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Este documento aborda a crise educacional, analisando suas raízes históricas e as consequências negativas na educação pública. Além disso, propõe soluções para a recuperação do sistema educacional, enfatizando a necessidade de uma articulação entre educação, epistemologia e política. O texto é dividido em cinco capítulos, abordando temas como a natureza do conhecimento, a relação entre sociedade e escola, a ética e a ecologia.
O que você vai aprender
Tipologia: Notas de aula
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Em 1996 pude terminar, sob a orientação iluminadora do pro- fessor Paulo Freire, a redação conclusiva da minha tese de Doutorado, com o mesmo título e conteúdo que o deste livro. Esta não foi uma coincidência fortuita ou mero aproveitamento posterior de um material para publicação; quando da realização do doutoramento, orientador e orientando tínhamos um propósito nítido: a tese teria de ser escrita para ser lida, meditada, debatida, enfrentada e acolhida pela professora e pelo professor atuante no cotidiano das escolas, sem uma linguagem afastante e esotérica, com um academi- cismo pedante. Por isso, o mesmo texto que foi para a Defesa Pública no Pro- grama de Pós-Graduação em Educação (Currículo) da PUC-SP em 18 de junho de 1997 também é o mesmo que foi publicado originalmen- te, em 1998, pela parceria entre o Instituto Paulo Freire e a Cortez Editora e, a partir de 2008, com o acréscimo de um capítulo final sobre Ética, somente pela Cortez, já na décima quarta edição e várias reimpressões. Note-se que a data da Defesa é posterior à morte de Paulo Frei- re em 2 de maio de 1997; no final do ano anterior já houvéramos marcado o dia da Defesa para meados de maio e fui, como inúmeras outras pessoas, tristemente surpreendido pela sofrida ausência física desse inestimável educador.
A ESCOLA E O CONHECIMENTO 13 quando se dispõe a preparar-se continuamente. Se eu supuser que já sei o que preciso para ser docente, esqueci-me que atuamos com Vida, e Vida é Processo, e Processo é Mudança. A segunda é a afastar a fragmentação pessoal. Nós somos uma pessoa, e só uma; a isso chamamos “indivíduo”, ou seja, o que não se divide. Por isso, não existe vida “profissional”, vida “familiar”, vida “pessoal”. O que há é a vida da Pessoa, com inúmeras ocorrên- cias concomitantes. A preservação e o respeito à individualidade é um valor a ser protegido; o grande risco está em admitir o individualismo, ou seja, a postura egocêntrica e exclusivista, que costuma redundar em con- vivência predatória. Porém, há muitos homens e muitas mulheres que rejeitam tal posição e, em vez de ficarem bradando por aí “alguém tem de fazer alguma coisa!”, juntam-se para fazer o que pode e precisa ser feito. É possível, sim, recusar o fratricídio paulatino e aderir a princípios de compartilhamento da Vida que nos impeçam de lembrar o que escreveu Millôr Fernandes: “É preciso ter sem que o ter te tenha”... Por isso, cinco competências essenciais necessitam estar presen- tes entre docentes e discentes: Humildade, Sinceridade, Integridade, Pluralidade e Solidariedade. Humildade para saber que somos qualificantes, em vez de já qualificados; Sinceridade para impedir ilusionismos que inundam as promessas de um mercado que não é sempre acolhedor; Integridade para recusar a ideia maléfica do “fazemos qualquer negócio”; Pluralidade para favorecer o convívio com as diferenças e o acolhimento das diversidades; Solidariedade para não abandonarmos a máxima da vida cooperativa: E pluribus unum (Um por todos; Todos por um). Destas, a competência mais necessária ao exercício da prática docente é humildade. Humildade não é subserviência, não é simples- mente abrir mão daquilo que se pensa, se deseja, que se tem como valor. O que é humildade? É saber que eu e você não somos perfeitas ou perfeitos. Eu gosto dessa palavra porque perfeito em latim significa
14 MARIO SERGIO CORTELLA “feito por completo”, “ feito por inteiro”, isto é, “concluído”. E um educador sabe que não está perfeito, não está concluído, não está terminado. Há, ainda, claro, a esperança ativa. No século 19, Karl Marx escreveu que a humanidade nunca se coloca problemas que ela já não tenha condições de resolver, pois a mesma condição que traz os pro- blemas à tona, cria a consciência para começar a solucionar. Portan- to, penso que não tardaremos em dar um basta a tudo o que for ho- micida, pois já há sinais de esgotamento de um modelo que infelicita e amargura as existências. Por isso, de fato, a maior lição que aprendi com Paulo Freire foi o uso do verbo esperançar. Paulo Freire dizia que é preciso ter esperança, mas do verbo esperançar , porque tem gente que tem esperança do verbo esperar , e esperança do verbo esperar não é esperança, é espera. Alguns dizem “espero que dê certo”, “espero que funcione”, “espero que resolva”, isso não é esperança, é espera. Esperançar é ir atrás, se juntar, não desistir. O que mais aprendi com Paulo Freire foi a ideia de esperança ativa, que não é de pura espera, mas é a esperança que procura, constrói, busca e sabe que a atividade docente, acima de tudo, não é somente um emprego, é fonte de vida. A docência é uma fonte de vida, em que a esperança é a nossa recusa ao biocídio, a nossa recusa à falência da Vida e, portanto, o nosso modo de existir e esperançar.
16 MARIO SERGIO CORTELLA A crise é a mesma e não é uma crise qualquer. Foi, muitas vezes, um projeto deliberado de exclusão e dominação social que precisa ser derrotado, para não ficarmos permanentemente aprisionados no maniqueísmo mercantil ou na disfarçada delinquência estatal. Assim, é importante observarmos o contexto mais próximo a nós como gerador imediato da situação atual, na qual este livro se insere.
Os últimos 40 anos da história brasileira foram marcados por um fenômeno de consequências profundas e múltiplas: um acelerado processo de urbanização que acabou por transferir a maioria absolu- ta de nossa população das áreas rurais para as cidades. Há meio século, pouco mais de 30% dos brasileiros viviam nas cidades e, consequentemente, a demanda por serviços públicos nos setores de educação, saúde, habitação, infraestrutura urbana etc. fi- cava bastante restrita. Os cidadãos não proprietários que viviam nas áreas rurais, mor- mente em um país predominantemente latifundiário, não tinham adequadas condições de organização para alavancar reivindicações, se- ja por estarem submetidos a um rígido controle político/econômico, seja pela própria distribuição populacional mais isolada e menos con- centrada; ademais, do ponto de vista da produtividade do trabalho e da lucratividade do capital, a escolarização dos trabalhadores, por exemplo, não era um pré-requisito básico. O modelo econômico implantado no país a partir de 1964 pri- vilegiou a organização de condições para a produção capitalista in- dustrial e, assim, o poder político central (atendendo aos interesses das elites) direcionou os investimentos públicos para grandes obras de infraestrutura: estradas, hidrelétricas, meios de comunicação etc.; o financiamento para essa política e para a aquisição de equipamentos e tecnologias foi obtido com empréstimos no exterior (pelo Estado ou
A ESCOLA E O CONHECIMENTO 17 por privados com o aval do Estado) e levou a um brutal endividamen- to do país, retirando, cada dia mais, os recursos necessários para in- vestimentos nos setores sociais. Ora, a aceleração da industrialização capitalista exige a concen- tração dos meios de produção e, claro, dos trabalhadores, gerando uma urbanização crescente e desorganizada; a ausência de uma re- forma agrária efetiva, as benesses de incentivos fiscais aos grandes proprietários, a prioridade ao plantio de produtos agrícolas de colhei- ta mecânica para exportação, a hegemonia monocultural para fabri- cação de álcool combustível (ocupando extensas áreas antes destinadas ao cultivo de alimentos), tudo isso e muito mais contribuiu para a expulsão da população rural em direção aos centros urbanos. Ao mesmo tempo, e não por coincidência, os investimentos nos setores sociais foram reduzidos drasticamente, não acompanhando minimamente as novas necessidades urbanas decorrentes do modelo econômico; disto, dois fatos emergiram: o colapso de serviços públicos como educação e saúde (com seu inchaço despreparado) e a progres- siva ocupação deles pelo setor privado da economia. Na Educação, alguns dos efeitos foram desastrosos: demanda explosiva (sem um preparo suficiente da rede física), depauperação do instrumental didático/pedagógico nas unidades escolares (reduzin- do a eficácia da prática educativa), ingresso massivo de educadores sem formação apropriada (com queda violenta da qualidade de ensino no momento em que as camadas populares vão chegando de fato à Escola), diminuição acentuada das condições salariais dos educadores (multiplicando jornadas de trabalho e prejudicando ainda mais a pre- paração), imposição de projeto de profissionalização discente univer- sal e compulsória (desorganizando momentaneamente o já frágil sis- tema educacional existente), domínio dos setores privatistas nas instâncias normatizadoras (embaraçando a recuperação da educação pública), centralização excessiva dos recursos orçamentários (subme- tendo-os ao controle político exclusivo e favorecendo a corrupção e o esperdício). Assim, a educação pública das últimas décadas (com reflexos no ensino privado) foi um dos desaguadouros do intencional apartheid
A ESCOLA E O CONHECIMENTO 19 qualidade. Afinal, a qualidade não se obtém por índices de rendimen- to unicamente em relação àqueles que frequentam escolas mas pela diminuição drástica da evasão e pela democratização do acesso. Não se confunda qualidade com privilégio ; em uma democracia plena, só há qualidade quando todas e todas estão incluídos; do contrário, é privilégio.^1 Não podemos esquecer o analfabetismo de adultos! Muitos entre aqueles que hoje falam euforicamente sobre o aumento da uni- versalização do Ensino Fundamental no Brasil, ou omitem deliberada- mente a imensa massa de cidadãos adultos ainda analfabetos, ou, pior, defendem a não necessidade de investir recursos para alfabetizá-los, em uma espécie de elogio do “social/darwinismo”. Essa qualidade social, por sua vez, carece de uma tradução em qualidade de ensino e, assim, a formação do educador necessita abranger o elemento técnico de especialização em uma área do saber (e a capacitação contínua) e também a dimensão pedagógica da ca- pacidade de ensinar; a discussão sobre tal dimensão envolve ainda temas mais amplos como a democratização da relação professor/ aluno, a democratização da relação dos educadores entre si e com as instâncias dirigentes, a gestão democrática englobando as comunida- des e, por fim, como objetivo político/social mais equânime, a de‑ mocratização do saber. A democratização do saber deve revelar-se, então, como objeti- vo último da Escola Pública, na educação da classe trabalhadora (agora a frequentando em maior número) com uma sólida base científica , formação crítica de cidadania e solidariedade de classe social. Esses três polos, a resultarem também do trabalho dos educa- dores, precisam comportar a garantia de que as crianças, jovens e adultos tenham acesso ao conhecimento universal acumulado e pos- sam dele se apropriar (tornarem-se proprietários), sem que esse acesso seja impositivo e nem restrito a uma formação erudita (sem
20 MARIO SERGIO CORTELLA relação com sua existência social e individual); de outro lado, essa relação do conhecimento científico com o universo vivencial dos alunos demanda evitar o pragmatismo imediatista que entende deve- rem as classes trabalhadoras frequentar escolas apenas para aprender a trabalhar. Portanto, não é uma Escola Pública na qual o trabalhador sim- plesmente aprenda o que iria utilizar no dia ou semana seguinte no seu cotidiano (em uma dimensão utilitária e redutora), mas aquela que selecione e apresente conteúdos que possibilite aos alunos uma com- preensão de sua própria realidade e seu fortalecimento como cidadãos, de modo a serem capazes de transformá-la na direção dos interesses da maioria social. Uma nova qualidade social , por sua vez, exige uma reorien‑ tação curricular que preveja o levar em conta a realidade do aluno. Levar em conta não significa aceitar essa realidade mas dela partir ; partir do universo do aluno para que ele consiga compreendê-lo e modificá-lo. Fazer uma Educação Pública nessa perspectiva implica em fazê-la voltada para as necessidades da quase totalidade de nossa população; porém, essa mesma população tem um arsenal de conhecimentos para o dia a dia que, se são satisfatórios para a sobrevivência imedia- ta, mostram-se frágeis para a alteração mais radical de suas coletivas condições de existência. Por isso, a precisão de transmutar os conhecimentos científicos em ferramentas de mudança; o universo vivencial da classe trabalha- dora é extremamente rico culturalmente mas precário em termos de conhecimentos mais elaborados, que são propriedade quase exclusiva das elites sociais que dificultam ao máximo o acesso da classe traba- lhadora a esta forma de conhecimento eficaz. Em função disso, o presente estudo tem como objetivo central analisar a questão do Conhecimento no interior da Escola, do ponto de vista de alguns de seus fundamentos epistemológicos e políticos (enquanto produção e apropriação da Cultura), de modo a subsidiar as educadoras e os educadores na reflexão sobre o sentido social concreto do que fazem.
22 MARIO SERGIO CORTELLA algumas compreensões sobre a relação entre Sociedade e Escola, segue com um alerta contra o pedagocídio e finaliza com a perspecti- va de um Conhecimento como ferramenta da Liberdade e de um Poder como amálgama da convivência igualitária. O capítulo 5 ( Conhecimento, Ética e Ecologia ) apresenta-se como reflexão em torno de uma das urgências que temos hoje: difi- cultar e impedir o biocídio e colocar o Conhecimento como uma das formas éticas de não apequenar a Vida.
“Criar não é um jogo mais ou menos frívolo. O criador meteu-se numa aventura terrível que é a de assumir ele próprio, até ao fim, os perigos que enfrentam as suas criações”. Jean Genet
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O que significa ser humano? Um passeio pelas nossas origens Cultura: o mundo humano Conhecimentos e valores: fronteiras da não neutralidade