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Este artigo discute o processo de desinfodemia no brasil, resultante de uma sistemática disseminação de fake news e falsas notícias científicas, apoiadas por instâncias públicas federais e veículos de comunicação aliados às prerrogativas bolsonaristas. O documento analisa o papel dessas atitudes ostensivas de agentes públicos e influencers/comunicadores na agravação da situação sanitária do país, e propõe um diálogo baseado em ferramentas de letramento midiático e informacional para promover uma cultura mais participativa da mídia e melhorar a compreensão dos processos de desinformação.
O que você vai aprender
Tipologia: Esquemas
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O objetivo deste artigo é discutir como se consolidou um processo de desinfodemia no Brasil a partir de um sistemático processo de desinformação que envolve a disseminação de fake news e o falseamento de notícias científicas a partir da manifestação e do suporte de instâncias públicas federais e de veículos de comunicação aliados às prerrogativas bolsonaristas. A desinfodemia é uma pandemia de desinformação sobre a covid-19, de acordo com estudo divulgado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Nesse sentido, visamos a uma sistematização do processo de desinformação no Brasil em tempos da pandemia a partir da suposição de que tal processo reverbera em comportamentos da população em geral, comportamentos esses de desconsideração ou não respeito a recomendações médicas e técnicas e de questionamento em relação aos fatores de contágio e de tratamento da covid, o que pode ser observado preliminarmente a partir das reiteradas matérias jornalísticas que mostram a população nas ruas das principais cidades sem os devidos cuidados de prevenção em relação, por exemplo, ao uso de máscaras. Buscamos, a partir desse levantamento de dados e sua consequente análise, propor um diálogo com base nas ferramentas de letramento midiático e informacional e a
Eliara Santana Ferreira*
criação regular de conteúdos que possam auxiliar na promoção de uma cultura midiática mais participativa e na melhor compreensão dos processos de desinformação, auxiliando na prevenção mais efetiva da covid-19 no Brasil. Palavras-chave: Desinfodemia. Letramento Midiático. Desinformação. Fake news.
The proposal of this research is to verify how disinfodemic process was consolidated in Brazil from systematic dissemination of fake news and misinformation that found support in federal public instances. Disinfodemic is a pandemic of disinformation about covid-19, according to a study released by the United Nations Educational, Scientific, and Cultural Organization (UNESCO). In this sense, we aim at a systematization of the disinformation process in Brazil in times of pandemic from the assumption that such process reverberates in behaviors of the population in general, behaviors that disregard or do not respect medical and technical recommendations and questioning factors of contagion and treatment of covid, which can be observed preliminarily from the repeated journalistic articles that show the population in the streets of major cities without the proper care of prevention in relation, for example, to the use of masks. From this data survey and subsequent analysis, we intend to propose a dialogue based on media and information literacy tools and regularly create content that can help to promote a
O Brasil vivencia, desde 2018, um processo de desinformação que se tornou incontrolável a partir de 2020, com a pandemia provocada pela covid-19. Tal processo de aprofundamento da crise se deu, sobretudo e essencialmente, em função de uma promoção institucional deliberada de notícias científicas falsas ou falseadas por diversos agentes, nos quais se inserem os agentes do poder público. Entendemos que essa sistemática disseminação provoca uma situação generalizada de desinformação, gerando uma situação de descontrole social entre a população no tocante à compreensão e à observação de regras cientificamente definidas para o controle e o combate da covid-19. Aliadas a essa conduta de disseminação, as atitudes ostensivas, protagonizadas por agentes públicos (como o Presidente da República) e influencers /comunicadores, de negação em relação a premissas estabelecidas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) no tocante ao combate à pandemia (aderir ao isolamento social, usar máscara fora de casa, manter o distanciamento social, evitar aglomerações) também contribuem para o agravamento sistemático da situação sanitária do país. Tal cenário engloba não apenas a disseminação de fake news (por exemplo, espalhando a ideia de que o coronavírus é uma invenção dos chineses), mas também o falseamento do conhecimento científico e a negação de preceitos científicos já secularmente consolidados (como na insistência com o uso de medicamentos já comprovadamente ineficazes no combate à covid-19). Para enunciar o problema que nos orienta na estruturação deste artigo, fruto de uma pesquisa mais ampla que vimos Eliara Santana Ferreira
desenvolvendo, afirmamos que o acesso à informação é um direito reconhecido na Declaração Universal dos Direitos Humanos, reafirmada pela Organização das Nações Unidas e pelo Estado brasileiro, e que a informação plural e de qualidade é elemento essencial também à saúde da população. Como salienta Carlsson (2019), não há boas condições de saúde sem o acesso à informação de qualidade. Nesse sentido, a nossa tese central é de que, especialmente no momento de uma pandemia, a desinformação que contraria frontalmente – a partir do senso comum e da divulgação de pesquisas comprovadamente fraudulentas ou falseadas – preceitos científicos internacionalmente reconhecidos provoca uma situação de caos de informação entre a população. A compreensão em relação aos elementos de verdade e ao movimento de falseamento da verdade, assim como os parâmetros de atribuição do grau de verdade ou de falsidade de qualquer informação constituem um debate que respalda a construção do conhecimento científico na atualidade. A desinformação é um fenômeno que se consolida nas sociedades contemporâneas, com fortes impactos em vários contextos – social, político, econômico, de saúde –, e isso impacta seriamente o funcionamento da esfera pública, como ressalta Carlsson (2019). Esse fenômeno comunicacional tem grande evidência pelo fenômeno das fake news , mas não deve ser tomado apenas por esse viés: há que se considerar o papel da mídia corporativa, além das mídias digitais, para que se alcance a dimensão desse problema. O falseamento de informações, caracterizando um cenário de desinformação intencional e deliberado, sobretudo em relação às informações científicas, neste momento de pandemia (como as mudanças de cálculo para Desinformação, desinfodemia e letramento midiático e inf
de uma discussão pautada pela preocupação em se estabelecer uma diferenciação entre verdadeiro ou falso, uma vez que há, no desenrolar desses fenômenos, processos de falseamento de um dado real, como veremos adiante, no material coletado. Assim, começamos por trazer o que Wardle (2019)^1 salienta como tipos do que compõem uma desordem informacional:
- Disinformation: uma informação que é falsa e deliberadamente criada para causar prejuízos. Ela é motivada por três fatores distintos: obtenção de lucro, para que grupos tenham influência política (interna ou externa) ou para causar problemas específicos a grupos, a pessoas ou a um país; - Misinformation: informação que é falsa, mas não criada com a intenção de causar danos; - Mal-information : informação baseada na realidade, usada para causar prejuízos a pessoas ou grupos. A partir dessa categorização inicial, propomos então uma conceituação para pensarmos o fenômeno da desinformação no Brasil, o qual tomaremos como um processo estruturado por um conjunto de informações falsas ou falseadas, muitas vezes baseadas num dado real, num dado da realidade, intencionalmente e deliberadamente criadas ou ressignificadas para prejudicar determinados grupos e beneficiar outros e que são criadas e disseminadas sistematicamente por agentes específicos, num esquema de comunicação profissional. Portanto, não são práticas aleatórias nem oriundas de práticas individuais. Nessa abordagem, Wardle (2019) destaca sete diferentes tipos da desinformação, que são: 1 Em setembro de 2017, Claire Wardle, juntamente com Hossein Derakhshan, foi autora do documento “ Report of the Council of Europe – Information Disorder. Toward an interdisciplinary framework for research and policymaking ” ( September 2017), onde já se apresenta essa discussão. Desinformação, desinfodemia e letramento midiático e inf
- Conteúdo falso: novo conteúdo que é 100% falso, projetado para enganar e causar danos; - Conteúdo manipulado: quando informações ou imagens genuínas são manipuladas para enganar; - Conteúdo impostor: quando fontes genuínas são representadas em textos, artigos, matérias que não escreveram, ou em declarações que não deram, ou ainda quando logos de instituições são usadas para reproduzir conteúdos; - Conteúdo enganoso: uso enganoso de informações para enquadrar um problema ou indivíduo. A fragmentação da informação está longe de ser nova e se manifesta de inúmeras maneiras. A reformulação das histórias nas manchetes, o uso de fragmentos de aspas para sustentar um ponto mais amplo, citando as estatísticas de uma maneira que se alinha com uma posição ou decidindo não cobrir alguma coisa, porque isso prejudica um argumento, são todas técnicas reconhecidas; - Conexão falsa: quando manchetes, imagens ou legendas não correspondem ao conteúdo. Como parte do debate sobre desordem da informação, é necessário que a indústria de notícias reconheça seu próprio papel na criação de conteúdo que não atende aos altos padrões exigidos por uma indústria agora atacada por vários lados, salienta a autora; - Contexto falso: conteúdos genuínos são frequentemente vistos sendo reciclados fora de seu contexto original. Esses aspectos destacados por Wardle (2019) não se restringem à abordagem sobre fake news ou exclusivamente à comunicação via internet, nas redes sociais; elas também encontram suporte e respaldo nas práticas da mídia corporativa, Eliara Santana Ferreira
a) Pouca pluralidade no acesso da população à informação – há uma predominância de meios tradicionais convencionais e acesso precário à internet; b) Grande disseminação de fake news e de notícias falseadas operacionalizada por diversas instâncias (públicas e privadas), como o provam sites disseminadores de conteúdo falso em relação à covid-19; c) Mídia altamente concentrada no controle de poucos grupos
Figura 1 Fonte: Elaborada pela autora. Como podemos observar na Figura 1, o cenário da desinformação no Brasil é bastante complexo e envolve vários elementos que não se esgotam na observação do processo de disseminação de fake news. A estrutura da mídia corporativa também colabora muito para esse cenário, uma vez que apenas sete grupos controlam a produção de informação e de entretenimento no país; a regulamentação da radiodifusão ainda não está efetivada; apenas quatro grandes grupos de TV aberta respondem por 70% da audiência no país, e 80% dos meios de comunicação estão concentrados na Região Sudeste do país.^2 Neste artigo, não vamos nos aprofundar nesses dados e abordagens, pois vamos nos deter mais especificamente na 2 Dados da pesquisa Media Ownership Monitor/Intervozes, de 2018. Desinformação, desinfodemia e letramento midiático e informacional
Figura 2 Fonte: Elaborado pela autora. Consideramos esse ecossistema, a partir de Stuart Hall (1973), como um processo de codificação/decodificação, em que vários fatores (de ambos os lados) afetam o modo como as mensagens são produzidas, a roupagem que recebem e a sua circulação. Fatores como: origem das mensagens, autoria, imagens usadas, contexto político-social, intencionalidade. É uma estrutura sustentada pela articulação destes quatro momentos distintos: produção (a codificação da mensagem tem lugar), circulação (como os indivíduos percebem as mensagens), uso/consumo (interpretação da mensagem) e reprodução (se os indivíduos desenvolvem ações depois de receberem as mensagens). No caso brasileiro, percebemos a configuração de uma estrutura que envolve agentes profissionais – sites , blogs , portais – que se aliam a influencers e apresentadores de programas televisivos. Desinformação, desinfodemia e letramento midiático e informacional
Essa estrutura profissional não é observada somente em relação ao processo de disseminação de fake news (não se trata somente de um impulsionamento), mas também no processo de produção – a desinformação veiculada tem uma roupagem de notícia. Redatores e editores marcados como partes da colmeia na Figura 2 compõem o esquema de produção, enquanto que robôs, bots e grupos secretos integram o esquema de disseminação. Nos dois extremos da colmeia, estão os cidadãos e as agências de checagem. Esse ecossistema teve e tem, até este ano de 2021, um papel essencial no processo de desinfodemia no Brasil.
O conceito de desinfodemia refere-se à pandemia de desinformação ligada à pandemia de covid-19 e foi cunhado a partir da pesquisa “ Disinfodemic – Deciphering Covid- Desinformation ”, desenvolvida pela Unesco em 2020. De acordo com a pesquisa, a desinformação que se vincula à covid- ameaça não apenas os indivíduos, mas as sociedades como um todo, pois ela leva os cidadãos a causarem prejuízos a si próprios ao ignorarem as recomendações científicas. De acordo com o documento, “as motivações para a desinformação são diversas. Elas podem ser para ganhar dinheiro, obter vantagens políticas, minar a confiança, transferir a culpa, polarizar as pessoas e prejudicar as respostas à pandemia”.^4 A pesquisa ressalta que o acesso à informação de qualidade é um aspecto essencial para combater a desinformação e a desinfodemia e destaca respostas necessárias a vários aspectos 4 Nossa tradução para: “ The motivations for the disinformation are diverse. They may be to make money, score political advantage, undermine confidence shift blame, polarise people, and to undermine responses to the pandemic [...]” (Disinfodemic
outros assuntos. É por isso que este documento cunha o termo desinfodemia [...] (Unesco, 2020, p. 2).^5 Os nove temas principais são:
política, o que inclui equiparar a covid-19 à gripe e fazer afirmações sem fundamento sobre a duração provável da pandemia;
Também consideramos, em nossa pesquisa, as lives , os tuítes e as declarações públicas do presidente da República, Jair Bolsonaro, em defesa dos medicamentos cloroquina e hidroxicloroquina, contra o distanciamento social e o uso de máscaras e com críticas a vacinas, em diferentes momentos, ao longo do ano de 2020 e até junho de 2021. Essas manifestações estão exemplificadas no Quadro 1. Quadro 1 - Exemplos de declarações do Presidente da República Data Exemplo 19/12/ “Eu tive infectado no ano passado, tomei aquele remédio que eu dei pra ema, aquele remédio pra combater a malária. No dia seguinte tava bom” 11/04/ “A hidroxicloroquina é a alternativa no momento contra a covid-19” 24/06/ “E eu recomendo que você procure um médico e inicie imediatamente o tratamento, tendo sido vacinado ou não.” 14/05/ “Cada dia você vê mais aqui que quem praticou o lockdown não deu certo.” Fonte: Elaborado pela autora. Em consonância com a conceituação apresentada, os tópicos descritos e a discussão proposta pelo documento da Unesco, observa-se no Brasil a promoção crescente de descrédito em relação a prerrogativas científicas da OMS e de outras instituições de pesquisa brasileiras e um processo oficial de disseminação de desinformação promovido por agentes públicos no momento de agravamento da pandemia de covid-19 no país. Além das declarações presidenciais, podemos mostrar ainda, como agentes desse processo, ações institucionais de divulgação Desinformação, desinfodemia e letramento midiático e inf
de tratamentos e remédios ineficazes contra a covid-19, como a campanha exemplificada a seguir, que foi promovida pela Secretaria de Comunicação (Secom) do Governo, em maio de 2020, e difundida oficialmente: Figura 3 - Propaganda hidroxicloroquina divulgada pela Secom em rede social em 21- Fonte: Perfil SecomVc no Twitter. Há nessa peça publicitária um falseamento do conhecimento científico brasileiro e também internacional, uma vez que o elemento principal usado como substrato da desinformação é a hidroxicloroquina, amplamente pesquisada e já desacreditada na comunidade científica e, recentemente, não recomendada oficialmente pela OMS. Tal defesa, explicitada na peça de comunicação, encontrou resistência no âmbito das ações definidas Eliara Santana Ferreira