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Concepções de Yoga na Bhagavad-gītā, Notas de aula de Yoga

Este texto analisa as cinco concepções de yoga encontradas na bhagavad-gītā: yoga como prática, yoga como estado mental qualificado, yoga como equanimidade mental e renúncia, yoga como poder místico e yoga como união. O artigo também discute a contribuição de graham schweig em relação ao conceito de yoga na bhagavad-gītā.

O que você vai aprender

  • Quais são as cinco concepções de yoga na Bhagavad-gītā?
  • Como a prática de yoga pode levar à união com a Divindade?
  • Qual é a definição de yoga na Bhagavad-gītā?
  • Como Graham Schweig contribuiu para o entendimento do conceito de yoga na Bhagavad-gītā?
  • Quais são as importâncias de considerar as cinco concepções de yoga na prática espiritual?

Tipologia: Notas de aula

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Marcela_Ba
Marcela_Ba 🇧🇷

4.6

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A Estrutura do
Yoga
na
Bhagavad-g
ī
t
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1
The Structure of
Yoga
in the
Bhagavad-g
ī
t
ā
Ricardo Silvestre
2
RESUMO
O objetivo deste artigo é analisar o conceito de
yoga
da
Bhagavad-g
ī
t
ā. Cinco concepções de
yoga
encontradas no texto são descritas:
yoga
enquanto disciplina ou prática,
yoga
enquanto disciplina
qualificada,
yoga
enquanto estado mental de equanimidade e renúncia,
yoga
enquanto estado de
união e
yoga
enquanto poder místico. As relações existentes entre essas concepções são
explicitadas e o que podemos chamar de a estrutura do
yoga
na
Bhagavad-g
ī
t
ā é pormenorizada.
PALAVRAS-CHAVE: Conceito de
yoga
, estrutura do
yoga
,
Bhagavad-g
ī
t
ā.
ABSTRACT
The purpose of this article is to analyze the concept of
yoga
in the
Bhagavad-g
ī
t
ā. Five
conceptions of
yoga
found in the text are described:
yoga
as discipline or practice,
yoga
as
qualified discipline,
yoga
as mental state of equanimity and renunciation,
yoga
as state of union
and
yoga
as mystical power.The relations existing between these conceptions are made explicit and
what we could call the structure of
yoga
in the
Bhagavad-g
ī
t
āis explained.
KEYWORDS: Concept of
yoga
, structure of
yoga
,
Bhagavad-g
ī
t
ā.
1 Recebido em 30/05/2017. Aprovado em 30/09/2017. Meus sinceros agradecimentos a Sergio Mendes,
que leu todo o manuscrito e fez comentários pertinentes acerca de algumas passagens em que comento
termos sânscritos, bem como a Robson Chaves, por t er também lido todo o texto e feito comentários
pontuais, mas valiosos, acerca de sua gramática.
2 Doutor em Filosofia. Professor de Filosofia da Universidade Federal de Campina Grande. Email:
ricardoss@ufcg.edu.br
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A Estrutura do Yoga na Bhagavad-gī tā

1

The Structure of Yoga in the Bhagavad-gī tā

Ricardo Silvestre^2

RESUMO O objetivo deste artigo é analisar o conceito de yoga da Bhagavad-gī tā. Cinco concepções de yoga encontradas no texto são descritas: yoga enquanto disciplina ou prática, yoga enquanto disciplina qualificada, yoga enquanto estado mental de equanimidade e renúncia, yoga enquanto estado de união e yoga enquanto poder místico. As relações existentes entre essas concepções são explicitadas e o que podemos chamar de a estrutura do yoga na Bhagavad-gī tā é pormenorizada. PALAVRAS-CHAVE : Conceito de yoga , estrutura do yoga , Bhagavad-gī tā. ABSTRACT The purpose of this article is to analyze the concept of yoga in the Bhagavad-gī tā. Five conceptions of yoga found in the text are described: yoga as discipline or practice, yoga as qualified discipline, yoga as mental state of equanimity and renunciation, yoga as state of union and yoga as mystical power.The relations existing between these conceptions are made explicit and what we could call the structure of yoga in the Bhagavad-gī tā is explained. KEYWORDS : Concept of yoga , structure of yoga , Bhagavad-gī tā. (^1) Recebido em 30/05/2017. Aprovado em 30/09/2017. Meus sinceros agradecimentos a Sergio Mendes, que leu todo o manuscrito e fez comentários pertinentes acerca de algumas passagens em que comento termos sânscritos, bem como a Robson Chaves, por ter também lido todo o texto e feito comentários pontuais, mas valiosos, acerca de sua gramática. (^2) Doutor em Filosofia. Professor de Filosofia da Universidade Federal de Campina Grande. Email: ricardoss@ufcg.edu.br

A Estrutura do Yoga na Bhagavad-gītā

1. Introdução Além de ser um texto de enorme apelo popular, tanto dentro como fora do

hinduísmo, a Bhagavad-gī tā é também um texto fundamental dentro da tradição filosófica

indiana. É um dos três pilares do Vedā nta , e também, juntamente com o Yoga-sū tra , um

texto chave do assim chamado yoga clássico; de fato, dois conceitos extremamente

cruciais dentro da Gī tā são exatamente os conceitos de brahman e yoga. Por exemplo, é

na Bhagavad-gī tā que encontramos pela primeira vez o termo “yoga” sendo antecedido

por outro termo e significando, supõe-se, um tipo específico de yoga , como karma-yoga e

jñā na-yoga , respectivamente o yoga da ação e o yoga do conhecimento (WHITE, 2012, p.

É prática comum explicar o significado da palavra “yoga” se referindo à raiz verbal

da qual ela é derivada,  yuj , que significa, entre outras coisas, unir ou conectar; assim,

yoga significaria união ou conexão. No entanto, e apesar disso, o termo “yoga” aparece na

Gī tā com uma diversidade semântica considerável. Em consonância talvez com a enorme

heterogeneidade semântica desse termo na tradição indiana como um todo (WHITE, 2012),

encontramos na Gī tā o termo “yoga” significando, por exemplo, prática, estado mental,

poder místico e união; encontramos também, curiosamente, talvez, yoga sendo definido

como viyoga , ou seja, como separação ou desunião^3.

Nesse sentido, é louvável a contribuição dada por Graham Schweigem um dos

ensaios que seguem à sua tradução da Bhagavad-gī tā (2007, p. 245-252) (2015), no qual é

apresentada uma análise do conceito de yoga na Gī tā. De acordo com Schweig, os

elementos essenciais e, na verdade, o significado último da palavra “yoga” são revelados na definição da palavra substantiva inglesa “yoke”, em português “jugo”: A descrição léxica de yoke , ou jugo, é a de uma barra através da qual as cabeças ou pescoços de dois animais são mantidos juntos. Os elementos essenciais dessa definição podem ser descritos como segue: (1) um elemento abrangente e poderoso, (2) uma entidade particular, (3) outra entidade particular, e (4) uma conjunção íntima entre as duas entidades. Portanto, o elemento abrangente junta uma entidade à outra de forma a criar uma relação íntima entre as duas entidades. (SCHWEIG, 2015, p. 173)

De forma semelhante, yoga seria também uma proximidade ou intimidade

experimentada entre duas entidades que estão juntas uma à outra por uma força, ou poder especial. Esses quatro elementos semanticamente característicos da palavra “jugo”

também estariam presentes no conceito de yoga presente na Bhagavad-gī tā.

O primeiro elemento, correspondente à (1) na citação acima, é yoga-mā yā ou o

poder do yoga. Trata-se, de acordo com Schweig, de um poder que tanto revela a

Divindade às almas, como concede a divindade das almas; ao mesmo tempo que facilita a (^3) Exemplos de versos da Gī tā onde essas significações da palavra “yoga” aparecem seguem: prática (2.49), estado mental (2.53), poder místico (10.7), união (3.26; aqui o termo que aparece é “yukta”, não “yoga”) e desunião (6.23).

A Estrutura do Yoga na Bhagavad-gītā

renúncia (Seção 4), yoga enquanto estado de união (Seções 5 a 8) e yoga enquanto poder

místico (Seção 8). Toda a estrutura é resumida verbalmente e graficamente na Seção 10; é aconselhável ao leitor consultar esse esquema gráfico na medida que se progrida na leitura do texto.

2. Yoga enquanto Disciplina ou Prática

A palavra “yoga” é um dos termos mais recorrentes e cruciais dentro da

Bhagavad-gī tā ; ao todo, ele aparece 71 vezes. Como já mencionado,vemos aqui uma

variedade considerável de significados. O primeiro caso de uso do termo “yoga” na Gī tā é

o verso 39 do capítulo 2: Isto é buddhi (discernimento, inteligência ou iluminação), e foi ensinada a ti através de sāṅ khya (teoria ou estudo analítico). Agora ouve sobre isso através de yoga (prática). Unido por essa iluminação, filho de Pṛthā, tu livrar-te-ás das amarras da ação. (2.39)

Aqui a palavra yoga significa simplesmente prática, sendo contrastada com uma

abordagem (mais ou puramente) teórica do tema em questão. No entanto, no decorrer do

diálogo fica claro que bem mais que uma perspectiva prática de um tema específico, yoga

é ele mesmo um tema ou corpo de conhecimento, que pode ser tanto apreendido, em um sentido intersubjetivo do termo, como praticado. Que se trata de algo passível de ser praticado é deixado claro em diversos

momentos da Gī tā , como, por exemplo, nos capítulos sexto e sétimo:

Como uma lamparina que, protegida do vento, não tremula, assim é comparado o yogī de mente controlada que pratica o yoga do eu. (6.19) O Senhor disse: Com a mente fixa em Mim, Pārtha, praticando yoga , sob minha proteção, tu sem dúvida Me conhecerás por completo; ouves isso. (7.1) Vale a pena notar que ambos os versos contêm a expressão verbal “yuñjat”,

derivada da mesma raiz verbal  yuj , que, em consonância com o primeiro significado da

palavra “yoga” que vimos acima, significa praticando (particípio presente ativo)^4.

Em um dos poucos versos definicionais da Bhagavad-gī tā onde encontramos

expressões do tipo “ yoga é tal e tal coisa”, temos yoga sendo definido como habilidade ou

maestria na ação: Conectado à iluminação ( buddhiyukta ), o indivíduo abandona, aqui, tanto a ação boa quanto a má. Sendo assim, pratica o yoga ( yogā ya yujyasva ). Yoga é habilidade nas ações. (2.50) (^4) Outros versos que contém a mesma ideia de yoga enquanto algo passível de ser praticado, são os versos 2.50, 6.12, 6.20, 6.23, 6.28 e 12.9. Com exceção dos versos 6.20 e 12.9, todos esses versos contém expressões verbais derivadas da mesma raiz  yuj significando o ato de praticar; enquanto o verso 6. contém a expressão “sevā”, o 12.9 contém a expressão “abhyāsa”, ambas significando prática.

Ricardo Silvestre Que se trata de uma disciplina passível de ser ensinada e aprendida é deixado claro

pelo narrador da Bhagavad-gī tā , Sañjaya, de acordo com o qual yoga é um dos temas

centrais, senão o tema central, de todo o diálogo: Pela graça de Vyāsa, eu ouvi esse supremo segredo do yoga diretamente de Kṛṣṇa, o senhor do yoga ( Yogeś vara ), que o falou pessoalmente. (18.75) A mesma ideia aparece de forma talvez mais clara nos três primeiros versos do capítulo quarto: O Senhor disse: Ensinei este yoga imperecível a Vivasvān; Vivasvān o expôs a Manu; Manu transmitiu-o a Ikṣvāku. Reis-sábios, então, aprenderam-no tal como recebido em sucessão. Após muito tempo aqui, ele se perdeu. Hoje, ensino-te esse mesmo antigo yoga , esse mistério supremo, pois és meu devoto e amigo. (4.1-3)^5

Dessa forma, temos um cenário no qual yoga é uma disciplina passível de ser

praticada – seu praticante é chamado de yogī – bem como ensinada e apreendida.

Naturalmente esse mesmo yogī praticante de yoga também o receptáculo do

conhecimento acerca do yoga , que, no contexto da Gī tā , é transmitido pelo orador

principal do diálogo, Kṛṣṇa, a quem Sañjaya se refere como Yogeś vara , ou o senhor do

yoga. Aqui “yogeśvara” pode ser visto como significando o senhor, no sentido de o

mestre ou, digamos, professor supremo da disciplina do yoga 6 .Arjuna, o outro

participante do diálogo, seria o discípulo a quem o conhecimento acerca do yoga é

transmitido e que é incentivado a se tornar um praticante do yoga : no verso 46 do sexto

capítulo,Kṛṣṇa diz a Arjuna: “Sejas um yogī ”.

É digno de nota que, enquanto disciplina prática, yoga parece exigir que quem

quer que o ensine seja ele mesmo também um praticante. De fato, há ao menos um verso

que dá a entender que Yogeś vara , ou Kṛṣṇa, também pratica yoga :

Ó yogī , como devo eu compreender-Te, constantemente meditando em Ti? E em quais diferentes estados de ser, Ó Senhor, devo eu pensar em Ti? (10.17)

Esses dois elementos – Kṛṣṇa enquanto Yogeś vara , de um lado, e o yogī ,

paradigmaticamente representado por Arjuna, do outro – são de fundamental importância

para entendermos a estrutura do yoga da Bhagavad-gī tā. O porquê disso ficará claro mais

adiante.

3. Yoga enquanto Disciplina ou Prática Qualificada

O discurso sobre o yoga da Bhagavad-gī tā é de certa forma insólito. O mais

comum, tanto na literatura acadêmica como na confessional, é falar-se sobre yoga de

forma qualificada. O verso 3 do terceiro capítulo, por exemplo, contém as primeiras

referências ao jñā na-yoga , ou o yoga do conhecimento, e karma-yoga , ou o yoga da ação:

(^5) Outros versos que contém a ideia de yoga enquanto algo passível de ser ensinado/aprendido são os versos 6.44 e 12.1. (^6) Os outros versos nos quais a expressão “yogeśvara” aparece são os versos 11.4, 11.9 e 18.78.

Ricardo Silvestre De uma maneira ou de outra, pode-se defender que essa pluralidade de ‘tipos’ de

yoga serve de evidência contra a legitimidade de qualquer discurso não-qualificado sobre o

yoga da Gī tā. Em outras palavras, pode-se argumentar que tal discurso simplesmente não

existe: referência a yoga somente pode ser feito enquanto referência a jñā na-yoga , karma-

yoga , bhakti-yoga , etc.

Em resposta a isso, apontaria primeiramente para o fato de que, apesar de que

entre comentadores haver menção majoritária a esses três tipos de yoga , há, como foi

mostrado acima, outras maneiras qualificadas que a palavra “yoga” aparece no texto. Considerando isso, surge então a questão: se há tantas maneiras de se referir de forma

qualificada ao yoga na Bhagavad-gī tā , porque defender que o texto promulga apenas três

tipos de yoga? Em segundo lugar, das 71 referências à palavra “yoga”, apenas 10 são

qualificadas conforme ilustrado acima. Assim, porque não inverter a equação e dizer, ao

invés, que há, na Gī tā , um discurso majoritário sobre algo muito próximo de ‘o yoga ’, e

apenas de forma periférica discurso sobre formas específicas de yoga?

Naturalmente o que está envolvido aqui é um processo de reconstrução conceitual característico da filosofia indiana. Em geral, em função da natureza muitas vezes crítica e obscura dos textos clássicos indianos, os conceitos são apresentados de forma extremamente vaga e ambígua. Dessa forma, cabe ao comentador apresentar de uma maneira minimamente precisa e inteligível aquele conceito que aparece apenas de forma

vaga no texto original. Apesar de esse grau de vagueza e obscuridade da Bhagavad-gī tā

não se comparar ao de outros textos como o Vedā nta-sū tra ou grande parte das

Upaniṣ ads , vemos aqui também esse recorrente e necessário, em muitos casos, processo

de reconstrução conceitual. O que é fundamental notar é que esse processo de reconstrução conceitual não

pode ser, pela sua própria natureza, unívoco. Vemos, na Gī tā , elementos que podem ser

usados para suportar visões diferentes em relação ao exato significado de um termo. Por exemplo, como o termo “yoga” aparece majoritariamente de forma não-qualificada, trata- se, em geral, de um processo suscetível a mais de uma interpretação dizer a qual tipo de

yoga uma dada ocorrência não-qualificada do termo se refere.

Dado isso, vou adotar a seguinte pressuposição neste artigo: existe de fato algo

próximo de o yoga da Gī tā , e todas essas variedades de yoga insinuadas de forma

qualificada são na verdade disciplinas diferentes, mas intimamente relacionadas umas com

as outras: o que as diferencia é que cada uma enfatiza um aspecto específico desse yoga

único. Apesar de, no decorrer do artigo, evidências a favor dessa pressuposição serem fornecidas, por razões de espaço uma argumentação completa será dada apenas em outro

artigo, que abordará diretamente os tipos de yoga na Bhagavad-gī tā. Adicionalmente,

assumirei que cada qualificação do termo “yoga” se refere a um tipo diferente de yoga.

Devo, no entanto, mencionar que essa não é a minha posição; de fato acredito que esses

nove tipos de yoga podem ser reduzidos a quatro. Como não tenho espaço para fornecer

aqui uma argumentação em defesa disso, assumo por razões de simplicidade a mencionada pressuposição.

A Estrutura do Yoga na Bhagavad-gītā

4. Yoga enquanto Estado Mental de Equanimidade e Renúncia

Outro uso da palavra “yoga” é encontrado no verso 48 do segundo capítulo; na

verdade trata-se da primeira das poucas definições de yoga encontradas na Gī tā :

Fixo em yoga , realiza ações; abandonando o apego, seja indiferente a sucesso e fracasso, pois essa equanimidade é yoga. (2.48) Enquanto que a primeira ocorrência de “yoga” pode ser vista como significando disciplina ou prática, a segunda é explicitamente colocada como significando algo bem

distinto: um estado mental de indiferença ou equanimidade face ao sucesso ou fracasso das

ações. Algo semelhante pode ser visto no segundo verso do sexto capítulo, onde yoga é

definido como sendo renúncia: O que chamam de renúncia, fica sabendo que é yoga , Pāṇḍava; ninguém se torna um yogī sem renunciar ao desejo egoísta. (6.2) A referência ao termo “yogī” dá indícios importantes sobre que relação existe

entre yoga enquanto renúncia (e, de uma forma geral, yoga enquanto estado mental) e

yoga enquanto disciplina. Renúncia seria um aspecto crucial na prática do yogī , algo que

pode ser visto tanto como pré-requisito para o início dessa prática, como o resultado dela, ou mesmo como ambos. De todo modo, seria um estado mental a ser cultivado na e pela

prática do yoga. O mesmo pode ser dito em relação a ideia de yoga enquanto estado de

equanimidade presente no verso 2.48.

O último (na ordem de menção neste artigo) dos versos definicionais^8 da Bhagavad-

gī tā curiosamente define yoga como viyoga , ou separação; no caso, separação do vínculo

( saṁ yoga ) do indivíduo com o sofrimento^9 :

... a isso se chama yoga , o desvincular do vínculo com o sofrimento. O indivíduo destina-se a praticar yoga com convicção e mente intrépida. (6.23)

Nesse caso também, yoga pode ser visto como um estado mental. Vários versos, tais

como o verso 2.14, por exemplo, apontam nessa direção.

Na verdade, há uma conexão íntima entre essas três definições de yoga – yoga

enquanto equanimidade, yoga enquanto renúncia e yoga enquanto desvinculo com o

sofrimento. Em primeiro lugar, o verso 6.2 se refere à renúncia do desejo egoísta: não se

pode se tornar um yogī sem renunciar a tal desejo^10. Em geral essa renúncia do desejo é

colocada no contexto da ação, ou mais especificamente, no contexto do dever do

indivíduo; apesar de agir, o yogī o faz sem desejo para si. Trata-se, então, de uma renúncia

(^8) Há outros versos não-definicionais, por assim dizer, que também colocam yoga enquanto renúncia e equanimidade. Por exemplo, enquanto que o verso 6.33 pode ser defendido como definindo yoga enquanto equanimidade, pode-se argumentar que o verso 6.4 coloca yoga enquanto um estado mental de renúncia. (^9) taṁ vidyā d duḥ khasaṁ yoga viyogaṁ yogasaṁ jñitam. (^10) na hy asannyasta-saṅ kalpo yogī bhavati kaś cana.

A Estrutura do Yoga na Bhagavad-gītā Uma alma ( ā tmā ) satisfeita com conhecimento e sabedoria, que se situa no topo com os sentidos subjugados, diz-se estar conectada ( yukta ) – um yogī para quem barro, pedra e ouro são iguais. (6.8)^13 Segundo, há versos que mencionam da mesma forma o dito estado, sem se referir

ao objeto de união do yogī , mas já se referindo à maneira através do qual essa conexão ou

união se dá. Por exemplo, enquanto que o verso 2.39 contém a ideia de estar unido por

ou através de buddhi , ou iluminação, o verso 8.10 coloca a ideia de estar unido através de

bhakti , ou devoção^14 :

Isto é buddhi (iluminação), e foi ensinada a ti através de sāṅ khya. Agora ouves sobre isso através de yoga. Unido ( yukta ) por essa iluminação, filho de Pṛthā, tu livrar-te-ás das amarras da ação. (2.39) Na hora da morte, com a mente imóvel, unido ( yukta ) pela devoção e através do poder do yoga , fixando o ar vital entre as sobrancelhas, ele alcança esse supremo Senhor divino. (8.10) Encontramos pela primeira vez algo que pode ser tomado como o objeto de união

do yogī no já mencionado verso 2.50, que contém a expressão “ buddhiyukta ”, que pode

ser traduzida como unido ou conectado à buddhi , ou iluminação:

Conectado à iluminação ( buddhiyukta ), o indivíduo abandona, aqui, tanto a ação boa quanto a má. Sendo assim, pratica o yoga. Yoga é habilidade nas ações. (2.50)

Uma maneira de entender o estado de estar conectado à buddhi é vê-lo como fazendo

referência simplesmente ao praticante de buddhiyoga , ou o yoga do discernimento, que é

mencionado no verso anterior (2.49) e é, pode-se argumentar, o tipo de yoga ao qual esse verso está se referindo. Assim, pela expressão “buddhiyukta” estar-se-ia apenas fazendo

referência ao yogī como alguém unido ou conectado a um aspecto central do yoga , no

caso buddhi.

Raciocínio semelhante pode ser usado em relação à expressão “yogayukta”,

literalmente “unido ao yoga ”:

Renúncia, contudo, ó Homem de Braços Poderosos, é difícil de atingir sem yoga. Unido ao yoga , um sábio logo atinge brahman. (5.6)^15

; ou à expressão “yogayuktātmā”, literalmente “o eu (ātmā) que está unido ao yoga ”:

Com visão equânime em todas as circunstâncias, aquele cujo eu está unido em yoga ( yogayuktā tmā ) vê o eu em todos os seres e todos os seres no eu. (6.29) Nesses dois casos, pode-se razoavelmente argumentar que “yogayukta” e “yogayuktātmā”

se referem não a um estado de união per se , mas à união ou conexão com o yoga no

(^13) Outros exemplos são os versos 4.18, 5.8, 5.12, 5.23, 6.18 e 7.. (^14) Enquanto o verso 2.39 contém a expressão “buddhyā yukto”, o verso 8.10 contém a expressão “bhaktyā yukto”. Em ambos os casos, os substantivos em questão ( buddhi e bhakti ) estão declinados de acordo com o caso instrumental, dando a ideia de instrumento ou maneira através da qual a união ( yukta ) se dá. (^15) A mesma expressão aparece também nos versos 5.7 e 8.27.

Ricardo Silvestre

sentido de o indivíduo se encontrar absorto e dedicado à prática do yoga. Outra

possibilidade igualmente razoável é ver essas expressões como se referindo a um estado de

união possibilitado ou facilitado pela prática do yoga ; desse modo, “yogayukta” e

“yogayuktātmā” seriam traduzidos, respectivamente, como “conectado ou unido em

yoga ” e “o eu que está unido ou conectado em yoga ”^16. Em ambos os casos, no entanto,

não podemos tomar yoga como sendo o objeto de união do yogī.

Esse raciocínio já não pode ser usado em relação à expressão “brahmayogayuktātmā”: Aquele cujo eu está desapegado de contatos externos, que encontra prazer no eu, cujo Eu está unido a brahman em yoga ( brahmayogayuktā tmā ), encontra felicidade imperecível. (5.21) Aqui, a tradução literal mais razoável para “brahmayogayuktātmā” seria aquele cujo Eu

( ā tmā ) está unido ( yukta ) a brahman em yoga. Isso pode ser tomado como indício de que,

neste verso, a entidade referenciada por esse que é um dos conceitos mais importantes da

tradição vedanta-upanishádica – o conceito de brahman – é o objeto ao qual o yogī

supostamente se une. Ideia semelhante aparece no verso 6.27: O yogī cuja mente é pacífica, cujas paixões estão subjugadas e que está livre de impureza, sendo brahman ( brahmabhū ta ), atinge a felicidade máxima. (6.27)

A expressão chave aqui é “brahmabhūta”, que significa literalmente “se tornou brahman ”

ou, talvez, dentro do contexto desse verso,“se uniu a brahman ”. Assim, temos a entidade

referenciada pela expressão “brahman” como nosso primeiro candidato ao posto de objeto

de união do yoga.

Um segundo candidato seria o próprio Kṛṣṇa ou Yogeś vara. O verso 6.47, por

exemplo, contém a expressão “yuktatama”, superlativo de “ yukta ”, aplicada a Kṛṣṇa:

E de todos os yogī s , aquele cujo eu interior foi a Mim e que me adora (ama ou honra) com fé eu considero como o mais unido a Mim ( māṁ sa me yuktatamo mataḥ ). (6.47)

Aqui, Yogeś vara coloca a si mesmo como sendo o objeto ao qual o yogī , ou no mínimo

um tipo de yogī , está unido. Ideia semelhante aparece no verso 9.28:

Desse modo ficarás livre dos bons e maus frutos, que são cativeiro de karma. Liberado, com teu Eu unido pelo yoga da renúncia ( sannyā sayogayuktā tmā ), virás a Mim. (9.28) Aqui encontramos a expressão “sannyāsayogayuktātmā”, que pode ser traduzida

literalmente como o Eu ( ā tmā ) que está unido ( yukta ) pelo yoga da renúncia

( sannyā sayoga ). Apesar de não ser especificado explicitamente, nessa expressão, qual seria

o objeto de união do yogī (no caso Arjuna), o restante do verso, particularmente suas

(^16) Outra possibilidade em termos de tradução seria “disciplinado em ou pelo yoga ” e “o eu que está disciplinado em ou pelo yoga ”( yukta pode também pode ser traduzido como disciplinado ).

Ricardo Silvestre

Na perspectiva advaita , quando falamos em união com brahman , não estamos

falando de duas entidades que se ‘fundem’ de forma a se tornarem uma entidade única;

como brahman é tudo o que existe, estamos na verdade a falar sobre essa uma única

entidade que, devido a um sentido enganador de identidade ou ego, se vê como sendo muitos, e que um desses muitos falsos egos compreende, no sentido prático, quasi-

empírico da palavra, que ele é na verdade essa uma entidade chamada brahman.

“Brahman” também é um termo chave na Bhagavad-gī tā ; ao todo, ele aparece 57

vezes. Há, como talvez seja de se esperar, uma diversidade semântica no uso dessa palavra

na Gī tā. Ela é usada, por exemplo, para se referir às escrituras védicas ou um tipo

particularmente relevante de escritura^17 ; também é usada para se referir à sílaba sagrada

oṁ^18 , bem como para se referir à divindade pessoal responsável pela criação^19.

Em vários outros casos, no entanto, o termo aparece com uma significação

próxima ao significado sugerido em várias Upaniṣ ads e elaborado filosoficamente pelo

Advaita Vedā nta de Śaṅkara:

Declararei a ti o que deve ser conhecido, conhecendo o qual atinge-se a imortalidade: o brahman sem começo, subordinado a Mim e que se diz ser nem existente nem não-existente. Em toda parte, estão suas mãos e pés; em toda parte, seus olhos, cabeça e boca. Ele ouve em toda parte neste mundo. Englobando tudo neste mundo, ele permanece. Semelhante a todos os modos dos sentidos, ele é desprovido de todos os sentidos; desapegado, mas mantendo tudo, livre dos modos mas desfrutador dos modos. Fora e dentro dos seres, imóvel e móvel, é muito sutil para ser compreendido, muito distante e próximo. Indiviso nos seres, situa-se como que dividido. Sustentador dos seres, deve ser conhecido como devorador e produtor. É dito ser das luzes aquela luz além da escuridão. É conhecimento, o objeto do conhecimento e o propósito do conhecimento. Está situado no coração de todos. (13.13-18)

Aqui brahman é referenciado com o auxílio de propriedades contraditórias, o que talvez

deva ser visto como uma indicação de sua inefabilidade ou incapacidade de ser compreendido pela razão humana. Também é de certa forma identificado com tudo o que existe, ou no mínimo colocado como sendo onipresente; é o sustentáculo ontológico da realidade e o princípio ou substância indivisa comum a todos os seres. Em consonância com a expressão “brahmabhūta” que vimos acima^20 , há também menção, quatro vezes ao todo, à expressão “brahmanirvāṇa”^21 : Com felicidade interior, deleite interior e luz interior, esse yogī atinge nirvāṇ a em brahman , sendo brahman ( brahmabhū ta ). (5.24) (^17) O verso 6.44, por exemplo, usa a expressão “śabdabrahma”, literalmente brahman - verbo ou brahman - som, ou ainda, o brahman na forma de linguagem; já o verso 13.5 contém a expressão “brahmasūtra”, literalmente aforismos brahman (no estilo literário de sū tras ); o verso 3.15 contém um uso similar do termo “brahman”. (^18) Versos 8.13 e 17.23. (^19) Versos 8.16-17, 9.15 e 11.37. (^20) Essa expressão aparece ao todo cinco vezes na Gī tā : nos versos 5.24, 6.27, 14.26, 18.53 e 18.54. (^21) Versos 2.72, 5.24, 5.25 e 5.26.

A Estrutura do Yoga na Bhagavad-gītā

Sendo sopro , ou o soprar , o significado de “vāṇa”, “nirvāṇa” significa literalmente sem

sopro , sendo muitas vezes vista como significando extinção da existência (ou do sopro da

existência). Assim, brahmanirvāṇ a pode ser entendido como extinção da existência em

brahman , o que supostamente corroboraria a ideia de o yogī extinguir sua (falsa ou

ilusória) existência individual e realizar-se enquanto brahman ( brahmabhū ta ).

Dessa forma, talvez tenhamos uma resposta preliminar às nossas perguntas,

aplicadas à expressão “ brahmayogayuktā tmā ” (5.2): (1) a entidade à qual o yogī se une é o

brahman monista e impessoal de Śaṅkara, e (2) essa ‘união’, que, como foi mencionado,

não é uma união de fato, consiste na compreensão quasi-empírica por parte do yogī da

sua identidade enquanto brahman. Yoga nesse sentido seria então um estado ontológico

de união, no sentido acima descrito, com uma realidade suprema ( brahman ), monista,

anônima e impessoal.

7. Visão Teísta de Brahman

Há, no entanto, no contexto da Bhagavad-gī tā , alguns problemas com essa visão.

Primeiramente, versos como os mencionados acima não contêm, estritamente falando,

descrição de brahman como sendo essa consciência vazia, impessoal, anônima e inativa e

idêntica a toda a realidade. Tudo o que poderíamos dizer é que esses versos sugerem ou podem ser usados para suportar essa visão. A rigor, isso não seria um problema muito sério, visto que o mesmo pode ser dito (talvez em menor grau) das descrições acerca de

brahman contidas nas Upaniṣ ads usadas para suportar a visão AdvaitaVedā nta. Afinal, não

seria essa uma das funções dos bhāṣ yas ou comentários em particular e da reflexão

filosófica indiana em geral: sistematizar e tornar explícito aquilo que é apenas sugerido, digamos assim, de forma assistemática nos textos canônicos? O problema, e esse é o meu

segundo ponto, é que há versos na Gī tā que parecem apontar para uma visão oposta ao

conceito advaita de brahman.

Por exemplo, o verso 8.3, que delineia algumas características chaves de brahman ,

tais como: ser parama (supremo) e akṣ ara (imperecível), afirma que o seu próprio ser ou

natureza ( svabhā va ) como é adhyā tma , ou seja, o Eu supremo ou primordial^22 ; isso pode

ser razoavelmente tomado como evidência de que brahman é um Eu ou indivíduo ( ā tmā )

peculiar, distinto dos outros Eu’s. Poder-se-ia argumentar contra isso que, apesar do uso do termo “ātmā”, o Eu ao qual está-se referindo aqui não possui características tradicionalmente atribuídas a um agente. De fato, o verso 13.32 diz que esse Eu supremo,

paramā tmā , é nirguṇ a , ou seja, sem qualidades ( guṇ a )^23.

Uma objeção mais sólida poderia talvez ser construída a partir dos vários versos

que, de uma forma ou de outra, correlacionam Kṛṣṇa e brahman. Por exemplo, no

primeiro verso da sequência do capítulo 13 mostrada acima, Kṛṣṇa usa expressão “mat

paraṁ brahma”, que pode ser traduzida como “ brahman , cujo supremo ( para ), ou Senhor,

(^22) akṣ araṁ brahma paramaṁ svabhā vo 'dhyā tmam ucyate. (^23) anā ditvā n nirguṇ atvā t paramā tmā yam avyayaḥ.

A Estrutura do Yoga na Bhagavad-gītā

Śaṅkara.A relação entre bhagavā n e brahman é explicada com o auxílio do verso do

Viṣṇ u Purāṇ a que compara bhagavā n ao sol e brahman aos raios do sol; brahman seria

nada mais que a refulgência a emanar do corpo de bhagavā n^28 , sendo de fato algo

impessoal e onipenetrante, mas subordinado ao Supremo pessoal^29.

Apesar de ser talvez mais próxima do aparato conceitual da Bhagavad-gī tā , na

medida em que abre espaço para uma noção impessoal de brahman ao mesmo tempo em

que defende que o Supremo é um ser pessoal, a visão de Jīva também, como talvez seja de se esperar, ultrapassa os elementos conceituais encontrados no texto e que, em alguns momentos, parecem contradizê-la. Por exemplo, apesar de haver a estipulação dessa relação

entre bhagavā n e brahman no sentido de o primeiro ser o suporte ontológico do

segundo, a ideia que brahman é a refulgência que emana do corpo de bhagavā n trata-se,

obviamente, de um elemento extratextual. Outro exemplo: no final da sequência de versos

descrevendo brahman no capítulo décimo terceiro que vimos acima, o último verso (verso

18) afirma que ele está situado no coração de todos ( hṛ di sarvasya viṣṭ hitam ); mas essa é,

de acordo com Jīva, uma incumbência, digamos assim, de paramā tmā , não de brahman.

Semelhantemente, em diversos momentos, Kṛṣṇa, ou seja, bhagavā n , se coloca ele mesmo

como estando situado no coração de todos os seres^30.

8. Yoga enquanto Estado Mental de União com Yogeś vara

No entanto, e apesar disso, há, seguramente muitas características não-

controversas atribuídas de forma explícita na Gī tā ao conceito de brahman. Por exemplo,

ele está além da morte (13.13, 14.27) e dos guṇ as , ou qualidades da matéria, (14.26), é

imperecível e supremo (8.3), produz felicidade ilimitada (6.28), é equânime (5.19) e Kṛṣṇaé o seu suporte (14.27). Entretanto, tais referências textuais não nos permitem caracterizar

precisamente o conceito de brahman na Bhagavad-gī tā de forma a responder a primeira

pergunta colocada no final da Seção 5 em relação a brahman : o que, precisamente, é essa

entidade chamada de brahman à qual o yogī se une? Como consequência disso, não temos

subsídios também para responder à segunda pergunta: qual a natureza dessa união? Em

particular, não há no texto suporte evidencial suficiente para a resposta Advaita Vedā nta a

essas perguntas. No entanto, há, conforme tentei mostrar acima, suporte evidencial claro de que

Kṛṣṇa é o suporte ontológico de brahman , a entidade suprema, ou de acordo com a

terminologia usada no próprio texto, parabrahman , ou brahman supremo 31 .Isso é

relevante, pois pode ser usado como ponto de partida na construção de uma resposta

para as duas perguntas acima mencionadas, agora aplicadas a Kṛṣṇa ou Yogeś vara. Em

relação à primeira pergunta, qual a natureza do objeto de união do yogī , nesse caso

(^28) 2.8.98-102. (^29) Na verdade, apesar de ambas as tradições usarem o mesmo termo, “brahman”, trata-se de dois conceitos diferentes, muito embora mantenham semelhanças importantes um com o outro. (^30) Versos 6.31, 10.11, 10.20 e 15.15. O verso 18.61 coloca a mesma ideia não mais em primeira pessoa, mas em terceira pessoa através de menção a Īś vara. (^31) Apesar da aparente contradição na qual o verso 8.3 estabelece brahman como supremo.

Ricardo Silvestre

Yogeś vara ou Kṛṣṇa, de acordo com a Gī tā , é o Deus dos deuses (10.15) e fonte de todas

as outras divindades (10.2) e de tudo o que existe (10.8), desfrutador último de todos os tipos de sacrifício (9.24) e a fonte da memória, conhecimento e esquecimento de todos (15.15); não há nada nem ninguém além dele ou superior a ele (7.7, 11.43), ele é o grande Senhor de todos os mundos (5.29), o criador e sustentador de tudo (8.9),a origem e a

aniquilação de todo o cosmos (7.6),o brahman supremo, a morada suprema, o purificador

supremoe a pessoa divina suprema (10.12).

Apesar de todas essas características superlativas, Kṛṣṇa é uma pessoa ou puruṣ a ;

uma pessoa suprema ( paramapuruṣ a ), mas ainda assim uma pessoa. E uma pessoa que,

conforme afirmado de forma explícita no início da Gī tā , retém sua individualidade em

todo o tempo (2.12). Como tal, ele é capaz de se envolver em relações pessoais com outros

puruṣ as. Por exemplo, no caso de Arjuna, o yogī , ou aspirante a yogī paradigmático,

Kṛṣṇa o coloca como estando (ou como passível de estar) em uma relação de devoto para com ele (4.3, 9.34, 18.65), bem como se encontrando em uma relação de amizade com ele (4.3, 6.40). Essa possibilidade de se relacionar como devoto ou amigo de Kṛṣṇa se

estenderia para todos os aspirantes a yogī (9.18, 9.31, 12.14, 12.16, 12.17, 13.19).

Dessa forma, em resposta à segunda pergunta – qual a natureza da relação de

união que o yogī estabelece com Yogeś vara? – , podemos dizer que se trata de uma

relação pessoal de união, que envolve, entre outras coisas, um forte componente mental

ou psicológico. Assim, teríamos yoga enquanto significando um estado mental de união

com a Divindade Pessoal, Kṛṣṇa.

Que se trata de um estado mental de união é deixado claro em vários versos:

Para aquele que Me vê em toda parte e vê tudo em Mim, Eu não estou perdido, e ele não está perdido para Mim. Aquele que está absorto na unidade e honra- Me como presente em todos os seres é um yogī ; qualquer que seja a circunstância, ele vive em Mim. (6.30-31) Como esses versos dão bem a entender, podemos ver esse estado mental de união como

sendo também compartilhado pela Divindade Pessoal: o yogī está mentalmente unido a

Kṛṣṇa aparentemente na mesma medida em que ele está unido ao yogī :

Sou igual para com todos os seres; não odeio nem favoreço ninguém. Mas aqueles que me honram com devoção estão em Mim, e eu também estou neles. (9.29)

9. Yoga enquanto Poder Místico

A última concepção de yoga encontrada na Gī tā é uma concepção construída a

partir de alguns poucos versos que usam a palavra “yoga” enquanto significando poder ou força mística: Aquele que conhece de verdade meu esplendor e poder místico ( yoga ), está unido ( yujyate ) a Mim através de inabalável yoga. Quanto a isso não há dúvida. (10.7)

Ricardo Silvestre Referências Bibliohgráficas

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SCHWEIG, Graham. Bhagavad Gita: The Beloved Lord's Secret Love Song. New

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SCHWEIG, Graham. “O Yoga da Bhagavad-gī tā ”. In: Filosofia e Teologia da

Bhagavad-gita , (orgs.)R. Silvestre & I. Theodor, Curitiba: Juruá Editora, 2015, p. 169-

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White, Princeton: Princeton University Press, 2012, p. 1-23.