











Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity
Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium
Prepare-se para as provas
Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity
Prepare-se para as provas com trabalhos de outros alunos como você, aqui na Docsity
Os melhores documentos à venda: Trabalhos de alunos formados
Prepare-se com as videoaulas e exercícios resolvidos criados a partir da grade da sua Universidade
Responda perguntas de provas passadas e avalie sua preparação.
Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium
Comunidade
Peça ajuda à comunidade e tire suas dúvidas relacionadas ao estudo
Descubra as melhores universidades em seu país de acordo com os usuários da Docsity
Guias grátis
Baixe gratuitamente nossos guias de estudo, métodos para diminuir a ansiedade, dicas de TCC preparadas pelos professores da Docsity
Este texto analisa as cinco concepções de yoga encontradas na bhagavad-gītā: yoga como prática, yoga como estado mental qualificado, yoga como equanimidade mental e renúncia, yoga como poder místico e yoga como união. O artigo também discute a contribuição de graham schweig em relação ao conceito de yoga na bhagavad-gītā.
O que você vai aprender
Tipologia: Notas de aula
1 / 19
Esta página não é visível na pré-visualização
Não perca as partes importantes!
1
RESUMO O objetivo deste artigo é analisar o conceito de yoga da Bhagavad-gī tā. Cinco concepções de yoga encontradas no texto são descritas: yoga enquanto disciplina ou prática, yoga enquanto disciplina qualificada, yoga enquanto estado mental de equanimidade e renúncia, yoga enquanto estado de união e yoga enquanto poder místico. As relações existentes entre essas concepções são explicitadas e o que podemos chamar de a estrutura do yoga na Bhagavad-gī tā é pormenorizada. PALAVRAS-CHAVE : Conceito de yoga , estrutura do yoga , Bhagavad-gī tā. ABSTRACT The purpose of this article is to analyze the concept of yoga in the Bhagavad-gī tā. Five conceptions of yoga found in the text are described: yoga as discipline or practice, yoga as qualified discipline, yoga as mental state of equanimity and renunciation, yoga as state of union and yoga as mystical power.The relations existing between these conceptions are made explicit and what we could call the structure of yoga in the Bhagavad-gī tā is explained. KEYWORDS : Concept of yoga , structure of yoga , Bhagavad-gī tā. (^1) Recebido em 30/05/2017. Aprovado em 30/09/2017. Meus sinceros agradecimentos a Sergio Mendes, que leu todo o manuscrito e fez comentários pertinentes acerca de algumas passagens em que comento termos sânscritos, bem como a Robson Chaves, por ter também lido todo o texto e feito comentários pontuais, mas valiosos, acerca de sua gramática. (^2) Doutor em Filosofia. Professor de Filosofia da Universidade Federal de Campina Grande. Email: ricardoss@ufcg.edu.br
A Estrutura do Yoga na Bhagavad-gītā
1. Introdução Além de ser um texto de enorme apelo popular, tanto dentro como fora do
É prática comum explicar o significado da palavra “yoga” se referindo à raiz verbal
heterogeneidade semântica desse termo na tradição indiana como um todo (WHITE, 2012),
Nesse sentido, é louvável a contribuição dada por Graham Schweigem um dos
elementos essenciais e, na verdade, o significado último da palavra “yoga” são revelados na definição da palavra substantiva inglesa “yoke”, em português “jugo”: A descrição léxica de yoke , ou jugo, é a de uma barra através da qual as cabeças ou pescoços de dois animais são mantidos juntos. Os elementos essenciais dessa definição podem ser descritos como segue: (1) um elemento abrangente e poderoso, (2) uma entidade particular, (3) outra entidade particular, e (4) uma conjunção íntima entre as duas entidades. Portanto, o elemento abrangente junta uma entidade à outra de forma a criar uma relação íntima entre as duas entidades. (SCHWEIG, 2015, p. 173)
experimentada entre duas entidades que estão juntas uma à outra por uma força, ou poder especial. Esses quatro elementos semanticamente característicos da palavra “jugo”
Divindade às almas, como concede a divindade das almas; ao mesmo tempo que facilita a (^3) Exemplos de versos da Gī tā onde essas significações da palavra “yoga” aparecem seguem: prática (2.49), estado mental (2.53), poder místico (10.7), união (3.26; aqui o termo que aparece é “yukta”, não “yoga”) e desunião (6.23).
A Estrutura do Yoga na Bhagavad-gītā
místico (Seção 8). Toda a estrutura é resumida verbalmente e graficamente na Seção 10; é aconselhável ao leitor consultar esse esquema gráfico na medida que se progrida na leitura do texto.
A palavra “yoga” é um dos termos mais recorrentes e cruciais dentro da
o verso 39 do capítulo 2: Isto é buddhi (discernimento, inteligência ou iluminação), e foi ensinada a ti através de sāṅ khya (teoria ou estudo analítico). Agora ouve sobre isso através de yoga (prática). Unido por essa iluminação, filho de Pṛthā, tu livrar-te-ás das amarras da ação. (2.39)
abordagem (mais ou puramente) teórica do tema em questão. No entanto, no decorrer do
é ele mesmo um tema ou corpo de conhecimento, que pode ser tanto apreendido, em um sentido intersubjetivo do termo, como praticado. Que se trata de algo passível de ser praticado é deixado claro em diversos
Como uma lamparina que, protegida do vento, não tremula, assim é comparado o yogī de mente controlada que pratica o yoga do eu. (6.19) O Senhor disse: Com a mente fixa em Mim, Pārtha, praticando yoga , sob minha proteção, tu sem dúvida Me conhecerás por completo; ouves isso. (7.1) Vale a pena notar que ambos os versos contêm a expressão verbal “yuñjat”,
palavra “yoga” que vimos acima, significa praticando (particípio presente ativo)^4.
maestria na ação: Conectado à iluminação ( buddhiyukta ), o indivíduo abandona, aqui, tanto a ação boa quanto a má. Sendo assim, pratica o yoga ( yogā ya yujyasva ). Yoga é habilidade nas ações. (2.50) (^4) Outros versos que contém a mesma ideia de yoga enquanto algo passível de ser praticado, são os versos 2.50, 6.12, 6.20, 6.23, 6.28 e 12.9. Com exceção dos versos 6.20 e 12.9, todos esses versos contém expressões verbais derivadas da mesma raiz yuj significando o ato de praticar; enquanto o verso 6. contém a expressão “sevā”, o 12.9 contém a expressão “abhyāsa”, ambas significando prática.
Ricardo Silvestre Que se trata de uma disciplina passível de ser ensinada e aprendida é deixado claro
centrais, senão o tema central, de todo o diálogo: Pela graça de Vyāsa, eu ouvi esse supremo segredo do yoga diretamente de Kṛṣṇa, o senhor do yoga ( Yogeś vara ), que o falou pessoalmente. (18.75) A mesma ideia aparece de forma talvez mais clara nos três primeiros versos do capítulo quarto: O Senhor disse: Ensinei este yoga imperecível a Vivasvān; Vivasvān o expôs a Manu; Manu transmitiu-o a Ikṣvāku. Reis-sábios, então, aprenderam-no tal como recebido em sucessão. Após muito tempo aqui, ele se perdeu. Hoje, ensino-te esse mesmo antigo yoga , esse mistério supremo, pois és meu devoto e amigo. (4.1-3)^5
quer que o ensine seja ele mesmo também um praticante. De fato, há ao menos um verso
Ó yogī , como devo eu compreender-Te, constantemente meditando em Ti? E em quais diferentes estados de ser, Ó Senhor, devo eu pensar em Ti? (10.17)
paradigmaticamente representado por Arjuna, do outro – são de fundamental importância
adiante.
forma qualificada. O verso 3 do terceiro capítulo, por exemplo, contém as primeiras
(^5) Outros versos que contém a ideia de yoga enquanto algo passível de ser ensinado/aprendido são os versos 6.44 e 12.1. (^6) Os outros versos nos quais a expressão “yogeśvara” aparece são os versos 11.4, 11.9 e 18.78.
Ricardo Silvestre De uma maneira ou de outra, pode-se defender que essa pluralidade de ‘tipos’ de
Em resposta a isso, apontaria primeiramente para o fato de que, apesar de que
mostrado acima, outras maneiras qualificadas que a palavra “yoga” aparece no texto. Considerando isso, surge então a questão: se há tantas maneiras de se referir de forma
qualificadas conforme ilustrado acima. Assim, porque não inverter a equação e dizer, ao
Naturalmente o que está envolvido aqui é um processo de reconstrução conceitual característico da filosofia indiana. Em geral, em função da natureza muitas vezes crítica e obscura dos textos clássicos indianos, os conceitos são apresentados de forma extremamente vaga e ambígua. Dessa forma, cabe ao comentador apresentar de uma maneira minimamente precisa e inteligível aquele conceito que aparece apenas de forma
de reconstrução conceitual. O que é fundamental notar é que esse processo de reconstrução conceitual não
usados para suportar visões diferentes em relação ao exato significado de um termo. Por exemplo, como o termo “yoga” aparece majoritariamente de forma não-qualificada, trata- se, em geral, de um processo suscetível a mais de uma interpretação dizer a qual tipo de
Dado isso, vou adotar a seguinte pressuposição neste artigo: existe de fato algo
qualificada são na verdade disciplinas diferentes, mas intimamente relacionadas umas com
único. Apesar de, no decorrer do artigo, evidências a favor dessa pressuposição serem fornecidas, por razões de espaço uma argumentação completa será dada apenas em outro
Devo, no entanto, mencionar que essa não é a minha posição; de fato acredito que esses
aqui uma argumentação em defesa disso, assumo por razões de simplicidade a mencionada pressuposição.
A Estrutura do Yoga na Bhagavad-gītā
Outro uso da palavra “yoga” é encontrado no verso 48 do segundo capítulo; na
Fixo em yoga , realiza ações; abandonando o apego, seja indiferente a sucesso e fracasso, pois essa equanimidade é yoga. (2.48) Enquanto que a primeira ocorrência de “yoga” pode ser vista como significando disciplina ou prática, a segunda é explicitamente colocada como significando algo bem
definido como sendo renúncia: O que chamam de renúncia, fica sabendo que é yoga , Pāṇḍava; ninguém se torna um yogī sem renunciar ao desejo egoísta. (6.2) A referência ao termo “yogī” dá indícios importantes sobre que relação existe
pode ser visto tanto como pré-requisito para o início dessa prática, como o resultado dela, ou mesmo como ambos. De todo modo, seria um estado mental a ser cultivado na e pela
equanimidade presente no verso 2.48.
... a isso se chama yoga , o desvincular do vínculo com o sofrimento. O indivíduo destina-se a praticar yoga com convicção e mente intrépida. (6.23)
como o verso 2.14, por exemplo, apontam nessa direção.
sofrimento. Em primeiro lugar, o verso 6.2 se refere à renúncia do desejo egoísta: não se
colocada no contexto da ação, ou mais especificamente, no contexto do dever do
(^8) Há outros versos não-definicionais, por assim dizer, que também colocam yoga enquanto renúncia e equanimidade. Por exemplo, enquanto que o verso 6.33 pode ser defendido como definindo yoga enquanto equanimidade, pode-se argumentar que o verso 6.4 coloca yoga enquanto um estado mental de renúncia. (^9) taṁ vidyā d duḥ khasaṁ yoga viyogaṁ yogasaṁ jñitam. (^10) na hy asannyasta-saṅ kalpo yogī bhavati kaś cana.
A Estrutura do Yoga na Bhagavad-gītā Uma alma ( ā tmā ) satisfeita com conhecimento e sabedoria, que se situa no topo com os sentidos subjugados, diz-se estar conectada ( yukta ) – um yogī para quem barro, pedra e ouro são iguais. (6.8)^13 Segundo, há versos que mencionam da mesma forma o dito estado, sem se referir
união se dá. Por exemplo, enquanto que o verso 2.39 contém a ideia de estar unido por
Isto é buddhi (iluminação), e foi ensinada a ti através de sāṅ khya. Agora ouves sobre isso através de yoga. Unido ( yukta ) por essa iluminação, filho de Pṛthā, tu livrar-te-ás das amarras da ação. (2.39) Na hora da morte, com a mente imóvel, unido ( yukta ) pela devoção e através do poder do yoga , fixando o ar vital entre as sobrancelhas, ele alcança esse supremo Senhor divino. (8.10) Encontramos pela primeira vez algo que pode ser tomado como o objeto de união
Conectado à iluminação ( buddhiyukta ), o indivíduo abandona, aqui, tanto a ação boa quanto a má. Sendo assim, pratica o yoga. Yoga é habilidade nas ações. (2.50)
mencionado no verso anterior (2.49) e é, pode-se argumentar, o tipo de yoga ao qual esse verso está se referindo. Assim, pela expressão “buddhiyukta” estar-se-ia apenas fazendo
Raciocínio semelhante pode ser usado em relação à expressão “yogayukta”,
Renúncia, contudo, ó Homem de Braços Poderosos, é difícil de atingir sem yoga. Unido ao yoga , um sábio logo atinge brahman. (5.6)^15
Com visão equânime em todas as circunstâncias, aquele cujo eu está unido em yoga ( yogayuktā tmā ) vê o eu em todos os seres e todos os seres no eu. (6.29) Nesses dois casos, pode-se razoavelmente argumentar que “yogayukta” e “yogayuktātmā”
(^13) Outros exemplos são os versos 4.18, 5.8, 5.12, 5.23, 6.18 e 7.. (^14) Enquanto o verso 2.39 contém a expressão “buddhyā yukto”, o verso 8.10 contém a expressão “bhaktyā yukto”. Em ambos os casos, os substantivos em questão ( buddhi e bhakti ) estão declinados de acordo com o caso instrumental, dando a ideia de instrumento ou maneira através da qual a união ( yukta ) se dá. (^15) A mesma expressão aparece também nos versos 5.7 e 8.27.
Ricardo Silvestre
possibilidade igualmente razoável é ver essas expressões como se referindo a um estado de
“yogayuktātmā” seriam traduzidos, respectivamente, como “conectado ou unido em
Esse raciocínio já não pode ser usado em relação à expressão “brahmayogayuktātmā”: Aquele cujo eu está desapegado de contatos externos, que encontra prazer no eu, cujo Eu está unido a brahman em yoga ( brahmayogayuktā tmā ), encontra felicidade imperecível. (5.21) Aqui, a tradução literal mais razoável para “brahmayogayuktātmā” seria aquele cujo Eu
neste verso, a entidade referenciada por esse que é um dos conceitos mais importantes da
supostamente se une. Ideia semelhante aparece no verso 6.27: O yogī cuja mente é pacífica, cujas paixões estão subjugadas e que está livre de impureza, sendo brahman ( brahmabhū ta ), atinge a felicidade máxima. (6.27)
referenciada pela expressão “brahman” como nosso primeiro candidato ao posto de objeto
E de todos os yogī s , aquele cujo eu interior foi a Mim e que me adora (ama ou honra) com fé eu considero como o mais unido a Mim ( māṁ sa me yuktatamo mataḥ ). (6.47)
Desse modo ficarás livre dos bons e maus frutos, que são cativeiro de karma. Liberado, com teu Eu unido pelo yoga da renúncia ( sannyā sayogayuktā tmā ), virás a Mim. (9.28) Aqui encontramos a expressão “sannyāsayogayuktātmā”, que pode ser traduzida
(^16) Outra possibilidade em termos de tradução seria “disciplinado em ou pelo yoga ” e “o eu que está disciplinado em ou pelo yoga ”( yukta pode também pode ser traduzido como disciplinado ).
Ricardo Silvestre
falando de duas entidades que se ‘fundem’ de forma a se tornarem uma entidade única;
entidade que, devido a um sentido enganador de identidade ou ego, se vê como sendo muitos, e que um desses muitos falsos egos compreende, no sentido prático, quasi-
vezes. Há, como talvez seja de se esperar, uma diversidade semântica no uso dessa palavra
particularmente relevante de escritura^17 ; também é usada para se referir à sílaba sagrada
Em vários outros casos, no entanto, o termo aparece com uma significação
Declararei a ti o que deve ser conhecido, conhecendo o qual atinge-se a imortalidade: o brahman sem começo, subordinado a Mim e que se diz ser nem existente nem não-existente. Em toda parte, estão suas mãos e pés; em toda parte, seus olhos, cabeça e boca. Ele ouve em toda parte neste mundo. Englobando tudo neste mundo, ele permanece. Semelhante a todos os modos dos sentidos, ele é desprovido de todos os sentidos; desapegado, mas mantendo tudo, livre dos modos mas desfrutador dos modos. Fora e dentro dos seres, imóvel e móvel, é muito sutil para ser compreendido, muito distante e próximo. Indiviso nos seres, situa-se como que dividido. Sustentador dos seres, deve ser conhecido como devorador e produtor. É dito ser das luzes aquela luz além da escuridão. É conhecimento, o objeto do conhecimento e o propósito do conhecimento. Está situado no coração de todos. (13.13-18)
deva ser visto como uma indicação de sua inefabilidade ou incapacidade de ser compreendido pela razão humana. Também é de certa forma identificado com tudo o que existe, ou no mínimo colocado como sendo onipresente; é o sustentáculo ontológico da realidade e o princípio ou substância indivisa comum a todos os seres. Em consonância com a expressão “brahmabhūta” que vimos acima^20 , há também menção, quatro vezes ao todo, à expressão “brahmanirvāṇa”^21 : Com felicidade interior, deleite interior e luz interior, esse yogī atinge nirvāṇ a em brahman , sendo brahman ( brahmabhū ta ). (5.24) (^17) O verso 6.44, por exemplo, usa a expressão “śabdabrahma”, literalmente brahman - verbo ou brahman - som, ou ainda, o brahman na forma de linguagem; já o verso 13.5 contém a expressão “brahmasūtra”, literalmente aforismos brahman (no estilo literário de sū tras ); o verso 3.15 contém um uso similar do termo “brahman”. (^18) Versos 8.13 e 17.23. (^19) Versos 8.16-17, 9.15 e 11.37. (^20) Essa expressão aparece ao todo cinco vezes na Gī tā : nos versos 5.24, 6.27, 14.26, 18.53 e 18.54. (^21) Versos 2.72, 5.24, 5.25 e 5.26.
A Estrutura do Yoga na Bhagavad-gītā
Dessa forma, talvez tenhamos uma resposta preliminar às nossas perguntas,
anônima e impessoal.
Primeiramente, versos como os mencionados acima não contêm, estritamente falando,
idêntica a toda a realidade. Tudo o que poderíamos dizer é que esses versos sugerem ou podem ser usados para suportar essa visão. A rigor, isso não seria um problema muito sério, visto que o mesmo pode ser dito (talvez em menor grau) das descrições acerca de
filosófica indiana em geral: sistematizar e tornar explícito aquilo que é apenas sugerido, digamos assim, de forma assistemática nos textos canônicos? O problema, e esse é o meu
peculiar, distinto dos outros Eu’s. Poder-se-ia argumentar contra isso que, apesar do uso do termo “ātmā”, o Eu ao qual está-se referindo aqui não possui características tradicionalmente atribuídas a um agente. De fato, o verso 13.32 diz que esse Eu supremo,
Uma objeção mais sólida poderia talvez ser construída a partir dos vários versos
primeiro verso da sequência do capítulo 13 mostrada acima, Kṛṣṇa usa expressão “mat
(^22) akṣ araṁ brahma paramaṁ svabhā vo 'dhyā tmam ucyate. (^23) anā ditvā n nirguṇ atvā t paramā tmā yam avyayaḥ.
A Estrutura do Yoga na Bhagavad-gītā
impessoal e onipenetrante, mas subordinado ao Supremo pessoal^29.
que defende que o Supremo é um ser pessoal, a visão de Jīva também, como talvez seja de se esperar, ultrapassa os elementos conceituais encontrados no texto e que, em alguns momentos, parecem contradizê-la. Por exemplo, apesar de haver a estipulação dessa relação
obviamente, de um elemento extratextual. Outro exemplo: no final da sequência de versos
como estando situado no coração de todos os seres^30.
No entanto, e apesar disso, há, seguramente muitas características não-
imperecível e supremo (8.3), produz felicidade ilimitada (6.28), é equânime (5.19) e Kṛṣṇaé o seu suporte (14.27). Entretanto, tais referências textuais não nos permitem caracterizar
subsídios também para responder à segunda pergunta: qual a natureza dessa união? Em
essas perguntas. No entanto, há, conforme tentei mostrar acima, suporte evidencial claro de que
relevante, pois pode ser usado como ponto de partida na construção de uma resposta
(^28) 2.8.98-102. (^29) Na verdade, apesar de ambas as tradições usarem o mesmo termo, “brahman”, trata-se de dois conceitos diferentes, muito embora mantenham semelhanças importantes um com o outro. (^30) Versos 6.31, 10.11, 10.20 e 15.15. O verso 18.61 coloca a mesma ideia não mais em primeira pessoa, mas em terceira pessoa através de menção a Īś vara. (^31) Apesar da aparente contradição na qual o verso 8.3 estabelece brahman como supremo.
Ricardo Silvestre
as outras divindades (10.2) e de tudo o que existe (10.8), desfrutador último de todos os tipos de sacrifício (9.24) e a fonte da memória, conhecimento e esquecimento de todos (15.15); não há nada nem ninguém além dele ou superior a ele (7.7, 11.43), ele é o grande Senhor de todos os mundos (5.29), o criador e sustentador de tudo (8.9),a origem e a
supremoe a pessoa divina suprema (10.12).
todo o tempo (2.12). Como tal, ele é capaz de se envolver em relações pessoais com outros
Kṛṣṇa o coloca como estando (ou como passível de estar) em uma relação de devoto para com ele (4.3, 9.34, 18.65), bem como se encontrando em uma relação de amizade com ele (4.3, 6.40). Essa possibilidade de se relacionar como devoto ou amigo de Kṛṣṇa se
Dessa forma, em resposta à segunda pergunta – qual a natureza da relação de
relação pessoal de união, que envolve, entre outras coisas, um forte componente mental
com a Divindade Pessoal, Kṛṣṇa.
Para aquele que Me vê em toda parte e vê tudo em Mim, Eu não estou perdido, e ele não está perdido para Mim. Aquele que está absorto na unidade e honra- Me como presente em todos os seres é um yogī ; qualquer que seja a circunstância, ele vive em Mim. (6.30-31) Como esses versos dão bem a entender, podemos ver esse estado mental de união como
Sou igual para com todos os seres; não odeio nem favoreço ninguém. Mas aqueles que me honram com devoção estão em Mim, e eu também estou neles. (9.29)
partir de alguns poucos versos que usam a palavra “yoga” enquanto significando poder ou força mística: Aquele que conhece de verdade meu esplendor e poder místico ( yoga ), está unido ( yujyate ) a Mim através de inabalável yoga. Quanto a isso não há dúvida. (10.7)
Ricardo Silvestre Referências Bibliohgráficas
York Press, 2009.
York: HarperCollins Publishers, 2007.
White, Princeton: Princeton University Press, 2012, p. 1-23.