,9% (pressão arterial mai- or ou igual a 160/95 mmHg ou medicação anti- hipertensiva em uso). Uma série de 2.264 casos foi avaliada na ci- dade do Rio de Janeiro, compreendendo indiví- duos cujas idades variavam de 4 a 93 anos(26). Nessa amostra populacional, 37,9% eram hiper- tensos, utilizando-se 140/90 mmHg como ponto de corte para adultos e o percentil 95 para ida- de e sexo nas crianças e adolescentes. Nesse estudo, também foi observado que os indivídu- os do sexo masculino nas faixas etárias de 11 a 20 anos e de 21 a 30 anos apresentavam pre- valências muito altas da doença, ou seja, 15,0% e 27,0%, respectivamente, quando comparados com as mulheres, cujas prevalências para as mesmas faixas etárias foram de 9,2% e 10,6%. Utilizando o mesmo ponto de corte empregado nesse estudo, Achutti e colaboradores(20)^ tam- bém registraram elevada prevalência de hiper- tensão arterial em homens em faixas etárias mais jovens, porém com porcentuais menores, de forma semelhante aos achados de Lolio na cidade de Araraquara(15).

IMPACTO SOCIOECONÔMICO DA

HIPERTENSÃO ARTERIAL

As doenças cardiovasculares representam um importante problema de saúde pública tanto na esfera nacional como mundial. Há pelo me- nos mais de 30 anos, as doenças cardiovascu- lares são a primeira causa de morte no Brasil,

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BRANDÃO AP e cols. Epidemiologia da hipertensão arterial

de acordo com os registros oficiais (Sistema de Informação sobre Mortalidade — SIM). Dados norte-americanos indicam que a do- ença hipertensiva ocupa o terceiro lugar em gastos diretos e indiretos relacionados a seu tra- tamento, controle e suporte previdenciário. Se- gundo a American Heart Association(5), foram gastos, em 2002, US$ 34,4 bilhões com os cus- tos diretos da doença, envolvendo internações hospitalares, honorários médicos, medicamen- tos e atenção domiciliar. Também segundo esse mesmo anuário, US$ 12,8 bilhões foram gastos para a cobertura securitária relativa a perda de produtividade conseqüente a morbidade e mor- talidade da hipertensão arterial. No ano de 2000, no Brasil, as doenças car- diovasculares corresponderam a mais de 27% do total de óbitos e foram responsáveis por 15,2% das internações realizadas no SUS em indivíduos na faixa etária de 30 a 69 anos. Do total de casos (693.839), 17,7% foram relacio- nados ao acidente vascular encefálico e ao in- farto agudo do miocárdio, doenças de grande importância epidemiológica e que têm a hiper- tensão arterial como um de seus principais fa- tores de risco. Não existem dados brasileiros consolidados em relação ao montante de recursos envolvidos no tratamento, controle e suporte previdenciá- rio da doença. Segundo o Sistema de Informa- ção Hospitalar (SIH/SUS), foram gastos R$ 17 milhões em internações por hipertensão arteri- al no ano de 2000. Esses números, entretanto, não refletem a real magnitude do problema, uma vez que não contemplam as internações por outras causas cardiovasculares, em que a hi- pertensão arterial atuaria como coadjuvante. Ainda segundo os dados do Instituto Nacio- nal de Seguridade Social, a hipertensão arterial e a doença hipertensiva ocuparam o segundo e o quarto lugares, respectivamente, de exames médico-periciais que geraram afastamento tem- porário ou definitivo do trabalho.

A EPIDEMIOLOGIA DA

HIPERTENSÃO ARTERIAL NO IDOSO

O século XX foi marcado pelo extraordinário crescimento mundial da população de idosos. Além disso, a própria população idosa está se tornando mais idosa, especialmente nos países desenvolvidos, surgindo daí grande número de indivíduos que ultrapassam os 80 anos e que são chamados de muito idosos. As projeções da Organização Mundial da Saúde apontam

para um crescimento ainda maior dessa popu- lação já na primeira metade deste século, com evidentes efeitos sobre as estruturas sociais, econômicas e dos sistemas de saúde de todos os países(2). A classificação dos indivíduos em idosos é feita de maneira arbitrária. A Organização Mun- dial da Saúde utiliza 65 anos como critério, o que é seguido pelos países desenvolvidos. En- tretanto, no Brasil, esse limite ainda permanece em 60 anos. Embora a proporção de idosos em países em desenvolvimento seja menor, o nú- mero absoluto pode ser maior que nos países desenvolvidos, principalmente se o ponto de corte for 60 anos de idade e forem muito popu- losos. A China, por exemplo, com 5,5% de indi- víduos com mais de 65 anos, teria, aproximada- mente, 70 milhões de idosos, enquanto a Sué- cia, com 18%, teria cerca de 1,6 milhão. Estima- tivas projetadas para os próximos 25 anos de- monstram que o número de idosos com mais de 65 anos deverá crescer cerca de 60% para os países da Europa e nos Estados Unidos e do- brar em países da América Latina e Ásia(2). No Brasil, de acordo com o último censo, a população é de 169 milhões de indivíduos, dos quais cerca de 9,0% têm idade igual ou superi- or a 60 anos, sendo que o estado do Rio de Janeiro é o líder com 12% da sua população. O Ministério da Saúde projeta, para 2025, uma população de mais de 30 milhões de idosos bra- sileiros, o que poderá situar o país, em números absolutos, como a sexta maior população mun- dial dessa faixa etária. Esses números assus- tam, já que medidas sociais e econômicas de- verão ser desenvolvidas para lidar com esse pro- blema. A hipertensão arterial é uma doença alta- mente prevalente em indivíduos idosos, tornan- do-se fator determinante na elevada morbidade e mortalidade dessa população. Nos Estados Unidos, de acordo com os dados do NHANES III, a prevalência de hipertensão arterial, defini- da como pressão arterial sistólica maior ou igual a 140 mmHg e/ou pressão arterial diastólica menor ou igual a 90 mmHg, foi de 60% entre os brancos e de 71% entre os negros, em pessoas com mais de 60 anos de idade(27). Importante ainda é que somente cerca de 50% desses pa- cientes estavam tendo alguma forma de trata- mento, e, ainda mais, dos que estavam rece- bendo tratamento medicamentoso só a metade tinha controle adequado da pressão arterial(28). A hipertensão arterial, presente em mais de 60% dos idosos, encontra-se freqüentemente

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de outros fatores de risco cardiovascular ao lon- go do tempo, avaliar a agregação familiar dos di- ferentes fatores de risco cardiovascular e estudar geneticamente esses núcleos familiares(36-40). A maioria dos estudos em populações jovens enfatiza a participação do desenvolvimento físi- co no determinismo dos níveis pressóricos. O peso e o índice de massa corpórea são as vari- áveis que apresentam mais forte correlação com a pressão arterial nessa faixa etária, notadamen- te com a pressão arterial sistólica(30, 33-37, 40). Vári- os outros fatores também têm sido relaciona- dos à pressão arterial nessa faixa etária: sexo, raça, história familiar e fatores dietéticos. Prova- velmente, ocorre interação entre esses diversos fatores, influenciada por fatores genéticos e

Tabela 3. Percentil 95 de pressão arterial, de acordo com o percentil de altura, por faixa etária e sexo (Second Task Force).

Percentil de altura

Idade Masculino Feminino (anos) 5 25 75 95 5 25 75 95

PAS/PAD 3 104/63 107/64 111/66 113/67 104/65 105/65 108/67 110/ 6 109/72 112/73 115/80 117/76 108/71 110/72 112/73 114/ 10 114/77 117/79 121/80 123/82 116/77 117/77 120/79 122/ 13 121/79 124/81 128/83 130/84 121/80 123/81 126/82 128/ 16 129/83 132/84 136/86 138/87 125/83 127/83 130/85 132/

PAS = pressão arterial sistólica; PAD = pressão arterial diastólica.

Tabela 2. Percentil 95 da pressão arterial segundo a idade.

Second Task Force Estudo do Rio de Janeiro

Idade Masculino e feminino Masculino Feminino

< 2 anos 112/74 mmHg 3-5 anos 116/76 mmHg 6 anos 122/78 mmHg 126/84 mmHg 132/86 mmHg 7 anos 122/78 mmHg 134/86 mmHg 134/86 mmHg 8 anos 122/78 mmHg 132/86 mmHg 136/90 mmHg 9 anos 122/78 mmHg 134/88 mmHg 140/90 mmHg 10 anos 126/82 mmHg 116/69 mmHg 118/69 mmHg 11 anos 126/82 mmHg 122/75 mmHg 121/71 mmHg 12 anos 126/82 mmHg 124/70 mmHg 130/78 mmHg 13 anos 136/86 mmHg 130/70 mmHg 118/69 mmHg 14 anos 136/86 mmHg 135/74 mmHg 129/81 mmHg 15 anos 136/86 mmHg 134/77 mmHg 129/81 mmHg 16-18 anos 142/92 mmHg

ambientais, que determinarão o comportamen- to da pressão arterial naquele indivíduo(32, 34). Especial atenção deve ser dada à forte correla- ção entre a pressão arterial de pais e filhos, notadamente entre mães e filhos(39), e esse dado se magnifica em presença de obesidade. Assim, pais com hipertensão arterial determinam mai- or risco para que seus filhos também desenvol- vam hipertensão arterial, o que justifica uma abordagem preventiva mais cuidadosa dessas famílias(30, 39). O estudo do Bogalusa demonstrou a presen- ça de lesões ateroscleróticas em artérias coro- nárias e aorta de jovens mortos por causas ex- ternas. Os fatores de risco presentes “antemor- tem”, tais como elevações do índice de massa

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corpórea, da pressão arterial sistólica, do co- lesterol de lipoproteína de baixa densidade (LDL- colesterol) e dos triglicerídeos, e a presença de tabagismo correlacionaram-se positivamente com as lesões ateroscleróticas, e sua extensão era maior nos jovens com múltiplos fatores de risco(41). Mais recentemente, o estudo de Mus- catine demonstrou a relação entre pressão ar- terial e presença de calcificações nas artérias coronárias em adultos jovens(30). Vários estudos longitudinais têm buscado co- nhecer melhor o comportamento da pressão ar- terial e dos fatores de risco cardiovascular desde idades jovens e sua relação com eventos cardio- vasculares no futuro, com finalidade preventiva. O Estudo do Rio de Janeiro avaliou uma amostra de 385 jovens em duas ocasiões: em suas escolas, em 1987-88, com média de idade de 12,7 anos, e, posteriormente, em ambiente hospitalar, nos anos de 1996-99, com média de idade de 21,9 anos. Os grupos com maior pres- são arterial e maior índice de massa corpórea na escola apresentaram maiores pressão arte- rial, índice de massa corpórea, colesterol total, LDL-colesterol, triglicerídeos e insulina, e me- nor colesterol de lipoproteína de alta densidade (HDL-colesterol), após 10 anos, além de maior agregação de fatores de risco. Os indivíduos que permaneceram hipertensos ao longo do perío- do observado também apresentaram maior mas- sa ventricular esquerda. A presença de hiper- tensão arterial na escola determinou risco rela- tivo de 2,5815 e de 1,7449 de desenvolver hi- pertensão arterial e sobrepeso/obesidade, res- pectivamente, após 10 anos. Os riscos relativos atribuídos à presença de sobrepeso/obesidade na escola foram de 2,9349 para hipertensão ar- terial, de 13,6811 para sobrepeso/obesidade e de 3,7549 para hiperinsulinemia, 10 anos de- pois(40). Estudos têm investigado a relação entre a pressão arterial obtida na idade jovem e os even- tos cardiovasculares observados 25 a 30 anos depois. McCarron e colaboradores(42)^ estudaram 11.755 estudantes da Universidade de Glasgow, entre 1948 e 1968. A média de idade era de 20, anos e a média de pressão arterial, 131,0/77, mmHg. Após 30 anos, para cada 10 mmHg de aumento da pressão arterial sistólica, houve aumento do risco de mortalidade por doença cardiovascular (“hazard ratio”, 1,14; p = 0,002) e por doença coronariana (“hazard ratio”, 1,15; p = 0,005). Para cada aumento de 10 mmHg da pressão arterial diastólica, foi verificado aumento do risco de mortalidade por acidente vascular

encefálico (“hazard ratio”, 1,33; p = 0,041). Esse estudo ressalta a relação entre a maior pressão arterial em idade jovem e a ocorrência de even- tos cardiovasculares fatais em população essen- cialmente normotensa. Estudo mais recentemente publicado(43), en- volvendo 10.874 homens entre 18 e 39 anos de Chicago, Estados Unidos, avaliou a relação en- tre a pressão arterial basal e a mortalidade to- tal, cardiovascular e coronariana, em 25 anos. Para cada aumento de 15 mmHg da pressão arterial sistólica e 10 mmHg para pressão arte- rial diastólica, as taxas de risco para doença coronariana foram de 1,26 (IC 1,11-1,44) e 1, (IC 1,01-1,35), respectivamente. Comparados ao grupo com pressão arterial normal, os indivídu- os com pressão arterial na faixa normal alta e aqueles com hipertensão arterial no estágio 1 teriam uma estimativa de redução da expectati- va de vida em 2,2 e 4,1 anos, respectivamente. Nessa mesma direção, Vasan e colaborado- res(44)^ investigaram a associação entre a pres- são arterial na faixa normal alta (pressão arteri- al sistólica entre 130 mmHg e 139 mmHg e/ou pressão arterial diastólica entre 85 mmHg e 89 mmHg) e a incidência de doença cardiovascu- lar em 10 anos, em 6.859 indivíduos entre 35 e 90 anos de idade, do Estudo de Framingham. Os indivíduos com pressão arterial normal alta apresentaram maior taxa de risco para doença cardiovascular, ajustada para outros fatores de risco: 2,5 (IC 1,6-4,1) para mulheres e 1,6 (IC 1,1-2,2) para homens, comparados aos com pressão arterial na faixa normal ótima. Os auto- res concluíram que a pressão arterial normal alta se associa a maior risco de doença cardiovas- cular, enfatizando a necessidade de mais estu- dos para determinar se a redução da pressão arterial normal alta diminuiria o risco de doença cardiovascular. Vale ressaltar que os valores de pressão arterial normal alta são freqüentemen- te observados em adolescentes e adultos jovens, o que dá magnitude ao problema. Esses achados confirmam que, mesmo em indivíduos jovens, alterações iniciais da pressão arterial, associadas freqüentemente à presen- ça de outros fatores de risco cardiovascular, podem ser identificadas e são preditoras de eventos cardiovasculares no futuro, justificando a adoção de medidas preventivas. A demons- tração de aterosclerose desde a infância, aliada ao maior conhecimento sobre os fatores de ris- co cardiovascular nessa faixa etária, têm possi- bilitado a proposta de programas mais racionais de prevenção primária, que objetivam prevenir

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nos ensaios clínicos e não são alvo, usualmen- te, de cuidados preventivos ou de tratamento medicamentoso. Conseqüentemente, não está estabelecido se ações de saúde direcionadas para esses grupos poderiam ou não modificar as taxas de morbidade e de mortalidade cardio- vascular tão elevadas nos dias de hoje. Não se discute mais que a hipertensão arte- rial em si, ou associada com outros fatores de risco cardiovascular, esteja relacionada direta- mente com a enorme e crescente morbidade e mortalidade cardiovascular dos últimos anos. A questão que se impõe é: o aumento da pressão arterial tem valor absoluto no determinismo des- se processo ou sua importância é relativa quan- do inserida no cenário que contemple outros fa- tores de risco, tais como a dislipidemia, o taba- gismo e outros? Algumas respostas a essa per- gunta foram relatadas pelo “Comparative Risk Assessment Collaborating Group to the World Health Report 2002”(46). Movendo o ponto de corte da pressão arterial sistólica para 115 mmHg, portanto abaixo da pressão sistólica de 120 mmHg considerada hoje como ótima, foram observados 7,1 milhões de mortes/ano, atribuí- das a esse nível de pressão arterial, distribuí- das de forma semelhante pelas regiões desen- volvidas (como, por exemplo, Estados Unidos e Europa Ocidental), em desenvolvimento com baixa mortalidade (como, por exemplo, China) e em desenvolvimento com alta mortalidade (como, por exemplo, Índia). Ao mesmo tempo,

esse nível de pressão foi responsabilizado por 62% de todos os acidentes vasculares cerebrais e por 49% de todos os casos de doença isquê- mica do coração, e sua contribuição para esses eventos foi semelhante à do tabagismo, porém foi 50% maior quando comparado com os ní- veis de colesterol superiores a 200 mg/dl. A maior parte da população envolvida tinha idade entre 30 e 69 anos de idade. A principal mensagem desse estudo foi que a pressão arterial sistólica abaixo de 120 mmHg relacionou-se a uma proporção de eventos car- diovasculares maior que a hipertensão arterial usualmente definida. Esse fato reflete a relação contínua de risco entre pressão arterial e even- tos cardiovasculares, além da constatação de que grande parte da população se situa nessa faixa de pressão arterial. Deve ser ressaltado, também, que a distribuição foi igual por todas as regiões estudadas, não importando o nível socioeconômico, o que aumenta sobremodo o impacto do problema. Esses dados nos remetem à necessidade cada vez maior de políticas de saúde de início precoce, contínuas, voltadas para a promoção de saúde e para a prevenção primária, específi- cas para as doenças cardiovasculares. A dis- cussão que vem crescendo é se devemos con- siderar o uso de medicamentos para esses ní- veis de pressão, particularmente quando hou- ver associação com outros fatores de risco e história familiar para doenças cardiovasculares.

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EPIDEMIOLOGY OF HYPERTENSION

AY RTON PIRES BRANDÃO, ANDRÉA ARAÚJO BRANDÃO,

MARIA ELIANE CAMPOS MAGALHÃES, ROBERTO POZZAN

Hypertension is one of the most prevalent diseases in several countries. The VI Joint National Com- mittee on Detection, Evaluation and Treatment of High Blood Pressure has pointed out that one of the biggest challenges of the millennium is to change this reality. It’s assumed that at least 50 million North Americans are hypertensive. Brazilian studies have shown a prevalence from 12% to 35% among different regions. Hypertensive individuals also frequently aggregate several risk factors and are in great risk to develop cardiovascular disease. The association of hypertension and cardiovascular dise- ase is strong, continuous, and also seems to be present even when blood pressure levels are conside- red normal. Accumulating evidence is beginning to suggest that cardiovascular benefit is achieved with blood pressure lower than regular levels. Considering that normal blood pressure levels are arbitrary, arterial blood pressure levels should necessarily be brought into this context and individualized in order to allow the evaluation of the real dimension of the problem. Clinical and epidemiological studies have demonstrated that blood pressure levels below normal (lower than 120/80 mmHg) even among children and young adults can be associated to cardiovascular events especially in presence of cardiovascular risk factors. On the other hand, the lower the blood pressure cut-off point, the bigger is the expression of the problem on the population. Healthcare politics based on early detection of these individuals should be emphasized until clinical trials be carried out in order to evaluate their real impact on the cardiovascular morbidity and mortality.

Key words: hypertension, epidemiology, risk factors.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo 2003;1:7-19) RSCESP (72594)-

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INTRODUÇÃO

A perfusão tecidual adequada é garantida pela manutenção da força motriz da circulação, a pressão sanguínea, em níveis adequados e razoavelmente constantes, esteja o indivíduo em repouso ou desenvolvendo diferentes atividades. Modificações importantes de fluxo ocorrem em diferentes quadros comportamentais assumidos

FISIOPATOLOGIA DA HIPERTENSÃO:

O QUE AVANÇAMOS?

MARIA CLÁUDIA IRIGOYEN, SILVIA LACCHINI,

KÁTIA DE ANGELIS , LISETE COMPAGNO MICHELINI

Laboratório de Hipertensão Experimental — Unidade de Hipertensão — Instituto do Coração (InCor) — HC-FMUSP Laboratório de Genética e Cardiologia Molecular — Instituto do Coração (InCor) — HC-FMUSP Laboratório de Cardiovascular — UNIPESQ — Universidade de Santo Amaro Departamento de Fisiologia — Faculdade de Medicina da Santa Casa de São Paulo Departamento de Fisiologia e Biofísica — Instituto de Ciências Biomédicas — USP

Endereço para correspondência: Laboratório de Hipertensão Experimental/Unidade de Hipertensão — InCor/HC-FMUSP — Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 — CEP 05403-001 — São Paulo — SP

A hipertensão arterial é uma doença poligênica, que resulta de anormalidades dos mecanismos de controle da pressão arterial. Grande número de substâncias biologicamente ativas pode interagir com diferentes sistemas fisiológicos de maneira complexa e com redundância para garantir a homeostasia cardiovascular. Nesta revisão é descrito o papel do sistema nervoso simpático na gênese e na manu- tenção da hipertensão e o papel dos pressorreceptores e quimiorreceptores arteriais e os receptores cardiopulmonares no controle da pressão arterial pela modulação da atividade simpática. Influências hormonais, como o sistema renina-angiotensina, e outros peptídeos vasoativos, como as cininas e a vasopressina, são também considerados. Além disso, destacam-se influência de substâncias vasodi- latadoras e vasoconstritoras derivadas do endotélio e a disfunção endotelial na hipertensão, bem como as modificações associadas a outros fatores, como o conteúdo de sal na dieta, a obesidade e a inatividade física. Finalmente, com o advento das técnicas de biologia molecular e as abordagens da genética molecular, discute-se a possibilidade de se estabelecer estratégias para estudar e identificar os determinantes genéticos da hipertensão essencial. Além disso, comenta-se a abertura de novas oportunidades no estudo da fisiologia em que um novo campo, a genômica fisiológica, pode ser aplica- do no entendimento da genética da hipertensão e das doenças cardiovasculares.

Palavras-chave: hipertensão, fisiopatologia, reflexos cardiovasculares, peptídeos vasoativos, genô- mica fisiológica.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo 2003;1:20-45) RSCESP (72594)-

pelo indivíduo nas 24 horas; essas modificações, no entanto, não causam grandes alterações dos níveis pressóricos, pela interação de complexos mecanismos que mantêm a pressão dentro de uma faixa relativamente estreita de variação. A pressão, definida como força/unidade de área, é uma entidade física. A pressão arterial, portanto, depende de fatores físicos, como vo- lume sanguíneo e capacitância da circulação,