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A teoria social cognitiva adota a perspectiva da agência para o autodesenvolvimento, a adaptação e a mudança (Bandura, 2001). Ser agente significa influenciar o ...
Tipologia: Notas de aula
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Albert Bandura
Este capítulo documenta a evolução da teoria social cognitiva. Antes de traçarmos essa odisséia teórica, será descrito brevemente o princípio básico que fundamenta a teoria. A teoria social cognitiva adota a perspectiva da agência para o autodesenvolvimento, a adaptação e a mudança (Bandura, 2001). Ser agente significa influenciar o próprio funcionamento e as circunstâncias de vida de modo intencional. Segundo essa visão, as pessoas são auto-organiza- das, proativas, auto-reguladas e auto-reflexivas, contribuindo para as circuns- tâncias de suas vidas, não sendo apenas produtos dessas condições.
A agência humana possui diversas características fundamentais. A pri- meira delas é a intencionalidade. As pessoas formam intenções que incluem planos e estratégias de ação para realizá-las. A segunda característica envolve a extensão temporal da agência por meio da antecipação. Isso envolve mais do que fazer planos direcionados para o futuro. As pessoas criam objetivos para si mesmas e prevêem os resultados prováveis de atos prospectivos para guiar e motivar seus esforços antecipadamente. O futuro não pode ser a causa do com- portamento atual, pois não tem existência material. Porém, por serem repre- sentados cognitivamente no presente, os futuros imaginados servem como guias e motivadores atuais do comportamento. Os agentes não são apenas planejadores e prognosticadores, mas também são auto-reguladores, pois adotam padrões pessoais, monitorando e regulan- do seus atos por meio de influências auto-reativas. Fazem coisas que lhes tra- zem satisfação e um sentido de amor-próprio, abstendo-se de atos que levem à autocensura. As pessoas não são apenas agentes da ação. Elas são auto-investi- gadoras do próprio funcionamento. Por intermédio da autoconsciência funcio-
*Publicado originalmente em: Bandura, A. The evolution of social cognitive theory. In: Smith,
K.G.; Hitt, M.A. Great minds in management. Oxford University Press, 2005. p. 9-35.
nal, refletem sobre sua eficácia pessoal, a integridade de seus pensamentos e atos, o significado de suas buscas, fazendo ajustes quando necessários. O pen- samento antecipatório e a auto-influência fazem parte dessa estrutura causal. O funcionamento humano está enraizado em sistemas sociais. Portanto, a agência pessoal opera dentro de uma ampla rede de influências socioestruturais. Nessas transações agênticas, as pessoas criam sistemas sociais para organizar, guiar e regular as atividades humanas. As práticas dos sistemas sociais, por sua vez, impõem limitações e proporcionam recursos e estruturas de oportuni- dade para o desenvolvimento e o funcionamento pessoais. Como decorrência dessa bidirecionalidade dinâmica de influências, a teoria social cognitiva rejei- ta o dualismo entre a agência pessoal e uma estrutura social desconectada da atividade humana.
O descontentamento com a inadequação das explicações teóricas existen- tes proporciona o ímpeto para a busca de esquemas conceituais que possam oferecer melhores explicações e soluções para fenômenos importantes. O behaviorismo estava bastante em voga na época em que comecei minha carrei- ra. O processo de aprendizagem ocupava uma posição central nessa forma de teorização, e as análises predominantes da aprendizagem concentravam-se quase inteiramente em aprender por meio dos efeitos dos próprios atos. Os mecanismos explicativos eram colocados em termos de associação entre os estímulos ambientais e as respostas. A teorização behaviorista discordava da realidade social evidente de que grande parte daquilo que aprendemos ocorre por meio do poder da modelação social. Para mim, era difícil imaginar uma cultura cuja língua, moral, costumes e práticas familiares, competências ocupacionais e práticas educacionais, religiosas e políticas fossem moldadas gradualmente em cada novo membro pelas conseqüências reforçadoras e pu- nitivas de seus comportamentos de tentativa e erro. Esse processo tedioso e potencialmente perigoso, no qual os erros têm um custo elevado, era encurta- do pela modelação social. Nela, as pessoas padronizam seus estilos de pensa- mento e comportamento segundo exemplos funcionais de outras pessoas. Os principais proponentes do behaviorismo, Watson (1908) e Thorndike (1898), rejeitavam a existência da aprendizagem observacional, pois, segundo acreditavam, a aprendizagem exigia executar respostas. A noção da aprendiza- gem por observação era divergente demais para ser considerada séria. Esse foi um legado durável. Apesar da centralidade e da onipresença da modelação social na vida cotidiana, não havia pesquisas sobre os processos de modelação
*N. de R.T. No Brasil, a palavra modelação tem sido a tradução de modeling, na perspectiva
da teoria social cognitiva. Já a palavra shaping tem sido traduzida como modelagem, inserida no referencial da análise do comportamento.
Alguns teóricos tendem a se concentrar seletivamente em explicar a cog- nição humana ou a ação humana. Como resultado, os mecanismos que gover- nam a tradução de pensamentos para desempenhos proficientes têm recebido pouca atenção. O sistema de conhecimento dual (Anderson, 1980) – combi- nando o conhecimento declarativo com o procedural que incorpora regras de decisão para resolver tarefas – foi amplamente adotado como solução para o problema da tradução. Explicar a aquisição de competências em termos do conhecimento factual e metodológico talvez seja adequado para a resolução de problemas cognitivos, em que as ações de implementação são bastante sim- ples. Contudo, para se desenvolver proficiência em estilos complexos de com- portamento, o conhecimento procedural não é suficiente. É necessário usar operações auto-reguladoras multifacetadas e sistemas de feedback corretivos, pelos quais as estruturas de conhecimento são convertidas em desempenhos proficientes. Por exemplo, um novato que recebe informações factuais sobre como esquiar, juntamente com um conjunto completo de regras de procedi- mento e depois se lança montanha abaixo provavelmente acabará em uma clínica ortopédica ou na unidade de tratamento intensivo de um hospital local. Criamos uma série de experimentos para testar a noção de que a tradu- ção comportamental ocorre por meio de um processo de concepções de igualação (Carroll e Bandura, 1982, 1985, 1987, 1990). As representações cognitivas transmitidas por meio de modelação servem como guias para a pro- dução de desempenhos hábeis e como padrões para fazer ajustes corretivos no desenvolvimento da proficiência comportamental. Geralmente, as habilidades são aperfeiçoadas com repetidos ajustes corretivos na igualação de concepções durante a produção do comportamento. A ação controlada, com feedback ins- trutivo, serve como um veículo para converter concepções em desempenhos proficientes. O feedback que acompanha as ações proporciona as informações necessárias para detectar e corrigir diferenças entre concepções e ações. Dessa forma, o comportamento é modificado com base nas informações comparati- vas, de maneira que as competências desejadas sejam dominadas. Os resulta- dos desses experimentos contribuíram para o nosso entendimento de como as representações cognitivas, realizações monitoradas e o feedback instrutivo atuam em conjunto no desenvolvimento de competências. O valor de uma teoria psicológica não é julgado apenas por seu poder explicativo e preditivo, mas por seu poder prático para promover mudanças no funcionamento humano. A teoria social cognitiva é facilmente indicada para aplicações sociais, pois especifica determinantes modificáveis e a ma- neira como estes devem ser estruturados, com base nos mecanismos pelos quais operam. O conhecimento de processos de modelação oferece orienta- ções informativas sobre como proporcionar que as pessoas efetuem mudan- ças pessoais, organizacionais e sociais (Bandura, 1969, 1997; Bandura e Rosenthal, 1978).
Havia diversas concepções errôneas arraigadas a respeito da natureza e dos limites da modelação, que podiam desestimular as pesquisas e as aplica- ções sociais dessa poderosa forma de aprendizagem. Portanto, o progresso nessa área exigia pesquisas projetadas não apenas para elucidar os deter- minantes e mecanismos da modelação social, mas também para interromper as concepções erradas. Uma dessas concepções equivocadas era que a modelação, interpretada como “imitação”, somente produziria mimetismo de resposta. Modelos geral- mente diferem em conteúdo e outros detalhes, mas expressam o mesmo prin- cípio subjacente. Para citar um exemplo simples, a forma passiva de linguagem pode ser expressa em qualquer tipo de afirmação. Pesquisas sobre modelação abstrata (Bandura, 1986; Rosenthal e Zimmerman, 1978) mostram que a modelação social implica abstrair as informações transmitidas por certos mo- delos sobre a estrutura e os princípios subjacentes que governam o comporta- mento, em vez do simples mimetismo de resposta de exemplos específicos. Quando os indivíduos apreendem o princípio condutor, eles podem usá-lo para produzir novas versões do comportamento, que vão além do que viram ou ouviram, e podem adaptar o comportamento para adequá-lo a mudanças em determinadas circunstâncias. Dessa forma, por exemplo, habilidades gerenciais genéricas, desenvolvidas por meio da modelação e de ações orientadas com feedback instrutivo, aperfeiçoam o funcionamento gerencial que, por sua vez, reduz o absenteísmo e a rotatividade dos funcionários e aumenta o nível de produtividade organizacional (Latham e Saari, 1972; Porras et al., 1982). Outra concepção errônea, e que exige correção, sustenta que a modelação é oposta à criatividade. Conseguimos mostrar como a inovação pode emergir por intermédio da modelação. Quando expostos a modelos que diferem em seus estilos de pensamento e de comportamento, observadores raramente criam seus padrões de comportamento com base em uma única fonte e não adotam todos os atributos, mesmo de seus modelos preferidos. Pelo contrário, os obser- vadores combinam diversos aspectos de diferentes modelos em novos amálgamas que diferem das fontes modeladas por um modelo individual (Bandura, Ross e Ross, 1963). Assim, dois observadores podem criar novas formas de comportamento inteiramente por meio da modelação, misturando seletivamente características distintas dos diferentes modelos. A modelação aparecia para promover a criatividade de duas maneiras principais. Modos não-convencionais de pensar aumentam o caráter inovador nas pessoas (Harris e Evans, 1973; Gist, 1989). Geralmente a criatividade im- plica sintetizar o conhecimento existente em novas maneiras de pensar e de fazer as coisas (Bandura, 1986). As organizações promovem muito a modelação
municativo instantâneo a todo mundo. Isso torna a modelação eletrônica um poderoso veículo para mudanças transculturais e sociopolíticas (Bandura, 2002a; Braithwaite, 1994). Nessa função ampliada da difusão social de inovações por meio de mo- delação simbólica, integrei a teoria social cognitiva ao conhecimento da teoria das redes sociais (Bandura, 1986, 2001; Rogers, 1995). As influências so- ciocognitivas instruem as pessoas em novas idéias e práticas e as motivam a adotá-las. Redes sociais multiconectadas proporcionam o caminho potencial para a difusão, pelo qual se espalham e são assistidas. Por intermédio de uma parceria cooperativa (Bandura, 2002), a abor- dagem social cognitiva combinou três componentes principais em um modelo para promover mudanças no âmbito da sociedade. O primeiro componente é um modelo teórico que especifica os determinantes da mudança psicossocial e os mecanismos pelos quais produzem seus efeitos, esse conhecimento proporciona os princípios condutores. O segundo componente é um modelo de tradução e implementação, que converte princípios teóricos em um modelo operacional inovador. Ele especifica o conteúdo, as estratégias de mudança e o modo de implementação. Geralmente, os modelos de mudança psicossociais efetivos têm impacto social limitado, devido aos sistemas inadequados para a difusão social. Como resultado, não tiramos proveito de nossos sucessos. O terceiro componente é um modelo de difusão social de como promover a adoção de programas psicossociais em meios culturais diversos. Cada um desses componentes tem uma função singular, que exige diferentes tipos de habilidades. As aplicações da teoria social cognitiva na África, Ásia e América Latina para aliviar alguns dos problemas globais mais urgentes documentam como essas três funções competentes evoluíram, formando um poderoso modelo para a mudança so- cial (Bandura, 2002, no prelo). Há aproximadamente 40 anos, usei a modelação de novos estilos físicos e verbais de agressividade tendo um João-bobo como veículo para estudar os mecanismos da aprendizagem observacional. O João-bobo me segue aonde eu for. Nossas fotografias ainda são publicadas em cada texto introdutório de psicologia, e praticamente todo estudante de graduação cursa introdução à psicologia. Não faz muito, registrei-me em um hotel em Washington e o atendente perguntou: “Você não é o psicólogo que fez o experimento com o João- bobo?”. Respondi: “Creio que esse será o meu legado.”, ao que ele respondeu: “Essa situação precisa melhorar. Vou colocá-lo na parte calma do hotel”. Outro dia, eu estava passando pela alfândega canadense em Vancouver e uma agente olhou meu passaporte e perguntou: “Não foi você que fez o estudo com o João- bobo?”. Ela havia se formado em psicologia na universidade de British Columbia. Um dia pela manhã, recebi uma ligação de Miguel Sabido, um produtor da Televisia, da Cidade do México. Ele explicou que estava filmando uma série longa baseada nos princípios da modelação para promover a alfabetização nacional e o planejamento familiar no México (Sabido, 1981). Esses progra-
mas de televisão dramatizam a vida cotidiana das pessoas e os problemas que elas têm que enfrentar. Os dramas ajudam os espectadores a enxergar uma vida melhor e proporcionam-lhes estratégias e incentivos que possibilitam que dêem os passos necessários para alcançá-la. A teoria social cognitiva proporcionou o modelo teórico. Sabido criou o modelo genérico de tradução e implementação. Com base no sucesso demons- trado dessa abordagem macrossocial, a Population Communication International, sediada em Nova York, projetou o modelo de difusão social (Poindexter, 2004). Eles fornecem os recursos, a orientação e o apoio técnico ao pessoal da mídia nos países participantes para criar séries adequadas a suas culturas e aos pro- blemas com os quais estão lutando. Essas aplicações globais promovem a alfa- betização nacional, e o planejamento familiar em países com grande cresci- mento populacional, elevando o status das mulheres em sociedades que as marginalizam ou subjugam, limitando a disseminação da infecção por HIV/ AIDS, promovendo a conservação do meio ambiente e, de outras maneiras, melhorando a vida das pessoas (Bandura, 2002, no prelo). Muitas vezes, citamos exemplos das ciências naturais e biológicas, em que a busca pelo conhecimento em si traz benefícios humanos imprevistos. Depois de 40 anos e por meio de parcerias interdisciplinares, o conhecimento adquirido com os primeiros experimentos de modelação produziu aplicações globais inimagináveis para aliviar alguns dos problemas globais mais urgentes.
Durante a era behaviorista, presumia-se que a aprendizagem ocorresse por meio do condicionamento clássico e instrumental. De acordo com essa concepção, a motivação era regulada por um funcionalismo bruto, baseado em conseqüências reforçadoras e punitivas. Essa abordagem apresentava uma imagem truncada da natureza humana, devido às capacidades auto-regulado- ras das pessoas em afetar os seus processos de pensamento, de motivação, de estados afetivos e de ações, por meio da influência autodirigida. Como parte do desenvolvimento da teoria da agência do comportamento humano, foi cria- do um programa de pesquisa voltado para elucidar a aquisição e o funciona- mento das capacidades de auto-regulação (Bandura, 1971a, 1986). Antes de revisar o desenvolvimento desse aspecto da teoria social cognitiva, descreverei experiências pessoais que informaram minha teorização e experimentação com relação aos mecanismos auto-reguladores. Os teóricos muitas vezes se encontram em um apuro egocêntrico des- concertante, afastando-se da teoria que desenvolvem para explicar como os outros agem. Por exemplo, Skinner afirmava que os seres humanos são molda- dos e controlados por forças do ambiente. Conforme colocou: “o homem não age sobre o ambiente. O ambiente age sobre ele”. Todavia, ele exortava as pessoas a se tornarem agentes da mudança e a moldarem sua sociedade, apli-
erudição não como uma questão de publicar ou perecer, mas com a perplexida- de de que a busca do conhecimento deve requerer coerção. Stanford proporcio- nava uma liberdade considerável para se ir aonde a curiosidade pudesse levar. O exercício da agência pessoal sobre a direção em que o indivíduo leva sua vida varia, dependendo da natureza e da flexibilidade do ambiente. O ambiente não é monólito imposto de forma unidirecional sobre os indivíduos. Ambientes operativos assumem três formas diferentes: as impostas, as selecionadas e as cria- das. Há um ambiente físico e socioestrutural que é imposto sobre as pessoas, gostem elas ou não. As pessoas não têm muito controle sobre a sua presença, mas têm liberdade na maneira como o interpretam e reagem a ele. Para a maioria, o ambiente é apenas uma potencialidade, com possibili- dades e impedimentos, além de aspectos reforçadores e punitivos. O ambiente não existe até ser selecionado e ativado por ações adequadas. Isso constitui o ambiente selecionado. Dessa forma, a parte do ambiente potencial que se tor- nará o ambiente que o indivíduo experimenta verdadeiramente depende da- quilo que as pessoas fazem e selecionam dele. Dado o mesmo ambiente poten- cial, indivíduos com um sentido elevado de eficácia concentram-se nas oportu- nidades que ele proporciona, ao passo que aqueles cuja auto-eficácia é baixa enfatizam problemas e riscos (Krueger e Dickson, 1993, 1994). Finalmente, existe o ambiente que é criado. Ele não existe como uma potencialidade, esperando para ser selecionado e ativado. Pelo contrário, as pessoas criam a natureza de suas condições para servir a seus propósitos. Dife- rentes graus de flexibilidade ambiental exigem níveis crescentes de agência pessoal, variando da agência cognitiva interpretada à agência de seleção e ativação e à agência criadora. As crenças das pessoas em sua eficácia pessoal e coletiva desempenham um papel influente na maneira como organizam, criam e lidam com as circunstâncias da vida, afetando os caminhos que tomam e o que se tornam. Em vista da escassez de recursos educacionais e às influências normativas preponderantes no meio rural, os indicadores psicológicos usados provavel- mente preveriam que eu passaria os dias trabalhando nos campos do norte de Alberta, jogando bilhar e me embebedando no bar, que era o principal passa- tempo. Segundo uma perspectiva não-agêntica, eu não teria ido para a facul- dade, não teria feito doutorado, não estaria lecionando no meio das perfuma- das palmeiras da universidade Stanford e não estaria escrevendo este capítulo. A trajetória de uma carreira tem muitos co-autores, e houve muitos pon- tos de mudança em que outras pessoas tiveram influência em minha carreira. O indivíduo tem muitas atitudes voluntárias para exercer um grau de controle sobre o autodesenvolvimento e as circunstâncias de sua vida, mas existe muito acaso nos rumos que as vidas tomam. De fato, alguns dos determinantes mais importantes nas histórias da vida ocorrem nas circunstâncias mais triviais. As pessoas muitas vezes são levadas a novas trajetórias de vida, relações maritais ou carreiras ocupacionais por meio de circunstâncias fortuitas (Austin, 1978; Bandura, 1986; Stagner, 1981).
Um evento fortuito é um encontro involuntário entre pessoas desconheci- das. Embora a cadeia de eventos em um encontro fortuito tenha seus deter- minantes causais, a intersecção ocorre de forma fortuita, em vez de ser parte de um plano (Nagel, 1961). Um evento insignificante e aparentemente fortui- to pode movimentar constelações de influências que alteram o rumo da vida. Esses processos ramificados alteram a linearidade, a continuidade e o gradualismo das trajetórias de vida. A profusão de cadeias de eventos na vida cotidiana proporciona inúmeras oportunidades para essas intersecções fortui- tas. Isso complica imensamente a previsão do comportamento humano. Eventos fortuitos levaram-me para a psicologia e para minha relação ma- rital. Inicialmente, eu planejava estudar ciências biológicas. Eu pegava carona com alguns estudantes de medicina e engenheiros que haviam se matriculado em aulas em um horário desumano. Enquanto esperava por uma aula de in- glês, comecei a folhear um catálogo de disciplinas deixado na mesa da biblio- teca e encontrei uma disciplina de introdução à psicologia que serviria para preencher essa espera. Matriculei-me na disciplina e encontrei a minha futura profissão. Foi durante meus anos de pós-graduação, na universidade de Iowa, que encontrei minha esposa, em um encontro fortuito. Um certo domingo, eu e um amigo nos atrasamos para chegar ao campo de golfe e tivemos que espe- rar os horários da tarde. Havia duas mulheres na nossa frente, que estavam ficando para trás. Nós as estávamos alcançando. Em seguida, havíamos nos tornado um quarteto genial. Conheci minha esposa em uma armadilha de areia. Nossas vidas teriam tomado rumos totalmente diferentes se eu tivesse chegado na hora marcada. Alguns anos atrás fiz uma palestra na Western Psychological Convention sobre a psicologia dos encontros fortuitos e caminhos de vida (Bandura, 1982). Na convenção do ano seguinte, o editor contou que havia entrado no auditório quando já estava quase cheio e sentou-se em uma cadeira vazia, perto da por- ta, ao lado da mulher com a qual iria se casar na semana seguinte. Com apenas uma mudança mínima no momento da entrada, teriam sentado em lugares diferentes e essa intersecção não teria ocorrido. Assim, uma parceria marital se formou fortuitamente em uma palestra sobre os determinantes fortuitos dos caminhos de vida! As influências fortuitas são ignoradas na estrutura causal das ciências sociais, mesmo que desempenhem um papel importante nos rumos da vida. A maioria dos eventos fortuitos não toca as pessoas, outros têm alguns efeitos duradouros e outros ainda levam as pessoas a novas trajetórias de vida. A ciência psicológica não tem muito a dizer sobre a ocorrência de intersecções fortuitas, exceto que as tendências pessoais, a natureza dos ambientes em que circulamos e os tipos de pessoas que habitam esses ambientes tornam certos tipos de intersecções mais prováveis do que outros. As influências fortuitas podem ser imprevisíveis, mas, após ocorrerem, elas se tornam fatores que con- tribuem em cadeias causais da mesma forma que as influências preconcebi- das. A psicologia pode adquirir conhecimento para prever a natureza, o alcan-
Essa não era uma época favorável para se apresentar uma teoria do com- portamento humano baseado na agência. Os psicodinâmicos acreditam que o comportamento é motivado inconscientemente por impulsos e complexos. Os behavioristas acreditam que o comportamento é moldado e influenciado por forças ambientais. A revolução cognitiva foi introduzida com base em uma metáfora de computador. Essa concepção desprovia os seres humanos das ca- pacidades de agência, de uma consciência funcional e de uma identidade pes- soal. A mente como manipuladora de símbolo, à semelhança de um computa- dor linear, tornou-se o modelo conceitual para a época. O cognitivismo computadorizado, por sua vez, foi suplantado por modelos paralelos que atuam por meio de subsistemas neuronais interconectados e em camadas múltiplas. Os órgãos sensoriais transmitem informações para uma rede que atua como o maquinário mental que processa os inputs e gera outputs de forma direta e inconsciente. Não eram os indivíduos, mas suas partes subpessoais, que esta- vam orquestrando as atividades inconscientemente. As teorias do controle da motivação e da auto-regulação concentram-se amplamente na correção de erros por meio de circuitos de feedback negativo, em uma metáfora mecânica do funcionamento humano. Todavia, a auto- regulação por discrepância negativa conta apenas parte da história, e não a parte mais interessante. A teoria social cognitiva propõe um sistema de duplo controle na auto-regulação – um sistema proativo de produção de discrepân- cias em conjunto com um sistema reativo de redução de discrepâncias (Bandura, 1991a). Em uma série de estudos, demonstramos que as pessoas são organis- mos ambiciosos e proativos, e não apenas reativos. Sua capacidade de prever lhes possibilita exercer o controle antecipadamente, em vez de simplesmente reagir aos efeitos de seus esforços. Elas são motivadas e orientadas pela previ- são de metas, e não apenas pela retrospectiva de limitações. Nesses estudos, as pessoas se motivavam e orientavam por meio do con- trole proativo, estabelecendo metas desafiadoras e padrões de desempenho difíceis para si mesmas, que criavam discrepâncias negativas a serem do- minadas. Mobilizavam seus esforços e recursos pessoais com base em uma estimativa do que seria necessário para satisfazer esses padrões. O controle reativo entrou em jogo em ajustes subseqüentes do esforço para alcançar os objetivos desejados. Após as pessoas alcançarem as metas que vinham bus- cando, aquelas que tinham uma percepção elevada de eficácia estabelece- ram um padrão mais alto para si mesmas (Bandura e Cervone, 1986). A adoção de outros desafios criou novas discrepâncias motivadoras a serem dominadas. Powers (1991), o principal defensor da teoria do controle, não aceitou uma teoria da auto-regulação governada pela antecipação e por auto-reações afetivas. Nessa visão, o organismo humano não é “nada mais do que uma cone- xão entre um conjunto de quantidades físicas do ambiente (quantidade de input) e outro conjunto de quantidades físicas do ambiente (quantidade de output)” (Powers, 1978, p. 421). Os processos cognitivos e afetivos eram con-
siderados irrelevantes, pois “não se está modelando o interior do sujeito” (p. 432). Avaliamos a adequação desse rígido modelo mecânico da mesma manei- ra que muitas teorias do controle que assumem diferentes formas, dependendo da mistura de fatores sociocognitivos enxertados no circuito de feedback nega- tivo (Bandura, 1991b; Bandura e Locke, 2003). O objetivo da construção de teorias é identificar um pequeno número de princípios que possam explicar uma variedade de fenômenos. No interesse da generalidade abrangente, a teoria social cognitiva concentra-se em princípios integrativos os quais operam em diferentes esferas do funcionamento. A gene- ralidade do componente auto-regulador na teoria social cognitiva foi corrobo- rada pelas aplicações variadas desse conhecimento no desenvolvimento edu- cacional, na promoção da saúde, na regulação do afeto, no desempenho atlé- tico e no funcionamento organizacional (Bandura, 1997, 1999, 2004c; Frayne e Latham, 1987; Zimmerman, 1989). As subfunções componentes que governam a produtividade do comporta- mento atuam de maneira semelhante no exercício da agência moral (Bandura, 1991c). Após as pessoas adotarem um padrão de moralidade, suas auto-sanções, para atos que obedeçam ou violem seus padrões pessoais, servem como uma auto-influência regulatória. As pessoas fazem coisas que lhes trazem satisfa- ção pessoal e um sentido de valor pessoal e não agem de maneira que violem seus padrões morais, pois isso faria com que desaprovassem a si mesmas. Entretanto, os padrões morais não atuam como reguladores internos fixos da conduta. Existem diversos mecanismos psicossociais pelos quais a aceita- ção pessoal moral é desengajada seletivamente da conduta desumana. O de- sengajamento pode implicar em tornar pessoal e socialmente aceitáveis práti- cas prejudiciais, representando-as como algo que tem propósitos válidos, exo- nerando a comparação social e transformando a linguagem. Ela pode se con- centrar em obscurecer a agência pessoal, por meio da difusão e da transferên- cia da responsabilidade, fazendo com que agressores não se considerem res- ponsáveis pelo mal que causam, podendo também diminuir, distorcer ou até questionar o dano causado por seus atos prejudiciais. E pode desumanizar e culpar as vítimas por terem atraído os maus-tratos para si mesmas. Nossa análise da agência moral mostrou que o desengajamento moral seletivo atua no nível dos sistemas sociais, e não apenas individualmente. As organizações muitas vezes se encontram em impasses morais, quando seus membros realizam atividades ou produtos que lhes trazem lucros ou outros benefícios com custos prejudiciais para outras pessoas. As auto-exonerações são necessárias para neutralizar a censura pessoal e preservar o sentido de valor pessoal. Analisamos a forma que o desengajamento moral assume e as justificativas de exoneração e arranjos sociais que facilitam o seu uso em dife- rentes práticas empresariais nocivas (Bandura, 1999, 2004a; Bandura, Caprara e Zsolnai, 2002). A generalidade do aspecto auto-regulador da teoria social cognitiva tam- bém foi ilustrada em aplicações desse conhecimento para os efeitos psicossociais
to normal, havia atividades autodirigidas de domínio, nas quais os clientes lida- vam com versões diferentes da ameaça por conta própria, sob condições variadas. Esse tratamento se mostrou bastante poderoso, produzindo um robusto senso de eficácia de enfrentamento, transformando atitudes com objetos fóbicos, de repugnância, em emoções positivas, eliminando a ansiedade, as reações biológicas de estresse e o comportamento fóbico. Os fóbicos tinham pesadelos recorrentes há 20 ou 30 anos. O domínio orientado transformou a atividade de sonhar e acabou com os pesadelos crônicos. Quando uma mulher adquiriu domínio sobre sua fobia de cobras, ela sonhou que uma jibóia ficava sua amiga e a ajudava a lavar os pratos, e os répteis em seguida desapareceram de seus sonhos. As mudanças foram duradouras. Os fóbicos que haviam tido apenas melhoras parciais com modos alternativos de tratamento tiveram recuperação total com o benefício do tratamento de domínio orientado, independentemen- te da gravidade de suas disfunções fóbicas (Bandura et al., 1969; Biran e Wil- son, 1981; Thase e Moss, 1976). Com a década de 1960, vieram grandes mudanças na explicação e na modificação do funcionamento e mudança humanas (Bandura, 2004b). A aná- lise causal voltou-se da dinâmica psíquica para a dinâmica psicossocial transacional. O funcionamento humano passou a ser interpretado como o pro- duto da inter-relação dinâmica entre influências pessoais, comportamentais e ambientais. As práticas de rotulação social com relação aos problemas da vida mudaram. O comportamento problemático era considerado um comportamen- to divergente, em vez de um sintoma de doenças psíquicas. A análise funcional do comportamento humano substituiu a rotulação diagnóstica que categorizava as pessoas em tipos psicopatológicos, com conseqüências estigmatizantes. Es- tudos de laboratório e de campo controlados sobre os determinantes do compor- tamento humano e os mecanismos pelos quais estes atuavam substituíram a análise do conteúdo de entrevistas. Tratamentos orientados para a ação substi- tuíram as entrevistas interpretativas. Os modos de tratamento foram alterados no conteúdo, lócus e agentes de mudança. Em uma década, o campo se transformou, devido a uma grande mudança paradigmática (Bandura, 2004b). Foram criados novos modelos conceituais e metodologias analíticas, e foram lançados novos periódicos voltados para o fluxo crescente de interesses. Surgiram novas organizações para o avanço das abordagens de orientação comportamental, e novas convenções profissionais proporcionavam um fórum para a troca de idéias. Os psicodinâmicos não apenas consideravam esses novos modos de trata- mento superficiais, mas perigosos. Fui convidado para apresentar nosso pro- grama de pesquisa na clínica Langley Porter, em São Francisco, um reduto dos psicodinâmicos. A sessão começou com uma afrontosa introdução do fato de que “esse jovem recém-chegado quer dizer a nós, analistas experientes, como curar fobias!” Expliquei que a “generosa” apresentação do meu anfitrião lem- brava-me um campeonato de futebol americano entre as universidades de Iowa e Notre Dame, realizado em South Bend. Iowa marcou um touchdown, que
empatou a partida. Quando o jogador correu para marcar o ponto extra, o técnico Evashevski virou para o seu assistente e disse: “Lá vai uma alma cora- josa, um protestante tentando uma conversão diante de 50 mil católicos!” Nem todos os críticos do modelo psicodinâmico depositam suas preces no mesmo altar teórico. Alguns tomaram a rota operante, que proporcionava a melhor visão da terra prometida. Outros seguiram a rota sociocognitiva. Vigo- rosas batalhas foram travadas por causa dos determinantes cognitivos e sua legitimidade científica (Bandura, 1995, 1996). Os analistas operantes adotam a visão de que a única atividade científica legítima é a que relaciona eventos ambientais observáveis diretamente com eventos comportamentais observáveis (Skinner, 1977). Dois tipos de teorias promovem os avanços científicos (Nagel, 1961). A primeira forma procura relações entre eventos diretamente observáveis, mas rejeita os mecanismos que contribuem para os eventos observáveis. A segunda, tem o foco nos mecanismos que explicam as relações funcionais entre os eventos observáveis. A disputa pelos determinantes cognitivos não dizia respeito à legitimi- dade das causas interiores, mas aos tipos de determinantes interiores que são favorecidos (Bandura, 1996). Por exemplo, os analistas operantes cada vez mais atribuem o ônus da explicação a determinantes localizados dentro do organismo, ou seja, a história implantada de reforçamento. A história implantada é uma causa interior inferida, e não uma causa diretamente observável. A disputa so- bre os determinantes interiores não se dá exclusivamente entre behavioristas e cognitivistas. Há uma fissura crescente entre os analistas operantes com relação à mudança de ênfase em seu próprio modelo conceitual, de modelos de controle baseado no ambiente, para o controle baseado no organismo (Machado, 1993). Minha entrada no campo da auto-eficácia deu-se por acaso. No desenvol- vimento e avaliação do tratamento de domínio orientado, concentramo-nos em três processos fundamentais: o poder do tratamento para promover mu- danças psicossociais, a generalidade ou alcance das mudanças efetuadas e sua durabilidade ou manutenção. Após demonstrar o poder desse modo de trata- mento em cada uma dessas dimensões avaliativas, explorei a possibilidade de uma outra função – o poder de um tratamento de criar resiliência em experiên- cias adversas. O processo de aumentar a resiliência baseia-se no seguinte ra- ciocínio: a capacidade de uma experiência adversa de restabelecer as disfunções depende amplamente do padrão de experiências em que se insere, em vez de depender unicamente de suas propriedades. Muitas experiências neutras ou positivas podem neutralizar o impacto negativo de um evento adverso e impe- dir a disseminação dos efeitos negativos. Para testar essa noção, após o fun- cionamento ser plenamente restaurado, os ex-fóbicos tiveram ou não o benefício de experiências de domínio autodirigido com diferentes versões da ameaça. Em uma avaliação de acompanhamento, os participantes expressaram uma profunda gratidão por se livrar de sua fobia, mas explicaram que o tratamento tinha um impacto muito mais profundo. Por 20 a 30 anos, suas vidas haviam sido debilitadas, do ponto de vista social, recreacional e ocupacional. Eles eram
A teorização e a pesquisa sobre a agência humana são quase exclusiva- mente centradas no exercício individual da agência humana. Todavia, essa não é a única forma em que as pessoas influenciam os eventos que afetam o modo como vivem. A teoria social cognitiva estabelece uma distinção entre três dife- rentes modos de agência humana: individual, delegada e coletiva. As análises precedentes giravam em torno da natureza da agência pessoal direta e dos processos cognitivos, motivacionais, afetivos e de escolha, pelos quais ela é exercida para produzir determinados efeitos. Em muitas esferas do funcionamento, as pessoas não têm controle direto sobre as condições sociais e práticas institucionais que afetam suas vidas cotidianas. Nessas circunstâncias, elas buscam o seu bem-estar, segurança e resultados desejados por intermédio da agência delegada. Nesse modo de agência social, as pessoas tentam, de um jeito ou de outro, fazer com que aqueles que tenham acesso a recursos ou conhecimento ou que tenham influência e poder ajam em seu favor para ga- rantir os resultados desejados. As pessoas não vivem suas vidas de forma autônoma. Muitas das coisas que buscam somente podem ser alcançadas por meio de esforços socialmente interdependentes. Ampliei a concepção da agência humana à agência coletiva, baseada na crença compartilhada das pessoas em suas capacidades conjuntas de produzir mudanças em suas vidas por meio do esforço coletivo (Bandura, 2000, 2001). Isso torna a teoria generalizável para culturas e atividades de orientação coletiva. A teoria da auto-eficácia (Bandura, 1997) diferencia a fonte dos dados (isto é, o indivíduo) e o nível do fenômeno avaliado (isto é, eficácia pessoal ou eficácia de grupo). Não existe uma mente de grupo que crê. A eficácia coletiva percebida reside nas mentes dos membros como crenças em sua capacidade de grupo. Com freqüência, como os membros individuais são a fonte do julgamento da eficácia de seu grupo, a avaliação é interpretada incor- retamente como o nível individual do fenômeno avaliado. É necessário escla- recer que as avaliações de eficácia pessoal e de grupo representam os diferen- tes níveis de coletividade, e não a fonte do julgamento. Dualismos controversos permeiam nosso campo, jogando a autonomia contra a interdependência, o individualismo contra o coletivismo e a agência humana contra a estrutura social, materializada como uma entidade des- conectada do comportamento dos indivíduos. Acredita-se amplamente que as teorias ocidentais não podem ser generalizadas para culturas não-ocidentais. Essa afirmação comum deve ser abordada empiricamente. A maior parte de nossa psicologia cultural baseia-se no culturalismo territorial (Gjerde e Onishi, 2000). Nações são usadas como representantes de orientações psicossociais, que são então atribuídas às nações e seus membros, como se todos pensassem e agissem da mesma forma. Os habitantes do Japão são caracterizados como coletivistas; os dos Estados Unidos, como individua- listas. As culturas são sistemas dinâmicos e internamente diversos, e não monó-
litos estáticos. Existe uma diversidade substancial entre sociedades colocadas na mesma categoria (Kim, Triaudis, Kâgitçibasi, Choi e Yoon, 1994). Existem grandes diferenças geracionais, educacionais e socioeconômicas entre os mem- bros de uma mesma cultura (Matsumoto, Kudoh e Takeuchi, 1996). Análises realizadas entre domínios e classes de relações sociais revelaram que as pessoas agem em comunidade em determinados aspectos de suas vidas e individualmente em muitos outros aspectos (Matsumoto, et al., 1996). Elas expressam condicionalmente suas orientações culturais, mais do que depen- dem invariavelmente das condições que as incentivem (Yamagishi, 1988). Em decorrência da variabilidade intracultural e entre domínios diferentes e da flexibilidade de orientações culturais como função de condições favoráveis, a abordagem categórica oculta essa grande diversidade. Grande parte da pes- quisa transcultural baseia-se em comparações entre duas culturas, geralmente comparando-se os membros de uma cultura coletivista com os de uma cultura individualista. Por causa da notável diversidade, a abordagem dicotômica pode produzir muitas generalizações equivocadas. As culturas não são entidades monolíticas como também deixaram de ser insulares. A conetividade global está reduzindo a singularidade transcultural. Além disso, as pessoas em todo o mundo estão cada vez mais envolvidas em um cibermundo que transcende o tempo, a distância, o lugar e as fronteiras nacionais. Da mesma forma, influências transnacionais de massa têm homogeneizado certos aspectos semelhantes, polarizando outros e criando muitos híbridos culturais, e fundindo elementos de culturas diversas. Essas novas realidades exigem uma abordagem mais dinâmica aos efeitos culturais e para ampliar os limites de análises transculturais. Essa é outra área em que visões arraigadas desestimularam as pesquisas para testar o alcance da gene- ralização teórica. A teoria social cognitiva distingue as capacidades humanas básicas e a maneira como a cultura molda tais potencialidades em formas diversas apro- priadas para diferentes meios culturais. Por exemplo, os seres humanos desen- volveram uma capacidade avançada de aprendizagem observacional, que é essencial para o seu desenvolvimento pessoal e funcionamento, independente- mente da cultura em que as pessoas vivem. De fato, em muitas culturas, a palavra que significa “ensinar” é a mesma usada para “mostrar” (Reichard, 1938). A modelação é uma capacidade humana universalizada. Mas aquilo que é modelado, a maneira em que as suas influências são estruturadas social- mente e os propósitos que elas têm variam em diferentes meios culturais (Bandura e Walters, 1963). Revisei os resultados de um número crescente de estudos que testavam a estrutura e o papel funcional de crenças de eficácia em diversos meios cultu- rais, com uma ampla variedade de faixas etárias, gênero e diferentes esferas do funcionamento (Bandura, 2002b). Os resultados mostram que um forte senso de eficácia tem seu valor funcional generalizado, independentemente das condições culturais (Early, 1993, 1994; Matsui e Onglatco, 1992; Park et