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Se todos os judeus são sem exceção os filhos da promessa, os eleitos do próprio. Deus, e Jesus Cristo, sendo um judeu de nascimento, não poderia ...
Tipologia: Notas de estudo
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São José do Rio Preto/ São Paulo 2018
Tese de doutorado apresentada ao IBILCE – Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas, da UNESP – Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho", como parte dos requisitos para obtenção do título de Doutor em Letras – Teoria e Estudos Literários. Financiadora: CAPES
Linha de Pesquisa: Perspectivas Teóricas no Estudo da Literatura Orientadora: Profa. Dra. Cláudia Maria Ceneviva Nigro
São José do Rio Preto/ São Paulo 2018
Tese de doutorado apresentada ao IBILCE – Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas, da UNESP – Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho", como parte dos requisitos para obtenção do título de Doutor em Letras – Teoria e Estudos Literários. Linha de Pesquisa: Perspectivas Teóricas no Estudo da Literatura Orientadora: Profa. Dra. Cláudia Maria Ceneviva Nigro
Banca Examinadora
Profa. Dra. Cláudia Maria Ceneviva Nigro UNESP – São José do Rio Preto Orientadora
Profa. Dra. Elizabeth Maria Azevedo Bilange Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
Profa. Dra. Maria Celeste Tommasello UNESP – São José do Rio Preto
Profa. Dra. Michelle Rubiane da Rocha Laranja Instituto Federal de São Paulo
Prof. Dr. Ulisses Infante UNESP – São José do Rio Preto
São José do Rio Preto/ São Paulo 19 de fevereiro 2018
(^1) Fragmento da fala de Raduan Nassar, em entrevista à Revista Cult , em junho de 2017, referindo-se ao pronunciamento por ocasião do Prêmio Camões concedido ao escritor brasileiro, no Museu Lasar Segall, em São Paulo. 2 Ainda parte da entrevista acima citada.
À Profa. Dra. Cláudia Nigro, com quem compartilhei durante os anos de doutorado não apenas a ciência literária, mas também a dos engendramentos humanos.
Às professoras Diana Junkes, Elizabeth Bilange, Michelle Rubiane Laranja, Maria Celeste Tommasello, e ao professor Ulisses Infante, pela leitura empreendida do trabalho e pelos apontamentos sugeridos.
Às colegas e ao colega da Pós-graduação Laís Midori, Mariana Guirado, Thadyanara Martinelli, Vivian Lemos, Yoanky Cordero, pelo convívio e alegria literária intensa.
Às minhas amigas-professoras Lucilene Machado, Joanna Durand Zwarg, Maria Adélia Menegazzo, por todos esses anos partilhando afetos e literatura comigo.
À Maria Alice Nantes, luz dos meus olhos, por ser quem é.
À Vanessa Vieira, pelo amor sagrado que nos une.
À professora-amiga Ana Maria Gomes, a grande dama dos Estudos de Gênero da UFMS, pela força, resiliência e dedicação aos que se achegam até ela.
Ao Luiz Jr. Carvalho, por encher minha vida de cores, afetos e poesia.
À Sueli Ignoti, por ter acompanhado à distância e na proximidade dos nossos afetos, a construção deste trabalho e os desejos nele implicados.
À CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento Pessoal de Nível Superior), pela concessão da bolsa de apoio financeiro.
O presente trabalho tratará de uma pesquisa contrastiva entre o conjunto da obra de Raduan Nassar ( Lavoura arcaica , Um copo de cólera , Menina a caminho , além dos contos “O velho” e “Monsenhores” dispostos na Obra Completa ) e os escritos sagrados para judeus e cristãos – Bíblia. Elucidar-se-á a poética que perpassa e une os textos, bem como o entendimento de que os escritos sagrados também se estruturam como um texto literário, pois se assim não fosse esses escritos não poderiam ter influenciado uma vasta literatura ao redor do mundo. Para endossar esse pensamento, demonstraremos que a formação da cultura ocidental tem como paradigma, entre outros, os ideais do Judaísmo e do Cristianismo, logo, a literatura, por sua vez, não poderia estar fora deste modelo. Por uma série de questões, dentre elas, a divulgação do cristianismo e a maneira pela qual o homem criou a imagem de Deus e sua personalidade por intermédio de seu próprio caráter, é possível afirmar que o substrato judaico-cristão – registrado desde tempos primitivos na Bíblia – permanece ainda hoje na cultura. Nesse sentido, queremos pensar que esse substrato tem livre trânsito entre os constructos artísticos arquitetados ao redor do Ocidente, conforme esclarecem alguns pesquisadores (acerca do traço cultural na literatura): Eneida Maria de Souza, Silviano Santiago, Jorge Luiz Borges, Michel Schneider, Antoine Compagnon, entre tantos outros. Dito de outro modo, os escritos religiosos são parte integrante de um conjunto de eventos que contribuiu na construção da cultura e “afetou” sobremaneira a literatura, tal como se nos apresentam os textos do escritor brasileiro Raduan Nassar.
PALAVRAS - CHAVE : Literatura bíblica; Literatura e religião; Literatura nassariana; Raduan Nassar.
Nosso universo moral é moldado por Rei Lear , Moby Dick e Madame Bovary tanto quanto pela Bíblia. Raramente absorvemos textos inteiros: imagens isoladas, frases e fragmentos vivem em nossas mentes em conjuntos incontáveis, fluidos, que agem e reagem uns sobre os outros. De maneira semelhante, a Bíblia não existe inteira em nossas mentes, mas nelas se encontra de forma fragmentária. Criamos nosso próprio “cânone dentro do cânone”, e deveríamos nos assegurar deliberadamente de que nossa seleção é uma coleção de textos benignos. O estudo histórico da Bíblia mostra que houve muitas visões rivais no antigo Israel, cada qual afirmando – muitas vezes de maneira agressiva – ser a versão oficial do jeovismo. Podemos ler a Bíblia hoje como um comentário profético ao nosso próprio mundo de ortodoxias furiosas; mas ela pode nos proporcionar a distância compassiva para compreender os perigos desse dogmatismo estridente e substituí-lo por um pluralismo purificado. (Karen Armstrong)
(... e é enxergando os utensílios, e mais o vestuário da família, que escuto vozes difusas perdidas naquele fosso, sem me surpreender contudo com a água transparente que ainda brota lá do fundo; e recuo em nossas fadigas, e recuo em tanta luta exausta, e vou puxando desse feixe de rotinas, um a um, os ossos sublimes do nosso código de conduta: o excesso proibido, o zelo uma exigência, e, condenado como vício, a prédica constante contra o desperdício, apontando sempre como ofensa grave ao trabalho; e reencontro a mensagem morna de cenhos e sobrolhos, e as nossas vergonhas mais escondidas nos traindo no rubor das faces, e a angústia ácida de um pito vindo a propósito, e uma disciplina às vezes descarnada, e também uma escola de meninos-artesões, defendendo de adquirir fora o que pudesse ser feito por nossas próprias mãos, e uma lei ainda mais rígida, dispondo que era lá mesmo na fazenda que devia ser amassado o nosso pão: nunca tivemos outro em nossa mesa que não fosse o pão- de-casa, e era na hora de reparti-lo que concluíamos, três vez ao dia, o nosso ritual de austeridade, sendo que era também na mesa, mais que em qualquer outro lugar, onde fazíamos de olhos baixos nosso aprendizado da justiça.) (Raduan Nassar)
e o projeto Sósia produzido para a 32ª Bienal de São Paulo (2016), do artista Rayyane Tabet, em que a proposta é tratar acerca da migração libanesa no Brasil, utilizando a novela Um copo de cólera. Em maior ou menor grau, esses eventos, e outros que não conseguimos visualizar em traços mais nítidos, e tampouco na ordem como dispomos, constituem a realocação da obra do autor em evidência no cenário literário. Queremos acrescentar um motivo a mais para a circulação intensificada da obra de Nassar, e para isso, lanço mão do pensamento do filósofo Didi-Huberman: as artes e as suas coisas detêm a mesma função dos vaga-lumes – lançar lampejos sobre as densas trevas em que a humanidade se encontra. Se o homem deliberadamente empreende os constructos artísticos, ele torna-se uma espécie de vaga-lume; “os seres humanos”, escreve Didi-Huberman, são “seres luminescentes, dançantes, erráticos, intocáveis e resistentes enquanto tais – sob nosso olhar maravilhado” (DIDI-HUBERMAN, 2011, p. 23). A leitura que proporemos para o conjunto da obra de Raduan Nassar ao longo desta tese nos fará entender que o escritor brasileiro é um ser-vaga-lume: “Para compreender os vaga-lumes, é preciso observá-los no presente de sua sobrevivência: é preciso vê-los dançar vivos no meio da noite, ainda que essa noite seja varrida por alguns ferozes projetores” (DIDI-HUBERMAN, 2011, p. 52). Nassar projeta, por intermédio de seus textos literários, uma luz sobre nós e então podemos ver. É possível caminhando nas sendas nassarianas compreender elementos do campo estético, mítico, filosófico, cultural, religioso, etc., no interior das sociedades. O que seria nesta tese o entendimento das esferas política, estética, mítica, filosófica, cultural, religiosa, etc.? O modo como esses elementos se relacionam e/ou se projetam no mundo mais empírico e como o homem os maneja. Raduan Nassar, em seus textos, desmonta a concepção de família tradicional-patriarcal carregada de elementos da religião, como a ideal, bem como o discurso (o amor, a união, o trabalho) que a mantém de pé. Traz à luz elementos que nos permitem entender o quanto somos violentos e beligerantes em mantermos intactas ideias que já não servem para o mundo da agoridade: um sistema onde apenas um tem direito à voz e um governante que oblitere a dos demais; uma sociedade que se vale de elementos religiosos para suprimir o direito de alguns em viver dignamente, por não compactuarem com uma ética e uma moral forjadas a partir da religião; um Estado totalitário que se organize para muito poucos e os que se insurjam são severamente punidos e em última instância têm seus corpos eliminados.
Há, no entanto, aqueles que não veem os vaga-lumes, posicionam-se no lugar de onde esses lampejadores já se debandaram.
Mas como os vaga-lumes desapareceram ou “redesapareceram”? É somente aos nossos olhos que eles “desaparecem pura e simplesmente”. Seria bem mais justo dizer que eles “se vão”, pura e simplesmente. Que eles “desaparecem” apenas na medida em que o espectador renuncia a segui-los. Eles desaparecem de sua vista porque o espectador fica no seu lugar que não é mais o melhor lugar para vê- los (DIDI-HUBERMAN, 2011, p. 47).
Raduan Nassar nos faz enxergar elementos que se ocultam na escuridão, é certo; por outro lado, seguindo as proposições de Didi-Huberman, há aqueles que se recusam a ver, preferem não entender, não fazer uma reflexão do lugar/tempo onde estão alocados. Certo também o é que os vaga-lumes não desapareceram. “Alguns estão bem perto de nós, eles nos roçam na escuridão; outros partiram para além do horizonte, tentando reformar em outro lugar sua comunidade, sua minoria, seu desejo partilhado” (DIDI- HUBERMAN, 2011, p. 160). Assim como eles, tampouco a obra de Raduan Nassar deixa de dizer, circular e nos projetar fagulhas de luz, indicando quem somos e onde estamos. Quem somos? Sujeitos da religião. Onde estamos? Num espaço cuja cultura foi forjada com elementos religiosos, conforme trataremos no primeiro capítulo deste trabalho, lançando mão das proposições acerca da constituição da cultura do Ocidente. E é possível visualizar, entre outros, os elementos que fazem parte da religião judaico- cristã: o tempo que passa a ser pensado/vivenciado de outra maneira, como nos informam as palavras de Umberti Galimberti (2003); o humanismo, outro elemento que, segundo Edward Said (2007), estrutura-se com os ideais do Cristianismo. Para além dessas questões, queremos pensar, seguindo as proposições de Erich Auerbach (2009), Slavoj Žižek (2015) e Antonio Carlos Magalhães (2009), que há um legado deixado pela escritura do Judaísmo e do Cristianismo; legado que não pode ser deixado de lado para pensar a cultura, o humanismo, a cosmovisão e a literatura produzida neste espaço dito ocidental. Se os textos aos quais lançamos mãos para refletir e contrastar com o conjunto da obra de Raduan Nassar são os da religião, sobre esta proporemos uma discussão de como se estrutura, se organiza, o que ela significa para a humanidade em geral e para os que comungam da fé religiosa. É evidente que muitos precisam da religião para se sentir seguros em relação aos embates do mundo e há, por outra parte, os que não professam
A crucificação de Cristo, outro tema revisitado por Nassar, perpassa pelos textos do escritor brasileiro, como pode ser observado em Lavoura arcaica , Um copo de cólera , no conto “Menina a caminho”. Em maior ou menor grau, determinadas personagens desses textos sofrem uma espécie de crucificação, a mesma perpetrada contra o filho de Deus, e as vítimas silenciadas por seus algozes resignam-se à crueldade, ao desrespeito à pessoa humana, à inumanidade. Para entender a temática da crucificação e melhor elucidá-la, pensaremos a construção da crueldade ( Animal- bestializado: o homem em Raduan Nassar ) do/no homem e como esta se projeta no outro, na vítima. Ainda no capítulo II, no subtópico – Os silêncios nassarianos – elucidaremos o que seria um possível fracasso na/da linguagem; quando determinado evento não pode ser materializado por intermédio das palavras, o silêncio deve ser convocado. Talvez isso explique, em parte, os silêncios no interior do conjunto da obra de Raduan Nassar. O que pensar sobre a violência extrema empreendida contra Jesus Cristo e algumas personagens nassarianas, senão convocar os “gestos silenciosos” que Foucault (1978) nos esclarece? No capítulo III, As personagens sagrado-nassarianas , far-se-á (que essa mesóclise não deslegitime nosso trabalho) uma análise contrastiva entre as personagens nassarianas e Jesus Cristo, enquanto sujeitos da insurgência, isto é, aqueles que desafiam as normas estabelecidas, subvertem o que está posto para ser obrigatoriamente seguido. Os sujeitos que se insurgem, tanto no texto bíblico como nos de Raduan Nassar, o fazem como uma maneira de questionar/criticar o modus operandi social e cultural dos lugares onde estão. Para além das críticas e dos questionamentos perpetrados por essas personagens, há neles um desejo de que algo seja modificado, transformado, reelaborado. Cristo, e isso nos parece claro, é um subversor por excelência, atua de modo a escandalizar a sociedade de seu tempo; essa subversão, no entanto, está menos para chocar a sociedade de sua época que fazer justiça, reconhecer os degradados, dissidentes, propiciar a estes um espaço para se movimentarem nos espaços sociais. André, narrador de Lavoura arcaica , em conluio com Ana, sua irmã, subverte as regras paternas, desafia os preceitos ancestrais da família e relaciona-se com a irmã. Para os que desestabilizam a ordem vigente há um preço a ser pago: Ana e Jesus Cristo, com a própria vida; André, com a frustração de um amor interditado, impossível.
Ainda no capítulo em questão trataremos de pensar o elemento erótico na Bíblia e na obra de Raduan Nassar, bem como a relação desse elemento em ambos os textos. Do texto sagrado lançaremos mão do livro O cântico dos cânticos , de autoria atribuída ao rei Salomão, e do escritor brasileiro, Lavoura arcaica , Um copo de cólera , os contos “Hoje de madrugada”, “Aí pelas três da tarde” e “O velho”. Os sujeitos do erotismo são Sulamita e o rei Salomão, na Bíblia ; Ana e André, do Lavoura ; personagens masculina e feminina d’ Um copo ; o bacharel e a personagem mulher, de “O velho”. Todos empreendem uma prática erótica: desejo, exaltação aos corpos, à beleza dos seres amados. O erotismo tem a ver com uma poética corpórea que está para além da junção sexual; é, conforme as palavras de Octavio Paz (1994), rito, cerimônia, ato poético. Raduan Nassar, como o autor de O cântico dos cânticos , empreende um lirismo do desejo, da união entre os corpos – a liturgia poético-sexual entre os sujeitos da paixão. Pelo fato de o erótico não estar apenas na conjunção dos corpos, ele pode ser observado em momentos onde não há a presença de um outro para o qual o desejo se inclina. No início de Lavoura arcaica , por exemplo, André, o narrador-personagem, empreende um discurso erótico carregado de poesia e imagens, utilizando seu próprio corpo. O mesmo acontece com a personagem masculina de Um copo de cólera ; enquanto aguarda na cama a namorada traça um perfil erótico dos excelentes sobre seu corpo. Também a personagem de “Aí pelas três da tarde” erotiza seu corpo: o modo como seus movimentos são descritos, a retirada das roupas, do sapato – um conjunto de gestos que designam erotismo, poesia, sedução, ainda que não haja intenção/desejo sexual. Já no conto “Hoje de madrugada”, o narrador constrói um discurso que demonstra como a personagem feminina empreende um erotismo no intuito de seduzir o marido que não a deseja. Ainda que a mulher não alcance seu desejo, é inegável que seus gestos estejam compostos a partir do erótico. No capítulo IV – A lavoura de deuses – partiremos de uma concepção sobre Jeová Deus, demonstrando como atua em relação aos fiéis – os leais e os que traem sua confiança. Essa deidade, viva ou morta, continua conduzindo a humanidade em muitos aspectos; os homens crentes ou não estão sob uma cultura, uma ética, uma moral, dispostas nos escritos sagrados e ditadas pelo próprio Deus. O Deus judaico-cristão se apresenta de forma ambígua – é bastante contraditório em suas decisões, oscilando ora no amor incondicional que sente por seus filhos, ora no caráter vulcânico, vingativo, ciumento, conforme elucidam, entre outros, Terry Eagleton
amores impossíveis, a demanda nunca alcançada, a insurgência das personagens, as mulheres como sujeitos abjetos e de segunda categoria, ademais de outras minorias sociais. Nota-se um trabalho profundo com as palavras – Raduan é uma espécie de artesão do verbo – empreende imagens, metáforas, fluxo de consciência, idas e vindas de um tempo recortado/fragmentado, mas que se une, conformando um sentido global ao texto. O efeito que essas palavras articuladas minuciosamente causam no leitor é de tensão, êxtase, espanto; ler esses textos é um convite para arder no verbo nassariano que nunca deixa de falar/queimar, assustar, provocar solavancos. O último item do Anexos está composto pela carta escrita por Rayyane Tabet, artista plástico libanês, onde o artista explica o contato que teve com Raduan Nassar, por intermédio do livro Um copo de cólera. Tabet procura com seu projeto artístico Sósia encontrar um ponto de encontro e por que não de explicações para a vida lacunar entre os migrantes libaneses no Brasil e os que ficaram no Líbano. Entre outros elementos, no trabalho artístico, Rayyane Tabet lê em árabe o capítulo “O esporro”, do livro Um cópo de cólera , traduzido para o árabe por Mamede Jarouche. Raduan, escritor-vaga-lume, lança, então, lampejos ao outro lado do mundo, dizendo acerca das sobrevivências , das nossas, do Líbano devastado, do mundo submerso nas trevas.
Sabemos que os europeus, quanto à etnia, são também formados por grupos híbridos, como certas espigas de milho; como de resto foram híbridos todos os grupos humanos das chamadas “grandes civilizações” anteriores. Inclusive a cultura europeia, impregnada de judaísmo e cristianismo, não é mais que o desenvolvimento de uma complexa mistura de elementos provenientes de várias fontes, ou seja, ideias de outras geografias migraram para lá como a migração das andorinhas. (Raduan Nassar)