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A Delação Premiada no Direito Brasileiro, Notas de estudo de Direito Penal

A delação premiada no senário jurídico brasileiro

Tipologia: Notas de estudo

2014

Compartilhado em 19/08/2014

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sandoval-oliveira-gama-12 🇧🇷

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A DELAÇÃO PREMIADA NO DIREITO BRASILEIRO1
1 INTRODUÇÃO
Ante o quadro da segurança pública no Brasil, que há tempos vem se deteriorando a
níveis inaceitáveis, buscou o legislador uma forma de diminuir a criminalidade que
gradativa e implacavelmente vem adquirindo crescente organização, conjugando violência,
astúcia e sofisticação. Para tanto, introduziu, por meio da Lei nº 8.072/90 e, posteriormente,
nas Leis 9.034/95, 9.080/95, 9.613/98, 9.807/99 e 10.409/02, o instituto da delação
premiada no ordenamento jurídico pátrio.
No Primeiro Capítulo, tratar-se-á da delação premiada na sua origem no sistema
jurídico brasileiro, abordando, além, sua conceituação, sua natureza jurídica e sua valoração
como prova.
No Segundo Capítulo, serão analisadas as principais críticas dirigidas ao instituto,
principalmente quanto à sua constitucionalidade e sua eticidade, e também os
posicionamentos que defendem sua utilização.
O Terceiro Capítulo tratará da delação premiada no Direito Brasileiro. Sua edição
será contextualizada expondo-se uma breve análise acerca das disciplinas normativas que
tratam do instituto no Brasil, bem como alguns aspectos de cunho prático e questionamentos
polêmicos, como, por exemplo, seus requisitos e benefícios, o momento para a delação, dentre
outros.
Esse trabalho não visa esgotar a matéria, mas, valendo-se dos pontos de vista de
renomados estudiosos do Direito, destina-se propor questões polêmicas dirigidas à figura da
delatio, induzindo, destarte, a uma reflexão crítica acerca do tema.
2 CONSIDERAÇÕES GERAIS
2.1 BREVE HISTÓRICO
1 Artigo adaptado de monografia apresentada como exigência parcial para conclusão do curso e obtenção do grau de
Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais, tendo sido julgada adequada e apr ovada com grau máximo por todos os
membros da Banca Examinadora: profa. Fernanda Trajano de Cristo (orientadora), profa Lenora Azevedo de Oliveira e
prof. Álvaro Vinícius Paranhos Severo.
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A DELAÇÃO PREMIADA NO DIREITO BRASILEIRO^1

1 INTRODUÇÃO

Ante o quadro da segurança pública no Brasil, que há tempos vem se deteriorando a níveis inaceitáveis, buscou o legislador uma forma de diminuir a criminalidade – que gradativa e implacavelmente vem adquirindo crescente organização, conjugando violência, astúcia e sofisticação. Para tanto, introduziu, por meio da Lei nº 8.072/90 e, posteriormente, nas Leis nº 9.034/95, 9.080/95, 9.613/98, 9.807/99 e 10.409/02, o instituto da delação premiada no ordenamento jurídico pátrio.

No Primeiro Capítulo, tratar-se-á da delação premiada na sua origem no sistema jurídico brasileiro, abordando, além, sua conceituação, sua natureza jurídica e sua valoração como prova.

No Segundo Capítulo, serão analisadas as principais críticas dirigidas ao instituto, principalmente quanto à sua constitucionalidade e sua eticidade, e também os posicionamentos que defendem sua utilização.

O Terceiro Capítulo tratará da delação premiada no Direito Brasileiro. Sua edição será contextualizada expondo-se uma breve análise acerca das disciplinas normativas que tratam do instituto no Brasil, bem como alguns aspectos de cunho prático e questionamentos polêmicos, como, por exemplo, seus requisitos e benefícios, o momento para a delação, dentre outros.

Esse trabalho não visa esgotar a matéria, mas, valendo-se dos pontos de vista de renomados estudiosos do Direito, destina-se propor questões polêmicas dirigidas à figura da delatio, induzindo, destarte, a uma reflexão crítica acerca do tema.

2 CONSIDERAÇÕES GERAIS

2.1 BREVE HISTÓRICO

(^1) Artigo adaptado de monografia apresentada como exigência parcial para conclusão do curso e obtenção do grau de Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais, tendo sido julgada adequada e aprovada com grau máximo por todos os membros da Banca Examinadora: profa. Fernanda Trajano de Cristo (orientadora), profa Lenora Azevedo de Oliveira e prof. Álvaro Vinícius Paranhos Severo.

Apesar de recentemente introduzida no ordenamento jurídico pátrio contemporâneo – a delação premiada conta com menos de duas décadas de existência – pode-se afirmar, baseado no trabalho de Pachi^2 , que sua forma atual encontra verdadeira origem em época muito mais longínqua, quando o Brasil ainda era colônia de Portugal e vigoravam as Ordenações Filipinas.

São nos Títulos VI e CXVI do Livro Quinto dessas Ordenações que se encontra o germe do instituto aqui estudado, onde havia previsão não só do mero perdão, mas também de autêntico prêmio ao indivíduo que apontasse o culpado.

As Ordenações Filipinas, promulgadas no início do século XVII, vigoraram até o fim do século XIX^3 , vigendo, portanto, à época da Inconfidência Mineira – ocorrida entre 1788 e

  1. O objetivo de tal movimento foi alcançar a independência do Brasil, transformando o país em uma república independente. Como cediço, essa tentativa de revolução restou frustrada pelas delações efetuadas por alguns de seus próprios integrantes, destacando-se entre estas a do Coronel Joaquim Silvério dos Reis, que, mediante a promessa do perdão de sua vultosa dívida com a Fazenda Real, entregou todos os planos de seus companheiros inconfidentes, culminando no fim do conflito e na execução do alferes Joaquim José da Silva Xavier, mais conhecido como Tiradentes, em 21 de abril de 1792^4.

Assim, fica nítido que a delação premiada já encontrava, nesta época, aplicação prática no sistema jurídico brasileiro, bem como assumia uma conotação pejorativa, nas palavras de Pachi^5 , “de traição, de falta de caráter e de companheirismo, fazendo sua grande vítima o mártir Tiradentes [grifo da autora]”.

Desta feita, a delação prevista nas Ordenações Filipinas restou fadada ao desaparecimento, como disse Jesus^6 : “em função de sua questionável ética, à medida que o

(^2) PACHI, Laís Helena Domingues de Castro. Delação Penal Premial. São Paulo: PUC, 1992. Monografia (Mestrado em 3 Direito Penal), Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 1992. ORDENAÇÕEShttp://historiaaberta.com.sapo.pt/lib/lnk_ordena.htm Acesso em 11 mar. 2006. Manuelinas e Ordenações Filipinas. História Aberta. Disponível em (^4) A INCONFIDÊNCIA Mineira. Desenvolvido pelo Almanaque Terra. Disponível em 5 http://educaterra.terra.com.br/almanaque/inconfidencia/index_inconfidencia.htm Acesso em 12 mar. 2006.PACHI, Laís Helena Domingues de Castro. Delação Penal Premial. São Paulo: PUC, 1992. Monografia (Mestrado em 6 Direito Penal), Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 1992. p. 8. JESUS, Damásio E. de. Estágio atual da "delação premiada" no Direito Penal brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, a. 10, n. 854, 4 nov. 2005. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7551. Acesso em: 07 abr. 2006.

Pioneiro, o modelo italiano serviu de exemplo aos outros países que sofreram com ações terroristas de cunho político e subversivo. Entretanto, para o espanhol Rivas^11 , não atingiram os resultados aguardados, pois não é sempre que as normas estrangeiras tornam-se um instrumento idôneo ao serem adaptadas ao ordenamento receptor, que muitas vezes opera sobre uma realidade bem distinta.

Ainda no direito comparado, conforme trabalho de Paz^12 , encontra-se diversas normas de fomento da figura do colaborador da justiça arrependido. Assim, tem-se, por exemplo, no Direito anglosaxão, o chamado witness crown (literalmente "testemunha da coroa"^13 ), que obtém imunidade (o grant of immunity) em troca de seu testemunho, e as hipóteses de transação penal (plea bargaining^14 ), que permitem ao imputado que testemunhar contra os demais participantes uma redução da condenação; no direito italiano, para os denominados collaboratori della giustizia ou pentiti, que contribuíram decisivamente – no contexto da legislação excepcional das décadas de 70 e 80, anteriormente citada – no declínio do terrorismo e das estruturas mafiosas no sul da Itália; aparecem ainda no direito dos países de língua alemã (Alemanha, Suíça e Áustria), aonde são conhecidas como Kronzeugenregelungen (regras do testemunho "principal" ou "da coroa"). Recentemente, no moderno Direito Penal estas normas têm proliferado em todo mundo, principalmente em setores graves da criminalidade como o crime organizado, o narcotráfico e o terrorismo. Na Europa, apenas a Dinamarca as renunciou expressamente, apesar de a Alemanha ter experimentado um retrocesso nesse sentido.

(^11) RIVAS, Nicolas Garcia. Motivación a la delación en la legislación antiterrorista: un instrumento de control sobre el 12 disenso político. In:PAZ, Isabel Sánchez García de. El coimputado que colabora con la justicia penal: Con atención a las reformas^ Poder Judicial, número 10, 1984. p. 109. introducidas en la regulación española por las Leyes Orgánicas 7/ y 15/2003. Revista Electrónica de Ciencia Penal y Criminologia10 abr. 2006., s.n., 2005, núm. 07-05, p. 3-5. Disponível em http://criminet.ugr.es/recpc/07/recpc07-05.pdf Acesso em (^13) O réu passa de imputado à testemunha processual, ficando imune à persecução penal, em troca de sua colaboração no processo. In: PAZ, Isabel Sánchez García de. El coimputado que colabora con la justicia penal: Con atención a las reformas introducidas en la regulación española por las Leyes Orgánicas 7/ y 15/2003.Penal y Criminologia, s.n., 2005, núm. 07-05, p. 3-5. Disponível em http://criminet.ugr.es/recpc/07/recpc07-05.pdf Revista Electrónica de Ciencia

14 Acesso em 10 abr. 2006. Acordo prévio realizado entre o juízo, o advogado de defesa e a acusação pública, que permitem ao imputado reduzir ouaté evitar sua pena em troca de sua confissão e colaboração no processo. In: PAZ, Isabel Sánchez García de. El coimputado que colabora con la justicia penal: Con atención a las reformas introducidas en la regulación española por las Leyes Orgánicas 7/ y 15/2003. Revista Electrónica de Ciencia Penal y Criminologia, s.n., 2005, núm. 07-05, p. 3-5. Disponível em http://criminet.ugr.es/recpc/07/recpc07-05.pdf Acesso em 10 abr. 2006.

Em solo pátrio, sete diplomas legais vieram introduzir a política da delação premiada no curto interregno da última década, sendo possível notar a intenção do legislador de fomentar esta prática no processo penal^15.

2.2 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA

O termo “delação premiada”, em um primeiro momento, não possibilita dar uma definição acurada de seu verdadeiro significado. Para Aranha^16 , a delação trata-se da “afirmativa feita por um acusado, ao ser interrogado em juízo ou ouvido na polícia, e pela qual, além de confessar a autoria de um fato criminoso, igualmente atribui a um terceiro a participação como seu comparsa”. Pacheco Filho e Thums^17 entendem que a delação premiada “ocorre quando o indiciado, espontaneamente, revelar a existência da organização criminosa, permitindo a prisão de um ou mais de um dos seus integrantes”. Já Jesus^18 conceitua “delação”, como “[...] a incriminação de terceiro, realizada por um suspeito, investigado, indiciado ou réu, no bojo de seu interrogatório (ou em outro ato)”. "Premiada", porque, incentivado pelo legislador, é concedido um prêmio para o delator, que acaba por resultar-lhe em benefícios, como por exemplo, a redução de pena, o perdão judicial, a aplicação de regime penitenciário brando.

Sendo assim, a delação não é confissão strictu sensu, pois para sua configuração o fato é tão somente dirigido a quem depõe. Ela também não se configura como mero testemunho, porque quem o presta mantém-se eqüidistante das partes. Trata-se de um estímulo à verdade processual, semelhantemente à previsão da confissão espontânea, sendo, portanto, instrumento que ajuda na investigação e repressão de crimes^19.

Analisando o instituto no conjunto de leis em vigor que o regulam pode-se concluir que essa caracterização não é exata, conforme a opinião de Jesus^20 e Gomes^21 , pois existem

(^15) ALVES, Fábio Wellington Ataíde. O retorno dos prêmios pela cabeça? Um estudo sobre a possibilidadede reperguntas no interrogatório do co-réu delator, com enfoque a partir do direito de mentir e do novo ordenamento da delação premial. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 809, p. 446-464, 2003. (^16) ARANHA, Adalberto José Q. T. de Camargo. Da prova no processo penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 122. (^17) PACHECO FILHO, Vilmar Velho; THUMS, Gilberto. Leis antitóxicos: crimes, investigação e processo: análise 18 comparativa das leis 6.368/1976 e 10.409/2002. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 155.JESUS, Damásio E. de. Estágio atual da "delação premiada" no Direito Penal brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, a. 10, 19 n. 854, 4 nov. 2005. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7551. Acesso em: 07 abr. 2006. KOBREN, Juliana Conter Pereira. Apontamentos e críticas à delação premiada no direito brasileiro.Teresina, a. 10, n. 987, 15 mar. 2006. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8105. Acesso em: 5 Jus Navigandi,

20 abr. 2006. JESUS, Damásio E. de. Estágio atual da "delação premiada" no Direito Penal brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, a. 10, n. 854, 4 nov. 2005. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7551. Acesso em: 07 abr. 2006.

2.2.2 O Instituto como Causa de Diminuição da Pena Presente a possibilidade de redução de pena do réu em todas as previsões legislativas da delação premiada, resta firmar a posição jurídica que o instituto apresente nesta situação: se é atenuante, circunstância judicial ou causa de diminuição de pena.

Exclui-se, de plano, a figura da atenuante, levando em consideração que a delação premiada não se encontra expressa nos artigos 65 e 66 do Código Penal e que as atenuantes não apresentam o valor exato do quantum a ser reduzido da pena, diferentemente das hipóteses de delação, que têm os limites da referida redução variando entre um sexto a dois terços. Também pode-se eliminar a hipótese da delação como circunstância judicial, já que esta não está descrita no artigo 59 do referido código, que alude sobre a dosimetria da pena. Resta, portanto, concluir-se que a delação premiada é causa especial de diminuição de pena, sendo possível, assim, que a fixação da reprimenda fique abaixo do mínimo legal, de acordo com a posição dominante no seio pretoriano.

2.3 VALORAÇÃO DA DELAÇÃO COMO MEIO DE PROVA

Quanto ao valor atribuído à delação como prova, existe forte divergência doutrinária e jurisprudencial. Alguns atribuem-na força incriminadora, enquanto outros a consideram como mera prova indiciária, devendo ser respaldada nas demais provas dos autos^24.

Para Capez^25 , a delação possui "o valor de prova testemunhal na parte referente à imputação e admite reperguntas por parte do delatado (Súmula n. 65 da Mesa de Processo Penal da USP)". Em sentido contrário, Aranha^26 aduz que “a chamada do co-réu, como elemento único de prova acusatória, jamais poderia servir de base a uma condenação, simplesmente porque violaria o princípio constitucional do contraditório”.

Nota-se, de imediato, que este entendimento foi proferido antes da vigência da Lei 10.792/2003, que alterou o Código de Processo Penal, concedendo natureza contraditória ao

(^24) KOBREN, Juliana Conter Pereira. Apontamentos e críticas à delação premiada no direito brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, a. 10, n. 987, 15 mar. 2006. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8105. Acesso em: 25 30 abr. 2006. 26 CAPEZ, Fernando.^ Curso de processo penal. 9. ed. ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 289. ARANHA, Adalberto José Q. T. de Camargo. Da prova no processo penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 125-126.

interrogatório, e, conseqüentemente, maior valor como prova. É neste sentido a opinião de Jesus^27 :

A delação (não-premiada) de um concorrente do crime por outro, em sede policial ou em juízo, denominada "chamada de co-réu" ou "confissão delatória", embora não tenha o condão de embasar, por si só, uma condenação, adquire força probante suficiente desde que harmônica com as outras provas produzidas sob o crivo do contraditório (STF, HC n. 75.226; STJ, HC n. 11. e n. 17.276). [...] O mesmo raciocínio deve ser aplicado à "delação premiada": não se pode dar a ela valor probatório absoluto, ainda que produzida em juízo. É mister que esteja em consonância com as outras provas existentes nos autos para lastrear uma condenação, de modo a se extrair do conjunto a convicção necessária para a imposição de uma pena [grifo nosso].

Observa-se que a jurisprudência só atribui maior valor probatório à delação quando, além do delator indicar seus cúmplices, assumir sua própria culpa. Não se pode deixar de considerar o apelo que o prêmio punitivo tem ao acusado, podendo gerar suspeitas quanto à veracidade das informações prestadas. É uma ressalva que Malatesta^28 não deixa de fazer, conforme transcrição abaixo:

Sempre que, repetimos, a acusação em sentido genérico do cúmplice se apresente como desagravo do acusado acusador, a suspeita na veracidade deste é legítima. Disto deriva que esta suspeita se tornará imensa quando prometida a impunidade pela revelação dos cúmplices. O impulso para mentir é tão forte que a lógica se opõe a fazer menção de tal chamada de cúmplice, cujo preço é a impunidade do delator.

Apesar da vigorosa reserva efetuada pelo doutrinador, entende-se ser esta relevável, dado que o alcance de um resultado é requisito essencial da grande maioria das hipóteses de delação premiada contemporânea, conforme constatar-se-á no decorrer deste trabalho.

3 A DELAÇÃO PREMIADA SOB A VISÃO ÉTICA E CONSTITUCIONAL NO

SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO

3.1 JUSTIFICATIVA DA DELAÇÃO PREMIADA ATRAVÉS DA CONSTITUIÇÃO

FEDERAL DE 1988

Notórios, desde a introdução da delação premiada no sistema jurídico brasileiro, os inflamados debates entre os jurisconsultos que este instituto vem causando. Para muitos, além

(^27) JESUS, Damásio E. de. Estágio atual da "delação premiada" no Direito Penal brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, a. 10, 28 n. 854, 4 nov. 2005. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7551. Acesso em: 07 abr. 2006. MALATESTA, Nicola Framarino Dei. A Lógica das Provas em Matéria Criminal. [s.l.]: Conan, 1995. v. 2, p. 208-

infraconstitucionais “agora não mais ‘livremente’, no sentido do descompromisso ideológico, mas ‘de acordo com a Constituição”^33.

3.1.1 O Princípio da Individualização da Pena e a Delação Premiada O princípio da individualização da pena está gravado no inciso XLVI do artigo 5º da Constituição Federal^34. Para a realização dessa individualização, imprescindível a atividade do legislador e do juiz, cujas tarefas compreendem, segundo Boschi^35 , a de “definir o crime, indicar as espécies de penas e apontar os limites”, para o primeiro e a de “eleger a pena dentre as possíveis, mensurá-la dentro dos limites e, por último, presidir o processo executório da pena que vier a ser concretizada.”

Parece evidente que as hipóteses de delação premiada proporcionam ao juiz os critérios que deverão ser analisados para a concessão do prêmio e estes embasam-se, principalmente, na apreciação do grau de reprovabilidade do agente. Outrossim, quanto maior o mérito e mais vigoroso os efeitos da colaboração do agente, menor será a censurabilidade de sua conduta criminosa.

Da mesma forma, é possível que a personalidade do criminoso que contribuiu para a investigação se mostre mais apta a aceitar o apelo dos valores do ordenamento jurídico e que predominam no meio social. Sendo assim, se uma das finalidades da pena é a ressocialização do agente, a delação premiada provê estímulo para que este passe a incorporar uma postura em maior conformidade com o meio social, motivo esse, pelo qual uma reprimenda mais amena torna-se indispensável^36.

O que acontece é que a finalidade retributiva da pena está profundamente entalhada na sociedade, fazendo com que haja uma compreensível resistência a permitir que o benefício do perdão judicial seja concedido por meio da delação premial, bem distante das outras

(^33) MONTE, Vanise Röhrig. A necessária interpretação do instituto da delação premiada, previsto na lei 9.807/99, à luz dos princípios constitucionais.vol. 82, p. 234-248, 2001. Revista da Ajuris. Porto Alegre, vol. 82, p. 234-248, 2001. Revista da Ajuris. Porto Alegre, (^34) BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. (^35) BOSCHI, José Antônio Paganella. Das penas e seus critérios de aplicação. 1ª ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 36 2000. p. 59. MONTE, Vanise Röhrig. A necessária interpretação do instituto da delação premiada, previsto na lei 9.807/99, à luz dos princípios constitucionais. Revista da Ajuris. Porto Alegre, vol. 82, p. 234-248, 2001. Revista da Ajuris. Porto Alegre, vol. 82, p. 234-248, 2001.

clássicas hipóteses que permitem o perdão, quando as conseqüências da infração atingem o próprio agente de forma tão grave, que a sanção penal acaba por se tornar desnecessária^37.

3.1.2 Aspectos da Política Criminal no Estado Democrático de Direito Concernentes à Delação Premiada A delação premiada é mecanismo de política criminal para opor-se à criminalidade crescente e organizada e diminuir a impunidade, já que, para Maierovitch^38 : “a política criminal direciona-se à prevenção e repressão dos ilícitos”.

Seguindo esse ponto de vista, e levando em consideração que as regras de política criminal devem evoluir juntamente da sociedade, fica claro que o Brasil há muito necessitava de mecanismos que aperfeiçoassem a persecução penal. E a delação premial, sem romper com nenhum dogma de direito penal e sem descaracterizar a natureza retributiva da pena, resume- se em um desses procedimentos que buscam encurtar a solução dos processos^39.

Tendo a pena finalidade retributiva, preventiva e ressocializadora, Monte^40 entende que o instituto objeto deste trabalho preenche todas estas finalidades, pois o delator, por ter contribuído com as investigações, acaba por demonstrar um menor grau de reprovabilidade, devendo, em decorrência, receber uma menor censurabilidade – individualizando assim sua pena – e a delação premiada, ao estimular a contribuição com a justiça, serve para ressocializar o agente e inibir futuras ações criminosas e estimular os beneficiados a manterem-se integrados à sociedade – estando de acordo, portanto, com a finalidade da pena.

Não se pode deixar de destacar a necessidade de se oferecer um prêmio ao delator, dado o nítido risco que uma traição traz aos criminosos, normalmente vingativos^41. E são tão comuns e tão efetivas estas retaliações que Costa Júnior^42 , acertadamente, prevê a raridade das delações.

(^37) BOSCHI, José Antônio Paganella. Das penas e seus critérios de aplicação. 1ª ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 38 2000. p. 130. MAIEROVITCH, Walter Fanganiello. Apontamento sobre a política criminal e a plea bargaining. Revista dos 39 Tribunais. São Paulo: RT, n. 678, 1992, p. 301. MONTE, Vanise Röhrig. A necessária interpretação do instituto da delação premiada, previsto na lei 9.807/99, à luz dosprincípios constitucionais. Revista da Ajuris. Porto Alegre, vol. 82, p. 234-248, 2001. (^40) MONTE, Vanise Röhrig. A necessária interpretação do instituto da delação premiada, previsto na lei 9.807/99, à luz dos 41 princípios constitucionais.AKAOWI, Fernando Reverendo Vidal. Apontamentos sobre a delação.^ Revista da Ajuris. Porto Alegre, vol. 82, p. 234-248, 2001. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 707, p. 42 430-432, 1994. p. 431. COSTA JÚNIOR, Antônio Vicente da. A proteção do réu colaborador. Disponível em: http://www.amperj.org.br/artigos/view.asp?ID=43 Acesso em: 06 mai. 2006.

Por outro lado, posiciona-se em sentido oposto outra parte da doutrina. Azevedo^48 , por exemplo, pondera que “o agente que se dispõe a colaborar com as investigações assume uma diferenciada postura ética de marcado respeito aos valores sociais imperantes, pondo-se debaixo da constelação axiológica que ilumina o ordenamento jurídico e o meio social.”

Para Monte^49 , o certo é que “com a delação o criminoso rompe com os elos da cumplicidade e com os vínculos do solidarismo espúrio, sendo a sua conduta menos reprovável socialmente, por isso merecedor do benefício do perdão judicial ou da redução de sua pena”.

Silva^50 defende que, acerca da moralidade do instituto, este apresenta dupla vantagem: “permite ao Estado quebrar licitamente a lei do silêncio que envolve as organizações criminosas, assim como colaborar para o espontâneo arrependimento de investigado ou acusado”. E pode-se dizer que esta última opinião está em perfeita harmonia com a mens legis, conforme podemos extrair do item 54 da Exposição de Motivos da Lei 9.613/98^51.

Nesse passo, não se pode deixar de citar Alves^52 , que presta sua conclusão sobre o assunto, alegando que, passadas as críticas feitas ao instituto – muitas vezes românticas – “resta a realidade demarcada por um conjunto de normas ‘vigentes’ que objetivam emprestar maior vigor ao processo penal, ante a açodada desordem que acomete a sociedade, desacreditada que está das soluções judiciárias até então ocorridas sob forte inflação legislativa”.

Ora, deduz-se que, não obstante os posicionamentos contrários, resta assente que a delação premiada contém em sua essência elevado propósito, pois trata-se de oportunidade concedida ao delinqüente de assumir sua culpa e contribuir com a justiça no combate à

(^48) AZEVEDO, David Teixeira de. A colaboração premiada num direito ético. Boletim IBCCrim, São Paulo, n. 83, p. 6, 49 out. 1999. MONTE, Vanise Röhrig. A necessária interpretação do instituto da delação premiada, previsto na lei 9.807/99, à luz dos 50 princípios constitucionais.SILVA, Eduardo Araújo. Da moralidade da proteção aos réus colaboradores.^ Revista da Ajuris. Porto Alegre, vol. 82, p. 234-248, 2001. Boletim IBCCrim. São Paulo, n. 85, 51 dezembro de 1999. MAIA, Rodolfo Tigre.criminais da lei nº 9.613/98. São Paulo: Malheiros, 2004. Lavagem de dinheiro: lavagem de ativos provenientes de crime: anotações às disposições (^52) ALVES, Fábio Wellington Ataíde. O retorno dos prêmios pela cabeça? Um estudo sobre a possibilidadede reperguntas no interrogatório do co-réu delator, com enfoque a partir do direito de mentir e do novo ordenamento da delação premial. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 809, p. 446-464, 2003.

funesta criminalidade. Neste mesmo ângulo, o entendimento de Casali^53 de que a delação premiada, ao contrário de uma traição, é normalmente uma manifestação positiva de lealdade ao bem-comum, lealdade aos direitos, e possui, sim, elevado valor ético.

Contudo, reforça-se que deverá haver um controle judicial rígido para aplicação deste instituto, a fim de evitar qualquer constrangimento em relação à vontade do colaborador. Por outro lado, imprescindível uma forte precaução no recebimento da delação, principalmente porque o legislador brasileiro não criminalizou a falsa colaboração como fez o italiano^54. Dessa maneira, a delação premiada é instrumento de inegável importância na investigação da criminalidade, considerando os moldes que esta tem apresentado hodiernamente. Havendo o devido controle judicial e cuidando-se para que não ocorram abusos por parte de agentes do Estado em sua aplicação prática, ela deverá, sempre que possível, ser utilizada^55.

4 A DELAÇÃO PREMIADA NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA – ANÁLISE DAS

PRINCIPAIS LEIS

4.1 DISPIPLINAS NORMATIVAS

4.1.1 Lei 8.072/90 – Lei dos Crimes Hediondos A Lei 8.072/90 previu duas hipóteses de delação premial, ambas como causa de diminuição de pena. A primeira delas está contida no artigo 7º, que incluiu o § 4º no artigo 159 do Código Penal, nos seguintes termos: “Se o crime é cometido por quadrilha ou bando, o co-autor que denunciá-lo à autoridade, facilitando a libertação do seqüestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços”. Após, em 1996, a Lei n. 9.269 alterou esse parágrafo para sua redação atual: “Se o crime é cometido em concurso, o concorrente que o denunciar à autoridade, facilitando a libertação do seqüestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços”.

(^5354) CASALI, Alípio. A denúncia como ato ético. Estado de Direito, Porto Alegre, março de 2006. KOBREN, Juliana Conter Pereira. Apontamentos e críticas à delação premiada no direito brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, a. 10, n. 987, 15 mar. 2006. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8105. Acesso em:30 abr. 2006. (^55) KOBREN, Juliana Conter Pereira. Apontamentos e críticas à delação premiada no direito brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, a. 10, n. 987, 15 mar. 2006. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8105. Acesso em: 30 abr. 2006.

Ab initio, vê-se que a norma se reporta explicitamente aos crimes cometidos pela organização criminosa, devendo os efeitos da mitigação da pena restringirem-se à esses, não abarcando os eventuais delitos de “quadrilha ou bando” ou “associação criminosa”^58. A utilização do termo ‘pena’, no singular, corrobora com esse raciocínio.

Têm-se, então, como requisitos para obtenção dessa benesse: a) a execução de crimes praticados por organização criminosa; b) a colaboração espontânea do agente, que tenha contribuído para o esclarecimento das infrações penais e também sua autoria.

Nota-se, imediatamente, a imprescindibilidade de que as informações prestadas pelo colaborador não só tenham contribuído para o esclarecimento das ocorrências de infrações penais, mas que também tenham viabilizado a descoberta dos efetivos autores dos delitos em investigação. Para tanto, basta que o agente esclareça a existência da infração no tempo e no espaço e indique as pessoas que dela participaram.

Verifica-se, ainda, uma lacuna a ser preenchida: a delimitação da expressão “organizações criminosas”. Ironicamente, a Lei 9.034, apesar de criada para lidar com esse assunto, não definiu juridicamente o que devemos entender por este conceito.

Baseada na redação dessa lei, os juristas pátrios concluíram, primeiramente, que uma organização criminosa seria composta puramente pelos elementos típicos do crime comum de quadrilha ou bando, presentes no artigo 288 do Código Penal, opinião expressa em julgamentos do Superior Tribunal de Justiça^59 e compartilhada por alguns doutrinadores, como Siqueira Filho^60. Mas, em pouco tempo, a doutrina e jurisprudência amadureceu o conceito, utilizando como estrutura mínima da organização criminosa os elementos contidos no delito de quadrilha ou bando, acrescidos de algumas particularidades, como organização,

(^58) Temos como exemplos do crime de associação criminosa os previstos no artigo 14 da Lei 6.368/76, bem como o artigo 2º 59 da Lei 2.889/56.BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 5173. Antônio Nabor Areias Bulhões e Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Relator Ministro Anselmo Santiago. 12 de agosto de 1997. In: Diário da JustiçaCorpus , Brasília, DF, 13 abr.1998. p. 156; e BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Ordinário emn. 5173. Henrique Ferreira da Silva Filho e Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Relator Ministro Cid Habeas

60 Flaquer Scartezzini. 21 de maio de 1996. In:^ Diário da Justiça, Brasília, DF, 5 ago.1996. p. 263. SIQUEIRA FILHO, Élio Wanderley de. Repressão ao crime organizado: inovações da Lei 9.034/95. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2003.

planejamento empresarial, previsão de riqueza, uso de meios tecnológicos sofisticados e hierarquia do grupo, por exemplo^61.

4.1.3 Leis 7.492/86 e 8.137/90, alteradas pela Lei 9.080/ A Lei Federal n º 9.080/95, de 19 de julho de 1995, inseriu o prêmio a delação nas leis 7.492/86 e 8.137/90, que prevêem crimes cometidos contra o sistema financeiro nacional e contra a ordem tributária, econômica ou as relações de consumo, respectivamente. Segue abaixo transcrição da supracitada norma: “Nos crimes previstos nesta Lei, cometidos em quadrilha ou co-autoria, o co-autor ou partícipe que através de confissão espontânea revelar à autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa terá a sua pena reduzida de um a dois terços”.

Infere-se da redação legal os seguintes requisitos para a concessão do prêmio: a) o cometimento, em concurso de agentes, de um dos crimes previstos nas leis 7.492/86 e 8.137/90; b) o co-autor ou partícipe deverá prestar espontaneamente informações às autoridades que revelem toda a trama delituosa do crime cometido.

Encontra-se em "toda a trama delituosa" outra expressão incerta e notadamente imprópria utilizada pelo legislador. Para Costa Júnior^62 , é “extremamente difícil e de cunho subjetivo precisar o que seja 'toda a trama delituosa', em cada caso. Melhor seria que se tivessem adotado parâmetros objetivos para aferir a valia da colaboração do agente, tais como a indicação comprovada de co-autores ou partícipes, a indicação de provas do crime; a narração pormenorizada do 'modus operandi' etc”. Tórtima^63 , mais sucinto, entende que a confissão cabal dos fatos é suficiente para preencher o requisito entendido como a revelação de "toda a trama delituosa". Na falta de uma definição legal, restará à jurisprudência a tarefa de definir o conceito de “trama delituosa”, bem como caberá ao Ministério Público – responsável pela eventual propositura de ações contra os co-autores – e ao juiz avaliarem, no caso em concreto, se esta condição foi alcançada^64.

(^61) GOMES, Luiz Flávio e CERVINI, Raúl. Crime organizado. 2. ed., São Paulo: RT, 1997, p. 89. (^62) COSTA JÚNIOR. Paulo José da; QUEIJO, Maria Elizabeth; MACHADO, Charles Marcildes. Crimes do colarinho branco: comentários à lei n. 7.492/86, com jurisprudência; aspectos de direito constitucional e financeiro e anotações à 63 lei n. 9.613/98, que incrimina a "lavagem de dinheiro". 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 165.TÓRTIMA, José Carlos. Crimes contra o sistema financeiro nacional: uma contribuição ao estudo da lei nº 7.492/86. 64 Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000. p. 152. MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime organizado: aspectos gerais e mecanismos legais. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002. p. 62.

A Lei 9.807/99 criou, em seu capítulo I, normas para a organização e a manutenção de programas especiais de proteção a vítimas e testemunhas ameaçadas, ato de inegável importância para o desenvolvimento das investigações policiais, para a instrução processual e para a diminuição da impunidade. Não obstante, no âmbito deste trabalho, seu grande feito foi o que dispôs em seu capítulo II, que introduziu definitivamente no ordenamento jurídico o instituto da delação premiada.

Ainda que já tivessem sido editadas normas semelhantes, a Lei 9.807/99 trouxe verdadeiro avanço quanto à utilização do prêmio à delação. Isso, por duas razões principais: aplicar-se a todos os crimes, sem as restrições de legislações anteriores em relação aos tipos penais; e proporcionar proteção ao réu colaborador. Diz a lei, em seu artigo 13:

Art. 13. Poderá o juiz, de ofício ou a requerimento das partes, conceder o perdão judicial e a conseqüente extinção da punibilidade ao acusado que, sendo primário, tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa colaboração tenha resultado: I - a identificação dos demais co-autores ou partícipes da ação criminosa; II - a localização da vítima com a sua integridade física preservada; III - a recuperação total ou parcial do produto do crime. Parágrafo único. A concessão do perdão judicial levará em conta a personalidade do beneficiado e a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso.

Vê-se que o artigo 13 prevê o benefício do perdão judicial enquanto o artigo 14 o da redução de pena. Para a concessão do benefício do artigo 13, têm-se as seguintes condições: a) a existência de crime cometido em concurso de pessoas; b) a colaboração voluntária e efetiva do agente primário, que resultar na identificação dos demais co-autores ou partícipes do delito, na localização da vítima com sua integridade física preservada e na recuperação total ou parcial do produto do crime; c) as circunstâncias referentes à natureza do fato, forma de execução, gravidade objetiva e repercussão social do crime deverão ser favoráveis, bem como a personalidade do beneficiado.

Expostos esses requisitos, cumpre um exame mais detalhado. De início, verifica-se que o delator deverá ser primário. Cabe também questionar se as condições dos incisos do artigo 13 deverão ser satisfeitas cumulativamente ou alternativamente.

Apesar de enérgicos posicionamentos em ambos sentidos, existem, ainda, aqueles doutrinadores que não entendem nem por um, nem por outro. É o caso de Machado^66 , Monte^67 e König^68 , que acreditam, utilizando as palavras deste último, que “[...] o art. 13 possui condições cumulativas restritas ao tipo penal, vale dizer, uma cumulatividade temperada ou condicionada [...] [grifo nosso]”.

Apesar dos fortes argumentos esposados por esta corrente, entende-se pela aplicação extensiva do benefício, devendo haver o preenchimento alternativo dos requisitos, consoante o posicionamento adotado por Damásio^69 , Leal^70 , Pereira^71 e Azevedo^72. Isso por dois principais motivos: primeiro, pela forma incerta ou genérica que o legislador utilizou para disciplinar a matéria: se o objetivo fosse limitar o âmbito de incidência da benesse, este teria feito remissão expressa às hipóteses cabíveis. Segundo, diante da preterição pelo texto legal da conjunção aditiva “e” ou da conjunção alternativa “ou” na exposição dos três incisos – tornando impossível descobrir qual era a verdadeira intenção do legislador – resta fazer uso de uma regra hermenêutica penal elementar: “a qual estabelece que não cabe ao intérprete afastar a incidência de solução mais benéfica, quando a lei expressa e claramente não o fizer” 73.

Além destes requisitos acima citados, a concessão do perdão judicial fica submetida ao exame obrigatório pelo juiz de um grupo de circunstâncias relativas ao crime: a personalidade do agente, a natureza, gravidade e repercussão social do crime. Assim, o benefício não poderá ser outorgado sem que estas circunstâncias do fato sejam consideradas de forma positiva. Não poderia ser diferente, já que este prêmio deverá ser utilizado com cautela e se apresentar como única solução de autêntica justiça, conforme sustenta Leal^74.

(^66) MACHADO, Nilton João de Macedo. Lei n. 9.807/99: proteção à vítimas, testemunhas ameaçadas e acusados colaboradores (delação premiada). Disponível em: http://www.tj.sc.gov.br/cejur/doutrina/delacaopremiada.htm. 67 Acesso em: 24 abr. 2006. MONTE, Vanise Röhrig. A necessária interpretação do instituto da delação premiada, previsto na lei 9.807/99, à luz dosprincípios constitucionais. Revista da Ajuris. Porto Alegre, vol. 82, p. 234-248, 2001. (^68) KÖNIG, Sergio Donat. Art. 13 da lei n. 9.807/99. Boletim IBCCRIM. São Paulo, v.8, n.91, p. 6, jun. 2000. (^69) JESUS, Damásio Evangelista de. Perdão judicial - colaboração premiada: análise do art. 13 da Lei 9807/99: primeiras 70 idéias.^ Boletim IBCCRIM. São Paulo, v.7, n.82, p. 4-5, set. 1999. LEAL, João José. A lei 9.807/99 e a figura do acusado-colaborador ou prêmio à delação. RT/Fascículos Penais, s.l, ano 71 89, v. 782, p. 443-458, dez. 2000. PEREIRA, Alexandre Demetrius. Lei de proteção: às testemunhas ou aos criminosos?.34, ago. 1999. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1004. Acesso em: 11 abr. 2006. Jus Navigandi, Teresina, a. 3, n. (^72) AZEVEDO, David Teixeira de. A colaboração premiada num direito ético. Boletim IBCCrim, São Paulo, n. 83, p. 6, 73 out. 1999.LEAL, João José. A lei 9.807/99 e a figura do acusado-colaborador ou prêmio à delação. RT/Fascículos Penais, s.l, ano 74 89, v. 782, p. 443-458, dez. 2000. LEAL, João José. A lei 9.807/99 e a figura do acusado-colaborador ou prêmio à delação. RT/Fascículos Penais, s.l, ano 89, v. 782, p. 443-458, dez. 2000.