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O livro "a domesticação do pensamento selvagem" de jack goody, analisa a influência da escrita na construção do conhecimento, desmistificando a dicotomia entre sociedades letradas e não letradas. Goody critica a visão etnocêntrica da ciência ocidental e propõe uma análise processual dos efeitos da escrita, explorando como a linguagem escrita molda os modos de pensamento e as instituições sociais. O autor demonstra como a escrita permite a organização e crítica do conhecimento, mas também destaca os perigos da imposição de métodos e categorias de análise de sociedades letradas sobre sociedades orais.
Tipologia: Esquemas
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A domesticação do pensamento selvagem-Jack Goody O livro é importante contribuição aos estudos sobre a construção do conhecimento, principalmente porque apresenta outra perspectiva analítica, pela qual ele se propõe romper com o contraste entre sociedades letradas e sociedades não letradas. Goody estabelece um profícuo diálogo com autores que, no campo da antropologia, da sociologia e da linguística, investiram no estudo desses tipos de sociedades, seja para demonstrar a diferença ou para reificá-la. Goody oferece assim ao leitor uma análise processual dos efeitos da escrita, tomando como unidade de análise os modos de pensamento e as instituições da sociedade. Preocupado em compreender a maneira como os modos de pensamento mudaram ao longo do tempo e no espaço, o autor traz à tona os mecanismos que permitiram a construção de um tipo específico de conhecimento. Goody demonstra como as categorias de “pensamento selvagem” e “pensamento domesticado”, de “situações fechadas” e “situações abertas” serviram como instrumentos analíticos de sobreposição da colonialidade da ciência letrada ocidental. (GOODY, 2012: 14) A respeito do arcabouço teórico que sustentava essas análises estruturalistas e funcionalistas, Goody dialoga com esses autores por construírem suas análises baseadas numa postura desenvolvimentista ou não desenvolvimentista dessas sociedades (como é o caso dos trabalhos de Comte, Marx, Spencer, Weber, Durkheim, no campo da sociologia; e Maine, Morgan, Tylor, Smith e Frazer, no campo da antropologia) e assim elabora os pressupostos metodológicos de sua teoria. Goody demonstra que esses autores terminavam por atribuir aos povos dessas sociedades um tipo de relativismo cultural, por vezes conferindo mais ênfase às diferenças ou julgando-as pela incapacidade. Nestes termos, o alerta metodológico que Goody nos oferece é de extrema relevância: qualquer recurso ao trabalho comparativo necessariamente faz surgir a questão evolucionária. Coloca, portanto, ao leitor uma questão para reflexão: O que comparar então? A perspectiva transdisciplinar que orienta o trabalho do autor permite abordar o tema da produção de conhecimento a partir da desconstrução de categorias analíticas dicotômicas e do arcabouço que, até então, vinham sendo utilizados por esses autores. Tais categorias, como afirma, estavam enraizadas na dicotomia nós/eles, expressas mediante postura tanto etnocêntrica quanto binária desses autores, associada ao surgimento da sociedade industrial moderna, para construir suas ferramentas metodológicas. Esta postura analítica, adotada pelos etnógrafos, encontra seu fundamento na emergência da ciência, ocorrida à época do Renascimento europeu. Na perspectiva de Goody, para rompermos com esta dualidade, é necessário admitirmos a “natureza etnocêntrica” (GOODY, 2012: 15) de nosso ponto de partida para alargarmos nosso campo de análise e de explicação sobre o desenvolvimento da mente e do pensamento humano. Assim, é preciso considerar as especificidades do campo de análise para chegar à compreensão de outros modos de ação no mundo. Para tanto, é indispensável abandonarmos nossas convicções sobre as pressupostas diferenças existentes entre esses mundos, para elaborarmos um trabalho que seja fiel à realidade que propomos compreender. Neste sentido, não basta reconhecer semelhanças e diferenças, como fez Lévi-Strauss, e “passarmos de uma dicotomia grosseira para uma unidade a- histórica” (GOODY, 2012: 16), mas ao reconhecermos o valor da classificação ou da não classificação, continuamos no caminho igualmente “enganoso”, com a falsa sensação de que fugimos à imposição da “verdade”, segundo o padrão ocidental de ciência letrada que
conhecemos e compartilhamos com nossos pares. (GOODY, 2012: 17) Goody nos alerta que não basta classificar de maneiras diferentes, nem tampouco reconhecer o elemento “científico” nas sociedades nas quais se estuda. Independentemente das alcunhas que a elas são atribuídas, quais sejam a de “primitiva” e “moderna”, “avançada” e “atrasada”, “desenvolvida” e “não desenvolvida”, “moderna” e “selvagem”, “primitiva” e “moderna”, todas foram etnocentricamente construídas a partir da dicotomia “nós” e “eles, consagrada a partir da pressuposição de que se é portador da verdadeira e única “ciência”. Devemos pois fugir do “binarismo etnocêntrico” (GOODY, 2012: 20) elaborado por Durkheim, Lévy- Bruhl, e nos mantermos alertas para perceber que as dificuldades apresentadas pelos indivíduos não se encontram no nível dessas oposições. Goody aponta que as análises devem se basear em critérios mais específicos para trazermos à tona as condições do processo de produção do conhecimento desses grupos. Neste sentido, as mudanças no sistema de comunicação devem ser consideradas, pois que a linguagem é atributo básico a todas as instituições sociais. Para o autor, são as mudanças permitidas pelos meios de comunicação que provocam alterações no pensamento humano e, em sendo assim, no conhecimento. Para o autor, o advento da escrita possibilitou a expansão da capacidade de ler e escrever, bem como a aplicação de princípios lógicos que permitem aos indivíduos se colocarem concomitantemente como sujeito e objeto do texto. Neste sentido, a diferença que se estabelece não é a partir de uma deficiência de aprendizado, mas da “mecânica dos atos comunicativos” e das condições de interação entre os sujeitos. (GOODY, 2012: 24) Assim, o domínio da leitura e da escrita permite uma mudança na direção de um maior “abstracionismo” e, na medida em que sua “utilidade” se universaliza nos contextos de interação verbal, provoca mudanças nos mecanismos de transmissão do conhecimento, podendo ser estes eliminados ou incorporados, como num processo de “homeostase cultural”. (GOODY, 2012:
Para Goody, a escrita permite que uma elocução possa ser inspecionada em suas partes; e, contrariamente, a fala, torna-se atemporal, abstrata e despersonalizada. Criticando o processo de transcrição apropriado por antropólogos para construir o texto e suas análises, Goody considera que a escrita é uma “coisa” separada da fala, desvinculada da ação, deslocada de seu fluxo – a fala. Esta é mais persuasiva porque menos vulnerável à crítica racional. Como sugere o autor, a escrita permite um ceticismo que é atribuído à ciência ocidental, principalmente pelo aspecto da racionalidade que a distingue das outras ciências. Sobre estes aspectos, Goody incorpora a definição de racionalidade de Wartofsky que, contrapondo-se à de ciência, define a “prática racional” como “uso autoconsciente ou reflexivo de conceitos; isto é como a atitude crítica em relação à prática e ao pensamento científico, que não constitui simplesmente o conhecimento científico, apenas, mas o autoconhecimento da ciência, o exame crítico de suas próprias bases conceituais.” (GOODY,2012:60) Destaca ainda que “as técnicas letradas operam como ferramenta analítica, promovendo a crítica e levando ao desenvolvimento do conhecimento”. (GOODY, 2012:61) A virada de jogo que Goody apresenta, mormente no capítulo 4, demonstra um profícuo investimento na compreensão de como os observadores organizaram o conhecimento dos membros das sociedades orais a partir de ferramentas características de sociedades letradas, como é o caso da tabulação de dados. Para Goody, este método inibe o estudo de modos de pensamento,engessando formas de comunicação e suas tradições a partir da classificação e organização desses conhecimentos. Esta abordagem metodológica da tabulação corresponde a necessidades do etnógrafo e não de seus interlocutores. Cabe, portanto, a questão: “para quem o esquema é coerente?” (GOODY,2012:72) Quem é o autor e quem é o entrevistado? De quem é a fala que aparece no texto? Do mesmo modo, a acusação de falta de coerência na apresentação/exposição do conhecimento do “outro”, é um aspecto para o qual Goody chama atenção. Para ele, esta forma de compreensão do saber tão somente demonstra a ambivalência que marca as categorias de análise reveladas pelo pesquisador. Chama atenção, portanto, para a compreensão das categorias segundo os contextos nos quais são evocadas, sem deixar de lado o contexto de sua produção sob risco de universalizá-las. Assim, afirma o autor sobre esta prática: “tende a ordenar a percepção de maneiras semelhantes, fornecendo arcabouços simplificados para os sistemas mais sutis de referência oral, cuja forma menos organizada é provavelmente mais bem indicada por tabelas que não tentem emular a correspondência firmemente tecida da tradição durkheimiana.” (GOODY,2012:82) A construção de tabela a partir de pares de oposição reduz a complexidade oral à simplicidade gráfica. A análise dos inúmeros tipos de listas (registro de eventos externos, papéis,situações, pessoas, ou seja, a lista como inventário de pessoas, objetos e eventos) sobre a qual Goody investe, tem o objetivo de discutir a influência da própria escrita nas operações cognitivas. Sua tese é a de que, ao analisar os efeitos potenciais da escrita, a natureza da comunicação é alterada. Para ele, a escrita não é outra dimensão da fala, assertiva pela qual o autor traz à tona a problemática da transcrição da fala e seu registro num texto escrito.“Essa transformação significa que as comunicações no tempo e no espaço são alteradas de maneira significativa.” (GOODY, 2012:88)
Preocupado em demonstrar sua tese, Goody considera que ao apresentar uma informação na forma escrita estamos oferecendo um artifício para encurtar os circuitos, pois que a linguagem escrita compõe um sistema de armazenamento da informação estável, mas nem por isso impossível de ser reordenado. Se a lista permite a classificação de pessoas, objetos e eventos é por sua condição óbvia da língua e do conhecimento como ferramenta classificadora. (GOODY, 2012:116) Em sendo assim, a escrita influencia não só o “tipo de recuperação”, como a “capacidade de recuperar a informação”. (GOODY, 2012:122) Sobre a flexibilidade da fala que a formalização da escrita despreza, no capítulo 6, Jack Goody considera o caso das relações de identidade conhecidas como “fórmulas”. Para ele, estas são “afirmações estabelecidas de relacionamentos em forma abstrata”. (GOODY, 2012, p. 123) Sua tese é de que as formas orais são objeto de transmissão entre gerações em sociedades orais. Para ele, as formulas enfatizam a diferenciação dos papéis, são dependentes do arranjo espacial. Assim, “a escrita é essencial não simplesmente porque ela preserva a fala no tempo e no espaço, mas porque ela transforma a fala ao abstrair seus componentes, ao ajudar em uma exploração do passado, de tal forma que a comunicação pelos olhos cria uma potencialidade cognitiva para os seres humanos que é diferente da comunicação oral pessoa a pessoa.” (GOODY, 2012:138) Ao se voltar para a análise de receitas em relação ao seu papel de permitir o acúmulo e o aprendizado de um repertório mais amplo, o autor demonstra o papel que esses instrumentos desempenham em diferentes sociedades orais, ressaltando que funcionam na transmissão do conhecimento, reduplicando-o, num processo de socialização. Como alerta o autor, esta técnica de escrita não só permite o acúmulo de conhecimento, mas também enfatiza e perpetua diferenciações de posição em um grupo a partir do reconhecimento pelo domínio da técnica. A leitura deste texto de Goody representa uma importante contribuição aos estudos do saber. Suas inúmeras edições e sua tradução em vários idiomas correspondem ao reconhecimento de seu esforço de sistematização do conhecimento e à compreensão das condições que permitem que distintos processos de produção do conhecimento sejam trazidos à tona pelo pesquisador. O saber do outro é, em fluxo, o saber que constitui o campo acadêmico.